Inquebrável escrita por Danielle Alves


Capítulo 19
Dezenove


Notas iniciais do capítulo

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Tomei a decisão de fingir que todas as coisas que até então haviam entrado na minha mente não eram mais verdadeiras do que as ilusões dos meus sonhos. – René Descartes

 

LETÍCIA PADILHA SOLIS

Tornou-se comum perder o sono nas últimas noites, por isso antes das cinco eu já estava acordada. As olheiras arroxeadas estavam começando a tornar-se mais pronunciadas e me sentia fatigada. Eu até tentei, mas não consegui pregar os olhos, então observei o amanhecer pela janela. Determinado momento, nuvens cinzentas começaram a invadir a imensidão do céu.

Observar o horizonte esmaecer com a vinda de uma provável tempestade me trouxe uma sensação esquisita. Passei a mão no pescoço e minha garganta se fechou. Perdendo-me nos meus pensamentos, puxei minhas pernas e as abracei, pousando meu queixo no joelho.

Gostaria que tudo isso acabasse de uma vez, mas não posso agir por impulso. Ainda assim estou contando as horas para que o seu Humberto retorne de viagem. Ele não me prometera uma previsão e isso está me preocupando. Será que terei de esperar até a reunião do conselho? Torço para que não. Ele me prometeu que viria o mais rápido possível.

Sentindo-me vulnerável e pequena, não sei quanto tempo se passa e fico naquela mesma posição considerando minhas opções. Até que uma leve batida na porta me tira dos devaneios.

— Entre – gritei.

A porta se abriu e Tomás surgiu com um sorrisão. Meu melhor amigo se inclinou para beijar minha cabeça e se jogou na minha cama.

— Oi para você também, Tomás.

— Mal acordou e já está de mau humor?

Imitei-o e fui me sentar na beira da cama.

— Estou acordada já tem algum tempo.

— Estou vendo – ele me analisou. – Você está bem? 

— Estou bem. – Respondi, encolhendo os ombros quando ele estreitou os olhos.

— Defina bem.

— Bem o suficiente para não ter um surto psicótico – falei com sinceridade. – Mas acho que se forçarem mais um pouco... – simulei uma faca passando no meu pescoço.

Tomás dispensou meu comentário com um safanão.

— Para de falar besteira.

Fiz uma careta.

— Não estou falando besteira, eu realmente acho que vou ter um ataque ou algo do tipo.

Tomás ergueu o tronco ao se recostar na parede e cruzou as pernas na cama, puxando o cobertor para se cobrir. Uma brisa atravessou minha janela, me fazendo tremer um pouquinho.

— Venha cá – suspirou ele.

Ele me puxou e eu me acomodei ao seu lado, deitando minha cabeça no seu ombro. Tomás segurou a minha mão e beijou meus dedos.

— Lety, quer me contar o que está acontecendo? Eu não queria dedurar a sua mãe, mas... Ela me disse que você tem estado péssima, não tem dormido bem...

Senti vontade de chorar, mas as lágrimas não desceram. Sorri tristemente.

— Você sabe, Tomás. Toda essa confusão com o seu Fernando está acabando comigo, não sei até onde suporto.

Ele solta um murmúrio de lamento e se ajeita de forma que possamos olhar um para o outro.

— Queria poder fazer alguma coisa pra você se sentir melhor. – Os olhos dele brilham de tristeza. – Você ainda pretende não se vingar?

Fito seu rosto por um momento e mordo o lábio.

— Eu decidi seguir seu conselho. – Declarei. Tomás assentiu lentamente à medida que seus lábios se abriam num sorriso perverso.

— Ah, é?

— Sim. Mas... – Levantei-me de forma abrupta e mordi meu polegar. – Estou começando a me perguntar se vale a pena. Se não vou sair ferrada disso tudo.

— Sem essa, Lety! – Tomás revirou os olhos. – Seu problema é pensar demais, pare de ficar considerando as consequências porque você já está ferrada.

Coloquei as mãos na cabeça.

— Fácil falar – queixei-me, sabendo que ele estava certo.

— O que você tem a perder? – assinalou. – Ele já te tirou tudo.

Lanço minha cabeça para trás e tampo o rosto com as mãos.

