Intermittente escrita por Mandy


Capítulo 3
Capítulo III




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Hoje era o nono aniversário de Eren Yeager.

O garoto saiu correndo do quarto sem trocar de roupa e gritando eufórico que queria andar de cavalo e ninguém iria impedi-lo porque era o seu aniversário até Keith Shadis aparecer na frente dele. Os olhos do mordomo estavam tão sérios e ameaçadores ao ponto de assustar os empregados, que se afastavam e tremiam de medo enquanto tentavam fazer os seus trabalhos.

Levi ajeitou a franja que o vento de uma manhã de primavera ensolarada bagunçou.

— Eu não tenho Alzheimer, mas me corrige se eu estiver errado. - murmurou, apoiando as costas na cerca que circundava o estábulo da mansão - Uns poucos dias atrás, você mesmo não tinha dito que o Eren estava proibido de andar num cavalo? E também não era para ceder aos caprichos dele?

Keith, que estava em pé ao lado do garoto, lançou um olhar ameaçador.

— Não começa.

Foi tudo o que falou sobre o assunto.

A presença de arrepiar os ossos do mordomo não abalou Levi, que continuou olhando para o exterior do gigante estábulo beje. Eren estava acompanhado de Connie e Sasha que tentavam acalmá-lo, pois o jovem príncipe estava discutindo com um garoto mais alto que ele.

Jean Kirstein era o mais alto dos três mesmo tendo a mesma idade de Connie e Sasha. O seu cabelo castanho claro era uma bagunça de fios rebeldes e repicados com uma parte raspada em volta, formando uma meia-lua atrás da cabeça. Os seus olhos intensos possuíam um tom marrom semelhante a carvalho e entrava em destaque com a camisa branca e calça cinza.

De qualquer forma, Eren não deixava de surpreender. Não importava quantos anos ou a altura que uma pessoa possuía, o jovem príncipe enfrentava com o queixo erguido e os olhos verdes afiados.

Levi não sabia o motivo da discussão, mas teorizava na possibilidade de ser o acidente que Eren poderia ter sofrido em algum lugar do passado.

No meio de seus devaneios, o garoto de olhos azuis cinzentos lembrou-se do dia em que matou o assassino. No outro dia de manhã, ele acordou na cama de Eren, que continuava dormindo como se nada de ruim tivesse acontecido. Levi ficou encarando o rosto pacífico do jovem príncipe até se lembrar de um corpo no chão. Virou-se em pânico e logo se acalmou ao ver que o cadáver, a faca no tapete e o sangue espalhado não existiam mais.

Keith havia limpado tudo logo depois de ter escutado o tiro. Depois de ter contado isso ao jovem cavaleiro, ele não comentou mais nada sobre o que Levi fez.

— É melhor isso que a outra opção. - falou o mordomo, referindo-se ao presente de aniversário do garoto de olhos verdes.

Levi o encarou, intrigado. Keith deu de ombros, colocando as mãos atrás das costas. A sua postura lembrava um militar treinado.

— Eren queria ir para a cidade. - revelou com a voz neutra - A mãe do garoto lia vários livros que citavam outros lugares além do campo ou desse reino maldito.

Era a primeira vez que ouvia um dos empregados falar na mãe de Eren.

— Onde está a mãe dele? - perguntou Levi.

Keith não olhou para ele. Voltou a sua atenção para a cena que ocorria no estábulo. Eren continuava a discutir com o Jean.

— Carla morreu quando Eren tinha seis anos.

Levi não ficou muito surpreso. Fazia poucos dias que estava na mansão e nunca viu a mãe do Eren, então já havia imaginado que ela estava morta.

— Foi durante um inverno. - contou Keith - Carla contraiu uma gripe muito forte. Não importava o quanto remédio tomava, a febre não baixava e os sintomas agravavam. Então, numa noite em que Eren dormia ao lado dela, Carla se foi.

Levi lembrou-se da porta ao lado do quarto de Eren. Era a única porta que ficava trancada naquela mansão além da entrada para o porão.

— Foi um choque para o garoto. - continuou Keith - Eren ficou quieto por dois meses inteiros.

