Segredos Ilícitos escrita por lohanacarter, Avalon Ride


Capítulo 5
Capítulo 5 — Beijo




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Eu não recebi uma resposta imediata. Não recebi nem mesmo uma crise de risos proveniente daquela pergunta pessoal e, ao mesmo tempo, ridícula. Tracy apenas me encarou, como se sua mente estivesse absorvendo a questão lançada por mim. Eu quase me arrependi de ter feito isso, minha mente virou uma bagunça de projetos de pedidos de desculpas para que ela esquecesse. A única coisa que segurou minha língua foi o fato que eu realmente estava querendo saber a resposta para minha pergunta. Então, apesar de estar envergonhada e com certeza com as bochechas rosadas, eu continuei encarando Tracy e esperando uma resposta.

A princesa bêbada coçou a nuca e piscou, provavelmente lutando contra o sono que a bebedeira já estava provocando. Eu esperava que ela não desmaiasse no meu quarto, não queria precisar sair do quarto para pedir ajuda e tampouco poderia levá-la eu mesma.

— Então você quer saber como é beijar uma mulher — Tracy repetiu. — Por quê?

Eu tinha resposta para aquela pergunta?

— Bem, eu… — travei, sem ter a menor ideia do que dizer. — Curiosidade, acho. Vocês pareciam estar tão… Tão… 

Eu não sabia que palavra usar. Apenas corei. Minha reação arrancou de Tracy um sorriso lascivo, quase predador, e eu arregalei os olhos. Mordi o lábio inferior, os olhos presos aos dela de uma forma que eu não seria capaz de desviar mesmo que quisesse. Ela tinha olhos tão profundos, azuis como a cor do céu, e eram afiados. Mas não me senti incomodada com seu olhar tão direto; eu me perdi nele. 

Tracy caminhou em minha direção em passos lentos. Uma predadora inveterada com passos graciosos e confiantes, mesmo bêbada, indo em direção à presa.

— Apaixonadas? — perguntou, dando um passo a cada palavra. — Entregues à luxúria? Excitadas? — ela continuou perguntando, e parou bem diante de mim. Pouquíssimo espaço nos separava. — Que palavras estava procurando, Ti?

Abri a boca para responder, mas esqueci totalmente qualquer palavra quando a mão dela delicadamente pousou sobre meu rosto, acariciando a bochecha com o polegar. Seu dedo começou a deslizar na direção do meu queixo, subindo até meus lábios. Tracy parou de encarar meus olhos e passou a se concentrar em minha boca, completamente perdida em seu formato enquanto ela o desenhava com o polegar, suave e carinhosamente.

Eu congelei e meu coração disparou. Os dentes rasparam suavemente em meus lábios, mas eu não me mexi. Eu tinha noção que deveria empurrá-la e mandar que saísse. Mas por alguma razão, eu não fiz isso. Eu não quis. Deixei que ela continuasse a acariciar meus lábios e perder seus olhos neles. Eu mesma estava perdida em seu rosto, levemente rosado pela embriaguez, os olhos lindamente concentrados em minha boca como se fosse a coisa mais impressionante que ela já havia visto. 

Então ela finalmente falou, a voz baixinha e rouca. Meu corpo inteiro estremeceu.

— Quer que eu mostre?

Eu não pensei que havia como meu coração pudesse disparar ainda mais, mas disparou. Puxei o ar com a boca com uma certa dificuldade, perdida em sensações que eu não sabia como explicar.

— Tracy… — murmurei, mas seu indicador pausou sobre os meus lábios, pedindo para que eu me calasse. 

— Shhh… — ela fez o som e eu me calei. Então ela se inclinou na minha direção e me beijou.

Minha primeira reação foi arregalar os olhos, mas foi muito breve. Eu estava tão envolvida com a maneira que ela estava agindo que apenas me deixei levar como se estivesse hipnotizada. E talvez realmente estivesse totalmente hipnotizada por ela, porque eu simplesmente correspondi. Não pensei em mais nada além dos lábios macios dela, movendo-se carinhosamente sobre os meus.

Eu ainda era inexperiente e não sabia exatamente o que fazer. Mas Tracy era uma boa professora e extremamente paciente. Guiou o beijo, abrindo meus lábios com a língua para que se encontrasse com a minha, e eu senti quase me desmanchar quando nossas línguas se tocaram, provavelmente teria caído se ela não tivesse passado um dos braços em volta da minha cintura e usado a outra mão para segurar meus cabelos, puxando-me para si para aprofundar o beijo.

