Sob sua presença escrita por Itiana Chan


Capítulo 1
Capítulo 1- Sob sua presença...


Notas iniciais do capítulo

Esta história contem violência e traumas, se não te incomoda, espero que tenha uma boa leitura e se quiser, dê sua opinião. Ajuda muito!



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Chequei as luvas brancas enquanto caminhava tranquilamente pelo quarto, fechei as grossas e pesadas cortinas negras, impedindo a entrada da claridade no quarto rico em móveis clássicos e voltei-me para a figura deitada sobre aquela gigantesca cama.

— vá descansar! A voz suave de mestre Sebastian soou por minhas costas. Seu corpo estava esticado sobre os travesseiros de seda finíssima cheios de penas de ganso, seus prediletos.

 Apesar de não poder vê-lo por causa da penumbra, eu sabia que ele estava sorrindo, sempre ri das minhas ações, principalmente quando me esforço em minhas funções como mordomo, unicamente para agradá-lo.

— porque tanta seriedade? Continuou indagando-me enquanto sentava-se lentamente. – venha até mim e sente-se aqui!

Deu leves batidinhas no colchão coberto pela mesma seda negra da fronha e me fitou. Hesitei momentaneamente, mas acabei fazendo o que me fora pedido, logo sua mão esquerda começou a afagar meus cabelos claros, os dedos longos e frios escorreram pelo colarinho branco puxando minha longa trança escondida, e no processo, abriu alguns botões da camisa social.

— estão mais longos! Sussurrou abrindo os olhos lentamente, permitindo-me a visão daqueles urbes vermelhos e hipnotizantes.

Senti um arrepio subir pela minha coluna, instintivamente senti medo e meu corpo tremeu apesar de saber que mestre Sebastian não me machucaria. Sua mão permaneceu bagunçando meus cabelos até a trança se desfazer, e ao notar seu feito, um largo sorriso sacana surgiu em seus lábios avermelhados, mostrando as presas brancas e afiadas.

Imediatamente, levantei-me e pedindo desculpas, sai correndo do quarto antes que ele me usasse mais para se divertir.

— por favor, descanse mestre Sebastian! Resmunguei ouvindo-o rir sonoramente enquanto fechava as pesadas portas de mogno.

" mestre Sebastian sempre sorri quando está perto de você." Lembrei-me das palavras de Josh enquanto atravessava o corredor, ele não entende, mas mestre Sebastian é entediado e solitário. Logo ter um bichinho de estimação vestido de mordomo para brincar, é uma grande distração para um homem como ele.

        Depois de muito refletir, percebi que o único motivo para mestre Sebastian bagunçar meus cabelos, é pelo simples fato de deixar-me desconcertado, uma forma de se distrair.

        Mal percebi quando pousei meus olhos sobre o piano de causa no canto do grande salão, cessei meus passou e rapidamente as memórias tristes retornaram a minha mente. O motivo para estar aqui, sob os cuidados e ensinamentos do meu mestre.

    Nosso primeiro encontro ocorreu em uma noite neblinada e fria, sua figura imponente surgiu de repente causando-me fortes calafrios, abracei com mais força meus joelhos e esperei pelo pior. Mesmo não sabendo do que se tratava na época, eu podia sentir o perigo que emanava dele.

        Mesmo sabendo que de nada adiantaria, levantei-me e comecei a bater na velha porta de madeira, implorando para que me deixassem dormir dentro da casa pelo menos aquela noite. Após alguns segundos que me pareceram horas, a porta se abriu revelando a imagem irritada do meu tio, o movimento seguinte foi um violento tapa desferido sobre minha face e em seguida, a porta se fechou bruscamente.

       Tentei explicar-lhe o que havia visto, o porquê de perturbar lhe o sono, mas de nada adiantou, apenas senti um olhar de novo direcionado a mim. Eles sempre haviam me visto como uma aberração desde que nasci e como tal, não podia sequer dormir sob o seu teto.

       Olhei para trás e notei que não mais sentia a presença assustadora daquele homem que sumiu tão misteriosamente quanto aparecera. Os primeiros raios de sol já despontava no horizonte, então levantei-me sentindo uma forte dor nos ossos por causa do frio e rumei até os fundos da casa para me lavar.

