Pacto No Desespero escrita por Crosfilos


Capítulo 7
Capítulo 06




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Recobro o juízo em um solavanco sofrido, e abro os olhos, sinto minha pele formigar, como se ela esteja aos poucos sofrendo corrosão de um forte ácido e como resultado lentamente se desprendendo de meus ossos. Mas, não há dor.

Levo minha mão dominante aos olhos, e os esfrego, na tentativa falha de os desembaçar, mesmo que essa ato se mostra inútil, pois de olhos abertos, ou fechados, tudo se resume em escuridão. Me desequilibro, da posição que me encontro, e forço involuntariamente minhas pernas, mas elas submergem para o fundo. Mesmo assim, consigo uma posição ereta, mesmo que a água esteja na altura do meu peitoral.

Movimento meus braços, como se ambos fosse boias, ou talvez lemes, para me manter na lâmina de água superior.

— PORRA. - Xingo, ao término de um giro que dei para observar meus arredores.

Limpo a água que está a escorrer como gotas sobre minha face. E quase como uma resposta ao meu grito, sinto uma pequena corrente circular, se formar em torno do meu corpo.

— O que é isso? - Indago para mim mesmo ao sentir algo liso e mais frio, que a água que me cerca, subir como uma corda por debaixo de minhas vestias.

Meu corpo involuntariamente reage ao tato estranho que minha pele sente, e se entorpece em uma súbita paralisia, quando em meio à escuridão enxergo um par de olhos dourados, como duas orbes feitas de puro fogo, sair de dentro da minha camisa, e se por erguido, face a face contra os meus.

Desejo afastá-lo, ou pelo menos agarrá-los com uma de minhas mãos. Mas o abismo aquático que se esmera em me puxar para o fundo, é frustrado somente por minhas mãos que impede de meu corpo cair nas profundezas, assim sendo, praguejo profundamente, enquanto decido o que fazer.

— Não há razão para me temer, eu sou seu e você é meu. Somos um agora, e por toda a eternidade. - Afirma os olhos dourados, ao movimentar-se levemente para trás.

A voz calma e serena carrega algo de familiar. Embora esteja completamente mudada, não há lugar para a dúvida.

— Você é o dono daquela voz de agora a pouco! - Afirmo, e recebo ao que pude entender, um assentir na maneira que os olhos se movem na escuridão.

— Sim. - Responde ao passo em que sinto algo gelado se enrolar ao redor do meu pescoço.

— Então deu certo sua possessão no corpo do meu espírito sem vida?

— Não utilizei da vil e arcana possessão, eu reencarnei como seu segundo espírito.

—  É por sua causa que estou conseguindo me mover agora?

— Para me libertar de minha prisão, queimei a essência do meu antigo espírito para ter forças de atravessar o selo eterno que me prendia, e assim reencarnar no corpo moribundo do seu espírito. E a energia residual desse processo, fluiu através de mim, para você, no momento em que nos conectamos, como apenas uma existência.

— Você estava preso? Por quê? - Pergunto.

— Fui traído, meu verdadeiro corpo destruído, porém eu era poderoso demais para ser totalmente exterminado, e por isso minha alma foi alvejada na formação dos Espíritos Famintos. E por quase 10 milênios estou preso aqui, incapaz de me libertar, até que você me deu a chance de escapar do meu tormento eterno. - Responde calma e pausadamente. Porém carregando um tom de controle na voz, por dolorosas lembranças do passado.

— Parece que temos algo em comum. Eu também já fui traído, por aquele que já amei, e por aqueles a quem desejei que me amassem. Então eu sei a ardência que queima bem lá no fundo, implorando para ser atendida.

— Para uma criança, seu coração é tão pesado quanto a de um ancião. E, assim como eu, você também deseja a morte dos que te feriram.

