Fumaça escrita por Gabinos


Capítulo 1
Antes que vire cinzas




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— Não sabia que você era do tipo que fumava logo depois de trepar.

Minos guardou seu isqueiro cuidadosamente dentro do maço, atirando-se contra os travesseiros empilhados. Deu a primeira tragada. Profunda. Fechou os olhos enquanto sentia a fumaça preencher seus pulmões.

Esvaziou a cabeça naqueles poucos segundos.

Então liberou a fumaça.

— Assim tenho tempo de pensar antes de te responder.

Ouviu a riso breve — e carregado com desdém — de Albafica, abafado pelo cigarro que roubara de Minos, preso entre os lábios. O imitava, debochado, pondo-se rapidamente sobre os cotovelos logo após expelir a primeira tragada.

— Você tem medo de mim a esse ponto? De precisar pensar bem no que responder?

Notou a intenção de Minos, jogando-se sobre suas pernas, a fim de alcançar o cinzeiro ao lado do abajur. Assim também o impediria de levantar-se. 

— É pelas respostas cretinas que preciso pensar bem no que dizer. Você se aproveita do meu temperamento ruim pra tirar sarro da minha cara. — Levou o cigarro novamente à boca, continuando secamente antes de fumar — Idiota. Sai de cima de mim.

Puxou-lhe um pedaço de pele do topo da coxa, usando os dentes. Intercalava as mordidas com os beijos e o escárnio transformado em palavras.

— Apenas confesse que você tem medo.

Teve os cabelos puxados rudemente, forçando-o a levantar o rosto. Ah, o gênio ruim de Minos, o instinto que o fazia abrir um daqueles sorrisos largos, quase macabros. Albafica, para bem da verdade, não sabia interpretar direito aquilo.

— E te dá prazer achar que eu sinto medo de você? É isso?

— Parabéns. O cigarro realmente te ajuda a pensar. Não tenho culpa se você passa a impressão de ser mais agradável quando está acuado que nem um gatinho medroso. Mais agradável ou menos asqueroso, você escolhe.

Minos prendeu o cigarro no canto da boca, usando a outra mão para alcançar o pescoço daquele desgraçado. Adorava isso em Albafica. O filho da puta nunca demonstrava medo, nem quando era privado do simples ato de respirar. Até mesmo deixou que seu corpo fosse atirado para o lado, como uma coisa usada, sem desviar o olhar. Aproveitando a liberdade, Minos levantou-se. Foi até a cozinha, bebeu um gole de leite direto da caixa. Trouxe uma garrafa de cerveja preta para sua visita.

— Você vai embora ou resolveu me aporrinhar pelo resto da noite?

Albafica apagava a bituca no cinzeiro, respondendo com a rudeza habitual, apanhando a bebida.

— Pois bem, se quisesse que eu fosse embora não estaria tentando me agradar, não é mesmo?

— E se não quisesse que eu te agradasse, não tinha vindo bater na minha porta, não é mesmo?

— Senti pena. Você ia ficar aqui sozinho, refletindo sobre sua vida miserável. Ah, não venha me dizer que eu atrapalhei o encontro, talvez tenha é feito você economizar dinheiro. Violate é nome de prostituta, daquelas que não faz o serviço completo, né?

Minos riu. Quando a figura bonita que agora encontrava-se despida sobre sua cama aparecera ali, teve que desmarcar seu compromisso com Violate. Esquivar-se das perguntas dela, atordoado com a mão que entrava por debaixo de suas calças, a língua que tocava-lhe o pescoço, afoita. Mordeu a boca para não gemer enquanto ouvia os xingamentos do outro lado da linha.

— Violate é minha irmã. Ela até pode ser uma puta, mas uma do tipo que incomoda, não que faz dinheiro.

— Ah. Achei que você tinha nascido de chocadeira. Um bicho ruim desses não tem cara de quem tem família.

— Bicho ruim?

Minos apoiou um dos joelhos sobre a cama, aproximando o corpo ao de Albafica. Puxou-o pela cintura com um dos braços, segurou-lhe também pelo pescoço. Dessa vez, com alguma gentileza. A troca de calor entre as peles dos dois corpos, ocorrendo em concomitância com a troca de ar pela proximidade das bocas. Albafica sorriu, dessa vez era sincero.

Devolveu cada toque, fosse ele suave ou mais intenso. Entregou-lhe os lábios, sendo beijado à maneira que tanto gostava. Deitaram-se sobre a cama, onde teve os cabelos afastados do rosto, mantendo a expressão séria enquanto era examinado pelos olhos curiosos de Minos.

