Monochrome escrita por Lacie


Capítulo 1
Capítulo 1




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/78823/chapter/1

 

“Então, Demyx-kun...” O homem à sua frente tinha uma voz fraca, como a de um velho moribundo, mas o loiro tinha ciência de que suas palavras teriam a força de um carro desgovernado, que destruiria tudo em seu caminho.

“Os resultados são bastante... reveladores.”

Na verdade, ele já sabia.

E mesmo assim...

 

XXX

 

“Ah, Zexy~. Sabia que o Axel finalmente convidou o Roxas pra morar com ele? Já era tempo!” O rapaz loiro sorriu, enquanto fechava o armário.

Era dia dos namorados, e os dois iriam sair pra comemorar em um restaurante famoso - ah, até parece. Era barato, mas era gostoso. Pelo menos, Demyx pensava, Zexion ia ingerir algo diferente que não continha cafeína.

Demyx olhou-se no espelho. Ele era bonito, sim, não podia negar, e pra variar, usava roupas mais informais do que estava acostumado. Não chegava ser um bermudão e sandálias de dedo, mas sua mãe surtaria ao vê-lo ir de calça jeans a um encontro tão importante.

Ele revirou os olhos. Até parece que Zexion ia aparecer com terno e gravata.

“De fato.” Ele respondeu, sua voz no mesmo tom professoral de sempre. Estava usando não um jeans, mas uma calça e camisa social pretas. Demyx gostava daquela cor no namorado, mas achava que ele combinava mais com branco. Já ele próprio, usava uma camisa azul ciano.

“Zexy~ O que houve? Não está animado para nosso jantar?”

“Demyx.” Zexion o chamou, sério.

“Sim?”

“Mizuko me ligou, hoje pela manhã.”

“Droga.” Foi o pensamento imediato de Demyx.

 

XXX

 

“E a vida, como está, Demyx-kun? Soube que está indo muito bem no seu trabalho.” O médico perguntou e escreveu mais alguma coisa em seu prontuário. O outro sempre tivera uma curiosidade mórbida sobre o que eles escreviam ali, mas devia ser em outro dialeto, porque era ilegível.

“Sim!~ Parece que até vem uma promoção a caminho. Mal posso esperar.”

“Ah, é assim...” Ele desviou o olhar, voltando a encarar suas anotações. “E sua namorada? Mizuko-san comentou sobre algo do tipo da última vez que você veio aqui.”

“Ahn... Bem, não é que eu não tenho alguém assim... Mas o Zexion é mais... homem. Sabe?”

“Oh.” O médico exclamou. “Oh! Bem, isso é uma surpresa...”

“É, as pessoas costumam se chocar quando eu conto isso.”

“Não que eu seja contra, claro.” Ele se apressou em dizer, e Demyx sabia no fundo que não era verdade. Mas ele não queria contradizer quem sabia usar um bisturi habilmente (e esconder um corpo no necrotério do hospital deveria ser moleza). “Mas, bem, se os dois usarem proteção...”

“Oh, claro. Toda semana. Digo, sempre.” E Demyx piscou. Hábitos antigos eram difíceis de mudar.

E o mesmo silêncio que ele temia retornou.

“Eu esperava que Mizuko-san retornasse, mas... Serei franco com você, Demyx-kun.”

Ah, aí estava a pegadinha.

 

XXX

 

“...Mizuko me ligou.” Zexion continuou.

“Oh! Do que era queria falar?” Ele tinha que continuar fingindo. Pelo menos por aquele dia. Zexion não podia descobrir justo naquele dia.

“Ela me ligou quase me ensurdecendo querendo saber onde eu estava. E me disse que estava em uma consulta médica com você.”

 “Ah, aquela traidora!” Exclamou.

E aquele silêncio pairou novamente, dessa vez ainda mais desconfortável. Demyx sabia que aquela hora chegaria, mas, por tudo no mundo, não queria que fosse justo no dia dos namorados.

