O Cravo e A Rosa escrita por Capitain Sephyr


Capítulo 1
O Poeta e Sua Musa


Notas iniciais do capítulo

Essa história foi escrita em outubro do ano passado, mas só lembrei de postá-la aqui agora.
De qualquer forma, boa leitura.



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O silêncio se fazia naquela tarde. Os únicos sons que invadiam aquele ambiente era a música de tons graves e pesados saídas de um fone de ouvidos, abafada pelas orelhas pálidas de um garoto, e o atrito entre o papel e o lápis, que era guiado pelas mãos magras e ligeiras do jovem poeta.

No papel, com uma letra desgrenhada, difícil de se ler, jazia palavras doces e enigmáticas. Palavras que expressavam os mais profundos anseios de seu escritor, culminando em curtos poemas com um toque sofisticado e embebidos em simbolismo, cada um com sua estrutura e tom individuais. Mas havia uma coisa em comum entre todos esses textos, escritos por um adolescente extremamente sentimental.

Todos eram sobre uma rosa. A rosa branca.

 

. . .

 

Respirou fundo. O garoto direcionou seus olhos negros para o caderno à sua frente, admirando seu trabalho recém terminado. Quatro estrofes, com quatro versos cada um. Era uma estrutura familiar e confortável, que o jovem usava quando precisava externizar seus pensamentos, mas não sabia exatamente como.

Levou sua mão até seus cabelos, tão escuros quanto a tinta nanquim dos desenhos pendurados em sua parede, e retirou algumas mechas rebeldes de seu olho esquerdo. Seu cabelo já estava comprido a ponto de ter uma franja que quase cobria completamente seu olho, mas o rapaz não tinha a intenção de mudar isso.

Não tinha o costume, mas decidiu assinar este poema. Talvez algum dia ele o mostraria para alguém, e o leitor teria de conhecer o autor do texto.

— O Cravo. -

Abriu um meio sorriso, satisfeito com sua obra. Seus olhos então subiram um pouco, até o copo de vidro adornado, contendo um pouco de água e uma rosa branca, já começando a murchar, e sentiu o coração palpitar.

Sua mente logo foi invadida por uma lembrança agridoce.

O garoto olhando para o lago à sua frente. Suas águas escuras ocultavam seu fundo, assim como o capuz de seu moletom escondia suas inseguranças. O lago não deixava ver seu interior, mas refletia com perfeição o céu azul, quase como um espelho oscilante. Em sua superfície, era possível ver algumas aves aquáticas, pacificamente movendo seus corpos sobre a água, como as nuvens se moviam pelo céu. Em volta, as poucas árvores presentes no ambiente já começavam a perder seus tons de verde, deixando que o fogo do outono as consumisse, assumindo belos tons saturados de laranja e vermelho que, assim como o próprio fogo, balançavam e oscilavam ao serem acariciados pela leve brisa da estação.

Apesar do belo cenário natural a sua volta, a atenção do garoto estava em algo ainda mais belo que as aves no lago fosco, o céu azul ou as árvores de fogo de outono. Seu olhar estava direcionado a garota sentada ao seu lado no banco de praça de madeira que ambos dividiam. Seus cabelos eram negros, obscuros como as profundezas do oceano, e as ondas do mar estavam presentes em seu corte um pouco acima dos ombros. Sua pele era macia e suave como as plumas do mais belo cisne. Em seu rosto angelical, jaziam seus olhos. Olhos azuis, belos e puros como o céu, e que guardam o mais belo paraíso. Seus olhos tinham a inocência de uma criança e a sabedoria de uma anciã, e eram a única coisa capaz de transformar todas as tempestades mais violentas do Cravo em leves garoas.

A garota usava um vestido branco simples, de um tecido macio que o cravo não sabia identificar. A simplicidade de seu vestido apenas realça sua beleza delicada e angelical. Ela estava sorrindo.

Ela era a Rosa.

Aquela lembrança era muito preciosa para o Cravo. Não só aquela, mas todas em que a Rosa estava presente.
Ele suspirou.