— Que foi, bicho ruim? Vai dizer agora que eu sou bonito ou alguma besteira desse tipo?

— Vai ficar me chamando de bicho ruim?

Deitado sobre a lateral do corpo, diminui a já inexistente distância entre ele mesmo e Albafica, que parecia irritado por conta da interrupção nas carícias.

— Você pareceu gostar do apelido. Resolvi agradá-lo também.

— Ah, eu sei que vai dormir aqui, então vai me agradar bastante.

Embora fosse sim sua intenção, sentiu-se tenso ao ouvir aquelas palavras. Sempre evitara dormir junto com aquele homem, mas não tinha forças para sair de seus braços naquele momento. Sentia-se quase confortável, até mesmo querido. E se tinha algo do qual ele fugia, era daquela sensação traiçoeira de que alguém o amava. Não, Minos não seria capaz de amá-lo. 

— E se eu dormir aqui? O que que tem?

— Então vou dizer coisas amáveis para que você também desfrute da minha companhia.

— Só o que me faltava. Vai dizer o que? Que eu sou bonito? Acha que eu nunca ouvi isso antes?

— Eu gosto dessa sua cara bem feita. Desses olhos de bicho arisco e dessa boca que fala um monte de merda só pra encher meu saco. — dizia pacientemente enquanto provava o gosto da pele, embora já o conhecesse muito bem — Um dia eu descubro qual o seu problema e o porquê de você fazer questão de me chamar de fodido. Hoje eu já não tenho paciência pra isso.

O verdadeiro motivo da dita falta de paciência era composto de várias sentimentos conflitantes. Entre eles, o medo de que as palavras rudes fossem, de fato, verdadeiras. E o que faria caso não fossem? Ainda mais desesperadora era a questão: o que faria se fossem?

Albafica já era complicado. Gostar de um cretino assim? Ainda mais.

 

Necessitava de outro cigarro, queria seu tempo para poder pensar melhor antes de responder aos próximos impropérios. Quisera ele ter mais controle sobre a situação e não deixar que o outro proferisse aquele discurso quase ensaiado de desdém. Se queria odiá-lo, ótimo. Desde que estivesse ali. Sua presença era a única coisa que importava.

Tornou a trocar carícias, dessa vez, delicadas. Algo inesperado para Albafica. Assim o faria, pelo resto da noite, quiçá pelo resto da vida, caso tal privilégio fosse concedido. Ah, quanta besteira perder tempo ponderando sobre tamanha improbabilidade!

Albafica congelara. Fechou os olhos e perdeu-se na sensação agradável que o carinho no rosto lhe proporcionava. Não era acostumado a isso. Algo tão simples, vindo de alguém tão filho da puta quanto sabia que Minos era… Não deveria ceder. Entretanto, assim o fizera, há alguns meses atrás. 

Agira impulsivamente. Olhava com asco para o colega de trabalho durante as primeiras semanas, pensando em como fora estúpido em agir como um animal no cio. Sabia ter reconhecido outro em mesma situação. Era o cheiro, o roçar da pele, o suor dos corpos. Culpava o instinto naquilo tudo. Oras, foi algo muito fora de seu controle que o fez notar, tarde demais, que já havia passado há muito do ponto onde era impossível retornar, estando completamente despido, refestelando-se junto àquele cretino. 

Acontecera novamente: nunca teve a intenção de trocar gentileza nenhuma, fosse na forma de palavras ou de toques, entretanto recebia os beijos suaves, os afagos no rosto e já o tinha por entre suas pernas. Respondia ao gemido baixo, íntimo, procurando pela boca do outro, cujo rosto estava mais próximo ao seu do que o habitual.

Assustador, caso não fosse tão absurdamente delicioso.

Ao fim de mais um êxtase, outro cigarro. Na prática, um pedido de silêncio.  Qualquer fosse a palavra dita, arruinaria tudo. O jogo de insultos era desgastante, afinal de contas, e ambos encontravam-se esgotados. Mal encararam-se, cada um olhava para seu próprio ponto no teto. Deram a liberdade para que a fumaça preenchesse todos os vazios que existiam naquele pequeno quarto, desejando, em um desespero infantil, que ela tomasse também o lugar dos sentimentos indesejados, que lhes esmagava o peito com mais intensidade do que a mistura de alcatrão e nicotina que tragavam para dentro de seus pulmões.


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