Um silêncio se estabeleceu entre os dois, que continuavam a observar a cena que acontecia no estábulo. Sasha estava sentada no chão, agarrando uma perna do jovem príncipe como se fosse uma árvore. Connie estava segurando Jean pelas costas, pois o garoto mais alto estava furioso e exibia os punhos prontos para uma briga.

Keith respirou fundo, esfregando os olhos com os dedos de forma impaciente.

— Se for me perguntar se prefiro essa criança quieta do que gritando de manhã por todos os cantos da mansão, - falou ele, voltando a colocar as mãos atrás das costas - você pode ter certeza de que a minha resposta é um grande "não".

Levi não abriu a boca para falar, mas lançou um olhar curioso para o mordomo, que o encarou de lado numa expressão indecifrável.

— Se um dia você ver esse garoto em silêncio, lembre-se do que eu falei hoje.

Novamente, Levi ficou calado, observando Eren e Jean apertando as mãos enquanto exibiam sorrisos animados como se fossem dois grandes amigos que acabaram de fazer um ótimo acordo. Sasha e Connie riam ao lado do jovem príncipe, parecendo alegres com a união entre duas crianças que estavam quase saindo no soco há pouco tempo.

Vendo essa cena feliz que surgiu do nada, Levi sentia a sua sanidade ser levada aos poucos pela brisa da primavera.

Uma risada rouca surgiu da boca de Keith. Ele estava de braços cruzados enquanto olhava com um "quê" de desdém para o cavaleiro.

— A sua cara de que entendeu porra nenhuma é a prova de que você tem muito o que aprender ainda, criança.

Levi estalou a língua num "tsc". Observou Eren vir correndo em sua direção, um sorriso estampado em sua face delicada e infantil.

— Levi! - chamou alegremente - Jean deixou você andar num cavalo também!

Antes que pudesse ter a chance de responder algo, Eren saiu correndo para o estábulo. Levi mordeu o lábio inferior num tique nervoso.

— Não sabe montar num cavalo? - perguntou Keith, intrigado

O garoto negou com a cabeça. Keith franziu a testa. "Ele tem o título de Cavaleiro Real e não sabe andar num cavalo?", pensou o mordomo.

— Não tinha cavalos no seu treinamento? - perguntou.

— Tinha. - respondeu Levi com um pouco de frieza em sua voz - Numa floresta perto de uma montanha, onde foi uma das fases do treinamento.

Keith franziu ainda mais a testa.

— Então, - falou - como você não sabe andar num cavalo?

— Como? - murmurou Levi com uma expressão mal-humorada - A gente caçava alguns para sobreviver.

Keith não teve o que dizer sobre isso, então decidiu encerrar o assunto:

— Aproveita para aprender a montar num cavalo e faça com que Eren não invente de ir além da cerca.

Levi conteve um suspiro e seguiu até o estábulo. Como ele iria fazer com que o jovem príncipe o obedecesse de novo? O que tinha acontecido no primeiro dia em que se conheceram foi sorte e não significava que iria se repetir.

De qualquer forma, o garoto de olhos azuis cinzentos decidiu não pensar muito no que fazer.

Dentro do estábulo era apenas o gado, como vacas e bois. Do lado de fora, por trás das baias largas e abertas, estavam os cavalos de médio a grande porte, incluindo os filhotes que não passavam de um metro e pouco.

Eren já estava montado num filhote de pelugem marrom escuro pronto para sair num passeio. Sasha e Connie alimentavam os cavalos com cenouras, rindo toda vez que os animais relinchavam depois de pegarem o alimento com ferocidade. Jean puxava pela correia um filhote de pelugem preta que lembrava o céu escuro durante a noite.

Levi não pôde negar que estava fascinado com esse animal que era trazido calmamente por Jean.

— É uma filhote mais alta em comparação aos outros. - explicou Jean com um sorriso orgulhoso - Acredito que você vai se dar bem com ela, pois escolhi pela sua altura e um cavalo adulto seria problemático para você.

Levi não respondeu. Na verdade, ele não sabia se agradecia ou soltava um comentário sarcástico, então preferiu se manter calado.

Como o cavaleiro não falava nada, Jean explicou como deveria montar num cavalo e tomar cuidado e o que fazer quando o animal estiver raivoso ou assustado. Também explicou que os filhotes ainda não aprenderam a saltar por cercas altas, mas já sabiam a pular cercas baixas como a que circundava o estábulo da mansão. Avisou que deveria segurar firme na correia e tomar cuidado para não cair da cela.

