Entre Extremos escrita por Bella P


Capítulo 22
Capítulo 21




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Dallas não ficou muito tempo na casa dos Gordon. Uma noite apenas para conhecer os pais de Patrick e o irmão mais velho dele, Pietro, com o seu sorriso de modelo de capa de revista, e o que Patrick tornaria-se no futuro se seguisse com a carreira de Quadribol para ajudá-lo a moldar os seus bíceps e tríceps. Ambos os irmãos eram incrivelmente parecidos: cabelos e olhos castanhos e pele pálida, mas Pietro era alto e robusto, de músculos definidos e físico triangular (ombros largos e cintura estreita), o seu rosto era de traços retos, o seu sorriso era branco e charmoso e o braço direito tinha a tatuagem de uma fênix que cobria todo o membro, uma tatuagem trouxa, visto que as mágicas costumavam mudar de lugar por conta própria. Patrick e Pietro puxaram a mãe, Annabeth, e Aurora, obviamente, herdara o físico e o jeito de surfista do pai Liam quem, curiosamente, foi um surfista profissional na Austrália antes de, durante um curso de verão para completar o seu Mestrado em Poções na chuvosa Londres, conhecer a talentosa chef Annabeth, por quem se apaixonou, casou e criou uma família na terra da rainha, mas jamais abandonou o mar.

Ir para a Austrália durante as férias era praticamente uma lei não escrita dentro do clã Gordon. 

— Se você vai praticamente todo o verão para a Austrália, como pode ser tão pálido assim? — Dallas havia perguntado à Patrick quando ouviu a história durante o jantar. Pietro gargalhou e trocou olhares divertidos com Annabeth. 

— Infelizmente o complexo britânico de nossa mãe nos garante apenas uma linda insolação se ficarmos expostos demais ao sol. — o homem respondeu. — Aurora foi a única que herdou a casca grossa australiana de nosso pai para aguentar várias horas sob os raios solares. 

E a tia-avó doida de Patrick? Não era tão doida assim, apenas excêntrica. 

Bruxos tinha uma longa vida em comparação aos trouxas e um processo de envelhecimento mais vagaroso. Dallas esperou encontrar uma mulher com mais rugas do que pele no rosto, algo que lembrasse aquelas velhas bruxas caquéticas de contos de fadas, mas o que encontrou foi uma respeitável senhora que lhe lembrou muito Amélia, pois era alta, esguia e de pose altiva, mas não tinha a expressão fria e entalhada em mármore que Amélia possuía. Judith era de largo sorriso e na verdade sem nenhuma papas na língua, o que causava momentos embaraçosos para sobrinhos-netos adolescentes, que já tinham conflitos existenciais o suficiente em suas vidas para precisarem de mais alguns.

No dia seguinte à chegada dela na casa dos Gordon, Dallas foi acordada cedo, trocou de roupa e desceu para o café da manhã com uma mochila com mudas de roupas nas costas. O desjejum seguiu de forma animada, com a cozinha cheia e gente esbarrando-se um nos outros enquanto recolhiam talheres dos armários, comida do fogão, onde Annabeth preparava ovos e bacon em uma frigideira enquanto Liam espremia laranjas em uma jarra de suco sobre a pia. Para Dallas, ver tamanho movimento era estranho. O café da manhã na mansão Winford começava religiosamente as 7:30 e todos deveriam estar à mesa neste horário, e terminava as 8:30. Depois deste horário, se alguém tivesse perdido o desjejum, teria que ir à cozinha e preparar a sua própria refeição. Ordens de Amélia. Dallas, quando chegava à copa, era para encontrar a mesa arrumada com as mais sortidas frutas, geléias, torradas, pães doces e salgados, um tabuleiro de frios, sucos, café e creme, dispostos em porcelana chinesa e servidos com talheres de prata. Ninguém conversava, trocava ideias, não havia risadas durante a mesa de café da manhã, bom dias oferecidos de forma tão animada enquanto um cesto de pão fresco era passado de mão em mão. 

