A Magia do Submundo escrita por Lorde Vallex


Capítulo 6
Sexta Classe


Notas iniciais do capítulo

Hello!
Desculpa pela demora (esta que será mais frequente ainda por esse período). Aqui está o primeiro capítulo do ato II



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Em algum lugar nas proximidades de Fairyshall, o ar estava fedendo a enxofre e a uma fumaça densa e escura. O ambiente parecia poluído, e o fato de estarem em uma caverna piorava ainda mais a situação.
O interior da caverna era um cenário horrível. Embora houvesse vastas quantidades de ouro e pedras preciosas nas câmaras de baixo, a parte de cima era um cenário de pura crueldade.
Reunidos em uma área isolada da caverna, dois homens conversavam. O primeiro era baixo e magro, um pouco corcunda, com longos cabelos negros e oleosos e uma túnica vermelha e dourada que arrastava no chão. Usava um anel de ouro e uma coroa.
O outro usava uma túnica mais simples, em tons de vermelho e vinho, e usava apenas o anel. Era mais alto que o outro, e possuía cabelos ruivos e bagunçados.

— Senhor Arvak, por quanto tempo mais continuaremos nesta caverna deplorável? — indagou o mais alto, de túnica simples.

— Por algum tempo, Phill — respondeu o Senhor Arvak com calma. — Nossos fiéis seguidores precisam de um local para se reunir, e esta caverna serve bem às nossas necessidades.

— Mas não é o suficiente! Venerável, não podemos simplesmente estabelecer nosso culto em um lugar tão… modesto.

— Eu já disse, é temporário. Em breve, quando Lorde Mamon finalmente estiver na Terra, nós nos ergueremos acima até dos maiores humanos.

— Espero que isso não demore a acontecer — comentou Phill. Arvak concordou.

O Sacerdote de Mamon então observou a cena diante de si. Havia uma dúzia de pessoas amordaçadas e acorrentadas, sujas e com hematomas pelo corpo. Algumas haviam desmaiado, porém mais da metade olhava com desespero para os dois cultistas.
Arvak então estendeu o braço para a frente, e um demônio surgiu. Era uma criatura semelhante a um macaco, com dois metros de altura, três caudas e quatro chifres. Quando o demônio abriu a boca, uma névoa saiu dela e entrou na primeira pessoa aprisionada. Ele repetiu o processo nas outras.
Logo, as doze pessoas começaram a tremer e a se contorcer. Veias negras começaram a surgir e sangue foi liberado de todos os seus orifícios. Após cerca de dez minutos, as doze pessoas eram doze criaturas desfiguradas, uma mais estranha do que a outra.
Phill sorriu, impressionado.

— Nunca me canso de assistir as maravilhas do mundo demoníaco. E pensar que Lorde Mamon nos daria um Corruptor vivo.

Os Corruptores, demônios extremamente raros que possuíam uma força incomum. Eles não se encaixavam propriamente em nenhuma classe. Eram tão poderosos quanto demônios da quinta classe, mas não possuíam uma casca humana. Corruptores também possuíam a singular habilidade de transformar pessoas vivas e desoladas em demônios — normalmente, seres humanos só se tornam demônios após passarem décadas confinados no inferno.
O Sacerdote Arvak assentiu.

— Com ele ao nosso lado, talvez seja possível alcançar o nosso objetivo. Em breve, a ponte estará aberta, e nada ficará em nosso caminho.

— Mas e quanto à Irmandade?

— As bruxas não sabem exatamente o que estamos fazendo — explicou Arvak. — Não podem nos impedir, afinal, nem sabem o que buscamos.

