Pokémon - Cicatrizes escrita por Golden Boy


Capítulo 3
Slow Dancing In The Dark




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A noite de 13 de novembro foi caótica para Gold. Com o pôr do sol, o garoto se recolheu para dentro do ginásio com seus pokémon devidamente guardados em suas pokébolas, estas que ficavam presas a seu cinto. Ele tomou um banho demorado, ainda digerindo a notícia que recebera pela manhã, e ponderou um pouco mais se devia ou não contar para Crystal: e decidiu que não. Ela já tinha sofrido demais, e esse sofrimento extra poderia ser o último empurrão que a faria voltar ao buraco. 

    No momento em que ele terminou de vestir seu casaco, a melodia que indicava a entrada de um desafiante soou. O Ginásio era amplo, e tinha dois andares. Três, contando o terraço, mas Gold geralmente não contava. Só ia lá quando precisava voar em Skarmory. O segundo andar era quase um apartamento pessoal para o líder. Um banheiro, uma cozinha e dois quartos cada um com duas camas de casal. Ele dormira lá nos primeiros dias em Goldenrod, logo após voltar do Planalto Índigo após a derrota nas semifinais da Liga. O primeiro andar era o campo de batalha, rodeado por duas arquibancadas. Os andares eram interligados por um elevador e uma escada. Os desafiantes chegavam no primeiro, e no momento que pisavam no tapete, a campainha soava.

— Alguém em casa? — perguntou uma voz grossa. Gold desceu as escadas até o campo de batalha, e viu um homem de sobretudo esperando por ele.

— Para me desafiar você precisa da insígnia zéfiro e da insígnia colméia, e… — Gold começou, com um tom monocórdio. Não era a primeira vez que ele repetia esse mantra. Foi quando ele pousou os olhos no homem e o reconheceu. Sua voz morreu na ponta da língua.

— Eu não estaria aqui se não fosse absolutamente necessário. — declarou o homem.

    — Vá embora. 

    — Você acha que o assassinato da Blue foi uma coincidência?

    — Não me importa. Sai do meu ginásio. — Gold pegou a pokébola de Ampharos e a deixou preparada na altura do peito. 

    — Gold, se você não colocar juízo na cabeça do Silver, ele vai morrer.

    — Sai do meu ginásio. Eu não falo com escória como você, Thomas.

    — Nós precisamos proteger o Silver!

    — Você acha que eu vou a algum lugar com você?! Você me mandou para a Torre de Rádio!

    — Pra salvar a Crystal! Se não fosse por mim, ela estaria morta!

    — Se não fosse por você, ela NEM ESTARIA LÁ! — Gold gritou tão alto que suas cordas vocais doeram. Thomas se calou. — E nem eu. Agora, por favor, sai do meu ginásio.

    — Só… esteja no planalto índigo amanhã com a Crystal. Se você liga pro Silver. — Thomas se virou, e saiu. Enquanto saia, Gold gritava sobre como ele nunca mais deveria dizer o nome dela.

 

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O apartamento que Gold e Crystal dividem é aconchegante. A varanda é espaçosa, perfeita para passar uma tarde de domingo. Os cômodos são altos, a cozinha é bem ventilada e os quartos são do tamanho ideal (e têm armário embutido!). Mas a melhor parte, para Crystal, é o chão. Ao fim de dias atarefados, ela se deita com as costas nuas no chão e passa horas olhando para o teto.

    No chão, ela se sente segura. 

    Faz três anos desde que ela encarou a morte nas mãos de Archer Foxwood. E faz dois anos desde que ela aprendeu a lidar com as cicatrizes daquele confronto. Ela soltou a maioria de seus pokémon desde então, mantendo consigo apenas dois: Atena e Ares, sua Natu e seu Hitmonchan, respectivamente. Seus dias são atarefados como jornalista chefe do Johto Times, o maior jornal do país. É ela quem redige a maior parte das notícias, e a melhor parte de ser repórter é que ela não precisa passar 90% do tempo trancada em lugar algum.

    Esse é um dos motivos dela gostar tanto do chão de sua casa. Depois de chegar em casa depois de um dia exaustivo em Azalea ou Olivine, ela quer se sentir segura. E é assim que o faz.

    Era num momento desses que ela estava, quando Thomas bateu à porta. Ela obviamente não sabia que era ele até abrir a porta, e o reconhecimento a acertou como um soco. 