Uma hora e meia após o café, todos os Gordon e Dallas tomaram as ruas vazias de Godric’s Hollow a caminho do local onde estaria a chave de portal, e encontraram a mesma, uma taça de cobre lascada e fosca, no monte atrás da Igreja St. Jerome. Cinco minutos depois, Patrick e Dallas caíam de forma desajeitada, em um misturar de braços e pernas, sobre um vasto campo verde, enquanto os adultos eram cuspidos da chave de portal de forma bem mais elegante do que eles foram. 

— Eu não vejo a hora de fazer dezessete anos e aprender a aparatar. — Patrick resmungou quando pôs-se de pé e estendeu uma mão para Dallas. 

— Vamos admitir, nenhum meio bruxo de viagem é relativamente agradável. — ela respondeu ao ser levantada com um único puxão do braço de Patrick e então deu uma boa olhada aonde eles tinham parado. Era a entrada de um gigantesco acampamento, onde barracas estavam montadas a perder de vista, de variados tamanhos e formatos, um bruxo estava parado a alguns passos de onde eles tinham surgido e foi para ele que Liam entregou o cálice fosco e lascado. Em seguida, eles tomaram o rumo do gigantesco descampado, procurando entre centenas e mais centenas de bruxos e bruxas de todas as idades e nacionalidades, o lote onde montariam a barraca deles. Assim que encontraram, Aurora e Pietro puseram-se ao trabalho e com alguns girar de varinhas ergueram a barraca quê, por fora, não abrigaria nem ao menos duas pessoas, quando mais cinco adultos e dois adolescentes. 

— Eu adoro magia. — Dallas murmurou ao entrar na tenda e ver que por dentro esta era enorme e uma réplica perfeita da casa dos Gordon. 

A primeira ordem do dia após depositar a sua mochila no quarto em que iria ficar, foi sair com Patrick pelo acampamento e procura de rostos conhecidos, conversar com desconhecidos, descobrir o quanto o mundo mágico era vasto e cheio de coisas novas para aprender. Durante o passeio, Patrick e ela encontraram alguns colegas de escola, Dallas conversou com um grupo de bruxos franceses e ganhou de ávidos torcedores irlandeses chapéu e cachecol com as cores do país. Alguns jovens torcedores búlgaros soltaram assobios para ela quando ela passou pelo grupo e Dallas os respondeu com um brilhante sorriso e uma ofensa que resumiu-se a mão erguida em um punho fechado, com somente o dedo do meio levantado. Os torcedores riram da ousadia dela e lhe mandaram beijos enquanto Dallas era arrastada para longe do grupo por Patrick, e só pararam quando trombaram com outro grupo de bruxos bem familiar.

Draco Malfoy estava acompanhado de Crabbe e Goyle, suas sombras fiéis, e os olhos cinzentos e largos mostravam clara surpresa por vê-la ali.

A relação de Draco e Dallas continuava tensa desde a fatídica descoberta que ambos fizeram no ano anterior. Os dois sonserinos evitavam se falar, de reconhecer o novo status entre eles que ia além de meros colegas de casa e, cada vez que os seus olhos encontravam-se ao cruzarem um pelo outro nos corredores de Hogwarts, eles desviavam o olhar, embaraçados demais, sem jeito sobre como reagir àquele momento. 

— Winford. — o cumprimento veio em uma voz grave e arrastada. Parecia que a puberdade tinha alcançado Draco, pois ele também estava mais alto e com o rosto menos pontiagudo. 

— Malfoy. — Dallas respondeu em igual tom e então silêncio os rodeou por uns segundos antes de Draco continuar. 

— Minha mãe gostaria de convidá-la para jantar conosco, hoje, na tenda dos Malfoy. — Draco parecia ter engasgado nas palavras, pelo modo como o rosto dele ficou vermelho e o nariz contorceu de puro desgosto. Era óbvio que a ideia de Dallas ir jantar com eles não o agradava em nada.