Phill concordou com a cabeça. Após mais algum tempo na presença do sacerdote, do Corruptor e dos demônios transformados, ele se retirou.
Arvak, pelo contrário, passou boa parte da noite admirando seu trabalho. Já eram mais de noventa demônios transformados pelo Corruptor, e este número tendia a aumentar.
O Sacerdote sempre fora um dos mais devotos servos de Mamon, e a informação de que a ponte estava naquele continente — possivelmente — fizeram dele o escolhido para encontrá-la. Isso era algo que nem a Irmandade da Bruxaria conseguiu, porém as bruxas não possuíam o conhecimento que Arvak tinha. Ele sabia um meio de abrir a ponte. Só precisava reunir os ingredientes.
O desafio era encontrá-la. Ele já tinha um alvo traçado: Fairyshall, o local em que supostamente a ponte fora aberta uma vez. Ele levaria a parte principal de seu culto para aquela cidade.
E traria consigo morte e destruição. Os indignos não seriam perdoados. Seriam apenas alimento para os vermes da terra.

*

Mais uma aula se passara sem que nada ocorresse. Jason aproveitara o intervalo para concluir as suas últimas lições e, finalmente, descansar um pouco. A presença de Luna tornara-se, no decorrer do mês, algo normal para os — anteriormente — três amigos. Robert estava quase conseguindo convencer a meio-demônio a começar a jogar o RPG Dark Conqueror, mas Luna ainda relutava.

— Eu nem sei mexer nessas coisas — murmurara ela.

— Nós já percebemos que você e o Jay passam o dia todo juntos — comentou Robert, olhando estranho para os dois. — Por que ele não te ensina a jogar?

— Porque estamos sempre ocupados — resmungou Jason, concentrado na atividade.

— Ah, é? Com o quê? — perguntou Robert, maliciosamente.

— O que está querendo insinuar? — perguntou Luna, ameaçadoramente.

— Nada — disse Robert, levantando as mãos em sinal de rendição, mas ainda com o sorriso sacana. — Só estou querendo dizer que vocês dois passam tanto tempo juntos, e o Jay agora nem joga mais porque está fazendo alguma coisa com você.

— Você é ainda pior que o Duncan — declarou Jason com desprezo. — Bia, me defenda!

— M-mas… — Bianca corou um pouco — … o que vocês fazem?

No momento em que ela fez a pergunta, Jason perdeu as palavras. Sempre imaginaram (ele e Luna) que a pergunta surgiria após um tempo — afinal, os dois jovens iam juntos para casa —, mas ela não foi. Luna e Jason pararam de pensar nisso, e agora a pergunta surgiu.
Porém, no momento em que a pergunta foi feita, Luna assumiu uma face triste e tímida. Seus olhos começaram a lacrimejar. Quando Robert e Bianca (e até Jason) viram isso, ficaram preocupados.

— O-o que foi? — perguntou Robert. — Foi algo que eu disse? Desculpa, eu não…

— Tudo bem — interrompeu Luna. — Eu t-tenho que falar.

Ela respirou fundo e limpou as lágrimas.

— E-eu e meu pai p-perdemos nossa casa por um acidente, e então n-nós nos mudamos para esta cidade — contou ela, hesitante. — M-mesmo que agora tenhamos uma casa, o meu pai não para lá. Mas o t-tio do Sujeito Anônimo é amigo do meu pai, então eu acabei conhecendo a senhora Selena.
“É-é graças a ela que eu não fico sozinha. Meu pai só chega de madrugada, e então eu fico na casa da senhorita Selena. E-eu quase não vejo meu pai…”

Jason estava espantado com a facilidade com que ela mentiu. As lágrimas, a hesitação, a dúvida… Ela era realmente boa. Podia ver pela feição solidária de Robert e Bianca que eles haviam sido enganados.
Agora que Jason olhava para Luna, percebera que nunca a vira chorar sequer uma vez, e a visão de suas lágrimas (mesmo que falsas) era estranha e deixavam-no inexplicavelmente triste, com uma vontade de abraçar Luna e deixá-la chorar em seus braços.
Corando, Jason afastou esses pensamentos.
O sinal tocou, e eles voltaram para a sala a fim de ver a aula do professor Harry.
O dia terminou, e os quatro saíram do colégio. No caminho, Robb comentava “eu sinto muito por ser tão intrometido”, e Bia murmurava coisas como “me perdoe” e “deve ser chato, né?”. Luna dispensava com um sorriso de canto, dizendo que não precisavam se preocupar.
Como era de costume, o quarteto se dividiu. Bia e Robb — cujas casas ficavam no lado oeste da cidade — foram juntos, enquanto Luna e Jason ficavam na escola.
O bruxo aprendiz estava apenas esperando a mãe quando ouviu um som alto. Quando olhou para o lado, a barriga de Luna finalmente parou de roncar.
A garota corou mais do que Jason esperava.

