De Olhos Bem Abertos escrita por Sensei Arê


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Hey hey hey! Olha quem trade aparece, mais tarde posta!

Depois de muita enrolação, segue a segunda parte do desafio MadaHina. A música tema do segundo capítulo é a Second Chance, do Shinedown. Segue o link:

https://www.youtube.com/watch?v=H25ORRgLxdA

Espero que tenham uma ótima leitura!
Nos vemos nas notas finais!



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Meus olhos estão bem abertos,

A propósito foi assim por todo o dia.

Eu vejo o mundo lá fora...

A propósito hoje eu estou indo embora.

Hinata não sabia como se sentir naquele momento. Era como se o mundo estivesse em câmera lenta, embora seu coração estivesse mais acelerado do que o mais rápido dos garanhões. Ver a verdadeira forma de Madara a fez perceber que vivia numa bolha sonhadora há tempo de mais, apaixonada por ideais fantasiosos e tendenciosos.

O Uchiha não demorou muito para por aquele bando de patifes em seus devidos lugares com destreza e brutalidade, sua habilidade se comparava a dos mestres dos dojos, mesmo que houvesse mais maldade em seus movimentos do que apenas a força. E assim, com alguns dentes perdidos e a dignidade largada, os homens partiram correndo.

Aqueles que estavam dentro da casa vibraram em alegria e voltaram a tocar sua música e distribuir sakê para todos lá dentro. No entanto, Madara não tinha vontade de bebidas ou outros sons, pois sua atenção estava completamente centrada na herdeira dos Hyuuga que permanecia imóvel no chão.

Os orbes ônix chocaram-se contra as pérolas etéreas, pela primeira vez sem saber o que fazer ou dizer, por um instante que pareceu uma eternidade.

— Ah, que maldade fizeram a esta pequena? — Ele ouviu uma das meretrizes se aproximar de Hinata e a levantar. — Está muito longe de casa, não é, Hime? Madara-sama fez muito bem em ensinar uma lição a estes homens maus!

— Venha, pequena, vamos nos esquentar e trocar estas vestes manchadas. — Outra mulher ofereceu uma mão, abrindo um sorriso caloroso.

— Na verdade, belas damas, creio que a senhorita deseje regressar à própria casa. — O Uchiha as interrompeu, olhando diretamente para Hinata. — Aposto que todos a procuram nesse instante.

— Se não for inconveniência tremenda, gostaria de tomar algo para avivar meus membros. — Hinata se pronunciou pela primeira vez, a voz arrastada como se não falasse a eras. — Peço que compreenda, Madara-sama. Ser carregada e ameaçada por um bando vil como aquele faz qualquer criatura precisar de um pouco de ânimo antes de voltar à superfície.

Sem preocupar-se em disfarçar a surpresa, o Uchiha meneou a cabeça enquanto via as moças guiarem a Hyuuga para dentro da casa animada.

De todo modo, as damas da luz vermelha não eram alheias às altas rodas, então era fácil descobrir de onde tinha vindo aquele pequeno anjo de olhos brancos. Talvez por isso, tiveram a decência de encaminhá-la para uma ala um pouco mais privativa, destinada ao descanso das moças ou até mesmo a um encontro romântico com um cliente que pudesse pagar melhor. Madara a seguiu de perto, tal como um falcão perscrutando sua presa.

As moças alocaram os dois na saleta, informando baixinho que logo voltariam com um pouco de chá e nikumans para aplacar os nervos da moça. Ao fundo, um shamisen era tangida numa música leve, como se para aplacar o transbordamento prestes a se seguir. Hinata fez o melhor que pôde para alinhar-se novamente, enquanto pensava no que diria. Eram tantas coisas que queria dizer, tantos sentimentos se embaralhando em seu peito como um balaio de serpentes... Ele precisava saber!

— Você está bem? — Ela ouviu Madara perguntar e ergueu os olhos para ele diretamente. Com um meneio, ela o tranquilizou. — Sinto muito que tenha sido vítima de tal infortúnio, Hinata, e confesso que minha culpa se engrandece a cada instante.