— Jantar? Com os seus pais? — a insinuação não deixava dúvidas para um bom entendedor. Draco e Narcissa estavam drogados se achavam que Dallas iria jantar com eles e Lucius Malfoy. Ela já enfrentava ostracismo e desprezo o suficiente na casa dos Winford, graças a Meredith e aos gêmeos, não precisava viver o mesmo cenário desagradável durante um momento de suas férias de verão que tinha tudo para ser memorável. 

— Meu pai estará em uma reunião com alguns associados do Ministério, seremos somente nós três. — Draco explicou e Dallas queria dizer não, estava na ponta da língua a negativa, a vontade de cortar qualquer laço com Narcissa antes mesmo que este começasse mas, ao mesmo tempo, ela estava curiosa para conhecer a mulher que assumiu o posto de mãe em sua vida sem nunca ter pedido à Dallas permissão para isto. 

— À que horas é o jantar? — perguntou e viu os ombros de Draco arriarem em completo alívio. Aparentemente ele esperava uma negativa dela e não estava disposto a levar a notícia desagradável para Narcissa. 

— Às dezenove horas. A nossa tenda está no setor B, lote trinta e nove. 

— Okay, estarei lá. 

 

oOo

 

— O que foi exatamente aquilo? — Patrick exigiu saber quando eles retornaram à barraca dos Gordon após o encontro deles com Draco Malfoy, e a arrastou para o seu quarto para começar o inquérito. Dallas suspirou, foi até a porta do quarto para ouvir os sons emanados ao longo da casa, ter certeza onde cada um estava e se estavam longe o suficiente para não testemunharem aquela conversa. Pietro e Annabeth ainda estavam na cozinha, preparando o almoço, e Aurora, Liam e Judith tinha ido passear pelo acampamento, a procura de velhos amigos, companheiros de trabalho e companheiros torcedores. 

Quando deu-se por satisfeita, ela fechou a porta do quarto e voltou a sentar de frente para Patrick, ao pé da cama. 

— Lembra da minha mãe bruxa aparentemente desconhecida? 

— Sim… — Patrick respondeu com desconfiança. 

— Ela é Narcissa Malfoy. 

— Como é?! — o garoto sibilou entre os dentes e Dallas suspirou de forma longa e cansada e narrou para ele o que descobriu durante a detenção com Draco, no ano anterior, das correntes idênticas que ambos tinham, com um narciso entalhado no pingente com o porta-retrato, e em como Amélia lhe contou a verdade quando confrontou a avó no início das férias. — Na verdade, isso não é um método pouco usado. — Patrick disse ao final do relato dela. — A sociedade mágica ainda tem muitas tradições e costumes quê, comparadas a sociedade trouxa, nos coloca ainda em séculos passados. Casamentos arranjados, segurança da linhagem sangue-puro, e infidelidade e filhos bastardos são algumas dessas questões. Casamentos arranjados entre os sangue-puros não é mais um hábito recorrente, mas ainda é um hábito e geralmente são casamentos infelizes, o que leva à infidelidade, o que leva a filhos bastardos que ainda são bruxos e portanto não serão largados à própria sorte desta maneira. Normalmente eles ganham nomes não relacionados ao pai ou a mãe, são enviados para lugares distantes sob os cuidados de tutores e amas, educados dentro das mais distintas tradições e leis mágicas, alguns crescem sem nunca saberem sobre a sua verdadeira origem, outros crescem ressentindo os pais que os abandonaram, gerando escândalos dentro dessas famílias tão distintas, mas tão falsas. 

— O que seria o meu caso se Amélia não tivesse intervido. 