— Eu vou enlouquecer!

Tomás estalou a língua.

— Tem mais coisa aí, não é? 

Voltei a fitá-lo, torcendo meus dedos pelo nervosismo.

— Muito mais.

— Desembucha.

Minha mente vagou para a noite anterior. Eu ainda estava severamente atormentada pelos acontecimentos.

— O amigo do seu Fernando, o Omar... Ele veio aqui ontem, e... E...

Meu melhor amigo arqueou a sobrancelha.

— E?

Soltei um gritinho pela horrorosa sensação que aquela lembrança me dava.

— Ele me beijou, você acredita?

A incredulidade no semblante de Tomás fez com que eu quisesse sumir.

— E você deixou?

— É claro que não, seu idiota. Quero dizer, – Apertei os punhos para evitar arrancar meus próprios cabelos. – Ele me beijou sem mais e nem menos, eu não estava esperando. Mas eu o empurrei.

Tomás continuou a me fitar por mais um momento até que se escangalhou de rir. Juntei as sobrancelhas com irritação enquanto ele se contorcia.

— Puxa vida, Lety – declarou com dificuldade em meio a risada. – Você está mesmo conquistando corações.

Bufei.

— Não seja ridículo, Tomás, é claro que isso faz parte do plano de seu Fernando.

— É mesmo? – provocou. – Que plano?

Contraí o maxilar.

— Eu não sei, mas não faz sentido um homem como o imbecil do Omar se interessar por mim. Na verdade, – critiquei com sarcasmo – não faz sentido nenhum qualquer homem se interessar por mim.

Tomás suspirou exasperadamente.

— Então por que ele te beijou?

Levantei os ombros.

— Não sei. Talvez esteja procurando uma nova aventura, como por exemplo, beijar a mulher mais feia da face da terra.

— Também não é pra tanto, Lety. Você é feia, mas não é a mais feia. – Gargalhou.

Eu poderia ter rido junto se não fosse triste.

— Obrigada, Tomás, me sinto muito melhor assim.

— Ah, Lety, para. Você sabe que estou implicando com você.

Cruzei os braços e me sentei na beira da cama.

— O que você sugere, então?

— Hum... – Ele olhou para mim, os olhos escuros cintilando atrás das lentes. – Ele disse alguma coisa antes de te beijar?

Forcei minha mente e franzi a testa.

— Primeiro ele disse algo como “o que ele viu em você” e depois “quero testar algo” ou coisa parecida.

Tomás me estudou com uma expressão pasma.

— Sério? – Ele se virou para a porta do meu closet, pensativo. – Que estranho...

— O que você está pensando? – perguntei com impaciência, mordendo o polegar.

— É que parece que ele... Não. – Tomás balança a cabeça. – Não faz sentido.

Gemi de frustração.

— Ai, Tomás, fala logo o que você tá pensando!

Ele torceu a boca de forma esquisita, olhando para mim com confusão. Em seguida, ele balançou a cabeça novamente e fez uma careta.

— Ele disse que queria “provar algo”?

— Não, disse que queria “testar algo”.

Tomás ajeitou os óculos e suspirou.

— Lety, pensa comigo. O cara diz que quer testar uma coisa e então te beija, o que parece?

— Que ele é débil mental?

Tomás segurou a risada.

— Não, embora ele o possa ser. Mas parece que... Estava querendo provar algo pra si mesmo.

Juntei as sobrancelhas e fiz um biquinho.

— Não estou entendendo, Tomás.

Ele lançou a cabeça para trás com impaciência e voltou a me encarar.

— E se ele estiver apaixonado por você e... Quis te beijar para provar se essa teoria é ou não real?

Eu arregalei meus olhos, fitando Tomás por um momento. E então nós dois caímos na gargalhada. Comecei a ter espasmos ao longo do corpo, e minha pulsação começou a acelerar. O pânico me envolveu.

Tomás parou de rir no momento em que viu minha expressão.

— Calma, Lety... Você está pálida.

— Inferno, espero realmente que tenha sido apenas uma forma de me provocar. Isso eu não consigo aguentar.

Ele segurou as minhas mãos e me puxou para sentar do lado dele.