— Eles haviam dito que eu era “a menina que vivia atrás do Uchiha”... — Hinata relembrou, inconscientemente alisando a barra da manga do yukata — O propósito disso tudo foi feri-lo, Madara, e não a mim.

Madara crispou os lábios e afundou ambas as mãos nos cabelos negros em sinal de frustração. Ele deveria saber que aquela rotina juvenil de passeios e conversas corajosas sobre o futuro nunca dariam em nada além de transtornos para a jovem Hyuuga. A culpa sempre fora dele.

— Por um lado, vejo como proveitoso o que ocorreu hoje. — Hinata disse após alguns instantes, fazendo com que o moreno erguesse seus olhos confusos. — Tudo ocorre por um motivo, Madara, e meu caminho me levou até você. Creio que possa me ajudar...

— Não vejo como...

— Acertaram meu casamento. — Ela disse de uma vez só, fechando os olhos para se controlar. — Meu pai e meu tio fizeram um arranjo para que me case o quanto antes. Preciso de sua ajuda para fugir, pois este casamento não é o que desejo, Madara.

O ar dentro da sala tornara-se tão denso que era quase possível tocá-lo. Sem perceber que prendia o ar, a herdeira Hyuuga deixou-se soltar um suspiro longo, como se tivesse tentado mergulhar fundo no mar.

Porém, à medida que o silêncio crescia, a falta de ação por parte de seu acompanhante tornava-se incomoda. Não seria possível que ele lhe fosse alheio aos sentimentos que desabrocharam nas conversas e nas páginas impressas. E então, quando ela voltou a mirar as esferas ônix com atenção, teve a certeza.

— Você já sabia...

— Sou um Uchiha, afinal. Não me era segredo que Izuna logo desposaria uma jovem. — A expressão contrita de Madara o fez parecer quase envergonhado de suas ações, embora ela soubesse que essa não era a verdade. — É justo e bom que uma moça de boa família tenha um bom homem para casar-se...

— Num Omiai Kekkon?! — E pela primeira vez, a Hyuuga mostrou-se irritada. — O que houve com o ideal de falar, pensar e agir como indivíduo, sem preocupar-se com o gênero ou as velhas tradições? Acaso achou que eu seria beneficiada com tal acordo? Como fica o meu futuro na medicina? Como fica... O meu coração...

E Hinata Hyuuga teve o poder de calar o mais vigoroso dos Uchiha novamente. Sim, ele não lhe era alheio às vontades de exercer a profissão que tanto amava, bem como não podia ignorar o sentimento latente que transbordava de seus olhos a cada vez que se viam. Porém, Madara era um desgarrado e sempre seria um.

Logo que descobriu que seu pai fazia acordo com os Hyuuga para unificar as famílias, pensou em domar seu coração e pôr uma pedra por cima do que tentava esconder. Era o melhor para os Hyuuga, era o melhor para os Uchiha... E talvez até mesmo para ele.

No entanto, bastava topar com aqueles olhos cheios de luz e vida para que todo o resto fosse apagado. Cada flor que colhia era por ela, cada nova inspiração era por ela.

E agora findava.

— Embora pensemos no futuro, este ideal pode demorar muito a chegar. — Desta vez era ele quem fechava os olhos para suprimir seus desejos. — E eu volto a me desculpar se minhas palavras e ações a fizeram tomar decisões precipitadas ao meu respeito, Hinata.

— Quer dizer então que o homem que conheci na livraria não é o mesmo homem que me acompanhava ao cais? E não era o mesmo homem que inspirava ideias ousadas e vibrantes sobre um futuro onde cada um pode ser dono de si?— Sua voz cortou o silêncio como uma faca afiada. —Este não é o mesmo homem que está sentado diante de mim?

— Sinto muito se minha imagem se distorceu em sua imaginação, Hinata, mas este sou eu.

— Minha imaginação não se confundiu, Madara, e nós dois sabemos disso. Por isso, sei que pode me ajudar. — Hinata abriu um leve sorriso, a chama da esperança brilhando em seu peito. — Sei que conhece todos os mercadores da região, então pode me ajudar a escapar.