    — Crystal. — disse o homem. — Eu não posso nem começar a me desculpar pelas minhas ações, e juro por Arceus que não estaria aqui se não fosse absolutamente necessário. 

    — Eu entendo. E espero que você também entenda que nem por Arceus eu posso te deixar entrar. — Atena estabeleceu uma conexão mental com sua treinadora há algum tempo, de forma que elas podem conversar a qualquer momento, a qualquer distância. E, nesse momento, Crystal comandou que Atena ficasse preparada. A pequena Natu ficava solta no apartamento, e por isso era fácil para ela chegar no local onde Crystal pedira para ela ficar: logo atrás da porta. — Tenha uma boa noite, Thomas.

    Crystal tentou fechar a porta, mas Thomas colocou seu braço na frente e fez força para mantê-la aberta:

    — Isso tem a ver com a segurança do Silver. Por favor, Crystal, me ouça. — Crystal hesitou. Se o homem não tivesse mencionado Silver, ela provavelmente teria feito Atena fechar a porta com telecinese. — Tem gente poderosa atrás dele. A Team Rocket está voltando. Eles já pegaram a campeã de Kanto, e tudo indica que ele é o próximo.

    — E o que eu tenho a ver com isso? — disse a contragosto. Ela e Silver eram amigos. Não mais tão próximos como já foram, mas ela ainda nutria um carinho tênue por ele.

    — Você ainda é uma das treinadoras mais habilidosas de Johto. Ficou em terceiro na última Liga. É a maior capturadora que já existiu. Ele precisa de você.

    — Ele mandou você vir aqui?

    — Você sabe que o Silver é muito cabeça dura para admitir que precisa de ajuda… não foi ele. Foi o Lance. Ele está nesse momento falando com o Koga e com o Bruno. Nós seis seremos os guarda costas do Silver.

    — Seis? Vocês pretendem chamar o Gold?

    — Eu acabei de sair do ginásio dele.

    — E?

    — Ele me expulsou de lá a gritos. 

    — Típico do Gold. — Crystal deu um sorriso hesitante. Em algum lugar bem profundo, ela sabia que a culpa dela ter ido para a Torre de Rádio não era só de Thomas. Ele também fora enganado pelo controle mental do Girafarig. Mas esse sentimento estava tão enterrado que nem ela mesmo podia entender os motivos pelos quais não sentia ódio dele: e isso a irritava.

    — Então você está dentro? — Thomas perguntou, esperançoso. Crystal tinha um olhar distante, mas com certo brilho. Ela pensou por alguns segundos, e declarou:

    — Sim. Pelo Silver, e pelos velhos tempos.

 

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    Crystal já estava com as malas prontas quando Gold chegou em casa. Eram nove da noite. Gold se sentou no sofá, só com a camisa preta e a calça jeans, e ligou a televisão apenas para desligá-la logo em seguida. Tinha muito no que pensar.

    Ele sabia da presença de Crystal pelo barulho da água do chuveiro batendo no chão. Pelo seu cálculo, tinha alguns minutos antes de decidir se iria contar sobre Thomas ou não. Talvez Thomas tenha estado ali. E nesse caso, ele seria pego no flagra ao tentar mentir. 

    Numa tentativa falha de apagar a azia que lhe subia o esôfago, tomou um copo d’água com três cubos de gelo. Assim que terminou de engolir, Crystal desligou o chuveiro. Ele foi até o quarto, e viu as malas prontas. Seu primeiro pensamento fora que Crystal queria se mudar. Ir embora. Terminar tudo. Mas logo em seguida ele viu sua própria mala usual, também pronta. Ele abriu o zíper para checar, e realmente estava com as roupas dele.

    Crystal então teria lhe preparado uma viagem surpresa?

    — Nem ouvi você entrar. — Crystal entrou no quarto com uma toalha branca ao redor da cabeça, já vestida. Deu um toque de lábios em Gold, sorriu, e no momento em que ia começar a falar, Gold a interrompeu. E disse tudo o que aconteceu no dia. Porque ele não saberia esconder nada dela. Porque ela é sua melhor amiga e confidente. 

 

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Floresta de Fuchsia, Kanto, 11:33PM

    Sócrates pulou a cerca de madeira com algum cuidado. Ele sabia que agora estava no território da família Doksu. Koga Doksu era seu alvo. Sócrates andou por entre as árvores despreocupado, assobiando a melodia da abertura de um de seus programas de TV favoritos. Getsu, seu Gengar, estava logo atrás dele, invisível. 