         Como já esperava, novamente não me foi permitido comer nada, sendo assim a única coisa que poderia fazer, era retornar para o trabalho na lavoura e com sorte pude comer uma goiaba generosa que encontrei ainda em um galho no caminho pela floresta. O tempo todo sentia-me observado o que me dava calafrios e essa sensação só desapareceu quando o sol realmente esquentou queimando minha pele sensível.

            O sol já estava se pondo quando retornei à vila junto a alguns outros aldeões que me ignoravam completamente como sempre. Dessa vez me foi permitido entrar, apenas pelo interesse no pagamento que havia recebido por toda a semana trabalhando duro.

          Sorri para minha tia, em meu coração ainda possuía a esperança de que ela retribuísse, mas não aconteceu e logo fui chutado para fora do cômodo sem nem ao menos ter o direito a uma refeição. Segurei-me para não chorar enquanto pegava água no poço para me banhar, a frieza fazia com que a dor em meus ossos aumentasse, mas ao menos estaria limpo.

            Encolhi-me em meu pequeno refúgio entre as toras de madeira e adormeci rapidamente, mas logo fui acordado com um forte chute em meu estômago, senti algo se romper e minha boca sangrou. Fechei os olhos com força e esperei os outros golpes, mas estes não vieram e, ao abrir os olhos, pela primeira vez vislumbrei o belo rosto de mestre Sebastian enquanto segurava meu tio pelo colarinho com uma única mão.

                 Observei aquela cena inusitada e assustadora, sentindo uma mistura de dor e medo ao mesmo tempo. Segurava meu tio fitando com intensidade, pareceu o cheirar por alguns segundo e então o jogou para longe com uma expressão de nojo.

— não é digno sequer de morrer por minhas mãos! Sussurrou com sua voz suave. Depois virou-se para mim e lentamente começou a andar em minha direção enquanto eu recuava com dificuldade.                      

— venha comigo, ou ele irá matá-lo a qualquer momento! Completou estendendo a mão esquerda. Tentei ignorar seu pedido e mantive-me quieto, até sentir o metal frio de uma faca sendo enfiada em minha barriga. Levantei os olhos para meu tio e tossi sangue novamente, ele havia me esfaqueado.

        Levei a mão ao local sentindo as forças deixarem meu corpo, fiquei me perguntando qual o motivo para ser tão odiado pelas pessoas que deviam ter me amparado após perder minha mãe e não saber sequer quem era meu pai, sempre tentei agradá-los, mas estava acabado. Não poderia fazer mais nada e deixei-me descansar no calor morno do meu sangue que vertia fortemente do meu corpo.

          Acordei sentindo meu corpo pesado e mole, olhei em volta estranhando o lugar onde estava, notando que estava em um luxuoso quarto de hotel sobre lençóis de macios seda e me sentei com dificuldade. A dor em meu abdômen me trouxe de volta a realidade, apertei o local gemendo de dor e percebi que estava enfaixado.

— que bom ter acordado... achei que morreria! A voz de mestre Sebastian chamou minha atenção e o vi irrompendo pela porta da frente segurando uma bandeja, nela havia um prato com algo que cheirava muito bem e pelo vapor estava quente.

— q-quem é o senhor? Pergunto sentindo-me estranho, parecia que havia algo de diferente em meu corpo.

 — Pode me chamar de Don Sebastian...- Contou sentando-se ao meu lado, colocou a bandeja sobre minhas pernas e olhou-me em expectativa. – coma, faz décadas que não vejo alguém comer...

         Não entendi o que ele quis dizer com isso, mas fiz o que me foi mandado e suspirei de felicidade, era uma das poucas vezes que comia algo com carne, era sopa, e estava uma delícia.

— tudo bem? Ele questionou quando me viu fazer uma careta de dor.

Na verdade, desde que comecei a comer, minha boca encheu-se de sangue como se eu tivesse machucando-a com várias agulhas.

— sinto dor na boca... –Contei sem nem ao menos saber porque estava dizendo, mas sentia que podia confiar nele, afinal havia me salvado e até cuidado de mim todo esse tempo.