— Francamente? Acha mesmo que esta seria a solução para tudo o que está acontecendo? — Madara não parecia irritado ou incomodado, mas sua voz denotava mais seriedade do que ela esperava. — Você nunca passou por qualquer dificuldade ou necessidade. Como acha que sobreviveria sozinha diante desse mundo?

— Eu... Posso não ter passado por qualquer atribulação, mas sei que poderia sobreviver...

— Hinata, não são todos os homens que tem a mente aberta quanto a ver uma mulher viajando sozinha, ou sequer fazendo qualquer coisa que não seja para um marido. Você estaria se expondo a uma situação de risco... E para que?

— Tenho ciência de minha condição. — As bochechas pálidas da Hyuuga se afoguearam com as observações, bem como sua expressão se fechou por um instante. — Não sou alheia aos pensamentos dos homens, mas... Se você estivesse ao meu lado...

Se por um lado Madara sentia-se como o mais afortunado dos homens, por outro sentia-se tão ínfimo quanto uma folha carregada pelo vento. Hinata dizia naquele instante que desejava que ele estivesse ao seu lado, ajudando-a, mantendo-a. No entanto, ele bem sabia que aquilo seria de uma crueldade sem tamanho para com ela, tendo em vista a história que escreveu através de suas atitudes.

No fundo, o Uchiha fizera um trabalho tão bom ao enaltecer os dons do irmão, que cegou-se para o próprio futuro. Em sua busca desenfreada pela liberdade de pensamentos e ações longe dos olhos severos do pai, acabou por excluir-se da vida pacata e aconchegante que poderia ter. Uma boa esposa como Hinata, uma nova família aos seus moldes... Ao escolher um, automaticamente abdicara do outro.

Jogando a cabeça para trás, o moreno soltou um longo suspiro. Seu coração travava uma batalha sem fim contra sua razão, e as próximas palavras determinariam tudo.

— Não tenho outra coisa a fazer, se não me desculpar, Hinata. Creio que nossos passeios e conversas acabaram influenciando-a de maneira errada.

— Não entendo... — A Hyuuga confessou, confusa. — Desde sempre, você me incentivou a pensar e falar por mim mesma, deu-me asas para alçar maiores voos. Não vejo como isso pode ser mal...

— Os passeios foram proveitosos, as palavras foram ouvidas. Mas o Madara que você idealiza não passa de um devaneio. — E então, ele a encarou com os olhos frios, com toda a seriedade que podia imprimir pelo olhar. — Você nunca foi para mim nada, além de um jogo. Um bom jogo, mas que tornou-se previsível com o passar do tempo. E eu cansei de jogar...

Hinata arregalou os olhos e sentiu toda a cor de seu rosto sumir. Seria possível que ele a tivesse realmente enganado durante todo aquele tempo? As palavras, as flores, os sorrisos... Seu coração tornou-se apertado, pequeno em seu peito; como uma flor que morre ao ser regada demais. O sentimento que antes a impulsionava para um futuro brilhante, agora a fazia sentir-se diminuta, tola. E assim, antes que percebesse, uma única lágrima corria por seu rosto alvo.

No entanto, do mesmo modo que a tristeza lhe apanhara, a razão e a conformidade se aproximavam, tornando mais fácil enxergar as coisas. Onde no mundo, uma garota que desejava ser médica poderia ter um final feliz com um homem que era tido como baderneiro e desgarrado? Se ela nem ao menos podia seguir sua amada profissão, muito menos poderia ser amada verdadeiramente por aquele homem.

A verdade é que o mundo era injusto.

— De fato, você realmente é um bom jogador, Uchiha-sama. — O fio de voz tentava tomar forma ao sair de sua garganta, enquanto Hinata limpava o rastro de lágrima e mantinha a compostura. — É cruel demais apresentar o tesouro do conhecimento àqueles que nunca terão a sorte de desfrutá-lo.