— Não fique me olhando assim — ralhou ela. — Eu também sinto fome, tá bem?!

— Claro. E o que você come? — Perguntou ele, fingindo desisteresse.

— Bem… Eu sou mestiça, posso comer comida humana — murmurou ela. — Mas…

— Sempre tem um “mas” — pensou Jason em voz alta.

— … Não é tão nutritiva quanto, bem… — Luna corou. — Esqueça.

— Pode falar — incentivou ele. — Não tem ninguém aqui perto.

— Eu não quero falar sobre isso.

— Então por que começou a falar? — Quando percebeu que Luna estava realmente incomodada, ele abriu um sorriso gentil. — Muito bem, então. Pode me falar quando quiser. E, se não quiser falar, tudo bem.

— Obrigada — sussurrou a meio-demônio.

Logo, o carro de Selena surgiu na esquina. Quando chegou, os dois entraram — Jason no banco da frente e Luna no de trás — e Selena voltou a dirigir. Como raramente acontecia, Selena não disse nada quando eles entraram, o que fez Jason perceber que algo a incomodava.
Apenas depois de cinco minutos a bruxa começou a falar:

— Jay, Luna — começou ela, séria —, vocês ouviram falar dos desaparecimentos que andam ocorrendo?

— Sim. Qualquer pessoa decente ouviu falar — declarou Luna.

— Não — disse Jason, sem graça. Luna olhou para ele com a sobrancelha arqueada.

— Estou começando a questionar se eu deveria mesmo te aceitar como amigo — comentou ela.

— Nossa, já sou seu amigo? Significa que ultrapassei mais uma de suas barreiras?!

— Cale-se, bruxo — murmurou Luna, desviando o olhar.

— Quietos — bradou Selena. — Escutem: ainda não temos confirmação, mas a Irmandade da Bruxaria — Luna fez um som estranho quando Selena disse esse nome — possui motivos para acreditar que estão todos ligados a uma única organização.

— Mas foram mais de noventa — apontou Luna.

— Eu sei. Mesmo assim, a Irmandade, bem como a Grande Anciã, acreditam que isso tudo pode ser obra do Culto Carmesim, uma ceita demoníaca que possui envolvimento direto com o Príncipe Demoníaco da Ganância, Mamon.

— Então esse culto tem meios de entrar em contato com o inferno? — perguntou Luna.

— Acreditamos que sim.

— E — disse Jason, entrando na conversa — o que isso tem a ver conosco? Estamos em perigo.

— Eu não sei — admitiu Selena —, mas Duncan anda me mantendo informada sobre as atividades desse culto desde que eu descobri que um Príncipe Demoníaco está atrás de você. É bem possível que o Culto de Mamon esteja… bem, próximo à Fairyshall, ou mesmo… aqui, na cidade.

— Está falando sério?! — exclamou Jason.

— Fairyshall é uma cidade grande — analisou Luna. — Não seria tão difícil esconder o culto, principalmente se eles estiverem fixados fora da cidade.

— Você está pensando…?

— Sim, Sujeito Anônimo. A floresta é uma ótima aposta. Além disso — acrescentou ela —, em uma cidade tão grande e cheia de casos, crimes e investigações, não seria difícil encobrir os desaparecimentos, fazendo-os parecer obra de criminosos comuns, revolta ou mesmo suicídio.

— Esse é o método do Culto — confirmou Selena, ainda dirigindo. — Mesmo assim, nunca encontraram o corpo de nenhum dos desaparecidos. Uma bruxa que investiga o Culto Carmesim acredita que eles podem estar praticando canibalismo ou mesmo tentando abrir buracos na Muralha para jogarem restos mortais dentro do inferno.

— Rá! Claro — disse Luna, sarcástica. — Primeiro eles precisariam de uma bruxa, e é muito difícil uma bruxa se aliar a um culto demoníaco, pelo que sei.