— Alguns estudos dizem que apesar de não formarem bandos como outros seres mágicos, veelas não são criaturas solitárias. Para elas, o laço de sangue é essencial, está acima de tudo e todos, não importa qual seja a origem deste laço. — isso poderia explicar a razão de Amélia protegê-la tanto, além da razão que ela lhe deu quando perguntou porque a avó resolveu assumi-la mesmo sabendo o escândalo que seria para a família Winford. Isto também explicava porque, apesar de enfurecê-la na maior parte do tempo, Dallas ainda sim sentia uma constante necessidade de mudar Draco, de transformá-lo em algo melhor, porque tinha medo que o caminho que ele seguia no momento só fosse levá-lo à ruína. 

— E agora Narcissa Malfoy finalmente tomou vergonha na cara e resolveu me conhecer ao invés de mandar presentes de forma misteriosa. 

— E você disse sim. — Patrick atestou e isto fez a realidade finalmente alcançar a mente de Dallas.

Ela disse sim ao convite de Narcissa. E agora? Como exatamente iria reagir neste jantar? O que dizer? Como se comportar quando havia uma mistura de sentimentos revirando dentro do estômago dela? Por um lado havia a excitação por finalmente conhecer a sua mãe, algo que ela nunca pensou que iria sentir porque até chegar em Hogwarts, a sua mãe não era um assunto prioritário em sua vida já devidamente atribulada, mas, por outro lado, havia a raiva por querer conhecer a mulher que foi fonte dos principais insultos que recebeu durante anos porque, por alguma razão estúpida, a sua versão mais jovem achava digno defender a honra de Narcissa simplesmente porque esta era a sua mãe. Mais tarde Dallas aprendeu que era um esforço inútil, que isto apenas geraria mais insultos. E por que ela perdia o seu tempo defendendo a honra de alguém que não conhecia e, até onde sabia, os seus colegas poderiam estar certos em suas ofensas?

Portanto, às 18:30, ela deixou a barraca dos Gordon, já cientes de que Dallas jantaria com um colega sonserino, trajando as vestes mais formais que pôde encontrar (um vestido de alças e sandálias) e tomou o rumo da área B do acampamento. Percebeu, à medida em que ia avançando para o setor B, que o acampamento era dividido por classes sociais. Literalmente por classes sociais, pois quanto mais próximo chegava a tenda dos Malfoy, o que mais notava ao seu redor eram tendas igualmente grandiosas e luxuosas. Não eram do tamanho de uma mansão, mas eram grandes como uma casa de subúrbio, o que deixava a entender que o seu interior deveria ser o quádruplo de tamanho que o seu exterior. A tenda dos Malfoy não parecia ser de lona, ou se era, magia estava trabalhando sobre o tecido para fazê-lo parecer com paredes de pedra, e ela tinha janelas altas com vitrais e entrada com uma gigantesca porta dupla de madeira com o brasão da família. 

Dallas ergueu o punho para bater na porta que parecia absurdamente sólida, mas antes que pudesse fazer qualquer coisa, esta abriu como se por magia. Ou melhor, graças a um elfo doméstico que mal chegava aos seus joelhos. A criatura, como todas de sua espécie, vestia um trapo qualquer que chamava de roupas, um pedaço de lençol florido e amarelado, amarrado em torno de seu corpo pequeno e magro com um pedaço de corda, como uma toga. Os seus olhos grandes eram castanhos e lacrimosos, e ele tinha tufos despenteados de cabelo castanho no topo da cabeça oval. 

— Lady Malfoy a aguarda. — o elfo, elfa, se aparência e a voz esganiçada fosse alguma indicação, declarou. — Tipsy a leva para Lady Malfoy. — e Tipsy saiu do beiral da porta, dando passagem para Dallas que seguiu a elfa pelo grandioso hall de entrada, subiu uma escadaria de mármore e então pararam em uma ante-sala de espera atrelada a sala da jantar. Draco já estava no local, largado sobre um sofá de couro, com um livro apoiado nos joelhos e um ar de enfado. — Tipsy vai chamar Lady Malfoy. — e Tipsy desapareceu após este aviso. 