Me atrevi a colocar minha língua em sua boca também, perdida em minha mente enevoada completamente pelo desejo que me dominara. Eu a queria cada vez mais, sentir sua boca se mover contra a minha e sua língua explorando o interior de minha boca, esfregando-se contra minha própria língua… Eu nunca havia sentido nada assim. O frio no estômago era delicioso e me dominou, até mesmo uma reação desconhecida entre minhas pernas. 

Eu só queria que durasse para sempre, mas ela se afastou. Ao mesmo tempo que havia sido uma eternidade, havia acabado tão rápido! Abri os olhos, como se estivesse acordando de um sonho, e me deparei com ela se afastando lentamente com um sorriso de canto, tão deliciosamente malicioso que meus joelhos quase cederam.

— Bom, agora você sabe como é… — ela sussurrou, entrelaçando seus dedos aos meus e erguendo minha mão aos seus lábios suavemente. Eu quase desmaiei. — Boa noite, Ti.

Com essas palavras, ela soltou nossas mãos e caminhou para fora do quarto, deixando-me sozinha para finalmente me dar conta do que acabara de acontecer.

Ai, não!

Arregalei os olhos e me sentei na cama, escondendo minha cabeça entre as mãos. Meu coração batia acelerado, meu corpo inteiro tremia e a sensação de calor entre minhas pernas persistia. A pressão dos lábios dela sobre os meus ainda era sentida, e eu só conseguia lembrar dos lábios dela me reivindicando com ardor. 

Meu Deus, eu acabara de beijar não só alguém que era uma mulher, mas também a princesa de Savian, e ela era minha futura cunhada. O pior de tudo é que eu havia gostado de beijá-la!

— Ai não! — eu soltei exasperada, me jogando de costas na cama para olhar o topo da cama dossel trabalhada em arabescos dourados e madeira. — Não, não, isso não pode ter acontecido…

Mas acontecera.

A princesa Astracyane acabara de me beijar na boca.

~x~

Acordei no dia seguinte com as pesadas cortinas sendo abertas, a luz do sol invadiu o quarto através dos vidros e vieram ao meu encontro, fazendo-me pressionar os olhos para afastar a claridade e, inutilmente, retornar ao meu sono. Havia tido uma noite terrível, virando na cama agitada, incapaz de dormir com a lembrança dos lábios de Tracy se movendo contra os meus. Quando por fim adormeci já era tarde, e Alyssa sempre aparecia para me acordar cedo.

— Bom dia, princesa — ela disse em um tom de voz alegre, sentando-se na cama e colocando a mão sobre meus ombros para me chacoalhar devagar. — Ei, acorde. Já são oito e meia da manhã, deve se arrumar para o café da manhã 

Grunhi em resposta, puxando os lençóis para cobrir a cabeça. Meus grunhidos eram inteligíveis, embora eu tentasse dizer me deixe dormir.

— O que houve? — perguntou Alyssa desconfiada. Seu tom de voz me fez abrir os olhos, ainda sob os lençóis, recobrando a memória da noite anterior. — Você não costuma dar trabalho para acordar. Algum problema?

Me sentei imediatamente, as bochechas rebeldemente corando sem minha permissão.

— Não, não houve nada — respondi, mas minha mentira estava óbvia.

Alyssa juntou as sobrancelhas e me encarou, claramente não acreditando.

— Tem certeza?

Me senti culpada por mentir. Alyssa é minha melhor amiga, odeio guardar segredos dela, mas não posso dizer simplesmente que minha futura cunhada reivindicou meus lábios na noite passada, deliciosamente possessiva, e o pensamento repentino me fez pressionar os lábios.

— Eu apenas… Apenas foi insônia, não se preocupe.

Alyssa obviamente não acreditou — era notável na expressão dela. Mas soltando um suspiro derrotado e meneando a cabeça, ela desistiu.

— Levante-se. Preparei o seu banho e separei o vestido de hoje, daqui uma hora o café da manhã será servido.

Eu congelei por um instante, me dando conta de que ainda teria que encarar Tracy aquela manhã durante o café da manhã com o rei e a rainha, e o meu noivo. Lembranças da noite passada invadiram minha cabeça e eu agitei a cabeça para os lados, afastando a nuvem traiçoeira da memória.