Teria seguido uma aula sobre equitação se Eren não tivesse lançado olhares fulminantes para Jean, que certo tempo começou a se sentir desconfortável com a intensidade da irritação do jovem príncipe. Quando Levi se virou para entender o desconforto no rosto de Jean, o garoto de olhos verdes estava com um sorriso inocente nos lábios finos.

Levi franziu as sobrancelhas, intrigado, e agradeceu Jean antes de montar na filhote. Balançou de leve a rédea de couro, o que fez a égua andar calmamente para frente. Quando chegou ao lado do cavalo de Eren, puxou a rédea e a filhote parou.

"Não é tão difícil...", pensou Levi, um pouco animado. Já tinha visto alguns colegas mais velhos montarem nos cavalos durante o treinamento, porém a maioria acabava machucada porque os animais ficavam violentos e atiravam os montadores para longe, o que levou uma minoria a morte.

— Ei, Levi. - chamou Eren, fazendo o cavaleiro voltar para a realidade - Vamos apostar uma corrida?

Levi se forçou a focar no momento presente, tentando ao máximo afastar os seus pensamentos do treinamento e ignorar as leves pontadas de dor de cabeça que sentia.

— Por quê? - indagou.

— Para ficar mais divertido. - respondeu Eren como se fosse óbvio - E a aposta vai ser que o vencedor deve obedecer o perdedor! O perdedor deverá fazer qualquer coisa que o vencedor quiser e não deverá reclamar de nada.

"Não pode reclamar?", repetiu Levi para si mesmo, levemente indignado com a atitude ditadora do outro. "Ainda bem que esse garoto não sabe que é um príncipe de Marley".

— Certo. - concordou Levi. Se ele ganhar, então tinha uma chance de fazer Eren obedecê-lo - Vai ser como a corrida?

Eren sorriu de orelha a orelha.

— Quem pular primeiro a cerca em linha reta!

Eren balançou ferozmente a rédea e saiu em disparada com o cavalo, deixando os outros quatro boquiabertos e com os olhos arregalados. Era possível até ver a surpresa nos olhos escuros dos cavalos nas baias.

"Esse pirralho de merda!", Levi sentiu vontade de gritar enquanto apertava com força a rédea de couro. "Por que não facilita para o meu lado, caralho?!"

Levi puxou a rédea fazendo a égua relinchar ao empinar nas duas patas traseiras e saiu em disparada quando o garoto de olhos azuis balançou a correia.

O cavalo de Eren era rápido, mas não mais que a égua de Levi. A filhote era mais alta, porém era leve e forte, o que aumentava a sua velocidade. Em poucos segundos, o garoto de olhos azuis encarava cara-a-cara o garoto de olhos verdes.

Eren mostrou a língua e balançou ainda mais a rédea. Levi soltou um "tsc"; não se deixaria ficar para trás.

A corrida acabou virando uma disputa de orgulho. Os dois jovens garotos se recusavam a perder por ego, não por causa da aposta que fizeram. Ambos se encaravam ferozes e determinados, se recusando a ficarem atrás do outro, disputando a posição de primeiro lugar imaginária.

Os cavalos corriam a uma velocidade impressionante ao ponto de parecerem mal tocar no solo, como se fossem livres de qualquer gravidade lógica. Corriam ao vento e o vento ensurdecia os ouvidos dos dois garotos que não pensavam em mais nada além de vencer a corrida.

Quando menos imaginavam, ambos já estavam chegando perto da cerca.

O cavalo de Eren vacilou um passo, o que fez o ritmo desacelerar por um momento. Levi aproveitou esse momento. Faltando poucos metros para chegar na cerca, a filhote trotou um semi-círculo e ficou nas patas traseiras, logo depois batendo as dianteiras na frente do outro filhote que relinchou e recuou alguns passos enquanto ficava empinado nas patas traseiras. Eren conseguiu acalmá-lo, mas os seus grandes olhos verdes brilhavam de admiração ao encarar Levi, que possuía um olhar frio em seu rosto fino e sério.