— Respira, respira. – eu respirei fundo, trêmula. – Fique calma. Agora me conta tudo o que aconteceu.

Eu assenti e contei-lhe exatamente todas as palavras proferidas por Omar, desde a sua ida a minha casa até o momento que partira. Tomás escutava atentamente, coçando o queixo enquanto encarava o tapete. Encolhi os dedos dos pés, nervosa.

— Interessante. Esse cara é meio estúpido.

— O problema nem é esse, ele praticamente colocou toda responsabilidade nas minhas costas. Como se os problemas do seu Fernando fosse culpa minha. Mas honestamente acho que isso é coisa dele.

Tomás assente.

— Também acho. Mas... O fato de ter te beijado é muito estranho. Eu não sei se o seu Fernando pediria algo do tipo.

Resmungo.

— O que reforça sua teoria de que Omar está... Apaixonado por mim. – Coço a cabeça, achando aquilo tudo tão complexo.  

Meu melhor amigo olha para os próprios pés em silêncio.

— O que foi, Tomás? O que está pensando?

— Quando... Quando ele se aproximou de você, ele perguntou “o que ele viu em você”?

Aquiesço, mordendo o lábio.

— Sim. Onde quer chegar?

Tomás passa a mão no cabelo.

— A quem você acha que Omar estava se referindo? – questionou com uma singularidade na voz.

— Não tenho a mínima ideia. – Digo com sinceridade.

Ele me fita por um longo momento e então quebra o contato visual, parecendo desconfortável de supetão. Sou tomada por uma esquisita sensação. Aproximo-me de Tomás com as mãos suadas. O que será que ele pensou?

— O que foi? Me fala.

— N-Nada, – gagueja. Ele ajeita os óculos e se ergue da cama num salto. Eu dou um passo para trás com o movimento repentino. – Tenho que ir, Lety.

Fico nervosa.

— Tomás, para com isso. Que conclusão você chegou? – Eu seguro seu braço, suplicante. – Me fala, o que você acha que está acontecendo?

A boca dele se contorce e noto que está se perguntando se deve ou não me contar.

— Fala. – Insisto.

Tomás me fita por um longo momento e por fim suspira derrotado.

— Está bem, mas você não pode ter esperanças. É só uma teoria. Pode acontecer que eles estejam até brincando com você...

— Anda logo, Tomás! Fala logo! – minha voz sobe uma oitava.

— Tá bom, tá bom. – A expressão dele se tornou severa ao dizer: – Lety, você já considerou a hipótese de que o Mendiola pode estar realmente apaixonado por você?

Pisquei para Tomás, cambaleando para trás. O baque que aquelas palavras me provocaram fizeram meu estômago se revirar diante a possibilidade.

— O que você está dizendo? – nego com a cabeça. – Não seja patético, Tomás, ele não está apaixonado por mim.

Alguma coisa na minha expressão o fez se arrepender de imediato.

— Sim, realmente. Estou sendo patético – assinalou. Ele me ofereceu um pequeno sorriso tranquilizador.

Uma gama vertiginosa de sentimentos passou por mim, me deixando tonta.

— A-Acho que está na hora de me arrumar pro trabalho, – digo, virando o rosto para longe dele. As lágrimas não derramadas na noite anterior surgiram e eu queria desesperadamente sumir.

Tomás me envolveu num abraço apertado e eu fechei os olhos com força, apertando minhas mãos espalmadas nas costas dele. A possibilidade de o seu Fernando me amar é impossível. O que tenho para oferecer a ele? Eu sou nada. Eu já deveria estar acostumada.

— Desculpe, Lety.

— Você não tem culpa, Tomás, é só que... Isso é impossível, entende? E me dói muito porque eu o amo desesperadamente.

Meu melhor amigo acariciou minhas costas.

— Eu não quero ser impertinente, mas... Por que você acha que é impossível? Você é incrível, Lety, é a minha pessoa favorita nesse mundo.

Desvencilhei-me do abraço e segui em direção à penteadeira. Abri o porta joias, tirei o colar de diamante e em seguida puxei o hidratante e o perfume caro da gaveta. Coloquei os fracos acima da base da penteadeira e botei o colar na mão de Tomás.

— Ele tentou... Me comprar, Tomás. Olhe.