Draco largou o livro sobre a mesa de centro, mas não deixou o sofá para vir cumprimentá-la, como as boas regras de etiqueta mandavam. Dallas permaneceu parada onde Tipsy a deixou, desconfortável demais com a situação para mover um músculo que fosse e forçando todo o seu ser a permanecer ali, porque a vontade que tinha era de sair correndo e desistir de toda aquela loucura. De forma involuntária, os seus olhos correram pelo ambiente a sua volta. Se o interior da tenda era uma réplica do que era a verdadeira Mansão Malfoy, Dallas não saberia dizer com certeza, pois ela nunca que iria conhecer a casa da família, mas suspeitava que este fosse o caso. O lugar, obviamente, era antigo, passado de geração para geração, com um contraste de mármore branco e negro, móveis de couro e molduras de prata, criando ambientes escurecidos e com um tom macabro. Um esforço de decoração exagerado para uma simples tenda de uso esporádico, então tinha que ser uma réplica da casa dos Malfoy, era a pura lógica.

— Dallas. — alguém ofegou o seu nome às suas costas e Dallas hesitou um segundo antes de virar. Quando o fez, lá estava Narcissa Malfoy, ao pé da escada, com um sorriso no rosto bonito e o cabelo loiro bem penteado. Os fios não tinham o mesmo tom platinado que os de Draco, eram mais dourados, mas muito bem cuidados. Os seus olhos eram azuis claríssimos e ela era alta e esguia e usava roupas formais, o que fez Dallas sentir-se mal vestida, mesmo que a peça que usasse tivesse custado quinhentas libras no Harrods. O salto dela fez um clique-clique suave no piso frio quando ela aproximou-se de Dallas e Narcissa ergueu levemente os braços, na intenção de um abraço, mas em um gesto reflexo, Dallas recuou para afastar-se do toque, o que fez a mulher parar a meio caminho de sua intenção de tocar a menina. 

Dallas sentia que o seu coração iria fugir pela sua boca, diante de tamanha força com que ele batia em seu peito. A vontade de sumir dali, aparatar para longe, mesmo que não soubesse aparatar, tomou conta de cada molécula que constituía o seu ser. Narcissa tinha a expressão de quem não podia acreditar no que acontecia e ao mesmo tempo aquele era o melhor momento de sua vida, os lábios vermelhos estavam levemente torcidos em um sorriso maternal e os olhos claros estavam marejados. Dallas lançou um olhar para Draco, por cima do ombro, e viu que ele tinha uma expressão constipada. A expressão de quem não sabia exatamente o que sentir ao presenciar aquela cena. 

— Dallas. — havia uma súplica na forma em como Narcissa disse o nome de Dallas. Uma súplica e um tom de reverência e quando a mulher ergueu novamente a mão para tocá-la, Dallas permaneceu estática e um segundo depois as pontas dos dedos de Narcissa tocaram as suas bochechas, em um gesto hesitante, como se ela temesse que a menina desaparecesse em um único toque. — Todos os pedidos de desculpa do mundo não serão capazes de desfazer o que eu fiz, as minhas decisões irão me consumir por toda a eternidade, a culpa sempre irá me corroer por dentro, de forma silenciosa, como um câncer, mas você precisa entender uma única coisa: tudo o que eu fiz, foi para proteger você. — Narcissa ergueu os olhos do rosto de Dallas e mirou Draco, para quem estendeu um braço, o chamando para mais perto. Draco demorou um segundo antes de ceder ao pedido da mãe e aproximou-se o suficiente para ela segurar-lhe a mão e puxá-lo para o seu lado, olhando de um adolescente para o outro. — Tudo o que eu faço é sempre para proteger vocês. 

Dallas não sabia exatamente como reagir. Havia sinceridade no rosto de Narcissa, em seus olhos brilhando pelas lágrimas não derramadas, no toque temeroso das pontas dos dedos dela em sua bochecha, no modo como ela sorria, implorando para que Dallas a entendesse, ao menos a entendesse. Narcissa não pedia perdão pelos seus atos, apenas pedia que Dallas compreendesse as suas razões. 