Como sempre, as palavras da jovem o faziam sentir-se mais desconcertado do que poderia imaginar. Hinata nunca agia como a mulher que deveria ser. Não esperneava, não implorava por seu amor, não alteava a voz. Kami-sama sabia a tristeza que ele sentiu ao ver a chama da esperança morrer em seus olhos brancos, tornando-os opacos e submissos. Era como uma ave de rapina com uma corda restringindo-lhe o a liberdade dos céus.

E antes que pudesse dizer qualquer coisa, ele ouviu a porta de correr deslizando, e o cheiro de chá e nikumans invadindo o ambiente.

— Desejo ir para casa agora. — Hinata dirigiu-se a uma das moças da casa com educação. — Onegai, poderiam me ajudar?

— Mandem a liteira coberta. Zabuza e Haku conhecem todos os caminhos, serão discretos e rápidos no transporte.

As moças e Hinata olharam para o Uchiha que se levantava, seu rosto era impassível. Ele se inclinou para apanhar dois nikumans da bandeja e depois tornou a olhar para a Hyuuga uma última vez. Ela não olhou para ele de volta e foi assim que ele soube que havia perdido para sempre o brilho daquelas adoráveis pérolas.

E se nunca houvera um dia em que ele se arrependesse de suas atitudes, este dia ficaria marcado eternamente em sua memória. O dia em que o arrependimento o invadiria por completo.

Fazendo como lhes fora ordenado, os dois homens que trabalhavam na casa da luz vermelha levaram Hinata Hyuuga até os portões secundários de sua casa. Ninguém os vira chegando, muito menos partindo com a lua encoberta nos céus.

A morena ergueu seus olhos aos céus e sentiu-se completamente solitária, embora isso não durasse mais do que cinco minutos. Logo as empregadas vieram ampará-la, seguidas por sua irmã mais nova e o primo. O falatório repetitivo e angustiante se estendeu por alguns instantes e mesmo que fosse a preocupação e o alívio de tê-la de volta falando, Hinata sentia-se infinitamente só.

Não demorou muito para que Hiashi e Hizashi aparecessem também, os gêmeos com olhares rigorosos e convencidos de sua posição. Em qualquer outra família, Hinata seria severamente punida por sua desonra de fugir na frente de seu pretendente, mas bastou que os olhos iguais e familiares se encontrassem para que eles soubessem que não haveria punições ou reprimendas naquela noite.

Em completo silêncio, a jovem Hyuuga afastou-se de todos educadamente e rumou para seus aposentos, sem ser seguida por ninguém.

— Natsu... — A voz de Hiashi se sobressaiu ao burburinho, fazendo com que a ama se aproximasse. — Garanta que Hinata não seja incomodada esta noite, mas não deixe que fique completamente sozinha.

— Acha que ela pode fugir de novo, onii-san? — Perguntou Hizashi, ainda olhando para o caminho que a sobrinha seguira.

— Não... Mas o olhar de minha filha não mente. — E os irmãos trocaram um olhar significativo. Hinata seria capaz até de tirar a própria vida.

Diga pra minha mãe, diga pra meu pai:

Que eu tenho feito o melhor que posso,

Pra fazer eles perceberem que essa é minha vida!

Eu espero que eles entendam,

Que eu não estou bravo; só estou dizendo:

Que algumas vezes o Adeus é uma segunda chance...

A madrugada ia longe quando Madara finalmente pôs os pés em casa. Embora o álcool lhe anuviasse a mente, o pensamento em Hinata teimava em não deixa-lo. Ao passar, pela entrada dos empregados, surpreendeu-se ao ver o irmão encolhido ao lado dos sacos de arroz e mais ainda ao ver a garrafa de sake em suas mãos.

— Que rude da sua parte, otouto... — Madara exibiu um sorriso inebriado. — Podia ao menos ter me esperado para comemorar.

E, ao contrário de ver um rosto emburrado ou o início de uma reprimenda, Madara encarou o rosto desolado do irmão. Por um instante, tentou lembrar-se da última vez em que o vira com aquela expressão; talvez quando a mãe deles morrera, ou quando eles entenderam o significado da palavra “hierarquia”, vindo da boca de seu pai que os ensinou que o primogênito herda os bens da família.