— Tem certeza que está bem? — a voz de Alyssa me despertou dos meu devaneios, soando verdadeiramente preocupada. — Devo avisar que a senhorita acordou indisposta?

Por um momento quase respondi que sim, para que ela dissesse que eu estava doente e não poderia me levantar. Mas a ideia era péssima; ficar presa em meu quarto só garantia que Tracy saberia exatamente onde me encontrar, enquanto se eu estivesse me movimentando pelo castelo ela jamais saberia o meu paradeiro — ou eu esperava isso. Dava para enfrentar o café da manhã, apenas precisava vestir a melhor máscara de neutralidade que tinha e descer para o salão de refeições. Ela não comentaria sobre nosso beijo na frente da família, não é?

Bem, ela tem alguns lapsos de loucura e não age de acordo com o esperado, mas ainda assim ela ama Derek. Não magoaria seu irmão daquela forma, seria cruel demais e Tracy estava longe de ser cruel. Tresloucada, talvez, mas não má.

— Estou bem. Já estou me levantando.

 

Alyssa me ajudou a esfregar as costas e lavou meus cabelos com cuidado, esfregando com a ponta dos dedos, numa carícia suave mas precisa, enxaguando os fios castanhos em seguida. Logo saí da tina de banho, sequei meu corpo e Alyssa fez o favor de secar meus cabelos com toda paciência do mundo para evitar que os fios se quebrassem. Ajudou-me a entrar no vestido rosa em tom pastel, com brocados no busto e de manga curta devido ao calor ameno da primavera. Apertou-me no espartilho — aparentemente do meu tamanho dessa vez — e ajeitou meus cabelos úmidos em um coque no topo da cabeça com fios escapando, apenas para dar um toque jovial.

Mordi os lábios quando desci a escadaria, já pensando em como seria ter que olhar para Tracy depois da noite anterior. Será que ela estava tão envergonhada quanto eu? Era difícil imaginar que ela se envergonhasse de qualquer atitude que tomava, mas nesse caso em específico… Bem, ela beijara a noiva de seu próprio irmão. 

Parte de mim sabia que teria que conversar com ela sobre o assunto, colocar uma pedra e simplesmente esquecer. Mas não me sentia preparada para trocar nem uma frase com ela, muito menos discorrer um assunto tão embaraçoso quanto aquele beijo que eu tão prontamente correspondera. Disse a mim mesma que não passara de uma curiosidade de menina, o acesso a algo desconhecido e proibido, mas uma pequena parte de mim não tinha tanta certeza. Essa parte tratei de enterrar e jogar terra por cima

Entrei no salão de refeições, onde já estavam a rainha, o rei e Derek. Tentei sorrir, tentando o meu melhor para mascarar qualquer vestígio criminoso que pudesse colocar-me em uma situação que eu não poderia me explicar. Percebi que meus pais também estavam presentes — provavelmente iriam embora após o café da manhã —, e Myrella e seu marido, o duque Hasuran. 

Tracy não estava presente. Recorri a todo meu autocontrole para não suspirar de alívio.

— Bom dia — cumprimentei a família real. — Peço desculpas pelo atraso.

— Não se preocupe, querida — a rainha Selyne respondeu com um sorriso, indicando graciosamente um assento ao lado de Derek. — Espero que tenha tido uma boa noite de sono. Nosso próprio noivado sempre nos deixa eufóricas, não é? — ela soltou um risinho, esticando o braço para pegar a mão do marido sobre a mesa, que sorriu de volta. — Lembro que no meu, fiquei deitada na cama rindo e olhando para o teto toda vez que me lembrava da festa.

Eu abri meu maior sorriso, incapaz de mentir. A verdade é que eu estava completamente infeliz com esse noivado e me sentia culpada por isso — me senti ainda pior quando Derek olhou para mim e sorriu de volta. Ele era um rapaz maravilhoso e todos os dias me dava provas definitivas que seria um marido maravilhoso e me faria feliz… Qual era o meu problema? Parecia fácil se apaixonar por Derek, e eu realmente tinha noção de que ele era gentil, inteligente, atraente e engraçado. Mas não surtia nenhum efeito em mim a não ser uma amizade profunda.

Meus pensamentos voltaram para Tracy e seu beijo, e a forma como me senti quando ela me segurou nos braços, e como seus lábios me beijaram. Meu ventre logo começou a dar sinais que a lembrança ainda provocava reações em mim, e tratei de afastar os pensamentos, sentindo o rosto corar.