Eren sempre achou Levi baixo para a sua idade, mas naquele momento ele possuía uma presença que revelava ser o oposto.

Uma presença que transmitia superioridade, força e respeito.

— Eren. - a sua voz era uma calma fria assim como a sua expressão - Você perdeu.

O garoto de olhos verdes não conseguiu falar e muito menos conseguiu deixar de olhar para o garoto de olhos azuis cinzentos.

— Segundo a aposta que você fez, o perdedor deve obedecer o vencedor. - falou Levi no mesmo tom anterior - Ou seja, você irá fazer o que eu mandar.

Levi respirou fundo antes de dar sua ordem:

— Você deverá aprender a agir com disciplina.

A partir desse ponto, Eren entendeu o que era aceitar uma derrota e conviver com ela.

*

Marco Bodt era o melhor amigo de Jean Kirstein. Tinha a mesma idade e altura que Jean. Ele tinha cabelo curto repartido na cor preta, sardas no nariz e bochechas além de olhos castanhos claros que transmitiam calma e bondade.

Marco apareceu depois da disputa entre os dois garotos orgulhos.

Quando Levi chegou ao estábulo, Jean, Connie e Sasha quase pularam em cima dele para parabenizá-lo. O trio não conseguia acreditar que o cavaleiro vencera numa corrida contra o jovem príncipe. Ao que deu para entender, Eren nunca perdera uma aposta que fazia.

Falando no jovem príncipe, Eren desmontou do seu cavalo e ficou parado ao lado do animal, observando o trio que conversava e gesticulava para Levi, que apenas olhava os três com uma expressão indiferente.

— Bom dia, Eren.

O jovem príncipe voltou os olhos para Marco. Ele vestia uma blusa cinza de manga curta, calça marrom que estava suja de terra nos joelhos para baixo e botas de couro. O garoto exibia um sorriso tranquilo ao carregar com as duas mãos um balde cheio de feno.

— Bom dia, Marco. - cumprimentou Eren.

Sentou no chão e apoiou o queixo com as mãos, voltando a encarar o quarteto que se formou. Marco inclinou a cabeça para o lado, intrigado.

— Qual o problema, jovem mestre?

Eren fez uma careta emburrada.

— Nada. - resmungou.

Marco olhou para onde Eren olhava e reprimiu um risinho. Colocou o balde no chão e sentou do lado do garoto de olhos verdes.

— É por causa da atenção que o senhor Ackerman está recebendo? - perguntou.

Eren não respondeu.

— Sabe, Ackermans são como uma lenda. - comentou Marco tranquilamente - Nenhuma pessoa sabe onde eles ficam. Se alguém encontra com um Ackerman, só existem duas certezas: Sorte ou azar.

Eren falou nada de novo. Marco percebeu que ele fingia não prestar atenção.

— A chegada do senhor Ackerman pode significar uma grande sorte, não acha? - falou Marco, sorrindo - Por que não aproveita essa sorte ao invés de ficar sentado no chão com uma cara emburrada, jovem mestre?

Eren encarou o garoto de rosto bondoso. Marco era a pessoa que o jovem príncipe mais escutava e chegava perto de considerar um amigo.

— Não é "senhor Ackerman". - murmurou Eren como estivesse corrigindo - É Levi.

Eren não esperou por uma resposta. Levantou-se e foi até onde o quarteto estava. Em poucos segundos, o jovem príncipe já estava entretido na conversa - uma conversa onde Levi mal abria a boca para falar algo.

Depois de alguns minutos, Jean percebeu a presença de Marco e abriu um sorrindo, indo se sentar ao lado do amigo. Eles se cumprimentaram com um aperto de mãos.

— Como foi lá na cidade? - perguntou Jean com curiosidade - Como está a sua irmã?

Marco tinha uma irmã mais velha que ficava hospedada numa pensão. Os pais dos dois morreram num acidente na estrada e a filha mais velha de dezenove anos ficou com a responsabilidade de cuidar do irmão mais novo.

O sorriso de Marco se tornou triste.

— Minha irmã não tem mais como nos sustentar direito. - contou - Ela tem ganho pouco dinheiro no trabalho.

Jean balançou a cabeça, compreendendo a situação. Então, uma ideia surgiu em sua mente.