— Está errado. Eu não desejo a morte, isso seria muito fácil, quase que piedoso! Eu refinarei até a última gota de agonia dos meus inimigos, e depois lhes mostrarei esperança. Para depois os atirar no abismo do desespero. E farei isso muitas vezes, até que eles próprios clamem a mim por morte. Porém eu não a concederei! Não antes de tê-los quebrado de todas as formas possíveis e imagináveis.

— Começo a entender como uma criança pôde me despertar. Eu o ajudarei neste caminho, e em todos os outros que decidi seguir. Seja massacrando demônios ou enfrentando deuses. - Jura confiante, sem qualquer traço de hesitação ou falsidade em suas palavras.

— E eu prometo que chegará o dia em que te ajudarei a conseguir sua vingança contra todos os que te traíram.

— Você é uma criança honrada, os céus não me abandonaram. - Afirmo, apertando um pouco meu pescoço, com o que parecia ser seu corpo. - Guardarei suas palavras como uma promessa. Mas o mais importante agora é você sair desta água, encontrar abrigo seco e alimentos, ou você irá desmaiar.

—Tem razão, embora eu esteja me sentindo bem.

— A força da destruição do meu espírito flui através de mim, reabastecendo teu corpo com energia. Mas isso é só temporário.

— E como saímos daqui? - Pergunto e olho ao redor. - Pois aquela fenda no teto está alta demais para mim alcançar, se quer cogitar na possibilidade de sair por ela.

— Uma vez ao ano, este lugar é inundado pela maré alta. Mas não temos tanto tempo para esperar isso acontecer. Por isso me siga. - Diz, se desenrolando do meu pescoço.

Se não, pelo brilho intenso de seus olhos como tochas de ouro, eu não saberia o caminho que ele está tentando me direcionar. Uma vez que na caverna os sons ecoam de modo, onde se orientar por ele requer uma prática que eu não tenho.

Nado da melhor maneira que eu consigo, uma vez que nunca surgiu uma razão para mim aperfeiçoado esta arte, e o sigo. Tendo como marco direcional seus olhos.

— Agora que me toquei eu não sei o seu nome. - Falo, vendo-o se erguer.

— Eu não posso te dizer isso, você é precioso demais para que meu nome coloque sua vida em risco.

— Importante para você, bem suponho que eu seja, pois uma vez ouvi aquele velho maldito dizer que quando uma pessoa morre seu espírito também morre. - Falo, me recordando de uma das lições de Clartis.

Ele nada fala em resposta, apenas continua subindo. Estranho ao pensar que ele esteja flutuando no ar, mas quando toco a margem dura e rochosa, percebo que não era esse o caso.

Fora da água, me esforço para subir nas pedras escorregadias e traiçoeiras. Tateio a esmo, sem enxergar qualquer traço de superfície, mas por sorte, ou talvez perseverança encontro pontos de apoio e começo a subir por onde meu guia acabara de passar.

A uma certa altura, sinto certo alívio por não estar mais imerso em águas frias. Mas não me demoro nele, pois me desequilibro momentaneamente, ao ver a superfície rochosa que eu estou escalando, emitir uma franca e pálida luz branca.

— O que é isso? - Pergunto, vendo silhuetas de inúmeras partes de corpos humanos, entalhados na rocha abaixo de mim.

— Restos humanos petrificados. – Responde.

— E o que isso está fazendo aqui? - Pergunto, me apoiando na boca aberta de uma homem para subir.

— Para conseguir reter minha alma no plano terreno. Meus inimigos me aprisionaram na Formação dos Espíritos Famintos. E para fazê-la é necessário as almas e corpos de milhares de pessoas ainda vivas. O que está vendo são os corpos petrificados dos infelizes que foram usados como matéria prima para minha outrora prisão.

— Então os filhos da puta que te traíram mataram inúmeras pessoas para te prender aqui em baixo?

— Sim, e não.

— Como assim?

— Fui selado no meio de uma pradaria, desconheço a forma que cheguei nesta caverna.