— Não bebo para comemorar, onii-san. — A voz de Izuna saiu embargada. — Bebo para esquecer...

— Muito me espanta tal atitude, afinal, pensei que tivesse sido agraciado com um arranjo de casamento com a herdeira dos Hyuuga. — Mesmo sabendo que era errado, Madara decidiu cutucar a ferida. — Se está bebendo pela fuga, saiba que a bela dama já retornou para o lar.

— Quem dera se tivesse enfim escapado. Assim tudo seria mais fácil...

A voz de Izuna não passou de um sussurro, mas atingiu seu irmão mais velho em alto e bom tom. E pela terceira vez no dia, Madara sentiu-se sem poder de palavra ou ação, imaginando se estava em outra realidade ou se o álcool tinha lhe inebriado a ponto de pregar peças em sua mente. Afinal, não seria possível que seu irmãozinho estivesse dizendo que não queria se casar, quebrando uma determinação do pai deles.

O irmão mais novo cobriu o rosto com as mãos e suspirou longamente, ao passo que o Uchiha mais velho se aproximou e agachou-se para ficar na mesma altura. E ao descobrir os olhos lacrimosos, Izuna ergueu uma mão trêmula para pousá-la no rosto de Madara, surpreendendo-o.

— Você já me odeia, onii-san?

— Que tipo de pergunta é essa, Izuna? — Madara estreitou os olhos, confuso.

— Já não basta que eu tenha lhe roubado o futuro como herdeiro principal nos negócios da família... Agora o destino me amarra à mulher que ama. — Izuna abriu um sorriso torto, enquanto as lágrimas começaram a rolar por seu rosto. — Consegui tomar tudo o que queria, Madara, mesmo que esse nunca tenha sido meu desejo. É verdade que amo trabalhar com nossa família, minha maior honra e glória são através do negócio que nossos ancestrais iniciaram. No entanto, nunca almejei ter uma esposa, quanto mais a mulher à quem dera seu coração.

— Você sabe sobre meus encontros com Hinata? — O Uchiha mais velho questionou. — Mas... Como?

— Oras, nossos produtos chegam e se vão pelo porto, Madara. — Izuna fez uma careta boba, zombando levemente da inocência do irmão. — Houve uma vez que os vi caminhando pelo cais e tomei a liberdade de acompanha-los de longe. Foi a primeira vez que o vi sorrindo verdadeiramente, onii-san, e eu fiquei muito feliz por você. — E assim, a expressão dele se fechou logo em seguida. — Quando soube que meu enlace era justamente com a moça a quem vinha cortejando, meu coração se encheu de medo e tristeza. Eu senti como se estivesse falhando com você novamente, pois embora tivesse de seguir as ordens de nosso pai, sabia que eu o magoaria muito. Eu nunca quis me casar, ainda mais com ela!

Se alguém lhe dissess que um só dia teria tantas reviravoltas, Madara sairia dando risada. No entanto, era como se o destino estivesse rindo dele naquele momento, mostrando toda a sua sorte.

Izuna voltou a cobrir o rosto, ganindo baixinho como uma criança assustada. O sentimento de amor e proteção de irmão mais velho se sobressaíram novamente, fazendo-o puxar o mais novo para si e abraçando-o com força.

— Onegai, não me odeie, onii-san! Não quero me casar com ela!

— Mas você vai!

A voz torpe de Tajima Uchiha preencheu a cozinha, trazendo com ela todo o receio que os filhos tinham do pai. Por instinto, Madara se levantou e colocou uma distância segura entre ele e o irmão, enquanto Izuna se encolheu ainda mais perto dos sacos de arroz.

O olhar congelante do patriarca demorou-se no mais novo, deixando bem claro a desaprovação por sua conduta deplorável, chorando e bebendo, como uma criança mimada. No entanto, quando este olhar encontrou o filho mais velho, Madara conseguiu sentir o ódio latente vindo do pai, culpando-o mesmo que não houvesse culpa a ser atribuída.