— Que tal você vir morar na mansão até a sua irmã ganhar mais dinheiro? - sugeriu - Tem mais uma cama no nosso quarto.

Jean se referia a um dos quartos de funcionários que dividia com Connie e Sasha. O quarto tinha dois beliches e dois armários.

Marco arregalou os olhos.

— Eu não sei, Jean. - respondeu ele, pensativo - Eu não quero abusar.

— Você não vai estar abusando. - retrucou Jean - Keith vai entender a sua situação. Eu e a minha mãe estamos morando aqui por motivos iguais.

— Mas...

— Sem "mas"!

Jean sorriu e apontou para si mesmo com confiança.

— Marco, deixa comigo. - falou ele, confiante - Eu converso com Keith e Eren não vai ver nenhum problema nisso.

"Sobre o Eren, eu já não tenho tanta certeza...", pensou Marco, mas ele apenas sorriu agradecido para o melhor amigo.

— O que tem eu?

Jean e Marco gritaram de susto. Eren estava parado na frente dos dois com Levi um passo atrás do garoto de olhos verdes parecendo, literalmente, um guarda-costas. Sasha e Connie entraram no estábulo para cuidar das vacas após cuidarem dos dois filhotes de cavalo.

— Eren! Boa hora! - exclamou Jean com bom humor - Lembra do favor que você ficou me devendo por causa do nosso pequeno trato?

Eren o olhou com repugnância.

— Eu não devo favores para uma cara de ca...

— Eren. - repreendeu Levi, interrompendo.

O garoto revirou os olhos verdes.

— O que você quer, Jean? - resmungou.

— O que você acha do Marco vir morar na mansão com a gente?

Eren franziu a testa. Jean contou a situação do melhor amigo e Marco confirmou com a cabeça várias vezes.

Eren olhou para o seu guarda-costas.

— Você que decide. - foi o que Levi respondeu.

— Hm...

Eren voltou os olhos para Marco e Jean, exibindo uma expressão enigmática.

— Por mim tudo bem.

Marco e Jean se entreolharam, sorrindo. Os dois se levantaram na mesma hora e saíram correndo atrás de Keith.

Eren voltou os olhos irritados para Levi.

— Eu tenho que agir assim? - perguntou com mau humor.

Eren se referia a chamar outra pessoa por seu nome, não pelo apelido que dava livremente.

— Deveria agir melhor, - respondeu Levi, indiferente - mas está aceitável por enquanto.

Eren inflou as bochechas numa careta birrenta.

— Eu não quero agir assim! - reclamou - Por que você escolheu logo me disciplinar?!

— Porque você é um lorde, Eren. - mentiu Levi, já que a verdade não podia ser dita - Você deve aprender a agir com um.

— Mas eu não quero!

Levi revirou os olhos para o lado.

— Nem sempre fazemos o que queremos.

Eren parou a sua birra ao notar o tom sombrio na voz do outro. Não era a primeira vez que o via falar dessa forma durante esses poucos dias, mas, mais uma vez, não iria perguntar o que significava as suas palavras.

— O que eu ganho agindo assim? - perguntou o jovem príncipe.

Levi o olhou inexpressivo por alguns segundos.

— E precisa ganhar alguma coisa? - questionou.

Eren piscou os olhos, sem entender. Levi suspirou.

— Vamos voltar para dentro, Eren. - falou, virando às costas - A mãe da Sasha preparou um almoço "especial" para você.

*

Depois do almoço, Eren pegou Levi pelo braço e o levou para fora da sala de jantar. O cavaleiro não se importou de ser arrastado, pois o jovem príncipe sempre ia na biblioteca depois das refeições. Passar as horas lendo alguns livros, ajudando Eren com suas tarefas escolares ou jogando tabuleiro acabaram sendo passatempos divertidos para Levi.

Não foi uma tarde diferente no aniversário do garoto de olhos verdes. Ficou terminando as últimas lições de matemática sentado numa cadeira alta diante de uma mesa redonda enquanto o garoto de olhos azuis cinzentos permanecia sentado na outra cadeira e lendo o livro “A Ilha do Tesouro”. Uma bandeja de porcelana com um bule e duas xícaras de chá usadas estava no meio da mesa.