— Sim. Embora hajam grupos de bruxos e bruxas renegados, eles não se aliam a demônios. Mesmo assim, temos quase certeza dessas informações: o Culto é responsável pelos desaparecimentos, está procurando a ponte na Muralha e está em Fairyshall.

— Se procuram a ponte, isso justifica o porquê de estarem aqui na cidade — comentou Luna. — E… Do Que Quiser, você foi perseguido mês passado por ordens de um Príncipe Demoníaco, então acho que é melhor aumentarmos a dificuldade dos treinos. Pode ser só coincidência, mas, se Mamon for o Pecado atrás de você, devemos estar prontos.

“Agora você fala de me proteger de forma tão natural”, pensou Jason. “Antes você parecia odiar a ideia.”
Assim que chegaram na casa de Selena e Jason, os três desceram.

— Nunca vou me acostumar a passar a tarde aqui — comentou Luna.

— Sério? Pra casa você já é uma moradora — brincou Jason.

Selena semicerrou os olhos quando Jason disse isso. Então, riu de si mesma. “Estou realmente com ciúmes de um demônio de 16 anos?”
Quando entraram na casa, os três ouviram um barulho na cozinha. Isso alarmou o trio. Selena sussurrou para que eles esperassem na entrada, e começou a se aproximar. Quando enfim chegou na cozinha, disse:

— Podem vir.

Quando Jason e Luna chegaram na cozinha, depararam-se com uma jovem mulher — que aparentava ter cerca de vinte e cinco anos — tomando o refrigerante que estava na geladeira.
A mulher era dona de longos cabelos cacheados em um tom claro de castanho, e seus olhos eram de um belo tom de azul. Ela também vestia uma túnica parecida com a de Selena, porém mais simples. Mesmo assim, Jason e Luna entenderam.
Tratava-se de uma bruxa.

— Errr… — começou ela, envergonhada. — Em minha defesa, eu planejava terminar e guardar antes de vocês chegarem.

— Alice? — disse Selena, confusa. — O que está fazendo aqui?

— Bem, eu estava passando pela outra rua, mas daí um gato preto atravessou meu caminho e eu tive que mudar de rota.

— Uma bruxa fugindo de um gato preto — comentou Luna, baixinho. — Que ironia.

Alice encarou Luna com curiosidade.

— Você não é uma bruxa — disse, finalmente. — Também não pode ser um demônio, porque demônios em forma humana não emitem qualquer sinal de sua real natureza. Mas também não é humana…

— Ela é uma meio-demônio — contou Selena.

Ao contrário da reação que Luna esperava, Alice abriu um sorriso animado.

— Sério?! Eu nunca vi alguém como ela… Pelo menos, não viva. Você tem uma forma demoníaca?

— Sim…

— Me mostra?

— Não — negou Luna, seca.

Alice fez um biquinho.

— Tudo bem. Nem todo mundo se sente à vontade com isso — comentou ela, compreensiva. — Ei, Selena. Já que eu vim parar COINCIDENTEMENTE na sua casa (mais especificamente na sua geladeira), eu pensei: por que eu, você e o Jason não vamos caçar demônios juntos? Até a senhorita pode vir — acrescentou ela para Luna.

— Me recuso — disse a mestiça. Não estava disposta a sair para caçar demônios com uma bruxa desconhecida.

— Ah, tudo bem… Mas e quanto a vocês dois?

— Alice, não é sábio duas bruxas experientes caçarem juntas. Isso reduz a área em que os demônios são mortos.

— Tem razão. Então me deixe levar o seu filho — sugeriu Alice. Selena ficou apreensiva.

— Alice, eu te contei sobre a situação em que ele se encontra…

— Bla-bla-bla, Príncipe Demoníaco e bla-bla-bla. Não se preocupe, Selena. — O tom de voz dela tornou-se sério: — Nunca mais te deixarei perder ninguém.

Selena concordou.

— Mãe… o que ela quer dizer? — indagou o bruxo.

— Jay… as minhas experiências com aprendizes não são muito boas — disse a Torre, em tom sussurrante.