— parece que suas presas já estão crescendo! Mestre Sebastian comentou levando os dedos a minha boca e olhando algo dentro dela que lhe pareceu muito interessante. - é a primeira vez que vejo as presas de um hibrido, é realmente surpreendente...

— hibrido? Repeti confuso. - desculpe-me, mas não estou entendendo...

— quando você foi esfaqueado, te dei meu sangue para que se recuperasse, porém, parece que você já tinha o sangue de outra coisa nas veias...

— c-como assim? Questionei horrorizado e até recuei um pouco na cama, fitei meu reflexo dentro de seus olhos e senti ainda mais medo.

— vou simplificar... não te matei na primeira noite porque senti cheiro de lobisomem em você e detesto sangue de lobisomem! Don Sebastian explicou aproximando-se, fez uma pausa franzindo o nariz e continuou:

— mas quando foi esfaqueado eu lhe dei meu sangue e pelo visto você se adaptou aos dois, tornando-se um hibrido de lobo e vampiro...

             As altas badaladas do relógio chamaram minha atenção, me distraindo de meus devaneios.  Mal percebi que já passava das 18h, apressei meus passos e retornei ao quarto de mestre Sebastian para acordá-lo durante os últimos raios de sol como sempre solicitava.

          Para a minha surpresa, ao entrar no luxuoso quarto, o encontrei já terminando de vestir-se, fitando seu reflexo no espelho enquanto dava apenas os últimos retoques na gravata negra que contrastava com a blusa vermelha.

— Alexander já preparou a carruagem, iremos sair! Sussurrou ainda fitando-se no espelho. – e é claro, você vai comigo...

         Eu nada disse, apenas concordei com a cabeça e saímos da gigantesca mansão que, à noite, parecia refletir os segredos sombrios guardados nela. Internamente, eu temia que Mestre Sebastian quisesse minha ajuda em uma caça.

— não se preocupe! não iremos caçar! Sua voz suave exclamou surpreendendo meus pensamentos turbulentos e me permiti olhá-lo, imaginando se podia ler minha mente.

— está estampado em seu rosto! Ele sorriu divertido enquanto bagunçava meus cabelos como costumava fazer desde que nos conhecemos.

        Logo as luzes da boemia londrina surgiram, era incrivelmente lindo, e para mim que nunca havia as visto, tudo parecia ainda mais incrível. Me distrai a tal ponto que mal percebi quando a carruagem parou em frente ao ateliê de madame Charlote.

— boa noite! Ele cumprimentou educadamente, e ela praticamente suspirou por seus encantos. Mestre Sebastian inclusive já havia tentado me ensinar algumas técnicas de sedução, mas nesse quesito não entendo muito.

— boa noite! Cumprimentei também e rapidamente minhas roupas deram lugar a finíssimas peças feitas pelas mãos da francesa.

— creio que precisarei fazer apenas alguns ajustes...- Don Sebastian falou mais para si mesma do que para nós.

      Continuamos a noite como dois nobres, o que evidentemente não sou, mas mesmo assim conheci algumas pessoas da nobreza e compramos mais algumas coisas, o tempo inteiro eu não conseguia tirar da mente o porquê de mestre Sebastian estar me agradando tanto hoje.

— do que o senhor precisa agora? Pergunto assim que chegamos à mansão, já sentindo o sono me tomar.

— quero que sente-se aqui! O vi indicar uma poltrona ao lado do piano aonde costumava sentar-se quando me ensinava a ler ou tocar piano.

           Mesmo sem entender nada, fiz o que me foi pedido e o observei começar a tocar minha melodia predileta, a que mais tive dificuldade para aprender. Ao terminar, virou-se para mim e sorriu com carinho, senti medo.

— parabéns Lucas! Sussurrou. - hoje você completa 20 anos...

— p-porque? Questiono sentindo um nó se formar em meu cérebro, era a primeira vez que alguém me tratava com tanto carinho. Há tempos isso vinha me intrigando.

— não se lembra, não é? Lançou-me um olhar sério e continuou: - você foi esfaqueado tentando me proteger e por isso se transformou antes da idade... Te criar bem é o mínimo que posso fazer.


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