— Não permitirei que destrua a honra da família, Madara! Já basta a vergonha que você impôs sobre esta casa nos últimos anos. Não deixarei que leve seu irmão por estes caminhos. — A raiva o moveu até Izuna, tomando a garrafa de sakê de sua mão e lançando-a com raiva na parede atrás de Madara. Sem qualquer cuidado, Tajima agarrou os braços do mais novo e o fez levantar, desferindo um tapa certeiro no rosto lívido. — Recomponha-se, Izuna! Temos uma oportunidade de ouro com os Hyuuga. É sua obrigação como Uchiha zelar pelo futuro de sua casa!

O pobre Izuna que antes chorava de arrependimento, sufocava-se com o medo de lidar com o pai autoritário. Madara, por sua vez, sentia-se cada vez mais lúcido e mais consciente do fardo de levar o nome dos Uchiha. Então, tomando a frente mais uma vez, ele fez a única coisa que sempre se prestou a fazer: colocou-se entre o pai e o irmão, defendendo-o.

— Então, Tajima Uchiha acha que anos de devoção para com os negócios da família, todo o zelo e respeito que seu filho lhe prestou... Tudo isso pode ser quebrado caso Izuna não queira se casar? — O olhar de Madara estava tão sombrio que até mesmo o pai deu um passo para trás. — Se existe alguém que sabe qual é o verdadeiro significado de honra e família, este alguém é Izuna!

— Onii-san... — O mais novo sussurrou amedrontado.

— Desde pequeno, Izuna sempre mostrou amor pela arte do comercio, seguindo seus passos como uma sombra, ávido para aprender. Era um insulto que ele tivesse de ser o segundo, quando a devoção que ele lhe prestava era um primor. — Marada continuou, agora um pouco mais brando. — Quando descobrimos que ele nunca chegaria a herdar a honra e glória dos Uchiha, foi como se eu o tivesse visto morrer pela primeira vez... Foi então que eu decidi morrer para você, ottou-san.

— Vai dizer então que decidiu desonrar sua família para que seu irmão pudesse tomar seu lugar? — Tajima sorriu com escárnio, duvidando das palavras do filho.

— E meu otouto não me decepcionou em momento algum. — Marada o rebateu com um sorriso debochado. — A cada falta minha, foi ele quem o amparou, ottou-san. A cada decepção sua para comigo, foi ele quem enxugou suas lágrimas e mostrou o potencial que tinha. Você quis a tradição, ele lhe seguiu. Eu quero o mundo.

— Então vá! — Tajima bradou, sentindo o coração partir-se a cada palavra do primogênito. — Parta no próximo navio para o novo mundo e viva com aqueles ocidentais sem tradição! Esqueça que um dia foi um de nós, já que sua liberdade vale mais do que a família!

Tajima estava a ponto de um colapso, depois de tanto estresse e decepção com seu primogênito. Com as mãos tremendo, tentou alcançar um banco para sentar-se e logo foi acudido por Izuna. O mais novo, mesmo com o rosto dolorido e com a alma ferida, ainda tinha o ímpeto de cuidar do pai. Levou-o até um banco baixo e logo foi atrás de um pouco de água pura para ele.

O patriarca dos Uchiha olhou para o filho mais novo com o coração pesado, pensando em como ele não tinha qualquer tipo de capricho para consigo e em como ele cumpria bem sua profissão. E no extremo oposto estava Madara, tão inalcançável, tão problemático... E pensar que ele deliberadamente colocou seu futuro de lado para enaltecer o caçula.

Tajima cobriu o rosto com uma da mãos, tentando aplacar a dor de cabeça emocional que sentia. Quando Izuna lhe estendeu a água, Madara voltou a se pronunciar:

— Não escondo que meu desejo sempre foi voltar para o ocidente, começar um novo estudo sobre a expansão do comercio no novo mundo e começar o meu próprio negócio. Por muito tempo, a única coisa que eu busquei foi a liberdade por meio da dor. — Suspirando, Madara cruzou os braços em frente ao peito numa pose resoluta. — Chegou o momento de definitivamente ir embora com aquilo que é meu... Então, ottou-san, creio que nós podemos chegar a um ponto onde todos ficam com aquilo que desejam.

