Drania escrita por Capitain


Capítulo 40
Incêndio


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Devagar, o corpo ensanguentado que estivera imóvel até alguns segundos atrás começou a se levantar. Aurora estava... viva? mas...

Ela apoiou-se no pelourinho em que estivera presa, as cordas que antes amarravam seus pulsos desintegrando-se em poeira preta. Seus movimentos eram mecânicos, lentos, desajeitados. E seus olhos permaneciam firmemente fechados. Eu tentei chamá-la, mas minha voz não me obedecia.

Eu estava muito fraca para fazer qualquer outra coisa além de existir, naquele momento. O rosto da estranha menina voltou à minha mente, como para me lembrar que eu estivera prestes a morrer. Aurora lentamente pôs-se de pé, caminhando em minha direção, com os olhos fechados, mancando em uma perna. O corte que atravessava sua boca escorria sangue vermelho escuro, torto como um sorriso macabro.

Aurora? Eu tentei falar, mas minha boca não existia mais.

O pé de Aurora enroscou em seu vestido rasgado e ela caiu no chão.

— AAAAAAAAAAAAAAHHHHHH - A bruxa levantou-se sacudindo os membros e gritando. Ela olhou em volta de maneira inquisitiva e respirou fundo, aliviada, antes de deixar-se desabar no chão novamente. Ela tentou formular uma frase, mas foi incapaz de pronunciar nada coerente, e eu não sabia se ela estava falando comigo ou não. Tentei falar mais uma vez, mas não consegui.

Ela levou a mão ao rosto e tocou a enorme ferida em sua boca. Sacudindo a cabeça em desaprovação, ela suspirou. Seu rosto se fechou em uma careta de concentração e ela abriu a boca. Eu não entendi o que ela estava fazendo, até que ouvi um som estranho vindo da sua boca aberta. Mesmo com o imenso corte voltando a sangrar profusamente, ela conseguiu estalar a língua. Lentamente, uma luz esbranquiçada começou a trabalhar na ferida, e eu pude ver sua língua e lábios lentamente voltando às suas posições naturais.

O feitiço parou abruptamente, mais ou menos na metade do caminho. O corte no rosto de Aurora agora tinha uma casquinha, e embora sua língua ainda sangrasse, ela não estava mais dividida ao meio. Aurora respirou fundo mais algumas vezes, e virou-se para mim.

— Drania? O que houve com você? - ela perguntou. Vendo que eu não tinha resposta, ela sacudiu a cabeça. - Você deve estar tão confusa quanto eu. O que raios aconteceu com esse lugar? foco, Aurora, foco. Drania vai morrer se ela não conseguir um pouco de energia, e eu também podia usar alguma nesse momento. Não tem inimigos à vista? Não. Ok. - Ela se concentrou por um segundo, e eu senti sua mente ao meu redor, gentilmente me puxando pera mais perto dela.

— Me diga o que houve com você e onde está Goroth, a voz dela disse em minha cabeça. Seja rápida, porque minha energia está acabando.

 - Goroth está na floresta, fora da cidade. Eu entrei aqui para te procurar sozinha. Eu não sei o que houve comigo. Eu achei que você tinha morrido, e eu só...quebrei. Não sei o que aconteceu depois, só vi uns raios roxos e desmaiei. Aquela garota que apareceu em Ágora apareceu de novo num sonho e me disse que eu estava morrendo, e que eu precisava acordar, e...

A mente de Aurora desapareceu.

— Isso é tudo o que posso fazer por hora. - A bruxa falou quando o contato se encerrou - Felizmente, Goroth está bem, e nós podemos dar um jeito de sair daqui assim que eu conseguir um pouco de energia... você disse que a garota do futuro voltou?

Eu não consegui responder.

— Ah é. Certo. Esqueci. - Ela pensou um pouco - eu não culpo você por ter pensado que eu estava morta. Eu mesma achei que não tinha mais saída algumas vezes. Aquele feitiço para ativar as barreiras de ágora drenou quase toda a minha energia, e eu não pude comer ou dormir muito desde então. Eu acabei tendo que entrar em um transe profundo para preservar o resto de energia que eu tinha, mas aí eu senti um fluxo enorme de energia escura e pensei que ele tinha... espere. Foi você, não foi? como... Deixa pra lá.

Enquanto falava, a bruxa amarrava partes do seu vestido de volta, e arrancava alguns pedaços rasgados para enfaixar alguns dos cortes mais profundos. Ela abaixou-se com um grunhido de dor, e pegou um punhado da estranha areia preta que cobria tudo ao nosso redor.

— Foi produzida por extremo calor e pressão... - ela disse - como quando um raio atinge rocha.

Olhando ao redor, mesmo sem poder mexer minha cabeça, eu notei que embora essa areia vitrificada cobrisse quase tudo perto de mim em um círculo de vários metros em toda as direções, a cabana de Rasth estava intocada, assim como o pelourinho e Aurora. A divisa entre a areia preta e o solo comum era como um intricado padrão de raízes, como se um artista houvesse pintado várias árvores secas no chão com esse estranho material escuro.