— Okay. — Dallas declarou. Ela podia fazer isso, oferecer à Narcissa o benefício da dúvida, e Narcissa alargou o sorriso ao perceber que no momento isto era o máximo que obteria da garota, mas era o suficiente mesmo assim. 

— Draco me passou o seu recado. — a mulher declarou e retirou do bolso das vestes o cordão que Dallas tinha mandado Draco devolver para ela. — Confesso que não era bem assim que eu queria que você descobrisse a verdade. Que vocês dois descobrissem a verdade. — ela falou, olhando de um filho para o outro. — A minha intenção era contar tudo em um ambiente calmo, como este, mas parece que esta oportunidade foi perdida. — ela não ofereceu o cordão de volta a Dallas, somente apertou este dentro do punho fechado e com um sorriso fraco mudou de assunto ao dar um relance para a copa. — Parece que o jantar está servido, vamos? — convidou ambos e dirigiu-se à sala de jantar, onde acomodou-se à cabeceira da mesa com Draco à sua direita e Dallas à sua esquerda. 

A comida que havia nas travessas era digna de um banquete, não algo para saciar somente três pessoas. Talvez tivesse sido uma boa ideia ela ter aceitado a proposta de Patrick de lhe fazer companhia. Estava precisando de um apoio moral naquele momento, porque sentia-se tão desconectada da realidade, sem saber como reagir direito à aquele cenário, que a presença sólida e confiável do amigo ao seu lado, para servir-lhe de alicerce para aquela realidade, teria sido bem vinda. 

— Desculpe-me se parece muita coisa. — Narcissa disse, a perfeita anfitriã. — Mas eu não sabia qual era o seu prato favorito…

— Por que não perguntou a grand-mère? — Dallas a interrompeu.

— Como? — Narcissa disse em um ofego. 

— Por que não perguntou a Amélia? — ela repetiu com algo quente começando a borbulhar dentro de seu peito e então percebeu que era raiva. Os seus dedos fecharam com força no cabo dos talheres e ela lançou um olhar raivoso para Narcissa. — Você parece saber tanto da minha vida para alguém que decidiu me deixar para trás. — Narcissa ficou pálida. — Se eu era uma vergonha, por que simplesmente não livrou-se de mim antes que eu me tornasse um fardo? É uma mulher rica, com condições o suficiente de fazer um aborto sem ninguém saber de nada e então não estaríamos aqui hoje, não é mesmo?

— Dallas… — Draco sibilou o nome dela em um aviso. 

— Você não tem moral para me repreender, Malfoy! — ela rebateu de forma venenosa. — Você com a sua família perfeita, os seus pais amorosos, que fazem tudo o que você quer, basta você estalar os dedos e resmungar para eles as suas contrariedades. Sabe o que eu tive como pai? Ninguém! Mãe? Não vamos começar a listar agora as humilhações que eu sofri, por anos, por causa de uma mãe que me abandonou. Os boatos eram vários. Era uma empregada, uma prostituta, uma vagabunda qualquer querendo dinheiro e que não conseguiu. Uma ralé de baixa classe que deixou a filha vira-lata dela para ser criada dentro do seio da tradicional família Winford, para ver se a menina ganha algum pedigree. Lá vai Dallas Winford, a bastardinha, a esquisitinha, a vergonha da família! Por que ela não foi afogada no lago? Por que não a largaram no orfanato? Por que ela não foi abortada? Por que… — Dallas sentiu o seu corpo ser puxado com força para fora da cadeira e então estava sendo abraçada com força por Narcissa. 

Os braços magros e poderosos dela estavam contra as costas de Dallas, a apertando e escondendo o seu rosto molhado pelas lágrimas de fúria que ela nem ao menos sentiu escorrer pelas suas bochechas. 