Me assustei levemente quando senti a mão de Derek sobre a minha.

— Está tudo bem?

Meu Deus, ele não merecia isso. Eu era um mulher horrível!

— Sim, sim… Claro — assentiu, engasgando em minhas próprias palavras. — Apenas cansada… Foi difícil dormir, realmente…

Eu não estava mentindo, mas não diria os motivos reais sobre minha insônia. Derek me deu sorrisinho constrangido e desviou o olhar, apertando minha mão carinhosamente. Teria achado graça em sua súbita timidez se não estivesse me sentindo tão culpada.

— E Astracyane? — o rei Argenus falou, erguendo uma das sobrancelhas. — Alguém já foi avisá-la que o café da manhã já está na mesa?

A rainha Selyne revirou os olhos, parecendo cansada, enquanto tomava um gole do suco em seu cálice.

— Não é a primeira vez que ela nos envergonha na frente de convidados com a falta de decoro… — a rainha murmurou, e lançou um olhar de culpa aos meus pais, Myrella e o marido. — Pedimos desculpas. Astracyane é muito… Complicada.

— Não se preocupe. Está tudo bem — Myrella disse com um sorriso sem graça, voltando sua atenção para seu prato.

Talvez outras pessoas não tenham percebido, mas eu não pude deixar de notar que havia uma tristeza inconfundível nos traços de sua voz. Poderia ser confundido com cansaço, mas eu sabia a verdade sobre elas, e como Myrella terminara a relação com Tracy — fosse qual fosse essa relação — após eu ter descoberto, e o medo que isso fosse parar no ouvido do marido. 

Myrella percebeu que eu estava olhando para ela e então me encarou de volta; desviei os olhos assim que percebi que eles cintilaram de mágoa para mim, e a culpa se alastrou pelo meu estômago. Mas como eu poderia adivinhar que elas estavam no jardim aos beijos? Não havia sido minha intenção interromper nada, muito menos destruir a relação entre elas. Eu jamais contaria a alguém, mas Myrella não confiava em mim.

E pensando bem, que motivos ela tinha para confiar? Acho que eu também teria medo que ela soubesse que beijei Tracy na noite passada.

— A princesa é um tanto… Peculiar — minha mãe disse com a voz polida, embora os lábios crispados de insatisfação, mascarado em um sorriso forjado. Eu sabia bem que ela queria dizer coisas como esquisita, grosseira, mal-educada e qualquer outro adjetivo negativo que ela pudesse formular, mas era incapaz de ofender a princesa de Savian e colocar em risco o meu noivado. — Percebi logo quando a conheci.

— Tracy não é má pessoa — Derek tratou logo de defender a irmã mais velha. — Tenho certeza que não deve ter acordado bem hoje. Ela sempre tem dores de cabeça horríveis após bailes.

— Claro — a rainha Selyne disse com uma voz falsamente doce. — Afinal, com tanto vinho que ela ingere, é impossível não acordar com os efeitos colaterais da bebedeira. Mas isso não é desculpa para ofender nossos convidados assim. — Com um sinal gracioso e rápido de seu dedo indicador, uma criada baixinha de cabelos pretos se aproximou, fazendo uma mesura rápida. — Vá chamar Astracyane. Diga-lhe que a rainha ordenou para que descesse para o café da manhã.

— Sim, majestade — a criada disse baixinho, retirando-se em seguida.

— Mãe… — Derek começou, mas se calou ao receber um olhar glacial da mãe.

Eu mordi os lábios e voltei minha atenção para meus ovos. Percebi o corpo de Myrella ficar tenso também. Nenhuma de nós queria que Tracy descesse para o café da manhã, mas também não poderíamos dizer isso.

Quando a criada retornou, foi acompanhada de Tracy. Só pela expressão dela, eu percebi que ela realmente não acordara bem. Havia olheiras abaixo de seus olhos, os olhos estavam vermelhos e ela parecia pálida. 

— Muito obrigada pelo respeito e consideração, mamãe — ironizou Tracy, tomando assento ao lado de minha mãe e diante de mim. — Mandei avisar que não estava me sentindo bem — completou, massageando a testa.

— Não seja grosseira, Astracyane — a rainha respondeu, sem se afetar com o mau humor da filha.

