POV KATNISS

—Gale?

—Katniss.

Formal demais, sua pose de soldado voltou. Não lhe julgo, o que menos quero é proximidade.

Aposto que ele também, ja que a última vez que nos vimos lhe bati, mandei ir embora e apontei uma flecha pro seu peito.

Tomo meu caminho ignorando seu olhar, mas impossível não ficar alerta com minha mente lembrando o quão perigoso será ter Gale e Peeta, frente a frente.

Ando até o vagão onde jantamos, procuro por alguém, mas desisto assim que acho uma garrafa dentro de um balde cheio de gelo.

Abro tomando longos goles, levo mais duas caso alguma das crianças queira.

Volto pelo mesmo trajeto, passando reto por Gale que deita num sofá. 

Ao chegar na cabine me deparo com Peeta sentado na cama, o olhar perdido na janela descoberta.

O anoitecer passa rapidamente conforme o trem avança. Deixo as garrafas sobre um aparato grudado a parede antes de sentar na cama, o loiro liga o abajur.

—O que foi?

Toco seu ombro, a camisa escura ensopada de suor.

—Peeta?

O puxo até que esteja direcionado pra mim, a preocupação me deixando alerta.

Está tendo uma daqueles ataques?  Não sei como agir quando seu clone do mal fica ativado.

Seu rosto fica sem expressão, é melhor do que encontrar seus olhos negros e recheados de desejo pra me matar.

—Desculpa.- sua cabeça sacode, parecer tentar esquecer de algo.- Estava tendo um pesadelo.

A sensação do último que tive, que foi com Prim explodindo, me da calafrios.

E ele estava lá, me apoiando e cuidando dos meus males, garantindo que não voltem tão cedo.

Seu corpo inclina quando toco em seu pescoço, consigo vislumbrar uma áurea vermelha envolta do azul tão puro.

Não consigo imaginá-lo como uma ameaça agora, seus olhos me travam.

—Fui beber água, quer um pouco?- sua cabeça confirma, lhe entrego a garrafa antes de conferir se as crianças estão.

—Eu acordei e você não estava, ia levantar agora mesmo.

—Demorei para achar umas garrafas.- volto a ficar sob as cobertas, de olho nele.

—Vou tomar um banho, estou extremamente suado.

Seu corpo inclina mais um pouco até seus lábios entrarem em contato com os meus, o sugo apertando meu lábio inferior entre os seus.

Cada beijo uma sensação diferente. 

—Mamãe! 

—Mamãe! 

Acordo num pulo sentido duas crianças pulando na cama ao meu lado, esfrego o rosto tentando focalizar minha visão. 

—Acorda, mamãe! 

—Ja estou indo, Rye.- volto a ficar sob as cobertas. -Por que vocês não acordam o papai?

—Ele está de pé.

—Já?- levanto sentindo falta do loiro. -Onde ele está?

—Saiu para...- corro apertando descontroladamente o botão para sair do vagão do quarto, o receio de Peeta encontrar com Gale.

Não me importo com a aparência; mesmo estando com uma blusa de Peeta e um curto short por baixo, o cabelo preso de qualquer maneira e a cara amassada.

Entro no vagão sala derrapando ao notar duas crianças vindo atrás de mim, encontro várias pessoas me encarando num misto de espanto e risada.

—Katniss?- Effie leva a mão a boca tentando inutilmente conter o espanto em me ver de maneira tão íntima. 

Rodo o olhar encontrando mais gente do que gostaria, o calor sobe todo pro meu rosto assim que noto o olhar de Gale direto pras minhas pernas.

—Papai!- Rye corre pra ponta da mesa, onde Peeta está sentado me encarando. 

—Eh...- pigarreio sentindo Willow apertar mais suas mãos ao redor de minha coxa.

—Bom dia.

—Bom dia.- alguns dizem ainda me encarando.

Peeta levanta vindo ao meu encontro, seus lábios encontram os meus rapidamente de forma possessiva e calorosa.

—Você está bem? Entrou com uma cara assustada.

—Eu achei que você e...

O loiro entende, as coisas ainda estão confusas entre ele e Gale.

Não esperava reencontrá-lo tão rapido, mas sua participação na guerra proporcionou isso.

—Não aconteceu nada, ainda.

Sorrio vendo-o ficar a minha frente, tenta tampar a maior parte do meu corpo.

Rye reclama de fome, mas ainda fica agarrado na perna do pai.

—Vou trocar de roupa.

