A Peregrinação Sombria escrita por moypietsch


Capítulo 4
Capítulo 3 - A Peste Negra


Notas iniciais do capítulo

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Paulo e Naftália agora se dirigiam para o porão do antigo castelo da cidade. Ele ficava perto da entrada e por algum motivo ninguém se incomodava quando visitantes passavam por perto. Obviamente, a entrada para a parte principal estava cercada de guardas, e, pensando consigo mesmo, Paulo imaginou que provavelmente se ele passasse por todos os soldados enfileirados ele chegaria até a sala do trono, sendo possível conhecer um rei de verdade, daqueles filmes de fantasia que assistimos em um sábado à tarde. A portinhola que dava para escadaria estava escancarada, um número considerável de pessoas devia passar por ali todos os dias para acessar o próximo . Logo após dela, havia uma escadaria que dobrava para a esquerda, não era possível ver até onde ela descia e ela estava muito escura para se entrar sem nenhum tipo de iluminação.

— Você tem alguma lanterna? - perguntou Paulo.

— Não podemos levar aparatos tão complexos entre os nósSe por exemplo decidíssemos levar um celular conosco para um lugar rústico como esse, o que você acha que as pessoas fariam? Estaríamos neste exato momento sendo queimado como bruxas, estariam fazendo sabão com nossas entranhas. Há objetos mais leves e que passam despercebidos entre qualquer lugar. A bússola, por exemplo, é um deles. Normalmente, os coletores levam alguns objetos padrões consigo. Esse aqui é tipo um lampião, só que ele não precisa de nenhum tipo de gasolina. - Ela tirava do seu bolso algo parecido com uma lamparina antiga. O objeto era feito de um metal antigo, e dele saía uma luz roxa e fraca, mas que ia aumentando conforme a escuridão crescia. A claridade que emanava do aparato era um pouco estranha, ela parecia vir de alguma pedra que estava no centro em algum suporte de vidro.

— Nossa que legal! Mas como você sabe o que é um celular?

— Ah! Mas você não sabe de nada mesmo! Eu sou, assim como você, uma coletora; conheço um pouco de uma grande variedade de objetos de diferentes nós. Alguns smartphones do seu mundo já vieram parar nas minhas mãos. Eles são extremamente úteis, é só uma pena não poder levá-los para todo lugar.

Paulo agora se lembrava de suas coisas, de seu celular, de seu quarto, e de sua família. Ele passou todos esses dias tentando reprimir seus sentimentos, tentando esquecer do abandono de sua mãe. Isso já havia acontecido antes com seu pai, que havia viajado para outro país e nunca mais voltado. Por isso, ele havia aprendido a confiar totalmente em sua mãe que agora o havia deixado da mesma forma. Ele, sem dúvida, superaria tudo o que estava passando mais cedo ou mais tarde, mas agora não havia tempo. Era necessário que sua missão fosse cumprida para que ele tivesse dinheiro para se sustentar até descobrir como voltar para casa. Não que ele quisesse voltar para ver sua mãe novamente, mas ele ainda poderia ver seus avós e amigos que o ajudavam tanto.

Os dois entraram na portinhola que levava para o subsolo do castelo. Os degraus eram muito pequenos, e os dois precisavam tomar muito cuidado para não tropeçar porque tudo era muito íngreme. Paulo ia indo muito devagar, ele ainda estava muito aéreo pela quantidade de coisas que estava sentindo. Naftália, percebendo seus devaneios constantes, tentou puxá-lo de volta para a realidade:

— Você está bem? - ela perguntou em um tom muito gentil.

— Estou sim, só estou preocupado com minha corujinha Lusi. Ela fica tendo esses pesadelos constantes enquanto está no meu bolso. Ela parece ser muito frágil, tenho medo que morra de algum ataque cardíaco ou algo parecido se acabarmos a assustando enquanto dorme.

— Deixa eu ver a sua coruja. - Paulo a tirou cuidadosamente do bolso para que não acordasse. - Ela é uma coruja-serra-afiada; de fato ela é bem frágil, mas seus pesadelos podem indicar que ela não é uma coruja comum. Normalmente, só os animais mais inteligentes que têm esse tipo de problema, como pesadelos e ansiedade. Só uma mente muito complexa é capaz de ter tantas preocupações. Se eu fosse você ficava com ela, ela parece estar precisando muito de companhia.

No fundo da escadaria era possível perceber uma enorme grade de ferro, que bloqueava a passagem para um vaso de girassóis. Ela ia do chão até o teto, e aparentemente, não havia nenhuma marca na parede que indicava que pudesse ser movida nem para trás ou para frente.