Os dois se conheciam desde a infância, mas esses sentimentos expressos em seus poemas eram mais recentes do que o garoto gostaria de admitir. Não conseguia lembrar exatamente quando os olhos de Rosa passaram a lhe acelerar o coração, ou quando ele passou a ficar nervoso com sua presença, ou quando os abraços espontâneos dela passaram a lhe dar esperança.

Tudo o que ele sabia, era que estava completa, louca e profundamente apaixonado por ela.

Seus devaneios foram interrompidos por uma pata que pousou gentilmente sobre seu colo.

O garoto olhou para baixo, vendo seu grande e fiel pastor alemão com sua guia na boca. Ele então retirou seus fones de ouvido e olhou o relógio, vendo que havia passado do horário de passeio de Loki, seu cachorro.

— Foi mal, amigão. Eu me empolguei um pouco na escrita. - Ele se explicou para o cão, que não expressou nenhuma reação.

O garoto estendeu a mão para o cão que, animadamente, soltou a guia nas mãos do garoto. Ele, por sua vez, conectou a guia na coleira do cão. Antes de sair, o garoto decidiu se agasalhar, pois o clima já estava começando a esfriar. Com uma blusa de moletom preta, uma camisa de alguma banda qualquer, calças pretas e um coturno preto, o jovem saiu de sua casa acompanhado de Loki.

Todos os dias, no mesmo horário, ele saia para passear com seu fiel companheiro. O cachorro, por sua vez, já estava acostumado com a rotina, e sempre que o dono se esquecia do compromisso, ele ia cobra-lo.

O Cravo aproveitava para ouvir suas músicas mais calmas e pensar. Era uma atividade quase meditativa para ele, tanto que ele apenas deixava seu cão os conduzir, não prestando atenção para onde iam. Graças a isso, ele já conhecia grande parte de sua vizinhança e seus arredores.

O clima estava gélido e o céu nublado. Não haviam muitas pessoas na rua, pois a maioria, nesse clima, optaria por ficar dentro de casa, na segurança de seus cobertores.

Deixando se guiar por Loki, Cravo deu play em uma de suas playlist de música e deixou seus pensamentos vagarem, assim como o próprio. Mas diferente dele, seus pensamentos tinham um destino definido. Seguiam a esquerda na avenida dos sentimentos e continuaram reto, para a ponte das memórias, onde seguiriam até chegarem em uma casa branca, pequena, com canteiros de flores no jardim e cercas de madeira brancas com corações rosa bebê.

Ultimamente, seus pensamentos sempre iam diretamente de encontro com Rosa.

Talvez seja porque eles não se viam pessoalmente há um tempo, ou talvez porque ele havia voltado a assistir a série que eles costumavam maratonar juntos, ou porque ele havia passado por uma roseira de rosas brancas e decidiu levar uma pra casa.

Seja qual fosse o motivo, o fato era que ele não conseguia parar de pensar nela.

Rosa era o tipo de pessoa que poderia ser descrita como "a personificação de um raio de sol". Era sempre compreensiva e gentil, apesar de ser um pouco ingênua. Apenas a sua presença era capaz de iluminar o ambiente, sua beleza angelical e atitude adocicada poderia fazer o mais mal humorado sorrir. Sempre se comportava de maneira cordial e bem educada, chamando pessoas mais velhas de "senhor", "senhora" ou "senhorita". Apesar de seus bons modos, ela sabia agir de forma casual e se entrosava com qualquer um. Ela gostava de dar conselhos para as pessoas, sempre sabendo o que e como dizer para melhorar o dia de alguém. Como um anjo na terra, ela sempre usava branco, e era a coisa mais adorável que Cravo já havia visto em toda a sua vida. Ela estava sempre sorrindo, e fazia o melhor para que as pessoas a sua volta também sorrissem.

Basicamente, a Rosa era o completo oposto do Cravo.

Cravo era estranho. Não falava muito e não saia de casa, com exceção do passeio diário com seu cão. Nas poucas ocasiões em que saia de casa, andava com a cara amarrada ou o olhar baixo. Andava rápido. Às vezes parecia um trem bala de tão rápido que andava. Por conta disso, as pessoas costumavam sair de seu caminho, temendo serem atropeladas. Estava sempre de preto, e poderia ser categorizado como gótico, apesar de não se identificar com essa subcultura. Era raro sorrir genuinamente, e sua presença era capaz de deixar o ambiente mais denso, como uma presença sobrenatural.