— O que pretende, Madara? — Perguntou Tajima, erguendo um olhar desconfiado ao filho mais velho.

— Os Uchiha precisam honrar o acordo que fizeram com os Hyuuga para expandir nosso mercado em potencial, um acordo selado por um omiai kekkon. — Madara começou, dando pequenos passos em volta do mesmo ponto. — Izuna não se sente preparado para assumir uma esposa e a responsabilidade de sua própria família, seu foco ainda é o negócio dos Uchiha e você, ottou-san. E você deseja que eu não manche mais o nome da família com meus pensamentos e ações...

— E então...?

— Deixe que eu assuma a posição de Izuna e me case com a primogênita dos Hyuuga. — E então Madara sorriu com sagacidade, descruzando os braços e apoiando as mãos na cintura. — Com isso o acordo será honrado, Izuna poderá continuar com seu sonho e eu partirei com minha esposa quanto antes nos for possível.

Num primeiro momento, Tajima ficou em choque ao ouvir tais palavras, para então gargalhar como um garotinho.

— Acredita que os Hyuuga lhe aprovarão, musuko? — Disse o patriarca, limpando o resquício de lágrima dos olhos sorridentes. — Será sorte se sua reputação não tiver adentrado naquela casa, o que eu duvido muito.

— Reputações podem ser construídas e derrubadas, ottou-san, mas acordos são acordos em qualquer lugar... — O sorriso do primogênito não esmoreceu nem um pouco.

E com essa informação, Madara deixou a cozinha, pensando em como seria bom descansar livre de quaisquer amarras feitas por escolhas erradas.

Por favor não chore nenhuma lágrima por mim,

Eu não tenho medo do que eu tenho pra dizer...

Esta é minha única voz,

Então escute com atenção: Isso é apenas pra hoje!

Natsu suspirou longamente e olhou para o teto, tentando encontrar forças para entrar no quarto de Hinata. Ela sabia o quão devastada Hinata estava para ter adotado o silêncio na noite anterior. Até a janta a jovem recusara. Ao encarar as portas de correr, ela tomou a coragem necessária e muniu-se de um sorriso singelo para tentar animar a herdeira.

— Ohayou gozaimasu, Hinata-sama. É hora de acordar...

No entanto, para a surpresa da jovem ama, Hinata já estava desperta, vestida e aparentemente pronta para suas atividades. Quieta e compenetrada como nunca antes, a herdeira só se dignou a falar quando deu sua última pincelada no papiro onde praticava o shodoo.

— Ohayou, Natsu-san. – O olhar perolado permanecia vazio, encarando sua obra com muitas críticas silenciosas.

— Gostaria de tomar o desjejum aqui, Hinata-sama? — Natsu perguntou gentilmente.

— Não tenho fome no momento. — Hinata a respondeu friamente, voltando a molhar o pincel para começar uma nova caligrafia. — Terminarei minhas tarefas da manhã em breve, e então conversarei com ottou-sama a respeito do arranjo que me fez.

— Hinata-sama aceitará o omiai kekkon com Izuna Uchiha?

— Que escolha eu tenho se meu destino é traçado pelos desejos dos Hyuuga?

Mesmo que não fosse a mãe biológica de Hinata ou Hanabi, Natsu se sentia intrinsicamente ligada às meninas, zelando por cada momento de alegria e realização que poderiam ter. Ver Hinata daquela forma fez com que seu coração ficasse apertado, como se visse a última flor cair antes do inverno chegar.

Ela bem sabia que sua menina estava apaixonada por alguém, as pessoas sempre comentam. A fuga de ontem só fez comprovar suas suspeitas, porém o retorno... Esse tinha quebrado todas as suas expectativas. Mais do que o sonho de uma profissão destruído, o coração da herdeira Hyuuga parecia completamente estraçalhado, transbordando em seu olhar.