— Ih! Estamos enrascados... - disse Naftália - Isto não costumava ficar aqui, o rei deve ter finalmente percebido o vai e vêm que acontece no porão sujo do castelo dele e mandou construir isto daqui. Não tenho a mínima ideia de como vamos passar. Acho que tem alguma entrada por outro parte do castelo, mas vamos precisar invadir para conseguir entrar. Bom, esse é sua primeira tarefa como coletor, e é importante que você saiba tipo de coisa acontece o tempo todo. Vamos ter que dormir aqui até conseguirmos um jeito de entrar. Se chamarmos muita atenção, o rei pode simplesmente destruir esta parte do castelo. Aí teremos que andar por cerca de vinte nós para chegar aonde queremos. É melhor acharmos uma pousada para descansar, aí amanhã vemos o que podemos fazer.

Os dois foram até uma pousada relativamente próxima do castelo. Naftália parecia já conhecer tudo por ali, por isso, já se aproximou calmamente do balcão pedindo por um quarto para os dois, ela demonstrava muito mais segurança do que Paulo em tudo o que fazia.

— Quero um quarto para mim e para este menino aqui. Duas camas, por favor.

— Ah vejo que tem companhia! - respondeu o balconista - Ele é seu irmão?

— Não se meta Fô. Ele é só um amigo.

Era muito bom ter ela por perto, porque até um lugar confiável ele havia conseguido para passar a noite; imagine a quantidade de esforço que seria necessário para aprender tudo aquilo em pouco tempo. Paulo havia se dado muito bem; porém, ele ainda sentia falta de um amigo. A menina, mesmo o ajudando, não havia formado laço nenhum com ele, a relação deles era ainda de puro coleguismo pela profissão, nada profundo e verdadeiro.

Os meninos foram até um quarto que ficava no segundo andar; primeiro, Naftália entrou, abrindo a porta para Paulo que a seguia atrás. O lugar era bem pequeno, havia duas camas e uma janela bem pequena, que não tinha como ser fechada. Tudo era extremamente simples: as camas eram de madeira e os colchões e travesseiros eram feitos de palha, e a única coisa que tapava a janela do lado de fora era uma cortina muito velha e rústica. A estrutura do prédio, obviamente, era feita de uma alvenaria muito tosca, e Paulo ficava se perguntando se poderia pegar algum tipo de doença de Chagas passando a noite ali.

A menina jogou as suas coisas no chão próximo a cama da esquerda e se atirou para dormir.

Eles estavam de fato na idade média, pensou Paulo. Ela não iria nem escovar os dentes ou colocar um pijama, havia se atirado de roupa e tudo para ir dormir. O menino pediu licença e foi se trocar em uma dispensa do andar debaixo, ele colocou uma segunda roupa que havia comprado justamente para dormir no dia anterior. Depois disso, pediu um balde para escovar os dentes com uma escovinha que ele mesmo havia fabricado e foi dormir. Sua noite foi terrível, teve insônia e acabou acordando umas três horas da manhã; agora, quem o protegia era a coruja, que estava vigilante na janela. Ela, certamente, não poderia fazer muita coisa contra qualquer inimigo que se aproximasse, mas avisaria quem estivesse chegando para roubar as suas coisas.

Paulo passou a mão sobre a cabeça de Lusi, que agora estava a procura de um rato para comer.

— É, minha amiga, estou tendo pesadelos também. - Lusi pousou em seu ombro novamente e esfregou a cabeça em sua bochecha, como se quisesse consolar o menino.

— O que vocês estão fazendo? - perguntou a menina que havia acordado com a conversa dos dois - Não está conseguindo dormir? Eu posso cantar uma canção que sempre me acalma em noites assim. Se não for incomodo, é claro. - Paulo assentiu, e ela começou a cantar uma música muito triste, sobre uma garota que havia se perdido em uma floresta e de que havia encontrado uma velha coruja para o ajudar. A canção era muito parecida com o que estava acontecendo com o garoto, Paulo notou isso, e deixou-se levar pela linda voz de Naftália:

Me perdi nesta floresta, e sozinho me encontrei

O que vou fazer agora? Meu destino já selei

Só me resta vagar por aí, sem rumo ou direção

Mas que bom que tenho você, minha amiga

Para me dar a proteção

A música fez o menino se sentir compreendido, fê-lo refletir que não estava sozinho, tinha sua velha amiga coruja para ajudar no que quer que precisasse. E quem sabe, talvez, se tornaria amigo de Naftália também, só o tempo diria.

