Mon amour Mon ami escrita por Mileh Diamond


Capítulo 1
1965


Notas iniciais do capítulo

A culpa não é minha que a quarentena me manda escrever fluff pra me acalmar, gente. Tenho até vergonha do tamanho minúsculo disso aqui ughh.
Nesse capítulo, temos Lilia com 17 e Yakov com 20 anos. Dois fofos, eu sei :v

Boa leitura~~



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Je n'ai pas connu d'autre garçon que toi
Si j'en ai connu je ne m'en souviens pas
A quoi bon chercher faire des comparaisons
J'ai un cœur qui sait quand il a raison
Et puisqu'il a pris tocn nom

 

 

 

Agosto de 1965

A educação de uma menina num colégio interno nunca estará completa se não houver pelo menos uma confusão envolvendo garotos. Pelo menos, foi o que Lilia aprendeu.

Podia ser de diversas formas, mas em linhas gerais, envolvia rapazes fazendo serenatas com balalaikas em baixo da janela ou recitando poesia. Não raras eram as vezes em que as meninas pulavam a janela e o muro para encontrar seus amantes. Nos casos mais extremos, eram eles que vinham até os quartos. Lilia nunca se arrependeu de aceitar propina para convenientemente dormir em outro quarto quando Nadia recebia o namorado. Não seria ela a pagar o enxoval, afinal.

Lilia tinha orgulho em dizer que nunca se metera naqueles pequenos escândalos. ...Tudo bem, houve sim uma vez em que ela pulou a janela e o muro para sair escondida, mas era um motivo muito mais nobre do que meninos: uma festa do pijama com as patinadoras da CSKA. Ela não era uma qualquer que ficava eriçada só porque um garoto a estava esperando no térreo.

 

Yakov deveria entrar nessa conta. Mas, depois de quase três meses sem vê-lo por conta de um programa de treinamento de verão, ela já estava com saudade. Por isso, foi difícil não largar seu dever de casa e sair correndo pelos corredores do dormitório quando Nadia veio casualmente avisar que "Seu noivo veio te ver."

 

Ela nem se importou em corrigir que eles não eram noivos, sequer namorados. As meninas já sabiam que não tinha nada entre eles, não valia a pena se estressar. Também não era justo culpá-las quando aquela amizade já fugia tanto dos padrões.

Padrões sempre foram algo controverso para ela. Para todos os efeitos, nem Lilia nem Yakov gostavam de segui-los.

Antes mesmo de Lilia cruzar a entrada do dormitório, ela já avistara Yakov encostado ao portão de ferro. A imagem pareceu lhe dar energia extra para apertar o passo da corrida.

— Yasha! - ela chamou ainda correndo.

 

Ouvindo a voz, Yakov levantou o olhar e seu rosto se iluminou, como só ela conseguia fazer. Era um dos super poderes dela: colocar um sorriso no rosto de Yakov nas situações mais banais possíveis.

 

Ele a recebeu num abraço apertado, não perdendo tempo em girá-la no ar enquanto os dois riam como crianças. Não era um reencontro de verdade se Yakov não erguesse a bailarina quase um metro acima do chão enquanto ela reclamava da falta de modos. Mas não havia reclamações dessa vez, apenas Lilia suportada por familiares braços que nunca pareciam cansados de carregá-la. Parecia até que ficaram anos sem se ver, como o sol e a lua esperando um eclipse para finalmente se encontrarem. Eles eram um tanto dramáticos, de vez em quando.

 

— Oi. - foi tudo que Yakov conseguiu dizer enquanto observava a garota de sua posição inferior. Por mais que gostasse de implicar com a sua altura, colocar Lilia no alto era extremamente gratificante para ele. Era como devolver um anjo ao céu a que ele pertence. - Você demorou.

 

Ela foi rápida e os dois sabiam disso. Mas ele preferiu deixar subentendido que nem se ela estivesse o esperando no aeroporto de Moscou teria diminuído a espera. A vontade de vê-la de novo sempre seria maior.

 

— Sentiu a minha falta? - Lilia perguntou rindo enquanto segurava seus ombros.

 

— Pergunta idiota. - ele disse revirando os olhos, mas nunca deixando de sorrir. - Sabe que eu não vivo sem você.

 

Não era algo que melhor amigos deveriam falar, nem alguns casais teriam coragem. Mas era diferente com eles, era sincero, genuíno. E eles já estavam nesse jogo há tempo demais para mudar as regras.