Meu coração bateu loucamente dentro do peito, as bochechas com certeza agora coravam, e eu passei a comer para terminar o mais rápido possível para me levantar dali e não precisar encará-la agora. Na frente de todas aquelas pessoas seria muito difícil.

— Bom dia, Ti.

Engasguei com o pão que mastigava naquele momento.

Derek logo se levantou para me socorrer, erguendo meus braços e dando tapinhas em minhas costas para ajudar o alimento a descer. Me ofereceu um cálice de água, que bebi sofregamente.

— Tudo bem? — ele perguntou, voltando a se sentar ao meu lado e segurando minha mão, olhando-me com preocupação.

— Sim — respondi com a voz fraca, puxando o ar com a boca para ter certeza. — Sim.

Me atrevi a erguer os olhos por um momento e olhar na direção de Tracy; ela me encarava preocupada e completamente confusa. Rapidamente desviei o olhar, murmurando um bom dia polido, e voltando minha atenção ao meu prato.

— Ah, nossa, acabei esquecendo de falar — Hasuran falou pela primeira vez na mesa. — Não irei retornar a Grimlee hoje. Tenho alguns assuntos pendentes aqui, e precisarei ficar por mais alguns dias, talvez semanas — ele olhou longamente para o casal real de Savian. — Espero que não seja um problema abrigar a mim e a minha esposa por mais algum tempo.

Não consegui controlar o desejo de olhar para Tracy. Ela não estava olhando para mim, mas sim para o próprio prato, onde bateu discretamente o garfo sobre a porcelana e levou o cálice de suco aos lábios, os olhos inflamados pela mágoa.

— Espere… O senhor não me disse nada sobre isso, meu marido — Myrella disse-lhe, tentando mascarar uma ponta de desespero na voz. Era óbvio que estava louca para ir embora. 

O duque olhou para ela com desprezo, levando o cálice aos lábios.

— Nunca tratei de qualquer assunto de negócios com você… Por que está reclamando? Não é você quem adora viajar para cá?

— Não estou reclamando, eu apenas…

— Então apenas pare de me importunar.

Myrella se calou, mordendo o lábio inferior. Quando pensei que aquilo estava acabado, ouvi o som do baque surdo de Tracy batendo o cálice na mesa.

— Sabe, ela é sua esposa — disse-lhe a princesa com acidez, encarando o duque com os olhos inflamados. — Tratá-la com um pouco mais de respeito não vai matá-lo, ou vai? Até onde sei, casamento fala de companheirismo.

— Astracyane — o rei começou, com voz de aviso.

Ela o ignorou completamente.

— Myrella é uma mulher inteligente. Tenho certeza que o senhor teria mais sucesso em seus negócios se compartilhasse com ela parte do trabalho. Ser uma mulher não a torna incapaz. Pense nisso.

— Astracyane! — o rei ergueu o tom de voz. — Cale-se.

A princesa se calou, mordendo os lábios com uma fúria contida.

— Estou sem fome — declarou, levantando-se da mesa. Apesar dos protestos da rainha, Tracy atravessou a porta do salão e não retornou.

~x~

Após um longo pedido de desculpas do casal real pela atitude grosseira da filha, o duque disse que estava tudo bem e que simplesmente ignoraria aquilo, mas eu sabia que no fundo ele estava furioso por ter sido desrespeitado por uma mulher. O problema é que ele perderia muito mais se agisse com seu orgulho masculino ferido e simplesmente cortasse qualquer relação com a realeza de Savian. 

Eu não deveria ter ficado chocada por ela ter se levantado com tanto fervor para defender Myrella, mas eu estava. Além disso, parte de mim estava magoada também, embora eu soubesse que reter esse sentimento era ridículo. Com Myrella na mesa, ela pareceu simplesmente me ignorar, mesmo tendo me beijado na noite anterior. Será que aquilo havia sido apenas um jogo pra ela? Uma brincadeira? Eu estava verdadeiramente chateada com aquela postura.

Derek me chamou para dar uma volta com ele no jardim. Normalmente ele estava ocupado, mas naquele dia em específico estava com a agenda livre e pensara que seria agradável passar um tempo comigo. Aceitei prontamente.

Estávamos atravessando o jardim de roseiras da rainha, eu passando os dedos delicadamente sobre as pétalas majestosas das flores que haviam se aberto. Tinha um braço passado pelo de Derek, enquanto andávamos devagar e aproveitando o calor ameno da manhã, o canto dos pássaros e fragrância das flores.

