Capítulo Um

Se alguém fosse estudar, iria descobrir que o início do legado da família Vess na Inglaterra começara em meados de 1800, quando o charlatão Robert de Vise, de sangue bruxo puro, porém moral duvidosa e poucos bens, casara-se com a bela e rica holandesa Lotte Visser, a única herdeira de uma linhagem de bruxos aristocratas tradicionais dos Países Baixos. Ninguém soube dizer o que exatamente atraíra Lotte a Robert, considerando a triste reputação do rapaz, mas o fato é que a jovem bruxa caíra de amores pelo britânico quando o conhecera em uma viagem a Londres. O casamento aconteceu três meses depois e um ano mais tarde, veio o primeiro herdeiro.

A semelhança entre os nomes de De Vise e Visser, unida à dificuldade de pronúncia dos nomes de som tão estrangeiro, causara uma pequena confusão no cartório, fazendo que o registro do primogênito do casal viesse como Roger Robert Viss. Em algum momento ao longo dos anos, um novo erro em cartório dera origem à linhagem Vess, e, assim, do nada, de um pingo de tinta no lugar errado ou de um escrivão desatento nasceu o sobrenome que viria a ser um dos mais importantes do mundo bruxo.

Séculos depois do casamento de Robert e Lotte, a família Vess triunfara na Inglaterra. Geração após geração, os Vess fizeram sucesso comandando com excelência um império de fabricação de poções. Tinham os melhores bruxos e alquimistas trabalhando em seus laboratórios, haviam patenteado trilhares de receitas importantes para os praticantes de magia. Famosos também pela severidade e rígida tradição de pureza do sangue - um Vess só se casava com um Vess, fosse este primo, tio, ou, espantosamente, até irmão -, estiveram próximos de todas grandes famílias de magos, de todas as índoles e inclinações sociopolíticas. Parecia que nada os abalava. Nunca se envolviam diretamente em conflitos, e, até mesmo com o retorno e subsequente derrota de Voldemort, que trouxe abaixo tantas grandes famílias bruxas, mantiveram o status intactado--nada foi encontrado que pudesse recriminar a família Vess, e assim por muito tempo mantiveram o status de imparciais verdadeiramente intacto. Isto é, até o incidente pavoroso em 2016 que mudará o curso da história da família para sempre.

E, é claro, diretamente envolvido na queda dos Vess, estava ninguém menos que Harry Potter.

Fora Potter, auror, que liderara a missão que levara à prisão de Helena e Darius Vess, no final de 2016. Fora Potter quem primeiro suspeitara da conexão entre a família e os terríveis atentados terroristas que vinham acontecendo no mundo bruxo nos últimos anos - bombas explodindo prédios gigantes, sem deixar vestígios para serem rastreados; bombas que, eventualmente, foram descobertas serem feitas por meio de misturas mágicas criadas pelas Indústrias Vess.

Fora Potter que levara o casal para Azkhaban, sem saber, ou, mais provavelmente, sem se importar, que deixavam para trás uma pequena garota de cabelos claros. Uma menina de apenas onze anos, prestes a iniciar as aulas e frequentar uma escola de bruxos pela primeira vez na vida, uma menina para quem o mundo virou de ponta cabeça no pior momento possível.

Mas Asher Vess jamais culpara o famoso bruxo pela reviravolta que sua vida sofrera.

Todos os Vess que sobraram culpavam. Mas não Ahser.

Levada para morar com os tios, Asher escutara, em silêncio, por meses sobre como o Potter de alguma maneira armara para os pais da menina. Sobre como aquilo não podia estar acontecendo. Sobre como a justiça do mundo bruxo era falha.

Mas Asher sabia a verdade.

E Asher odiava os pais.

Ou, ao menos, queria muito odiar.

A culpa era deles. Só deles. Aqueles atentados... Todas aquelas pessoas mortas... Asher não conseguia entender. Seus pais sempre haviam sido distantes, muito ocupados, mas ela jamais poderia adivinhar que estariam ocupados com coisas tão perversas. Sua mente de criança tentava e tentava, mas não conseguia entender, então decidiu que não falaria mais deles, nunca mais.

A culpa de tudo de ruim que estava acontecendo era deles, e Asher não os perdoaria por isso.

Seu nome saíra no jornal, mas em poucas ocasiões. Felizmente, ainda tentaram preservar um pouco a criança.

Asher Letitia Vess, era assim que se chamava. Nascida em uma tormenta no quinto dia de outubro de 2006. Fora um parto turbulento que deixara sua mãe para sempre infértil, e Asher achava que a mãe também jamais a perdoara por isso. Era claro o quanto gostaria de poder ter tido outros filhos.

Asher recebera este nome por conta dos seus cabelos. Ela nascera pequena, mas com uma vasta cabeleira loura acinzentada cobrindo o rostinho de bebê. Com os anos, o cabelo escurecera alguns tons, mas ainda mantinha o louro cinza que rendera seu nome. Tinha olhos grandes e de um verde gélido. Seu rosto era pálido, raramente tinha alguma cor, mesmo nos dias mais quentes, e o formato alongado do queixo combinado às bochechas altas lembrava um coração. Fora uma bebê encantadora, uma criança bonita, mas sempre muito solitária e quieta.