—Ótima ideia.- mais um beijo e saio indo colocar uma roupa decente, faço uma trança improvisada nos cabelos da pequena e saio pra tomar um belo café da manhã. 

O  clima está tenso, ja que os olhares entre Gale, Peeta e eu, estão quase matando.

Não ligo se meu ex amigo tenha algum rancor de mim, eu tenho dele, então esta justo.

—O que vai acontecer na Capital, Effie?- pergunto ao sentar do seu lado, a mulher sorri mexendo nos cabelos da filha.

—Pelo que um contato me passou, haverão homenagens e alguns jantares.

Tudo em comemoração a nossa vitória e um tributo aos mortos.

Quero perguntar quem são, só sei sobre Prim, os outros continuam um mistério. 

—Fora que todos querem conhecer seus filhos.

Fecho a cara no instante seguinte, meus filhos não serão as estrelas disso.

—Sem chance.- mostrá-los pro povo excêntrico da Capital é loucura.

—Mas Caesar espera que vocês dêem uma bela entrevista.

—Não. - mesmo sem saber quem é esse Caesar, não quero voltar a me envolver. 

—Você não tem escolha, docinho.

Quando minha irritação chega no limite fecho ainda mais a cara, não gosto de ser pressionada. 

—Se eu digo que não vou, ninguém vai me forçar.

—Sério? Vamos mesmo voltar a isso? - Haymitch rola os olhos deixando que Elisabeth brinque com seus cabelos.

—Katniss não funciona assim, Haymitch. 

Peeta põe sua mão sobre a minha, sorrio gostando de seu apoio.

—Como se ninguém aqui soubesse disso.- alguns riem, até mesmo a garota morena que acaba de entrar.

—Oh, chegou quem estava faltando. 

—Não me enche o saco.- ergo as sobrancelhas não gostando de sua arrogância. Quem ela é?

—Olá, padeiro.- seu sorriso abre, não gosto de seu olhar também.  

—Olá. - a atuação de Peeta é impressionante, parece que ele realmente sabe quem ela é.

—Agora eu vi vantagem nessa viagem.- a garota se joga na poltrona minúscula para duas pessoas, forçando o corpo do loiro encoste no dela.

—Cuidado, Johanna. Katniss não está muito bem hoje.

—Ela nunca está.- da de ombros, voltando seu olhar para Peeta ao notar o quanto está sendo observado.

—Cadê os pirralhos? 

Peeta vira a cabeça indicando a mesa, onde nossas crianças estão desenhando sem parar.

—Pegaram sua beleza.

Tamborico os dedos no estofado, Peeta reprime uma risada ao me ver segurando a impaciência. 

Não tenho culpa de ser esquentada, eles acabam com minha paciência. 

—Discordo, as crianças tem mais da beleza de Katniss.

—Ah, esse seu lado apaixonado me da enjôo. 

Ela levanta tropeçando nos pés de Gale, não ouço palavrões ou gritos, somente uma olhada fulminante. 

Há algo aí. 

Assim que a garota sai do vagão, faço questão de colocar meus dedos entre os dele. 

Um sorriso bobo aparece, o meu iria surgir se eu não segurasse. 

—Katniss com ciúme?- ele sussurra num tom que somente eu possa escutar.

—Se lembre que não estou boa hoje.- sussurro de volta, sentindo seus dedos apertarem o meu em resposta. 

—Posso me acostumar com isso.- somente inclino meu pescoço até beijá-lo.

—Eu também. - digo me referindo ao beijo, e consequentemente a nós. 

No final do dia chegamos a Capital, de acordo com Effie seria mais rápida, mas paramos para pegarmos os outros passageiros.

—Paylor disse que não precisamos preocupar, a mansão pode nos abrigar.

Travo por um momento, foi lá que Primrose morreu.

Todos seguem para fora do trem, mas permaneço no lugar. O  corpo em pane, não me preparei pra esse momento. 

—Querida.- Peeta deixa as crianças com Effie antes de vir.

—Foi lá.- ele entende, mas nada diz, prefere usar gestos reconfortantes. -Primrose morreu lá, Peeta. Não quero ir.

—Podemos ir para outro lugar.

—Pronto, mal chegamos e ela ja voltou com essas frescuras!

—Respeite a dor dela, Johanna.

—Ja não era pra acostumar?  Faz anos que a menina morreu, não é como se fosse a primeira vez que ela volta aqui!

Na verdade, pra mim é.

Voltar ao lugar que minha irmã perdeu a vida não estava nos meus planos.