Paulo acordou cerca de oito horas, Natfália já estava de pé fazendo algo que o menino não entendeu. Ela estava passando um pedra em uma faca, só que não era uma de amolar comum, e sim algum tipo de cristal azul parecido com o do lampião, este, por sua vez, estava mais desgastado que o da lamparina porque provavelmente era usado constantemente.

— O que está fazendo? - perguntou Paulo.

— Estou conservando essa espada. Essa pedra especial faz as estragaram mais devagar, deixando os objetos mais imunes a água, ferrugem etc.

Todas aquelas informações pareciam vir de um mundo antigo de RPG. Paulo viraria um mago naquele exato momento se pudesse, porque eles costumavam ser muito fáceis de upar e eram extremamente poderosos. O menino ficou um boa parte do dia devaneando sobre como acharia objetos mágicos e de como seria adorado em todos os nós possíveis por garotas bonitas.

Eles chegaram por volta das dez horas na frente do castelo. Havia vários soldados enfileirados e uma passagem entre eles para se entrar nos corredores em direção a sala do trono. Talvez, fosse mais fácil pedir emprego como copeiro ou cuidador de cavalos, pensou Paulo; assim, eles poderiam entrar de fininho na parte do subsolo do castelo.

Natfália apertou o passo e foi andando em direção ao caminho que supostamente levava à sala do trono. Ela começou a andar muito depressa e de forma decisiva para mostrar aos guardas que tinha um motivo específico para estar entrando no castelo. Funcionou. Os dois entraram e seguiram para o final do corredor. No piso, havia um tapete vermelho, e nas paredes, era possível ver vários suportes de tochas espalhados que eram alternados por vitrais coloridos, que possuíam diferentes tipos de desenho. Alguns representavam grandes batalhas, outros eram imagens divinas. Obviamente, nenhuma era cristã, apenas divindades aleatórias que Paulo não conseguiu reconhecer de forma nenhuma.

No final do corredor havia uma outra porta; Naftália simplesmente a abriu, andando em direção à um balcão que havia no canto da sala. Quem estava sentado nele era uma espécie de escrivão. Paulo sabia que papel e escrita eram muito raros na idade média, então aquele deveria ser algum oficial importante do castelo.

— Viemos aqui matar os ratos - disse Naftália.

— O que? — sussurrou Paulo - Que ratos menina? Precisamos achar discretamente a entrada para o subsolo.

— Fica quieto - ela respondeu no mesmo tom de voz - É assim que vamos entrar no castelo. Eu vi um panfleto que dava dinheiro para quem quisesse exterminarmos os ratos do porão.

— Ah bom! Você podia ter me avisado antes pelo menos...

— Olá, senhor escrivão. Estamos aqui para exterminar os ratinhos que estão lhe incomodando

O escrivão olhou com certo desprezo para as crianças. A época industrial ainda não havia chego naquele lugar, então não era muito comum crianças trabalharem longe dos pais, sozinhas.

— Ah, nem vi vocês chegando. - o escrivão fitava os dois com um pouco de dúvida e indiferença - Vocês sabem que este é um trabalho bem difícil, né? A doença sombria está pegando todo mundo. Normalmente, quem aceita esse tipo de trabalho são pessoas desesperadas. Tem certeza que quer esse emprego menina? O reino tem estado bem produtivo ultimamente, vá lá plantar algumas batatas.

—Não temos o que comer, por favor! - a menina mentia descaradamente. O rapaz que estava no balcão voltou a olhar para os dois ainda com certa desconfiança.

— Tá eu posso dar o emprego para vocês. Entretanto, só receberam o dinheiro quando voltarem pela parte de fora do castelo. Não quero vocês perto de mim quando voltarem.

Doença sombria, doença sombria... Isso era deveras familiar para Paulo. Onde que ele tinha ouvido isso antes? A idade média tinha sido tomada por algum tipo de doença e... Ah sim! O menino deu uma pequena movida para trás.

— A peste negra! - falou Paulo consigo mesmo.

— Cala boca! As pessoas não gostam de falar isso em voz alta. Todos estão tentando não se lembrar desta doença que tem matado muitos aqui nesse , não tem necessidade de ficar repetindo algo que todos estão tentando esquecer.

— Sim, mas se essa doença for a que aconteceu anos atrás no meu , é muito fácil de resolvê-la, basta só mostrarmos a este povo o que eles precisam fazer. Dá pra fazer um remédio apenas com fungos.

— Não temos tempo para isso. Precisamos passar por aqui o mais discretamente possível.

Assim, Paulo e Naftália iam para a outra escadaria do castelo, armados de pequenas lanças que supostamente seriam usadas para matar os ratos que encontrariam pela frente.

 


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