    Ele estava há menos de um quilômetro da propriedade principal do terreno, uma torre de madeira alta com vários andares, quando duas shuriken aterrissaram a poucos centímetros de seus pés. Ele ergueu os olhos e viu Janine Doksu, filha de Koga e atual líder de ginásio de Fuchsia, com uma Katana desembainhada e diante dele.

    — Janine… — Sócrates passou a língua por todos os dentes e conteve sua animação. — Infelizmente, eu não tenho assuntos a tratar com você essa noite. Seu pai está?

    — Quem é você?

    — Sócrates. Bom, se você não vai sair, vou ter que te tirar do caminho. É uma pena. — Janine franziu o cenho, ainda mantendo a postura de defesa. Seu pai estava por perto, e se tudo desse errado, ele iria protegê-la. — Gengar. — Sócrates pronunciou o nome como uma música.

    E o pokémon fantasma surgiu atrás de Janine, de forma que ela apenas sentiu um calafrio antes de ser acertada por uma shadow ball no meio da coluna. No impacto, duas costelas se quebraram e ela voou dois metros na direção de Sócrates, que deu um passo ao lado.

    O homem de cabelos brancos cutucou o rosto da ninja com a ponta do sapato, e a ouviu gemer de dor. Ela bem que tentou se levantar, mas Sócrates a derrubou novamente com um chute no ventre. 

    Duas facas cruzaram o ar e penetraram a pele e os músculos de Sócrates. Duas kunais, lançadas por Koga, que espreitava acima.

    — Saia de perto dela. — Bradou o membro da Elite 4. 

    — Gengar, encontre-o! — Sócrates arrancou a kunai do braço direito, e a jogou no chão. O sangue encharcou sua roupa e a tornou grudenta. O Pokémon fantasma levitou e adentrou a folhagem em busca de Koga, se tornando novamente invisível. 

    Foi quando Koga surgiu, ao lado de Janine, numa nuvem de fumaça. Ao seu lado, um Arbok de quase quatro metros, encarando Sócrates. Koga examinou os ferimentos da filha, e a pegou no colo. Sócrates estava prestes a chamar Gengar, quando Arbok deu o golpe. 

    O homem de cabelo branco levantou os braços para proteger o rosto, mas o peso do pokémon cobra foi suficiente para derrubá-lo. Arbok estava em cima dele, tentando morder sua garganta, e Sócrates fazia de tudo para impedir. 

    Gengar ouviu a comoção, e voltou ao local onde estava seu treinador apenas para encontrar Koga fugindo com sua filha no colo, e Arbok tentando engolir Sócrates. 

    — Gengar… ataque! — Sócrates estava desesperado. Estava muito escuro, e mesmo seus olhos treinados para a escuridão tinham dificuldade em distinguir mais do que meras formas. A cauda de Arbok pesava sobre suas pernas e ele não conseguia se mexer. Sentia seu corpo sendo esmagado, e a boca da cobra estava a poucos centímetros de seu rosto. Suas mãos mantinham-na aberta.

    O pokémon fantasma lançou uma segunda esfera de sombras, e então uma terceira. Sócrates sentiu o corpo de Arbok se mexer, e sua cabeça se afastou dele. 

    Arbok agora estava interessada no fantasma.

    Sócrates aproveitou a distração para rolar para o lado, até que ele tivesse espaço suficiente para ficar de pé. Seu corpo inteiro doía.

    — Gengar, Night Shade!

    A batalha durou por mais três minutos. Koga retornou nesse meio tempo, com sua katana e pronto para eliminar os invasores. Mas era tarde demais. Arbok já tinha sido morta por ataques certeiros do pokémon fantasma. Sócrates e Gengar estavam esperando.

    No momento em que Koga colocou os pés no chão, ele ouviu uma melodia fúnebre. Se ele não estivesse tão estressado e tão focado em matar Sócrates, ele teria reconhecido aquilo como um movimento de Gengar e fugido.

    Mas não o fez.

 

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    Lance chegou em Fuchsia tarde demais. Ele encontrou Janine chorando sobre os corpos de Koga e Arbok. Desceu de seu Dragonair e fez o que pôde para consolá-la e ao mesmo tempo procurar rastros do assassino. 

    Janine disse que ele se apresentou como Sócrates.




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Notas finais do capítulo

Obrigado por ler :)