— Eu te odeio! — Dallas soltou de forma abafada e chorosa, para sua completa vergonha. Há anos que não perdia a compostura deste jeito.  — Eu te odeio tanto!

— Eu sei. — Narcissa respondeu, com a voz embargada e acariciando as mechas castanhas do cabelo da menina entre os dedos. — Eu sei, e eu sinto muito. Eu… — ela hesitou antes de vagarosamente afastar Dallas de seu corpo e olhá-la nos olhos. — Você perguntou por que eu simplesmente não a abortei, certo? — continuou e guiou a garota de volta a cadeira, a sentando nesta e ajoelhando-se no chão em frente à ela. As mãos trêmulas e geladas de Dallas continuava entre as dela e Narcissa as apertou em um gesto de conforto. — Porque eu não pude. Ser mãe é algo que eu nasci para ser e o meu único erro foi trair Lucius em um momento de raiva e confusão. Mas eu não me arrependo e não considero erro algum ter decidido prosseguir com a gravidez. Mas, Dallas, você sabe quais são as regras sociais para pessoas como nós. Lucius poderia tê-la assumido como filha dele? Poderia. Você seria criada como uma Malfoy, mas a sua verdadeira origem não seria segredo para ninguém e a história seria a mesma. Aparentemente a elite mágica e bruxa não se diferem. Você sofreria o mesmo ostracismo aqui que sofreu sendo uma Winford. Só que eu não sabia disto na época em que concordei com Amélia em te entregar para ela, a minha ignorância me fez acreditar que você teria uma vida diferente entre os trouxas, diferente do que teria se vivesse ao meu lado. Talvez a melhor opção tenha sido o plano original de criá-la longe disto tudo, mas Amélia insistiu e eu achei que assim seria melhor. Você teria uma identidade, teria um nome, uma história nas suas costas. As escolhas que Amélia e eu fizemos foram pensando no melhor para você. Infelizmente as coisas não saíram exatamente como planejamos, não é mesmo?

— As coisas não saíram nem perto do que vocês planejaram. — Dallas resmungou entre lágrimas e sentindo-se envergonhada por ter desabado daquela maneira, principalmente em frente a Draco que em algum momento iria usar isto contra ela, era uma certeza. 

— Eu sinto muito. — a voz de Draco a surpreendeu e quando deu um relance para o garoto, viu que ele estava mais pálido que o usual e com os olhos largos e curiosamente brilhantes. Brilhantes com lágrimas. Dallas riu. Eles eram uma família emocionalmente patética. — Se eu soubesse o que você passou…

— Não faria diferença. Potter teve uma infância tão ruim quanto a minha e você não perde a oportunidade de humilhá-lo. — a menção de Harry Potter fez toda e qualquer compaixão sumir do rosto de Draco. 

— E isto não muda o fato de que ele tem um ego inflado, não é mesmo? Se achando o herói do mundo mágico e muito melhor do que todo mundo…

— Ele é o herói do mundo mágico! — Dallas enfatizou. Os feitos que Potter carregava nas costas só nesses primeiros anos de Hogwarts tornava a fama dele sem precedentes. O grifinório era uma daquelas pessoas que simplesmente nasceram para serem as salvadoras do mundo, querendo ou não. 

— Por que caralho você sempre o defende?! 

— Draco! — Narcissa advertiu o filho diante do palavrão, mas foi prontamente ignorada. 

— Está apaixonada por ele ou coisa parecida? — ele completou e qualquer retórica de Dallas foi engolida por ela diante do choque desta acusação. 

— Não! — Dallas finalmente conseguiu dizer. — Claro que não! — repetiu, apenas para ter certeza, e não gostou nada do sorriso sábio que viu no rosto de Narcissa quando ela se afastou, soltando as suas mãos e deixando para trás, preso entre os seus dedos, o pingente com a sua foto de bebê. Mulher esperta e ardilosa. Talvez a sua herança sonserina não viesse somente de Amélia, não é mesmo?


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