“Por que você foi ao médico sem me contar?”

 

XXX

 

O quarto que eles agora partilhavam tinha um toque especial de Demyx. Uma parede branca, por insistência deste, enquanto as outras eram de um tom brando de azul. Zexion gostava porque não era tão agressivo quanto o tom ultrajante de amarelo-ovo que Demyx escolhera também para a sala de estar, e Zexion podia ler tranqüilo durante o dia sem precisar acender alguma lâmpada.

Os lençóis da cama, também, era idéia dele. Um dos poucos luxos que a casa possuía, além da TV de alta qualidade que Axel e Demyx estupravam a cada fim de semana com seus jogos, eram colchas caras azul-acizentadas de algodão egípcio caro e que eles “tiveram que comprar” porque combinavam com os olhos do mais velho. Era ridículo, mas confortável.

E era naquelas colchas terrivelmente caras que Demyx tinha que contar aquela verdade.

“Zexion, sente-se.”

Demyx suspirou pesarosamente, e seu olhar tornou-se sem vida. Ele próprio sentou-se na cama antes de pedir novamente. “Zexion, sente-se, por favor.”

Ele, no entanto, continuou de pé.

“Lembra-se de que há alguns dias eu reclamei novamente de enxaqueca...?” Demyx não sabia muito bem onde começar, mas ele esperava que só “começar” contasse para alguma coisa. “Bem, minha mãe achou melhor eu fazer um check-up à parte para verificar se estava tudo bem. Minhas vitaminas e sais minerais estavam bem – é de toda essa comida você me força a comer, mas não come nada. Aliás, você é quem devia passar no médico pra ver se ainda não tem uma úlcera...”

“Não desvie do assunto.” Zexion o cortou.

“Ah, em geral, deu tudo certo. Minha pressão está ok, e meu ECG idem.”

“E o que o PET[2] mostrou?”

“Ah, você não deixa passar uma, não é?”

Era isso. Com apenas uma pergunta, uma vida confortável iria destruir-se completamente.

E Demyx já começava a sentir saudades dela.

“Meu tumor voltou. Lentamente, mas voltou. Ainda está pequeno, mas ele voltou.”

 

XXX

 

Estava no ar. Os dois podiam senti-la, mas ninguém queria realmente proferir a certeza que sabiam – era um sacrilégio. Um pecado naquela casa de tons amarelos-lilases-branco. Ao menos pensar naquilo era uma heresia à sanidade deles.

No entanto, Demyx continuou.

“Eu vou morrer, Zexion.”

Não era como se o mais velho não soubesse – desde aquela tarde ah-tão-distante em Nikko, as leves suspeitas sobre a doença do outro vieram à tona, e não era como se todos eles não fossem morrer um dia, tal como Ienzo. (Talvez não de forma tão traumática, no entanto.)

Mas saber que Demyx iria realmente morrer, jovem, assassinado por um câncer de origem genética era muito mais cruel do que qualquer peça que sua vida já lhe pregara.

“Ah, mas já...?” Zexion murmurou.

Foi uma fala impensada, o que era incomum ao outro. E Demyx riu. Zexion não era clichê, e nunca seria, apesar de uma parte ínfima de seu ser desejar aquilo. Contudo, ele tinha algum consolo. Ao menos agora ele pudera quebrar um pouco da máscara que o outro vestia, e podia vê-lo desolado. Ter apenas uma pequena certeza de que ele iria cumprir o pedido feito há tantos anos naquele testamento inválido.

Era cruel, mas Demyx era humano.

“Quanto tempo?”

“Oito meses, acho. Um ano, no máximo.” A voz de Demyx continuou, mecanicamente tirando todo o ar dos pulmões de Zexion.

Um ano. Doze meses. Cinqüenta e duas semanas.  Trezentos e sessenta e cinco dias.