— Gostou do baile de noivado? — ele perguntou de repente, chamando minha atenção.

Forcei um sorriso.

— Sim, claro — eu respondi. Eu tinha pena de Derek; sentia dentro de mim que nunca poderia amá-lo como ele merece, apenas oferecer minha amizade. Será que em um casamento isso seria o suficiente? — Foi lindo. É claro, fiquei um pouco sufocada no meio de tanta gente, mas… — dei de ombros. Derek não segurou uma gargalhada.

— Entendo. Sabe, pra mim também é difícil — ele confessou.

— Você? — perguntei, duvidando. — Impossível! Você é o futuro rei, o herdeiro, deve estar acostumado com tanta atenção.

Ele deu de ombros.

— Bem, sim. Mas às vezes eu sinto que não sou digno disso tudo — ele contou, olhando em volta, como se checasse se estávamos mesmo sozinhos. — Posso ser honesto com você? Honesto de verdade?

— Claro.

— Tracy seria uma governante muito melhor do que eu.

Eu parei de andar, olhando-o confusa.

— Por que diz isso? — perguntei, olhando-o profundamente. — Você tem sido treinado para ser rei desde que nasceu. 

Ele suspirou, soltando meu braço para se sentar em um banco de pedra, puxando-me suavemente para que eu o acompanhasse e sentasse ao seu lado.

— Não sinto que seja o suficiente — respondeu. — Entendo sobre política. Relações internacionais, e todo o resto que você possa imaginar que seja necessário que um rei saiba ao ascender o trono. 

— Então qual o problema? — perguntei sem entender.

— Tracy é muito mais decidida — ele respondeu. Não havia resquício de raiva, mágoa ou qualquer sentimento negativo ao constatar as qualidades da irmã. Ao contrário, sua voz era pura admiração. — Ela sabe impor suas decisões, sua presença e não pode ser influenciada por ninguém. Ela é confiante e nunca duvida de si mesma, é justa e é bondosa. Além disso, entende tanto de política quanto eu, acho que até mais.

Olhando por essa perspectiva eu sabia que ele estava certo, mas não queria que ele pensasse que era impróprio para o trabalho a qual fora destinado. Segurei suas mãos entre as minhas, olhando-o com admiração.

— Mas Tracy também é muito explosiva, pode tomar decisões em momentos de fúria — falei, e no momento que isso saiu da minha boca eu não sabia dizer se realmente pensava isso. Tracy era cabeça quente, mas não acho que tomaria decisões impensadas caso isso significasse o futuro do seu povo. — Você é mais calmo e ponderado. Ela tem qualidades de rainha, mas você também possui as qualidades de um rei.

Ele pensou por alguns instantes.

— Às vezes sim, como no caso de hoje no café da manhã. Mas ainda assim ela agiu com justiça — ele declarou, convicto. — O duque não pode tratar a esposa dele daquela maneira.

Eu sabia que a reação de Tracy naquele caso ia além de justiça; ela mesma dissera ontem, trôpega de tão bêbada, que estava começando a se apaixonar por Myrella. Sóbria ela não dissera a mesma coisa, mas eu presumia que era muito difícil se declarar apaixonada por uma pessoa que nunca poderá ser sua por inteiro. Mesmo que Tracy tivesse dito que não era amor, ainda assim bebera mais do que o devido quando fora dispensada por Myrella.

— Você está certo — concordei, incapaz de dizer a meu noivo as coisas que ele não sabia sobre sua irmã. Prometi guardar segredo, e iria cumprir minha palavra. — Não foi agradável, Myrella ficou muito triste — suspirei, abaixando o olhar.

Ele ergueu meu queixo com o indicador, forçando-me a olhá-lo com delicadeza, me lançando um sorriso sincero.

— Não se preocupe. Eu jamais faria isso com você — ele prometeu, e eu sorri. — Quando nos casarmos, eu prometo que você fará parte da minha vida política também.

Eu soltei um riso, negando com a cabeça.

— Acho que não seria boa com isso.

— Eu discordo. Você é inteligente, tem a mente afiada. Seu problema é ser insegura — ele disse, falando como se me conhecesse bem. Fitei-o surpresa, e ele deu de ombros. — Conversamos bastante, Tianne. Eu percebo as coisas.