A mesa ficava no centro da biblioteca de três andares que possuía as paredes preenchidas com inúmeras estantes cheias de livros. Havia uma lareira nos fundos do térreo que transformava o lugar mais aconchegante. Também tinha um candelabro dourado de várias velas no teto, iluminando o ambiente que parecia ter saído de um conto de fadas.

A biblioteca era o cômodo mais acolhedor daquela mansão tanto para Levi quanto para Eren.

— Levi. - o garoto ergueu os olhos azuis cinzentos do livro - Como eu calculo 6x4?

— Quanto é 6x3? - perguntou Levi, voltando a sua atenção para o livro.

— Hm... - Eren baixou os olhos para a folha - 18?

— Isso. - respondeu o cavaleiro calmamente - Soma mais seis.

Eren ergueu as suas duas mãos pequenas e contou nos dedos, murmurando baixinho os números.

— 24? - perguntou.

Levi assentiu. Eren sorriu.

— Ei, Levi! - o cavaleiro continuou com os olhos no livro - Quanto é 5x8?

— 40.

Levi respondeu sem pensar porque estava entretido no livro, o que fez o jovem príncipe ficar ainda mais admirado pelo outro garoto.

— E 9x9? - perguntou Eren.

— 81. - respondeu Levi automaticamente.

— 10x10?

— 100.

— 156x2?

— 312.

— 256x7?

— 1.792.

Levi franziu a testa e encarou o garoto a sua frente, finalmente percebendo o que estava acontecendo. Eren sorriu de orelha a orelha com os olhos brilhando e apoiou o queixo entre as palmas das mãos.

— Isso foi muito legal.

O comentário do jovem príncipe fez Levi desviar o olhar.

Para o Ackerman, saber sobre matemática era uma tortura, pois ele foi obrigado a aprender várias contas de raciocínio lógico até a sua mente ficar exausta. Quando acertava alguma conta, ninguém o parabenizava. Os testes matemáticos eram os caminhos para as próximas fases do treinamento e os elogios significavam nada.

Era o que Levi pensava até ficar sem saber como reagir ao receber um elogio.

A porta da biblioteca foi aberta, o que chamou a atenção dos dois garotos. Keith estava acompanhado por um adulto e duas crianças.

O adulto era um homem esguio por volta de quarenta anos. O seu cabelo loiro para castanho começava a ficar grisalho assim como a sua barba. O seu rosto era robusto, mas não lhe dava a impressão de ser uma ameaça mesmo com seus olhos azuis frios. O óculos de grau e a sua postura ereta lembravam um intelectual.

A criança mais alta era um garoto loiro de olhos azuis frios e lembrava uma versão infantil do adulto. A criança mais baixa também era um garoto loiro de olhos azuis, mas, ao contrário dos outros dois, o seu olhar era expressivo e transmitia timidez.

Levi ficou intrigado, mas manteve-se quieto, deixando o mordomo falar:

— O seu tutor veio te visitar.

Levi olhou de lado para o jovem príncipe. O sorriso de Eren desmanchou-se para uma expressão fria e enigmática, mas o cavaleiro percebeu um brilho de desconforto em suas íris verdes como o mar.

Keith virou-se para os três estranhos.

— Sr.Smith, Erwin e Armin, esse é Levi, o novo guarda-costas de Eren.

Os três falaram “prazer” em uníssono. Levi apenas apoiou a cabeça com uma mão, esperando alguma reação por parte de Eren, mas ele também ficou quieto.

“O que é isso?”, questionou-se Levi, olhando novamente para o garoto. “Por que Eren está tão calado? O que eu estou perdendo?”.

Sr.Smith sorriu de maneira tranquila.

— Feliz aniversário, Eren. - desejou - Espero que não se incomode, mas trouxe o meu sobrinho comigo dessa vez.

Eren continuou quieto. Keith o encarou sério.

— Eren, venha cumprimentá-los. - ordenou o mordomo - É uma falta de educação não recebê-los bem.

Nada. Levi assobiou, o que chamou a atenção do garoto de olhos verdes.

— Eu não sei o que diabos deu em você, - sussurrou o cavaleiro - mas acho melhor você fazer o que Keith falou.