— E o mistério se torna maior. - Brinco, em um sorriso.

— Você não hesita em subir em uma pilha de cadáveres, por que?

— Já estou familiarizado com gente morta, um monte de pedra não é um desafio. Mas mesmo que eu não me importe com isso, onde exatamente você está me levando?

— A rachadura logo à frente.

— Você não sabe como chegou aqui, mas sabe de uma passagem secreta. Interessante.

— Não é um caminho secreto, se houvesse mais luz você também a enxergaria. Além disso, sinto uma fraca corrente de ar fresco sair dela.

— Hum.

Em frente à rachadura tateio suas laterais e vejo a meu guia tomar a frente novamente e entrar primeiro.

— É muito estreita. Acho que não vou conseguir.

— Com sua força atual, jamais conseguira alcançar a fenda pelo qual você entrou aqui. - Para, e com seus olhos virador para mim me encara. - Este caminho é nossa única saída.

 - Nunca pensei que estaria grato por ser desnutrido. - Brinco, e assumo a posição de lado, e forço minha passagem no curto espaço que se abre tortuoso em meio à rocha.

Pontas protuberantes e afiadas vez ou outra rasga minha pele como faca quente na manteiga. A cada passo, as feridas aumentam. E minha tolerância a elas diminui em proporção desigual

Meu sangue começa a escorrer das feridas mais profundas ao ponto de aquecer minha pele gelada, enquanto escorre em fartas quantidades.

— É doloroso, mas precisa aguentar, não falta muito agora.

— Caralho... Como isso arde! - Falo, e respiro com dificuldade, pois o espaço me impede de encher meus pulmões completamente. - É fácil para você falar isso, é eu que estou sendo fatiado como um peru de ação de graça.

— O que você sente eu também sinto e o contrário também é verdade. Quando me tornei seu espírito, me liguei a você por toda a eternidade.

— Maravilha. - Digo entre os dentes, na tentativa de conter a dor, do corte que a ponta de uma pedra acabara de fazer em minhas costas. - Como você pode saber que estamos chegando na saída? Além de enxergar no escuro, você pode ver através das paredes.

— Enxergar na ausência de luz sim, de objetos sólidos não. A saída se aproxima, pois o cheiro de visgo, mesclado com som da maresia salgada do mar, está ficando mais forte.

— Espero que esteja certo!

Em um esforço brusco de raiva pela dor crescente, empurro-me para frente e, imediatamente sou puxado pela força da gravidade que me obriga a queda eminente. Tento me segurar nas laterais da fenda. Mas se mostra em vão, por isso por um breve segundo, fecho meus olhos e me preparo para sentir uma dor lancinante de morte.

Contrariando minhas expectativas, ao final da queda, sinto meu corpo ser recebido por um fofo chão de terra húmida.

Aperto um punhado da mesma com a mão, e em um sorriso frio de felicidade, por não estar morto, me levanto. E agradeço internamente por ser terra e não pedras.

Me ergo em pé novamente, e noto com alivio que o local na qual me encontro é amplo o suficiente para mim não ser cortado por pontos de rochas.

— Para você isso parece uma saída? - Pergunto irritado, tateando as paredes com as mãos.

— Agora cave bem aqui. - Disse em tom de quase ordem, em um local à direita.

— E a situação só melhora. - Me dou por vencido, pois com o corpo coberto de ferimentos, e sentindo a fadiga tomar conta de mim, não tenho outra alternativa.

Me aproximo do lugar e tateio um emaranhado de raízes, afastando de lado as mais grosas, quebrando as mais finas e frágeis, começo a cavar com minhas mãos na terra, que com a pressão de minha escavação aos poucos ia se tornando lamacenta.

Cavo durante alguns minutos, mas meu progresso é detido por uma pedra, fixa entre algumas raízes. Sem alternativa, começo a cavar ao redor da pedra.