Por que não consigo me apaixonar por ele? Derek é tudo que uma mulher poderia desejar; bonito, herdeiro de um dos maiores reinos do continente, gentil, carinhoso, era engraçado e eu gostava de estar com ele, conversar com ele, rir com ele. Era uma relação saudável, mas não passava de amizade. Eu queria amá-lo, queria desesperadamente, mas tudo o que sentia era a culpa por ser tão ingrata e não me apaixonar por alguém que merecia tanto meu amor.

Meu desejo de sentir alguma coisa além de amizade me levou a tomar uma atitude que achei que jamais seria capaz. De olhos fixos nos de Derek, buscando resquício de algum sentimento além de amizade, eu me inclinei para frente. Derek me encarou curioso, mas não se afastou. Fechei os olhos, sentindo a respiração dele cada vez mais perto, até nossos lábios se encontrarem.

Foi um beijo lento, carinhoso, mas não havia nada além de carinho. Eu não senti desejo da parte dele, e também não consegui fingir algo que não estava sentindo. Entreabri os lábios e ele invadiu minha boca com a língua, e ainda assim nada. Tudo o que se apossou de mim foi vontade de me afastar, e uma culpa intensa. 

Ao invés dos lábios dele limparem minha mente de qualquer coisa, como os de Tracy haviam feito, eu apenas conseguia pensar que não havia a mesma intensidade do beijo que eu recebera de sua irmã. Enquanto que queria puxar Tracy para mim, meu instinto era repelir Derek, empurrá-lo. Por pura determinação eu continuei, desesperada para sentir com a boca dele as mesmas coisas que senti com a boca de Tracy.

Ele levou uma mão para minha nuca e me puxou para si, e isso foi o limite para mim. Quebrei o beijo de repente, o coração pesado e uma vontade insana de chorar, que mordi os lábios para controlar.

— Desculpe — eu disse, fechando os olhos e agitando a cabeça para os lados, envergonhada. — Eu não deveria… não sem seu consentimento.

— Está tudo bem — ele respondeu, a voz trêmula e claramente desajeitado. — Foi… Foi bom. Não se preocupe.

Eu não sabia dizer se ele estava mentindo ou se apenas estava com vergonha, mas não fazia diferença. Pra mim havia sido horrível, e eu só queria correr para o meu quarto e chorar. Beijá-lo apenas reforçou em minha mente os toques da irmã dele, os lábios dela, e como meu corpo desejava sentir tudo o que ela havia provocado em mim. Beijar Derek havia sido estranho, como se algo estivesse errado e fora do lugar. Ele tinha lábios fortes e em seu beijo havia doçura, mas ainda assim… Não estava certo. 

Não havia conexão, paixão. Eu não era capaz de beijar meu futuro marido sem sentir ânsia, sem sentir vontade de empurrá-lo. Eu lutei contra todos os meus instintos na busca desesperada por buscar as mesmas reações que tivera com Tracy — reações ainda melhores —, mas tudo que senti foi mais vontade de empurrá-lo. Quando ele colocou as mãos em mim para aprofundar o beijo, eu não consegui manter mais por muito tempo.

Quando abri os olhos, eu percebi que Tracy estava no jardim. Olhando em nossa direção, ela encarava um pouco encabulada pela cena que havia acabado de presenciar, e eu só quis abrir um buraco na terra e me jogar dentro dele.

— Ah, desculpe — ela pediu. — Eu não estava esperando por isso, foi realmente sem querer.

Eu desviei o olhar. Não sabia como encará-la.

— Nem eu, eu acho — Derek riu, sem graça. 

— Preciso ir — falei sem pensar, me levantando imediatamente. Sei que era errado me retirar assim, mas eu só queria correr para o meu quarto e chorar, me odiando a cada segundo por haver algo tão errado comigo. Derek não merecia que meu corpo reagisse de maneira tão negativa a ele, então por que eu estava sendo tão injusta? Não é que eu quisesse, mas eram as reações naturais de meu corpo. Se dependesse de mim, eu o amaria de toda a minha alma.

— Ti! — Tracy gritou, mas não olhei para trás. Continuei andando. — Ei, Tianne!

Pisquei os olhos, numa tentativa de afastar as lágrimas sem sucesso. Mas pelo menos eu estava de costas e nenhum deles estava vendo o meu rosto, então me permiti chorar. Andei rapidamente na direção do castelo, desesperada para entrar no quarto e me trancar pelo resto do dia, mas escutei passos atrás de mim. Sabia que era Tracy, porque sua voz gritava meu nome sem parar.


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