Eren franziu a testa, mordendo a bochecha. Desceu da cadeira e foi até os três. Armin o cumprimentou com um sorriso e Erwin apenas acenou com a cabeça, sorrindo minimamente. Trocaram algumas palavras antes dos dois loiros seguirem o moreno pelo corredor.

Levi levantou-se e começou a arrumar os livros e os cadernos que Eren estava usando. Possuía uma mania de organizar várias coisas desde pequeno. Com o tempo, essa mania se tornaria num toc ainda maior.

— Então, você é um Ackerman, não é?

Levi virou-se para o sr.Smith. O homem loiro havia se aproximado do garoto e exibia um sorriso tranquilo no rosto.

Levi tornou os olhos para a entrada da biblioteca. Keith não estava mais lá.

— Sim. - respondeu o cavaleiro ao encarar o adulto a sua frente com os olhos inexpressivos - Por quê?

— Por curiosidade.

Levi não gostou desse resposta. Nunca era por curiosidade. Sr.Smith percebeu a maneira de como proferiu o que disse, pois riu.

— Desculpe por soar suspeito. - falou o homem loiro - Mas, realmente, é por curiosidade. Eu soube de algumas coisas sobre os Ackermans e fiquei interessado quando Keith me falou sobre você.

— E o que você quer comigo? - questionou Levi com frieza.

— Direto ao ponto... - murmurou o sr.Smith um pouco perplexo - Bem, se quer saber...

A sua face se tornou sombria

— Preciso alertá-lo sobre algo muito importante.

Levi terminou de empilhar os livros. Encarou fixamente o homem. Os seus olhos azuis celestes pareciam menos vívidos.

— Alguns membros da Corte estão usando assassinos de aluguel para invadir essa mansão...

— Eu sei. - interrompeu Levi - Cheguei a matar um.

Sr.Smith espremeu os lábios.

— Merda... - praguejou.

Levi engoliu em seco. Por que a sensação de um péssimo pressentimento começava a se formar no seu interior?

— São vários lordes que estão querendo comprovar os boatos sobre a traição do Rei para derrubar o seu governo. - revelou o sr.Smith - Depois desse assassino que você matou, vários outros virão e nem todos irão apenas matar o príncipe.

O homem loiro segurou os ombros de Levi com as duas mãos, olhando diretamente para os olhos azuis cinzentos do garoto.

— Por favor, não deixe que Eren seja capturado ou morto. - implorou - Você não tem ideia do valor que essa criança tem.

Levi não compreendeu totalmente, mas assentiu com a cabeça. 

Sr.Smtih sorriu aliviado e apertou levemente os ombros do garoto Ackerman, logo saindo da biblioteca como se o desespero em seu rosto nunca tivesse existido. Como se suas palavras suspeitas e suplicantes nunca foram lançadas. Como se a tranquilidade fria não o tivesse abandonado por um momento.

  *

Armin Arlert e Erwin Smith passaram o resto da tarde com Eren enquanto Levi ajudava na limpeza com os outros três empregados adultos, que eram a mãe de Jean e os pais de Connie. Sr.Smtih ficou corrigindo as tarefas do jovem príncipe na biblioteca.

Depois que os visitantes foram embora, Eren saiu correndo à procura de Levi. Quando o achou, o garoto de olhos verdes abraçou o guarda-costas por trás, o que surpreendeu o garoto de olhos azuis cinzentos. Por pouco, Levi não usou um dos golpes de desefa.

— Ei, Eren. - resmungou Levi, tentando soltar os braços do garoto que estavam em volta de sua cintura - Me larga.

— Não quero! - retrucou Eren, apertando com mais força de propósito, e enterrou o rosto no sobretudo, abafando a sua voz - Não vou te soltar.

— Eu tenho coisas para fazer...

— É mentira!

E era uma mentira. O cavaleiro se sentia um pouco desconfortável com o gesto afetivo do outro e recorreu a uma desculpa imaginária.

— Você sumiu.

O murmúrio do jovem príncipe foi tão baixo que quase não foi ouvido. Levi suspirou, soltando calmamente os braços de Eren, que já não resistia mais. O garoto Ackerman ajoelhou-se com uma perna no chão para ficar cara-a-cara com o príncipe, que estava cabisbaixo.