 

Lilia ainda não voltara ao chão. Garotos normais já estariam cansados de carregá-la por tanto tempo e ela sabia que já não era tão leve quanto seu eu de 14 anos. Isso não parecia um problema para Yakov. Aliás, ele parecia que podia ficar ali o dia inteiro apenas olhando para ela e isso Lilia sempre acharia ridículo.

 

— Já pode me colocar no chão agora. - ela sugeriu balançando ligeiramente os pés. Daqui a pouco ficaria com cãimbra.

 

— Não tô afim, não. - ele disse sem vergonha na cara o bastante para pressionar o rosto contra sua barriga, logo abaixo de seu peito. - É confortável aqui. Tem cheiro de lavanda.

 

 

— Pare de ser um pervertido. - ela disse empurrando sua testa para longe. Com sorte ele não veria o quanto ela corou. Aquilo fez cócegas.

 

Talvez temendo uma retaliação mais agressiva, Yakov a colocou no chão novamente, apesar de sua cara dizer que ele realmente a carregaria o dia inteiro se precisasse. Nenhum comentário sobre a lavanda. Ele estava quebrando um limite após o outro desde aquele beijo na bochecha em seu aniversário.

 

Os dois se sentaram em um dos bancos do jardim, ambos com a noção de que havia pelo menos uma inspetora os vigiando das janelas. Não importava que elas conhecessem Yakov há três anos, elas ainda prezariam pela honra e respeito das moças do colégio.

 

— Trouxe alguma coisa pra mim? - ela disse observando enquanto ele abria sua mochila.

 

— Óbvio. Não é todo dia que ficamos tão perto da fronteira. - ele disse retirando duas embalagens douradas e lhe entregando. - Aqui. "Prince Polo" diretamente da Polônia. Eu gostei.

 

 

— Obrigada. - ela disse analisando o que parecia um doce. Lilia fez uma careta. - Sabe que eu não deveria comer chocolate. Eu vou engordar.

 

— É só um biscoito. E você tem direito a quebrar essa dieta maluca de vez em quando. - ele nunca entenderia a aversão masoquista de Lilia a doces. Sabia que regimes eram importantes, mas ela passava da conta. Ele sabia muito bem que açúcar era uma de suas fraquezas. - Também trouxe isso. Lembrei de você quando vi.

 

Ele lhe entregou um cartão-postal em branco. A foto era de um teatro. E o nome escrito em letras delicadas no canto...

 

— Você foi à França e não me avisou? - ela perguntou contrariada.

 

— Eu fui a Kiev. Mas conheci uns caras e eles tinham coisas bem interessantes do Oeste. - ele sorriu de lado com aquele olhar que deixava clara a ilegalidade de seus atos. - Lamento não poder ter trazido algo melhor, é o que tem pra hoje.

 

Sempre desmerecendo os próprios presentes, esse era Yakov. Ela reclamava justamente de passarem da conta de vez em quando. Mas uma foto da Ópera de Paris era bom o suficiente. Ela ouviu dizer que as bailarinas de lá eram muito talentosas.

 

— Imagino se é muito diferente do Bolshoi. - ela disse pensando alto, os dedos passeando pelo contorno da foto. - No estilo do balé, pelo menos.

 

— Acredito que eles têm mais liberdade no repertório. - ele ponderou. - Algo diferente de "O Quebra-Nozes" em todo Natal.

 

— Pensei que você gostasse de Quebra-Nozes.

 

— Gosto, mas cansa. Eles não mudam nem as roupas. - Yakov revirou os olhos. A política do balé às vezes era tão bizarra quanto a da patinação. - Parece que os bailarinos precisam se esforçar em dobro para chamarem a atenção do público, pois todo o resto é entediante. Eles podiam pensar um pouco fora da caixa.

 

Yakov podia ter um viés um tanto revolucionário em sua visão de mundo, mas ela não podia negar que o Bolshoi às vezes era tradicional demais. Poucas inovações com o passar dos anos, intransigente sobre sugestões e mudanças. Era o mundo com o qual ela estava acostumada. Graça, ordem, perfeição. Uma fórmula pronta e você tinha que se adequar a ela.

 

— ...Já pensou dançar num lugar como esse? - ela perguntou quase de forma inconsciente, apontando o postal.

 

— Eu? Nem morto que eu uso uma collant em público. - ele riu, mas seu olhar era sério enquanto a encarava. - Mas você se sairia bem. Você brilha em qualquer papel, Lilia.

 

— Elogios vazios de quem não vive cercado de bailarinos o tempo todo. - também não ajudava que ele era seu melhor amigo. Eles não são confiáveis para elogios sinceros. - Há muitas meninas tão boas quanto eu, algumas até melhores. Elas podem brilhar mais.