O garoto imaginou ter entendido, e não insistiu em saber mais. Em vez disso, olhou para Alice.

— Vai demorar muito?

— Depende da quantidade de demônios que acharmos — disse Alice. — Eu já limpei parte do norte da cidade, e sua mãe limpou o oeste. Então vamos limpar o sul.

— E o leste?

— Não somos as únicas bruxas na cidade. E então, podemos ir?

Jason ficou pensativo. Fitou sua mãe, e olhou rapidamente para Luna. Por fim, aceitou.

— Mas — exigiu ele — temos que voltar antes das sete.

— Desafio aceito.

Assim, os quatro comeram um pouco, e então Jason e Alice saíram. O garoto levou, em um cinto com uma bainha, o cilindro negro que era sua arma.

— E vamos como?

— Minha moto está nos fundos — revelou Alice, como se fosse algo normal.

Quando eles saíram, Selena e Luna ficaram lado a lado, mas sem se encarar. Após um curto momento de silêncio, a voz de Selena se fez presente.

— Por que recusou ir com eles?

— Eu não faço da caça de demônios algo constante — explicou ela. — Além disso, costumo fazê-lo sozinha.

Selena balançou a cabeça, sinalizando que entendera. Estava ponderando algo em sua mente, quando Luna falou mais:

— Eu também… Eu não queria que ele me visse. — Selena, obviamente, não precisou perguntar a quem a garota se referia.

— Vocês passam tanto tempo juntos — comentou Selena. — Pensei que ele já teria te visto.

— Ele me viu — esclareceu Luna. Estava com as bochechas coradas. — Mostrei minha forma verdadeira no nosso primeiro dia de treinamento. Mas ele nunca… Ele nunca me viu lutar de verdade. Quando encontro um desafio que eu goste eu… e-eu não consigo me segurar.

— Você perde o controle?

— Não ao ponto de machucar qualquer pessoa, como acontece quando mestiços nascidos humanos despertam seu lado demônio pela primeira vez. Mas eu não me seguro, e eu sei que elimino inimigos com brutalidade.

— Então é isso? Se recusou a ir apenas para não ser vista lutando? O que você ACHA que aconteceria se o Jason te visse matando?

— Não sei. Sinceramente, acho que ele entenderia. M-mas eu não quero arriscar… e-ele é o único amigo que eu já tive.

A Torre ouvira tudo em silêncio. Por fim, balançou a cabeça. Parecia relutante, mas finalmente teve voz para sugerir:

— Você poderia vir comigo.

— Fazer o quê? — perguntou Luna, arqueando a sobrancelha.

— Caçar demônios. — Antes que ela recusasse, Selena continuou: — Você disse que caça sozinha, mas existem coisas que não se pode fazer sem ajuda. Além disso, você disse que protegeria meu filho. Veremos se você consegue fazer isso.

— Eu não sei…

— Você não tem nada melhor pra fazer.

Luna encarou Selena. A mais velha era um pouco mais alta que ela. A mestiça sorriu.

— Muito bem, bruxa. Vamos matar alguns demônios.

*

Os bruxos estavam transitando de um local da cidade a outro havia mais de uma hora quando finalmente aconteceu.
Jason esperava encontrar um demônio bem mais cedo, porém não fora o que aconteceu. Alice explicou que todos os dias demônios invadiam, mas a quantidade variava muito. Em certos dias, apenas uma dúzia de cães surgia. Em outros, uma dezena de demônios da quinta classe.
Fora apenas quando Jason já estava sentindo que não haveria nenhum demônio que finalmente um surgira. Apenas Alice sentiu. Quando o bruxo questionara, ela apenas disse que a capacidade de sentir demônios precisava ser refinada.

— Mas eu já senti uma vez — afirmou Jason, confuso.

— Depende da distância e da força dos demônios em questão — explicou Alice. — Agora devem ser alguns demônios da sexta classe.

— E, quando chegarmos até eles, o que eu tenho que fazer?

— Eu vou te colocar para cuidar de um deles. Minha mãe me dizia que só se aprende fazendo.