— Por que você acha que eu sumi? - perguntou Levi num tom inexpressivo - Foi por eu não ter passado o resto da tarde perto de você?

Era estúpido, mas o Ackerman julgou ser o motivo mais óbvio e acertou, pois Eren assentiu com a cabeça.

— Eu não sumi. - repetiu Levi sem soar impaciente - Eu prometi, certo? Não vou sumir.

Eren ergueu lentamente a cabeça. Havia lágrimas contidas no canto de seus olhos verdes.

— E se você sumir? - murmurou com a voz embargada - Eu não quero que você suma igual a ela...

Abaixou a cabeça, fazendo a sua a franja esconder os seus olhos.

“Merda...”, pensou Levi, sentindo um gosto ruim na boca. “Carla morreu da noite para o dia. Foi algo muito repentino para ele, como se a mãe dele tivesse sumido...”.

Levi passou a compreender melhor alguns sentimentos de Eren. 

Percebeu que a sua situação não era muito diferente. Levi não via a própria mãe desde que começou o treinamento quando tinha cinco anos de idade. Nunca havia parado para pensar no tamanho da vontade de reencontrar a sua mãe até sentir um aperto dentro de si.

“A diferença entre nós é que a mãe dele não está mais viva”, concluiu Levi, sentindo o aperto ficar mais forte.

Levantou-se, estendendo uma mão para Eren.

— Vamos. - falou, tentando manter a voz firme - Sasha avisou que tem uma surpresa para você.

Eren esfregou os olhos com os punhos. Levantou a cabeça e segurou a mão de Levi, caminhando ao seu lado em silêncio por alguns segundos.

— O que é? - perguntou Eren.

— Eu não sei. - respondeu Levi com sinceridade - É surpresa, certo? Como eu vou saber?

— Você não ajudou na surpresa? - perguntou Eren, curioso.

— E você acha que eu faria uma coisa dessas? - retrucou Levi num resmungo.

O príncipe soltou uma risadinha, sorrindo. O cavaleiro o observou, pensativo. 

Levi começou a se perguntar sobre algumas coisas. O que mais o sr.Smith sabia e estava escondendo por trás de seu sorriso tranquilo? Também questinou-se como ele tinha certeza de que mais assassinos viriam atrás do príncipe bastardo e como sabia que eles tinham ligações com a Corte de Marley.

A partir dessas perguntas intrigantes, Levi começou a se questionar por outros pontos que não lhe pareciam suspeitos antes e, agora, eram muito estranhos.

Por que o Rei precisou ir atrás de um acordo com os Ackermans para proteger um filho bastardo? A maioria dos Cavaleiros Reais era cosposta por Ackermans, pois a Realeza Marley possuía um pacto antigo com o Clã Ackerman. Era impossível para um lorde com status baixo pedir por um Cavaleiro Real desse Clã, segundo o que Levi soube por Keith durante uma das conversas no período do chá da tarde.

Por que Grisha Fritz tomou essa decisão arriscada para proteger o seu filho, que era um eldiano e a mãe era uma plebleia eldiana? Por um mínimo deslize (como o uniforme de Cavaleiro Real), a identidade de Eren seria revelada.

Mas qual era o verdadeiro perigo? Por que os lordes estavam atrás da cabeça de um garoto que era fruto de uma suposta traição? Por que derrubar o Rei? Por que isolar Eren e sua mãe no meio do campo com empregados eldianos? Por que contratar um mordomo que tinha experiências em matança e tortura? Por que esconder a existência do jovem príncipe da Rainha e do resto da Realeza era tão importante?

Qual era o valor de Eren Yeager?

Levi não sabia as respostas e tão cedo saberia. Quanto mais procurava entender, mais questionamentos preenchiam a sua mente. Imaginou várias vezes que jamais encontraria um sentido e era melhor desistir de pensar, mas algo dentro de si queria entender o mundo a sua volta que expandia aos poucos.

 Mesmo com dúvidas, o objetivo do garoto de olhos azuis cinzentos não mudou. A sua missão e a sua vontade se coincidiam. Ele não deixaria que o jovem príncipe corresse perigo em suas mãos.

Afinal, Levi era o Cavaleiro Real de Eren


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Notas finais do capítulo

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