“Tão pouco tempo...” E então Zexion percebeu. Mesmo que eles tivessem mais que um ano, nunca seria suficiente. Ele poderia viver uma vida inteira e mais metade, mas aquilo nunca seria suficiente. Zexion nunca poderia ver suficientes vezes o sorriso de Demyx, ou sentir aquele cheiro de menta de seus cabelos, ou apenas esquentar seus dedos em um dia frio de inverno em que o loiro tivesse esquecido as luvas.

E ainda assim, Demyx iria morrer na primavera seguinte.

“Bem, é de se impressionar que eu cheguei aonde eu cheguei, não é? Francamente, não achei que viveria tanto tempo.”

“Pare.” Zexion o interrompeu de novo.

“O quê?”

“Pare. Só pare. Por favor.”

“Ah...” Zexion sentia seu peito apertar-se, e um desejo inegável de que aquela realidade não estivesse acontecendo. Seus dedos marcaram profundamente suas mãos, mas a revelação era mais chocante do que tudo.

Era tão cruel. E tão triste.

Zexion só reparou que estava abraçando Demyx quando sentiu o cheiro de menta de seu shampoo. As mãos do outro corresponderem à altura, agarrando sua camisa com força. O loiro escondeu o rosto no enlace sufocante e o rapaz de cabelos azul-cinzentos mal se preocupou seu ele tinha acabado de lavar aquela camisa.

Ele nunca reparara quando Demyx tornou-se uma constante em sua vida. Mesmo naqueles três anos em que o outro não dera notícia e Zexion bem acreditava que ele estava morto, não se passara um dia sem que, por um segundo que seja, ele estivesse em sua mente. E agora, que eles começaram a morar juntos, Demyx estava sempre presente. Mesmo com as infinitas visitas aos hospitais e eventuais dores de cabeças, a ameaça do câncer era distante. Como se aquele fatídico mês não tivesse sido marcado por sintomas.

Era como se Demyx não fosse morrer.

Zexion devia imaginar, claro. A medicação que ele tomava fora daquele período era mais potente do que o Dicodid que o outro remediava-se durante o “seqüestro” dele, já que ele tinha receita agora (e visitas mensais ao médico!). Era por isso que ele não agia como um moribundo.

De alguma forma, ele preferia que Demyx agisse como naquele mês.

“Eu já estou bem, Zexion.”

Mesmo sabendo que Demyx mentia, Zexion afrouxou o abraço. De forma alguma ele estaria bem. Zexion não estava.

 

XXX

 

Eles passaram algum tempo abraçados, e apesar de estar começando a não sentir seus membros, Demyx não queria se separar de forma alguma de Zexion. Era... Impensável.

Ele não queria morrer, mas ia. Ele não queria deixar Zexion, mas algum dia, iria. Contra sua vontade. Nem todo o tempo que eles passaram juntos iria prevenir sua morte.

Era tão deprimente. Será que ainda valia a pena tentar?

Demyx amava Zexion, e isso era inegável. Mas ele iria delegá-lo ao mesmo sofrimento que sua mãe? Ela sofrera tanto... Ele não queria que Zexion passasse por isso.

Quando sentiu o outro levantar-se, suspirou. Ele devia estar mesmo muito confuso para algum dia pensar em deixar Zexion. Devia ser a falta de remédio. Ele já devia ter tomado a dose da noite, não é...?

E, contrariando o próprio senso de tempo-espaço e as leis do universo, Zexion se ajoelhou. Ajoelhou. Aos. Pés. De. Demyx.

Tá que ele sabia que ele era a “moça” da relação, mas aquilo já era ridículo...

“Zexion. Você parou de tomar café? Isso é sintoma de abstinência, sabe...” Demyx tentou racionalizar como o outro. Era difícil, mas era a única explicação lógica para aquele acontecimento bizarro.

“Demyx, cale a boca. Uma vez na vida, cale-a, por favor.”

O loiro engoliu as palavras prontamente.