— Você descarregou uma imensa quantidade de energia - Aurora explicou - esse padrão é bem comum quando um mago usa relâmpagos. A energia derrete... - ela se interrompeu, erguendo os olhos na direção da tenda de Rasth. - Temos companhia. Fique aqui.

Sem mais nenhuma palavra, Aurora seguiu em frente, sumindo de meu campo visual.

Aurora! - eu tenti gritar, mas minha boca não estava lá.

Um orc estava atacando? Alguém do culto? O Arauto? Tentei me virar para ver, e meu pescoço começou a me obedecer, virando alguns milímetros para a esquerda antes de parar, lançando pulsos de dor através do meu corpo fantasma. Minha visão começou a escurecer, e os contornos do ambiente começaram a ficar desfocados. Quando tudo desapareceu, a voz da menina voltou a ecoar na minha cabeça.

— Você está morrendo. - ela disse, em seu tom monótono.

Eu não conseguia mais ouvir ou ver nada no mundo lá fora, enrolada em um pequeno pontinho de energia, lutando para sobreviver. Como na noite em que morri, O Vazio me chamava de volta.

Você não deveria existir, as vozes sussurravam da escuridão. Você é incapaz de ajudá-la.

Aurora estava em algum lugar lá fora, lutando para salvar nossas vidas.  Para me salvar. Quantas vezes Aurora me salvou? Até Goroth, que tinha motivos para me odiar, me ajudou e me aceitou. Em todo esse tempo, o que eu fiz? Chorei e me preocupei? Fiz perguntas e flutuei inutilmente por aí? essa não era eu. Era uma imitação, um fantoche vazio de vontade ou determinação.

Você é um desperdício de energia. - o vazio tentava me convencer

Porque eu tinha decidido voltar à vida? Que razão tinha eu de viver? Eu não tinha mais saída. Não tinha mais cartas na manga. O resto de energia que eu tinha mal suportava minha consciência.

Desista!

Eu devia desistir, de verdade. Quando eu desistisse, o mundo estaria melhor sem mim. Mas uma vozinha no fundo da minha vagante consciência não queria admitir derrota.

Se eu desistir, quem vai salvar Alice?

Patética. Era isso que eu era. No meu último minuto de vida, eu estava me lamentando, ao invés de lutar. Me joguei de cabeça, revisitando todas as minhas memórias dos últimos dias, procurando alguma coisa, qualquer coisa, que eu pudesse usar. Runas. Energia. Magia, transmorfos. Alice. O Arauto. Goroth. Fantasmas. Feitiços.

Então eu entendi.

Com meu último suspiro de energia, eu virei as costas para o vazio mais uma vez. Aprofundando minha concentração, eu juntei minha consciência em um pequeno pontinho, uma gota luminosa num oceano de nada. Eu não precisava de um corpo. Eu não precisava de ajuda. Eu não precisava ser salva.

Tudo o que eu precisava era de algo para queimar.

Eu me lembrei do que Aurora havia me dito na cidade-caverna, quando ela me ensinou sobre energia.

se você lançar um feitiço sem saber quanta energia precisa para completá-lo, a Língua Absoluta vai força-lá a colocar toda a sua energia nele. - Ela dissera - E se toda a energia fluindo pelo seu corpo não for o suficiente... você queima.

Se a Língua Absoluta consegue, eu disse para mim mesma, eu também consigo. Ignorando a dor e a fraqueza, eu puxei minha mente até ela estar quase totalmente separada do meu corpo, com a penas uma única conexão entre os dois, esticada como uma corda de matéria escura e energia. Então eu ordenei ao meu corpo que queimasse.

O feitiço me ocorreu naturalmente, uma mistura de meus poderes de transmorfa, meus poderes de fantasma, a magia que Aurora estava tentando me ensinar, e as preces que Alice tinha feito para salvar Ada.  De repente eu apenas... sabia o que fazer. Eu mandei comandos até cada uma das minhas células, e as fiz esquentar. Como a febre que me afligia sempre que eu usava meus poderes quando viva.

De alguma forma, que sabia que quando meu corpo fantasma esquentasse a ponto de derreter e queimar, ele liberaria energia. A energia não teria nenhum lugar para ir no vazio, então eu a sugaria antes que a escuridão a engolisse. Quase imediatamente, e sem aviso, meu corpo explodiu em chamas roxas e azuis. A energia atravessou a ponte entre meu corpo e minha mente, e eu, agora apenas uma consciência sem corpo ou forma, me impulsionei para longe da morte mais uma vez.

Dessa vez, porém, seria diferente.

Dessa vez, eu não seria salva por ninguém.

Dessa vez, era eu quem iria salvar Aurora.

 


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Notas finais do capítulo

mals ae pela demora. o próximo vem logo, não se preocupem!



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