Depois de retirar a maior parte das raízes e terra sobre a pedra, que se mostra ser pouco maior que meu antebraço, sinto-a perder a firmeza de seus alicerces. Cavo mais um pouco ao seu redor, para debilitar sua posição ainda mais. Até quando finalmente noto que ela pende incerta, ao se movimentar facilmente, presa somente pelas raízes grosas, que vem de cima, e si aprofunda na terra.

Em um último intento, pois não restava mais nada para ser feito, coloco ambas as mãos no lado superior da pedra, e a empurro com toda minha força e, em um estalo as raízes perdera sua outrora firmeza, e a pedra que antes elas mantinha firme, cede a gravidade. Entretanto o que parecia ser um bom resultado, para meu intento, fora desmanchado em temor, quando não somente a pedra sairá do lugar, como também toda a parede. Pois esta desmorona para baixo, e com ela, o chão que eu estou, fazendo com que eu mergulhe sem aviso em meio a sucção da terra

E novamente me encontro no limiar da reflexão de morte eminente. Contudo, felizmente, como da vez anterior caio junto com a pequena avalanche de terra em outro vão.

Suspiro pesadamente, somente com minha cabeça e mãos para o lado de fora, e logo em seguida rastejo com esforço para fora da terra que me cobre.

Recobrando meu equilíbrio, desenterro meus pés e tento limpar, ou pelo menos derrubar a maior parte da terra presa em meu corpo, e dentro de minhas vestias.

Já livre da terra dou alguns passo para frente e sou recebido por uma brisa agradavelmente salgada.

— A saída. - Digo vendo o céu estrelado a poucos metros, por um buraco grande e oval.

— Precisamos sair rápido daqui. – Afirma o espírito ao rastejar rapidamente para a saída. 

— Eu estou exausto. - Suspiro, e me sento no chão.

— Esta caverna é um ninho de uma besta demoníaca de NÍVEL 2. – Avisa o espírito

— E como é que você sabe? – Pergunto.

— Há algumas plumas espalhadas pelo chão. E dado o formato, tamanho e odor, não resta duvidas que elas pertencem a Bestas Demoníaca de NÍVEL 2, ou talvez... À bestas de maior nível.

— Já estou saindo, não precisa dizer mais nada. – Me levanto de imediato, e rumo em direção à saída sem contestar.

Fora da caverna e sob a fraca luz das estrelas, percebo estar na beirada de um precipício, e logo abaixo enxergo uma imensidão verde e ao longe o oceano. Respiro bem fundo, e tento procurar alívio a cada gole de ar fresco que invade meus pulmões.

Procuro pelo meu mais novo espírito e sou surpreendido pela sua aparência.

— Você transformou o corpo do meu espírito. - Afirmo surpreso.

A pequena e inerte cobra de escamas brancas, que não chegava a medir 10 centímetros, se transformou em uma de escamas negras, de mais de meio metro de comprimento, cujos olhos brilham internamente.

— Eu sou teu espírito, este corpo é meu, e eu sou teu. – Corrigi e vem em minha direção.

Observo imóvel seu corpo negro e esguio rastejar em minha direção.

Surpreso com sua súbita aproximação, não me afasto ou hesito em receio, quando estendo minha mão, em sua direção, e ele se enrola, vagarosamente nela, até se posicionar sobre meus ombros, com a cauda em volta de meu pescoço, e a cabeça rente ao meu ouvido.

— Sim você é meu. - Confirmo, passando a mão rapidamente sobre seu corpo.

— Desça por este caminho e chegue no bosque, lá estaremos seguros da ameaça que aqui nos aguarda. – Diz e aponta, por um pequeno caminho natural esculpido pelas intemperes da natureza e pelas mãos do tempo, que desce tortuoso.

Sigo pelo caminho e sinto um leve arrepio em minha espinha cada vez que meu espírito de move em contato com minha pele.


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