Cactos & Girassóis escrita por Sali


Capítulo 11
Dez




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Segunda-feira | 18 de Julho

Se alguém testemunhasse a alegria e o alívio de Helena ao finalmente entrar de férias, provavelmente imaginaria que esse período, para ela, significava algo além de dormir muito, curtir tardes preguiçosas e ver filmes e séries ao longo da madrugada. 

Na opinião dela, porém, esse era o roteiro ideal de férias.

É claro que nem tudo era tão bom assim. Às vezes, quando seu olhar relanceava para a mochila, largada no canto do quarto, ou para o armário baixo, onde guardava o material escolar, ela sentia a familiar sensação de gelo no estômago, e uma voz incômoda parecia querer lembrá-la que o Enem estava se aproximando e que todos aqueles dias de descanso eram um grande desperdício. No entanto, nesses casos, ela apenas encolhia os ombros e se distraía com algum lançamento da Netflix.

Por isso, foi absolutamente satisfatório acordar sem despertadores na segunda-feira e, ao pegar o celular, na mesa de cabeceira, ver que já passava um pouco do meio-dia. E que havia uma mensagem de Marina entre as notificações.

Bom dia, Lena! dormiu bem?

Helena levantou da cama com um bocejo e um pequeno sorriso nos lábios ─ e a atenção, ainda meio sonolenta, totalmente voltada para o que estava digitando.

Bom dia, Mari :)
é, podemos dizer q depois das 4 da manhã eu até q dormi bem
e vi o filme q vc comentou

Ela, enfim, percebeu que havia chegado à cozinha e se serviu de uma xícara de café, que o pai deixara pronto antes de sair. Só depois de alguns goles, reparou que havia um post-it colado na cafeteira: na caligrafia meio apressada de Daniel, o pedido/exigência de que ela aproveitasse o dia livre para limpar o banheiro e arrumar a bagunça de seu quarto.

Ela virou levemente os olhos, mas esboçou um sorriso. Era justo para a primeira semana de férias.

Sério??? e aí? gostou?

O sorriso aumentou nos lábios de Helena e ela se apoiou na bancada, brincando com a alça da xícara, enquanto lia a mensagem. O filme, Desobediência, não havia sido uma indicação direta ─ a bem da verdade, Mari apenas comentou sobre ele ─, mas despertou sua curiosidade, no fim das contas.

Gostei bastante do desenvolvimento...
mas o final me deixou meio frustrada

Marina respondeu, logo em seguida, com uma risada cheia de letras.

Sim, ele tem esse defeito
mas hollywood adora matar lésbicas ou criar finais horríveis pra elas, então…
acho q chega num ponto q a gente tem q aceitar mesmo

Lena riu pelo nariz enquanto lia a mensagem, e seus olhos pararam algumas vezes na palavra “lésbica”. Não era uma palavra que ela costumava usar, mas, bom, ela mesma havia tido seu primeiro beijo com uma colega do muay thai e, alguns anos depois, ficado com uma amiga de Gabi por alguns meses; não podia negar que, até então, o foco da sua atração era único e bem-definido. Mas ler a palavra numa mensagem ─ e, sobretudo, numa mensagem de Marina ─ lhe causava algo como cócegas, mas do lado de dentro do estômago. Ainda com um sorriso vago nos lábios, ela se pôs a digitar.

aceitar nunca!
temos q revolucionar hollywood hahaha 

O texto havia sido em tom de brincadeira, mas ela sentiu os dedos tremerem levemente ao usar o plural na segunda mensagem. Não por se incluir no conceito de “lésbicas”, mas porque a ambiguidade daquela palavra poderia significar tanto “nós, as lésbicas” quanto “nós, eu e você”. 

Durante todo o período em que se leu “Mari está digitando…” na tela do celular, Helena sentiu como se, em vez de café, tivesse tomado um copo cheio de pedras de gelo. E então, o celular vibrou em suas mãos.

Super apoio essa revolução ;)

Ela soltou um breve suspiro e, por alguns instantes, apenas riu de si mesma.

O café havia sido para acordar, mas agora seu estômago já reclamava de fome, e passava do meio-dia. Por alguns instantes, Lena deixou o celular de lado e se dedicou a fuçar a geladeira, tentando ter ideias do que fazer para o almoço.

