Vem cá novata, senta comigo. Vou te contar essa história. A quanto tempo você está aqui?”

“Alguns dias”, ela respondeu sentando na ponta ao meu lado.

“Já te falaram pra que você existe?”

“Sim.” Sua resposta tem a prontidão de alguém empolgado com a tarefa de alto nível que lhe foi destinado.

"A minha já está terminando.” Ela esperou por mais detalhes, mas eu não lhe darei mais do que o necessário.

"E vendo aquela garota? A pequena ruiva.”       

“Sim.”

“Ela tem muito do que se orgulhar, mas eu a cego pra isso, é pra isso que servimos.”

Ela pensa no que ouviu e então vem a pergunta.
       “Todos são assim?”
       “Não. São poucos, mas ao longo das décadas eles vão aumentando cada vez mais.”
       “O que são décadas?”
       “É uns dos tipos de medição deles, mas não importa.” corto logo o papo banal, “A minha tem um pouco mais de duas dessas décadas, mas só estou com elas a pouco mais de uma. Foi um trauma que me deu abertura.”
        A não quer saber os detalhes, ela sabe o que são aberturas, como entrar em suas mentes e o motivo.
       “Por que está me mostrando isso?

Finalmente. Sorrio e inflo o peito com orgulho.

"Porque esse é o nosso fim e eu quero que alguém mais veja o meu belo trabalho.

Ela está fugindo, acha que em um novo lugar suas cicatrizes não irão acompanhar. Mas são cicatrizes, física ou emocionais, elas sempre estão lá.

Eu dei a sugestão de ver algo que nunca tinha visto antes, por ela estava relutante. Agora ela passa pelo portal de um novo pais, pega um táxi e vai em direção do seu fim.

"Como você sabe que ela fará?”

“Porque eu sou a sua visão, e nessa visão está tudo em decadência. Quem quer viver em um mundo em decadência?”

"Porquê”

          É a mesma pergunta que fiz quando meu antecessor disse essas palavras para mim.

“Porque só assim nós veremos livres. Veja, nós não fazemos nada com eles, apenas mostramos o que já aconteceu, apontamos as estatísticas com base no passado. A minha foi abusada fisicamente por homens e mentalmente por uma cidade inteira quando ainda era apenas uma criança. Na fase adulta pouca coisa mudou, apenas conheceu pessoas a quem desejava depositar toda sua esperança, e foi o que fez. Então eles levaram embora quando partiram sem ao menos se importar com os cacos deixados para trás. E ela fez de novo, e de novo. Apenas querendo tirar de si a dor. Ela fez o que todos faziam, estudou, trabalhou e teve sua própria casa, mas nada disso emporta para vaso quebrado.

O trabalho esgota a pouca energia que amanheceu com ela naquele dia ao notar que ela é apenas uma máquina para que outras ganhe o dinheiro que os deixam ricos.

O diploma é apenas um quadro na parede do quarto que informa que ela esteve estudando algo por um longo tempo da sua vida.

A casa é vazia. Não há motivos para querer voltar a não ser dormir para voltar para a rotina.
Então ela sai do trabalho, diz adeus aos poucos que ficaram na sua rotina, viu o que tinha que ver no mundo e agora chegou a hora. Não olhe.”

Ela obedece, mas é impossível não ouvir.

“Finalmente estou livre. É a sua vez.”

A novata estava sozinha.