Jason subiu na moto de Alice novamente e ela levou-os até onde os demônios deveriam estar.
O local em questão consistia em um estacionamento fechado. Não havia nenhum carro no local, e Jason teria achado o lugar o exemplo de “normal” se não fossem pelas criaturas que estavam no lado mais distante do lugar.
Os demônios que estavam lá — cerca de uma dúzia — não eram cães infernais. Todos eles tinham, em média, o tamanho de um ser humano. Alguns eram altos, outros baixinhos. Alguns eram imensos, outros magros como cadáveres em decomposição.
Um deles viu os dois bruxos e soltou algo semelhante a uma risada, algo que por algum motivo causou repulsa no garoto.

— São demônios de sexta classe, bem como eu imaginei — vangloriou-se Alice. — Muito bem. Eles serão bons o suficiente para um treino. Não se preocupe, Jason, eu deixarei um para você.

Os treze — não doze — demônios atacaram. No trajeto, distanciaram-se uns dos outros, indicando que pelo menos não eram tão tolos quanto a maioria dos demônios.
O primeiro (um demônio robusto com um par de cabeças em forma de peru) estava a três metros de Alice quando, da ponta do dedo dela, um raio flamejante foi disparado, transformando a parte superior do corpo do demônio em cinzas.
Jason, não querendo apenas ficar assistindo, usou sua telecinese para agarrar um dos demônios e jogá-lo em cima de outros dois. Quando notou, viu que Alice já havia eliminado mais dois.
Os dez demônios restantes, diferente da maioria, ficaram cuidadosos. O único que tentou atacar foi incinerado por uma coluna de chamas da sorridente Alice.
Foi quando, subitamente, um deles — uma criatura de dois metros, magro como um cadáver, com braços e pernas, bem como o pescoço, anormalmente longos e que poderia ser ainda mais alto se não fosse corcunda — saiu correndo para o andar de cima do estacionamento.

— Eu pego aquele! — anunciou o bruxo.

— Jason, espera!

Tarde demais, Jason já estava correndo para o andar de cima. Quando um dos demônios tentou segui-lo, Alice criou uma parede de chamas na frente dele, fazendo-o recuar.

— Muito bem, isso é entre mim e vocês.