— Hinata-sama... Se me permite falar francamente, sinto muito que suas expectativas tenham sido frustradas de tal modo. — Natsu permitiu-se chegar um pouco mais perto. — Eu bem sei que seu maior sonho era o de ser médica, como os Hyuuga são. Sei também que seu coração está aflito com a expectativa de casar-se com alguém que não conhece... Mas posso garantir que seu pai e seu tio não fariam um acordo com alguém que não pudesse cuidar de você como merece....

— Isso já não importa mais. — Hinata a interrompeu singelamente, ainda sem erguer o olhar. — Os tempos mudam, mas as tradições permanecem. Vou me casar com quem não conheço e seguirei com o plano que me foi designado, pois a vida é um jogo que apenas os sábios sabem ganhar. Agora, se me der licença, Natsu-san, pretendo terminar este shodoo o quanto antes para seguir com minhas outras atividades.

Sem saber o que dizer, Natsu apenas fez uma mesura e saiu do aposento, bem a tempo de que a primeira lágrima corresse pelo rosto da jovem Hyuuga. Seguindo esta, as demais vieram e perpetuaram-se.

Largando o pincel, Hinata cobriu o rosto com as mãos e levantou-se, dirigindo-se para o jardim particular que havia entre os quartos. Naquele pequeno terreno, uma única cerejeira mantinha-se perene, com suas flores delicadas cobrindo o chão ao seu redor como uma manta rosa clara.

Sua mente e seu coração estavam em frangalhos desde a noite anterior. A perda de seus sonhos e de seu primeiro amor a atingiram muito mais forte do que podia imaginar, tornando-a diminuta, frágil. E mesmo que o desfecho de sua breve história com Madara tivesse sido infeliz, ela ainda imaginava como seria seu futuro se a esperança tivesse vencido a tradição.

Ainda fragilizada, a Hyuuga mal notou quando um menininho puxou suas vestes, tentando obter sua atenção. Os olhos brancos o identificaram como um Hyuuga, provavelmente um filho ou sobrinho de algum de seus outros parentes

— A nee-chan é muito bonita pra ficar chorando. — Disse o inocente menino. — Ele disse que um presente poderia fazer a nee-chan sorrir.

E então, o garotinho lhe estendeu um pequeno ramo de Shibanzakura, com uma fita vermelha amarrada. Imediatamente, o coração de Hinata voltou a bater com intensidade e suas bochechas tornaram-se rubras.

— Quem lhe deu isso?

— Não sei...

E com estas palavras, o menininho saiu correndo pelo pátio com um sorriso travesso, deixando uma Hinata confusa e surpresa para trás. Mesmo que sua mente dissesse que aquilo poderia ser mais uma jogada de mestre, seu coração insistia em dizer que ela devia manter a chama da esperança acesa.

O ano era 1896, início da Era Meiji. E o mundo desabrochava em novas descobertas.

Diga pra minha mãe, diga pra meu pai:

Que eu tenho feito o melhor que posso,

Pra fazer eles perceberem que essa é minha vida!

Eu espero que eles entendam,

Que eu não estou bravo; só estou dizendo:

Que algumas vezes o Adeus é uma segunda chance...


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Notas finais do capítulo

Uffa, finalmente terminei!

Antes de qualquer coisa, quero agradecer especialmente à minha Xará Tifa que me ajudou muito a terminar essa história. Sem a mentoria dela, demoraria ainda mais pra sair e provavelmente o final ficaria cagado, huaahuah...

Agora, sobre a segunda parte: acho que foi bem interessante trazer um pouco mais sobre os sentimentos do Madara sobre a Hinata e sobre sua família, mesmo por que, ficou tudo meio que subentendido na primeira parte. Confesso que pelo menos uns 6 finais diferentes passaram pela minha cabeça, mas nenhum parecia bom o suficiente. Por isso, defini que o final aberto era o que mais me agradava... Espero que tenham gostado tanto quanto eu.

Desde já, muito obrigada por acompanharem o desafio AM-FM e curtam também as histórias da Morgy, minha parceira nesse desafio!

Beijos mil pra todos,

Alê!



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