Eles eram opostos, mas sempre tinham algum assunto em comum para conversar. Desde a infância, nunca ficaram sem assunto.

Era como se Cravo virasse outra pessoa na presença de Rosa. Ou, melhor dizendo, como se mostrasse um lado dele que não mostrava para mais ninguém.

Como que por mágica, se transformava em uma pessoa falante e sorridente, sempre demonstrando entusiasmo por qualquer coisa que a Rosa estivesse dizendo e fazendo várias piadas e trocadilhos.

E em seu âmago, se sentia aquecido, apreciado, seguro. Como se seu coração fosse um lampião, e a Rosa fosse a chama que o acende. Perto dela, sentia uma felicidade indescritível.

Apesar de ser um poeta, Cravo não era capaz de descrever o amor que sentia por Rosa com palavras.

Subitamente, os devaneios do rapaz sessaram ao perceber aonde estava. Ao que parecia, suas pernas o levaram pelo mesmo caminho que seus pensamentos; à casa de Rosa.

Ao olhar para Loki, o mesmo estava sentado pacientemente, o olhando, como que o incentivando a prosseguir.

Seu coração palpitava enquanto ele tentava entender como o acaso (ou, talvez, seu cão) o havia levado até lá, e ponderando o que fazer a seguir.

Lá estava, a alguns passos de distância, o motivo de seus poemas. O motivo de seus devaneios. Sua melhor amiga. Sua conselheira. Seu porto seguro. Sua musa.
Sua amada.

Com o coração e mente a mil, ele decidiu se aproximar. Passou pelo portãozinho do pequeno cercado branco. A sola de seus coturnos entraram em contato com o ladrilho de pedra que atravessava o gramado da frente da casa. Logo, ele estava de frente a porta.

Ele respirou fundo.

Ele estendeu seu punho lentamente para bater à porta.

Seu coração estava em disparada, correndo muito mais rápido que a velocidade de caminhada do rapaz.

Ele hesitou.

Seu breve momento de dúvida foi o suficiente para que o medo e a insegurança o invadissem, tomando conta do lugar onde antes havia esperança e certeza.

Ele desistiu.

Virou as costas, derrotado, e foi embora. Passou novamente pelos ladrilhos, fazendo o caminho contrário de onde veio, atravessou novamente o portãozinho do cercado branco, e não olhou mais para trás.

No caminho de volta para casa, andou rápido, com pressa, urgência. Ainda mais rápido do que seu habitual, quase correndo algumas vezes. Seu cão apenas o acompanhava, na mesma velocidade que o dono.

No final daquela tarde, o Cravo chegou em casa. Tirou a guia de Loki e a guardou. Como todos os dias, jantou em seu quarto, sozinho com seus pensamentos. Como sempre, lavou a louça da janta, novamente sozinho. Quando caiu a noite, ele não quis continuar assistindo aquela série. Ao invés disso, ele foi cedo para cama. Mas não conseguiu dormir. Olhando para o nada, ele se questionava. Pensava no que tinha acontecido, no que não aconteceu, e no que poderia ter acontecido.

Ele passou aquela noite se perguntando o que poderia ter sido, mas não foi.


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Notas finais do capítulo

Eu agradeço a todos os que leram até aqui.
Essa é a primeira história que posto nessa conta, mas não a primeira que escrevi, e muito menos a primeira que posto neste site. Tinha outra conta aqui, mas acabei perdendo o acesso a ela. Se quiser ler minhas histórias anteriores (que, confesso, não são tão boas), terão mais informações no meu perfil.
Essa história é a primeira que escrevo em muito tempo, e é muito importante para mim. Por isso, agradeço por ter lido, e espero que eu tenha conseguido te entreter e te instigar para as próximas histórias que estão por vir.
Se puder, deixe um comentário. Aceito elogios, críticas, e qualquer coisa que seu coração deseje expressar.

Até o próximo universo,
?” Captain Sephyr.