“Bem, eu tinha preparado esse discurso faz algum tempo, e pretendia passar vergonha na frente de todos no restaurante por achar minimamente que isso o faria feliz, Demyx. Porém, obrigado por tornar tudo mais fácil e não termos que subornar algum tablóide infeliz.”

“Mas o quê...? Zexion. Você está me pedindo em casamento?”

“Sim.” E, de seu bolso, Zexion retirou uma caixa. Pequena, de veludo, que inegavelmente continha um anel simples de ouro.

“Mesmo que nós sejamos dois homens?” Demyx perguntava, incrédulo. Ele tinha uma leve suspeita que Zexion era um alienígena que só conseguia se alimentar de café, mas agora ele tinha certeza que tinha sido abduzido e voltado para a Nave Mãe.

“Sim.”

“Mesmo que a gente não possa se casar no Japão?” Demyx continuou, arrancando o objeto das mãos do outro para observar melhor. Uau, um anel. De ouro. De noivado. Vindo de Zexion! Ajoelhado!

“Sim. Há outros lugares, como a Áustria e o Canadá.”

Demyx caiu em um silêncio abobalhado. Sentiu seu peito pesado, e ele sabia que com certeza não era um sintoma de sua doença. “Mas Zexion... você não ouviu o que eu disse?”

Zexion suspirou. “Sim, eu ouvi.”

“Eu vou morrer daqui a um ano.” Ele não queria dizer de forma tão fria, mas a frase apenas saiu de sua boca, agora que aquele estigma já penetrara o ambiente deles. No entanto, ele ainda podia ouvir o pequeno som do coração de Zexion se partir.

“Sim, é verdade.”

“Do que adianta então...?” Ele ponderou, segurando o anel em suas mãos. Pesava, sim.

“Tudo.” Ele levantou-se, e o abraçou de novo. “Eu não sei, mas... é tudo.”

“Zexy...” Demyx não pode fazer nada mais que suspirar novamente o nome dele.

“É claro que eu aceito.”

“Eu sabia.” Zexion sorriu, e roubou um leve beijo de seus lábios.

“Seu convencido!”

 

XXX

 

E enquanto tomava Demyx em seus braços e esquecia-se completamente da reserva do restaurante, Zexion ponderou.

Sim, eles tinham pouco tempo. Era inegável e tão triste quanto. Mas mesmo que fosse por um curto período, Zexion teria Demyx. Ele estaria ao seu lado e um dia iria embora, mas, por enquanto, ele estaria lá.

Estaria lá para que Zexion ralhasse com ele quando deixava seus jogos espalhados na sala. Ou para que ele o forçasse a comer alguma coisa além de café. Para encontros embaraçosos em que as mães dos dois se reunissem para constrangê-los, como se fosse alguma vingança para algum trauma que eles causaram (e, surpresa, Mizuko e Ayumu davam-se relativamente bem). Ele estaria presente nos finais-de-semana em que Axel e Roxas viessem dormir lá, para assistir uma matinê de filmes ou simplesmente forçar Axel para cozinhar alguma coisa simples, mas deliciosa. Demyx continuaria a irritá-lo sobre os mais diversos assuntos, e Zexion continuaria chamando-o de “idiota”.

E Demyx estaria lá para fazê-lo rir.

E de forma alguma, aquilo bastava.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Então, mando beijo pra Xuxa, pra Sasha e pra Petit que tá me vendo da terrinha dela –q
Não tenho explicações pra esse surto louco. Só posso dizer que a combinação Zemyx Day + Dia dos Namorados (e no final, não postei em nenhum dos dois. Mas que estava pronto estava (?)) e um surto no banheiro (como sempre).
E POR QUE GRIS ACABOU E EU AINDA QUERIA FICAR UM POUQUINHO LÁ. ;^;
(Na verdade , eu pretendia matar o Demyx, mas se a autora original não conseguiu, quem dirá minha pobre pessoa...?)
Te amo, ma dear ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Monochrome" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.