*

Jason agora estava no andar de cima. Esquecera de trazer algo para lançar no demônio, e era extremamente desconfortável utilizar demais a telecinese em corpos vivos e conscientes. Mesmo assim, precisaria fazê-lo.
Quando chegou no local, viu o alto e magro demônio, com fios escassos de longos e sujos cabelos, olhando para todos os lados com seus olhos amarelos. Parecia procurar uma saída. Quando não achou nenhuma, gargalhou macabramente, um som estranhamente familiar.
“Todos os demônios riem assim, tão iguais aos seres humanos?”, questionou-se Jason.
O demônio finalmente olhou diretamente para Jason. Parecia ansioso, e até amedrontado. O bruxo não pensou que seria assim que um demônio olharia para ele.
Logo, o ser sobrenatural olhou para ele como ele pensava que demônios olhariam, com puro ódio e loucura. Um grito agudo seguiu-se de uma investida furiosa. Jason estendeu a mão na direção do demônio, paralisando-o.
Para a surpresa do garoto, o demônio possuía uma força de vontade elevada, e conseguiu continuar andando, com dificuldade, mesmo estando “paralisado”. Portanto, Jason concentrou suas forças em algo diferente e mandou um pulso de energia invisível que lançou o demônio alguns metros para trás, fazendo-o cair no chão.
Levantando-se furioso, o demônio investiu contra Jason uma segunda vez. O garoto agarrou o demônio com sua mente e lançou-o contra uma coluna de pedra, partindo-a e fazendo o demônio bater na parede.
Ao invés de aparentar estar machucado, o demônio pareceu ficar mais furioso ainda. A terceira e a quarta investida, no entanto, foram paradas com grande facilidade. Mesmo assim, Jason não estava gostando da resistência daquela criatura.
Foi quando decidiu tentar algo diferente.
O bruxo tirou do cinto o cilindro negro. Posicionou-o na frente do corpo e, com um simples pensamento, o cilindro expandiu-se em um bastão de cerca de dois metros e, posteriormente, em uma lança com duas pontas.
Jason colocou a ponta da lança entre ele e o demônio. Quando a criatura avançou, Jason apenas aguardou.
O demônio era mais rápido do que ele imaginara, e as três estocadas desferidas pelo bruxo foram agilmente desviadas. Quando o monstro ergueu a mão com cinco longas e afiadas garras, Jason colocou o bastão horizontalmente a frente do corpo, interceptando a mão do demônio.
Jogando a mão do demônio para o lado, Jason bateu na lateral da cabeça do demônio, e o ser cambaleou. Aparentemente, o bastão era bem mais pesado do que parecia.
Jason perfurou o demônio na região das costelas, fazendo a criatura soltar um urro de dor e fúria. O demônio, agitando-se, atingiu Jason com as costas das mãos (e aparentemente fora por acidente), jogando o garoto longe.
Quando Jason olhou novamente, percebeu que o bastão voltara a ser um cilindro. Estendendo a mão para ele, este voou direto em sua direção. Sorrindo pela eficiência da misteriosa arma, Jason quase esqueceu o grande demônio à sua frente.
Quando se encontraram novamente (não sem antes Jason disparar um escombro do pilar na direção do demônio, atingindo-o no peito), Jason começou a rolar para tentar se esquivar das garras. Também notara que, sempre que rolava, o bastão voltava a ser um cilindro novamente.
Durante os ataques, Jason percebera que o demônio não era lá tão forte, e o bastão parecia machucá-lo. Além disso, de fato não era um ser muito inteligente.
A criatura estava novamente sobre ele, e Jason apontou o cilindro para o demônio. Diferente do que ele imaginava, apenas uma das extremidades do cilindro se estendeu — era uma lâmina de setenta e cinco centímetros agora —, perfurando o coração do demônio. A criatura olhou nos olhos de Jason uma última vez. Então, desabou no chão.
O coração de Jason estava acelerado. No mais, foi evidentemente mais fácil do que ele imaginou. “Embora minha magia não tenha funcionado muito”, pensou ele deprimido. Então, sorriu para o cilindro.

— Espada, bastão e lança. O que mais você vira, um dinossauro?

Passados alguns segundos, palmas foram ouvidas. Quando Jason olhou, Alice aproximava-se dele. Antes de falar qualquer coisa, disparou um raio de chamas que pulverizou o cadáver do demônio.

— Por garantia — comentou ela, sorrindo. Então, olhou para o cilindro na mão de Jason. — Interessante. Onde conseguiu isso?

— Estava em uma caixa de armas qualquer.

— Parece uma arma incomum, não é? Bem, talvez eu pesquise sobre isso nas horas vagas. Agora, parabéns, você matou seu primeiro demônio de sexta classe. Embora — acrescentou ela, semicerrando os olhos — não tenha escutado meus avisos.

— Hehe, ele poderia ter fugido — justificou-se Jason, envergonhado.

— Como? Teriam surgido asas e ele sairia voando como uma pomba?

— Talvez.

— Rá! Admito que não seria impossível. Alguns demônios mudam a forma do corpo em determinadas circunstâncias.

— E por que você queimou os corpos? Eles não somem sozinhos?

— Às vezes. Mas é melhor não arriscar.

“Eu não queria que você visse o que eles iam se tornar”, pensou Alice, que viu a cena no andar de baixo.
A bruxa estava pensativa. O que poderia ter causado aquilo? Ela não sabia de nada que pudesse realizar um ato tão profano. Talvez perguntasse para Selena. Ela geralmente conhecia mais coisas do que Alice.
Também alertaria a Irmandade. Sim, aquela deveria ser sua prioridade. Seja lá o que estava acontecendo, não era algo comum. O fato disso ter surgido logo após receberem a informação que o Culto Carmesim estava na cidade… Não podia ser coincidência.
De toda forma, agora deveriam sair dali. Alice estava com um mau pressentimento sobre tudo aquilo.
E ela não podia estar mais correta.


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