Ele ficou pálido ao ver que se tratava de ouro e diamantes.

— Caramba. Isso aqui custa uns três mil dólares, no mínimo.

Sorri de forma enviesada.

— Mais uns mil dólares daquele conjunto de perfume e hidratante. Sem contar, é claro, o chocolate suíço que está intocado na minha sala. Ele deve estar desesperado o suficiente pra esquecer que não me importo com coisas materiais.

Tomás suspira consternado. Ele me devolve o colar e passa as mãos no cabelo. O semblante dele mudou.

— Esse cara é mesmo um... Um... – meu amigo meneou a cabeça para os lados, irritado e incrédulo.

— Isso não é nada. – Sussurrei depois de guardar os presentes.

— O que mais ele fez?

Mordi o lábio ao me virar para ele. Considerei revelar o ataque de seu Fernando, mas preferi revelar apenas o que ouvi na conversa entre ele e Omar.

— Eu o ouvi combinando com Omar sobre me enviar para longe enquanto se casa.

A compreensão chegou à feição de Tomás.

— Entendo...

Recosto-me na penteadeira e entrelaço os dedos. Só consigo assentir. Tomás suspira.

— Não sei onde estava com a cabeça quando sugeri que o Mendiola poderia estar apaixonado por ti.

Fico em silêncio. Tomás vem até mim e segura meu rosto com as mãos.

— Lety. Você entende que precisa pagar na mesma moeda com essa gente, certo? Eles estão claramente brincando com você.

As laterais da minha boca se alargam num sorriso triste.

Acabei não contando a Tomás sobre Cassian, como também me esqueci de avisar que não me juntaria à ele e a mamãe pra jantar porque sairia com meu amigo de faculdade. Mas ao chegar a Conceitos o pensamento se dissolveu. As palmas de minhas mãos começaram a soar. Não queria dar o braço a torcer, mas vou precisar. Forcei-me a compreender que a partir de agora minhas ações seriam exclusivamente atuação. Não posso mais comprometer meus sentimentos mesmo consciente que isso trará mais prejuízo ao meu psicológico.

Cumprimentei as meninas do quartel e me forcei a ter uma conversa amigável e relativamente alegre com elas até o casal chegar. Contei até dez e forcei meu rosto a ficar inexpressivo quando me virei para Fernando e Márcia.

Eu deveria ter me habituado, mas é sempre muito doloroso vê-los juntos.

Com uma onda de náusea, acenei com a cabeça.

— Bom dia, seu Fernando e dona Márcia – murmurei mecanicamente. Não consegui dar mais que um meio sorriso.

Ele me encarou com intensidade.

— Bom dia.

Márcia não me respondeu senão me lançar um olhar sarcástico. Desviei minha atenção para minhas amigas.

As meninas responderam “bom dia” em uníssono. Joana beijou meu rosto e colocou o braço no meu ombro.

— Lety, a dona Márcia falou ontem pra gente que tudo está indo muito bem para o casamento deles. Que apesar das desavenças, decidiram continuar e dar uma chance para serem felizes juntos. – declarou alegremente.

— Sim, Lety. E ainda chegaram agarradinhos, não são lindinhos? – desta vez quem falou fora Martha. Pela minha visão periférica notei quando seu Fernando se enrijeceu.

— Fico feliz que vocês torçam tanto pela nossa felicidade. – cantarolou dona Márcia ao beijar o Fernando no rosto. A ironia no tom de voz dela não passou despercebido pra mim.

Minha testa se franziu ligeiramente, mas consegui fazer a proeza de sorrir.

— Que ótimo! – sibilei batendo palminhas numa forçada felicidade. Virei-me para eles. – Desejo felicidades, é sério! Bom, – disparei um olhar na direção das meninas – vou para a minha sala, tenho muito trabalho a fazer! Com licença, seu Fernando, com licença, dona Márcia.

Neste interim, Sara falou. Eu nem havia notado que fora atender ao telefone.

— Lety, espera. Paula Maria acabou de ligar avisando que deixaram um presente pra você na recepção.

Eu franzi a testa.

— Presente? Ela disse de quem era?

A mulher abriu um pequeno sorrisinho.

— É de Cassian.


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