 

— O assunto não é esse. Você perguntou como seria dançar em Paris. Eu digo que você se sairia bem, porque você se destaca em tudo que faz com empenho. - ele deu de ombros, franzindo o cenho logo depois. A próxima pergunta ele fez num tom mais baixo. - Mas você já pensou de verdade nisso? Em viver lá fora?

 

Ela torceu o nariz para a ideia.

 

— Não posso dizer que nunca pensei nisso. Mas aqui eu tenho o Bolshoi, tenho a minha família... - ela levantou o olhar com uma tentativa de sorriso. - Eu tenho você. Não posso deixar tudo isso para trás.

 

— Se não fosse o fato de que eu também tenho uma família, eu diria que não tem nada me prendendo aqui. - ele disse com um aceno confiante e prepotente. - Afinal, eu te levaria comigo.

 

— Ah, é claro. - ela disse irônica. - Precisa de mim para servir de intérprete?

 

— Em primeiro lugar, meu inglês já está muito melhor. E em segundo, o Oeste seria muito chato sem alguém com quem eu pudesse dividir a experiência. Esse alguém é você. - ele disse normalmente, como se nada naquelas palavras significasse algo profundo.

 

Mas Lilia ainda captou aquela profundidade, talvez um pouco mais séria do que as outras promessas de amizade eterna que eles trocaram ao longo dos anos.

 

— Parece que a cada dia você está perdendo ainda mais a vergonha na cara. - ela disse desviando o olhar para seus pés sobre a grama.

 

— Eu nunca tive vergonha de ser sincero, Lilushka. - ele disse com um sorriso de lado, mas sem a malícia esperada para aquela situação. - Se você não gostar, eu paro.

 

— Está tudo bem. - ela assegurou com um sorriso pequeno. - É interessante saber que há alguém disposto a ser desavergonhado por mim.

 

Aquilo pegou Yakov um tanto de surpresa, o suficiente para ele disfarçar as bochechas vermelhas com uma risada sem graça enquanto fingia procurar algo na mochila. Apenas um motivo para esconder a cara.

 

— Hum, que pena, não está aqui. Eu também consegui uns discos americanos novos, mas esqueci de trazer. - ele suspirou fingindo chateação. - Isso significa que você terá que ir até o rinque para eu te mostrar. Mas eu só vou fazer isso depois de você avaliar a minha nova coreografia.

 

— Até me senti importante agora. - ela disse com um sorriso. - Temos um trato, então. Saiba que eu não serei boazinha.

 

— Ah, eu sei muito bem. As crianças da turma A até hoje acreditam que uma bruxa do gelo vai puxar o pé delas à noite, sabe? - Yakov disse com um olhar acusatório. Deixar Lilia perto dos alunos da patinação sempre acabava em traumas. Mas eles sempre acabavam um pouco mais obedientes depois de uma conversa com ela.

 

— Elas têm uma imaginação fértil. - ela disse indiferente, segurando um riso. Aquelas praguinhas mereciam por todo o estresse que lhe proporcionavam. - Agora, você vai me contar sobre como foi a estadia em Kiev? Aposto que tinha moças bonitas lá.

 

Yakov grunhiu no que só podia ser descrito como dor. Aquele verão foi um verdadeiro porre no assunto "mulheres".

 

— Pior que tinha. - ele admitiu. - Mas eram loucas, todas elas. Tinha uma polonesa histérica que chegou ao ponto de...

 

E eles engataram em mais uma conversa quilométrica para atualizar ambas as partes sobre os assuntos perdidos nos meses. Coisas de amigos normais. Ou quase. Eles eram estranhos, sabiam disso. Entendiam que amigos normais não se recebem com levantamentos no ar ou não prometem fugir do país juntos para uma aventura. Amigos normais não prometem uma amizade para a vida inteira como quem faz uma jura de amor.

 

Amigos normais seguiam padrões. E, como Lilia costumava dizer, padrões eram um tanto controversos.

 

Estava para nascer alguém que a fizesse mudar de opinião sobre como amar seu melhor amigo.

 

 

Mon amour, mon ami
Je ne peux vivre sans toi
Mon amour, mon ami
Et je ne sais pas pourquoi


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Notas finais do capítulo

- Os versos citados na fic são da música "Mon amour, mon ami" da cantora francesa Marie Lafoyet.

?” "Prince Polo" é um doce polonês parecido uma wafer coberta de chocolate. É produzida desde os anos 1950 e era bem popular no leste europeu.

?” Lavem as mãos e respeitem a quarentena òó9


É isso por hoje, pessoal! Até a próxima~~

XOXO



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