─ ─ ─

Toda a tarde foi pontuada pela vibração do celular de Helena, e ela não lembrava da última vez que havia usado tanto o app de conversas ou ficado tão cheia de expectativas com uma mensagem. Mas falar com Marina era leve, divertido, e o assunto não acabava ─ mesmo se o foco fosse algo como o que elas haviam comido no almoço ou o fato de terem que lavar o banheiro de casa ou colocar o lixo para fora.

Assim o dia se desenrolou, com ocasionais mensagens do grupo que Lena tinha com Clara, Matheus e Gabriela e, a certo ponto, uma mensagem desta última, se convidando para a casa da garota antes do muay thai.

Por isso, não foi surpresa alguma quando, um pouco antes das cinco da tarde, Gabi surgiu na porta do apartamento de Helena, com um sorriso, biscoitos e sachês de capuccino instantâneo, condizentes com o tempo frio daquele meio de inverno.

─ Amiga, você não pode fugir agora… ─ Gabi começou, logo depois que elas se cumprimentaram e ela mesma, mais que acostumada com a casa de Lena, invadiu a cozinha para começar a preparar as bebidas quentes. ─ Me conta como foi o date, poxa!

Helena, porém, apenas encostou-se na bancada, riu e revirou os olhos. Felizmente, aquela ideia só a fazia corar quando estava com Marina ─ e isso era um alívio, levando em conta a possível reação de Gabriela se a visse agindo assim.

─ Não foi um date, Gabi. A gente só deu um rolê!

A colega de muay thai de Helena deu uma risada, mas pareceu finalmente aceitar. Encolheu os ombros e continuou olhando para a amiga, as sobrancelhas arqueadas, aguardando a história requisitada.

Lena se rendeu.

─ Ela tira fotos. Tipo, tem uma câmera toda chique e tira fotos incríveis de tudo. E parecia que ela conhecia aquele museu de cor, porque ela sabia explicar todas as galerias… foi um rolê legal.

Gabi estava concentrada no leite quente que manipulava e, de costas para a amiga, apenas soltou um murmúrio, para mostrar que estava ouvindo. Helena brincava com a manga do moletom, meio distraída, talvez para disfarçar que sentia o pulso meio acelerado.

─ Mas teve uma hora que a gente foi numa galeria de poemas, e aí eu botei em prática aquele papo todo do meu pai ─ ela riu e revirou os olhos. ─ Mas foi isso. Depois a gente foi lanchar, ficou vendo as fotos que ela tirou e… foi isso. Não foi um date ─ reiterou e ergueu o olhar para a amiga.

Quando enfim se virou, com duas xícaras quentes de capuccino e os biscoitos de manteiga num pratinho, Gabriela tinha um sorriso engraçado nos lábios.

─ Ok. Então não foi um date ─ seu tom era de rendição, e ela encolheu os ombros enquanto escalava um dos bancos altos do balcão. Em seguida, pegou uma das xícaras e começou a mexer lentamente a bebida, que soltava ainda um pouco de fumaça. ─ Mas, de verdade, Lena, eu fico feliz que você tenha se aproximado dessa menina. Eu tava preocupada quando você começou o terceiro ano, esse período já é muito estressante por si só. Mas parece que… sei lá, você tá mais leve agora.

Helena riu pelo nariz e mordeu um dos biscoitos.

─ Você me conhece, Gabi. Esse é meu humor de férias. Quinze dias sem aquele inferno deixam qualquer pessoa mais bem-humorada que o habitual.

Gabriela, porém, voltou a abrir aquele sorriso e encolheu os ombros, com o ar de quem aceitava uma derrota porque, na verdade, sabia que havia vencido.

Lena, no entanto, não viu nada; naquele exato momento, recebeu uma mensagem de Marina e riu pelo nariz ao ver a foto que ela havia enviado, para mostrar que estava começando a assistir O Profissional. 

Digitou uma resposta breve e ergueu os olhos para Gabi, ainda com a sombra de um sorriso nos lábios.

─ Você tava falando algo?

Gabriela balançou a cabeça.

─ Tá quase na hora do muay thai. E hoje eu tô com energia pra chutar algumas coisas… ─ ela sorriu, animada, e saltou do banco alto.

Helena riu pelo nariz outra vez.

─ Quando é que o Jackson volta de viagem mesmo?

Gabi revirou os olhos para a amiga, mas, logo depois, exibiu uma expressão meio frustrada.

─ Daqui a uma semana. Eu vou morrer de saudade.

Lena deu um sorriso e abraçou a amiga de lado.

─ Vai passar, baby… a gente vai arrumar várias coisas pra você chutar hoje.

Gabriela deu uma risada agradecida e abraçou Helena de volta.


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