O Grito escrita por Rose Paz


Capítulo 4
Surpresas


Notas iniciais do capítulo

Capítulo IV



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— Tudo bem. Vamos conversar de homem pra homem. Portanto, senhor, deixe de ser babaca.

Era o que Cléber queria dizer e, talvez, o que deveria ter dito, mas não o fez. Lembrou-se das palavras de sua mãe: “- Alguém tem que ser o adulto da relação”, e mais uma vez, seria ele.

— Não se preocupe com ela. – Disse o pai de Guilbert referindo-se à esposa e acomodando-a confortavelmente. – Whisky e sedativos costumam render boas horas de sono, se não se importar. Agora, conte-me o que sabe do sumiço de meu filho.

Cléber deu um longo suspiro resiliente e discorreu sobre o último encontro dos dois até ali, omitindo pontos nevrálgicos da conversa, mas ponderando sobre as necessidades do amigo.

— Você não está me contando tudo. E sobre o dinheiro que ele limpou do fundo de investimentos? Achou que eu não ia conferir? Foi checando se ele também tinha sido hackeado que descobri sobre seu desaparecimento. Achei que ele tivesse sido sequestrado.

A angústia do homem era evidente. Levou dois grandes golpes no mesmo dia. Decidiu abaixar as armas e ser mais colaborativo. Falou sobre as pessoas com quem Guilbert se aliou e antecipou suas próximas ações.

— Esse despachante do qual falou, acho que o conheço. Ele não é um despachante, mas um lobista dos mais vorazes. Tem coisa aí. Preciso dar uns telefonemas.

Cléber esclareceu que, enquanto o BUG não fosse contornado, apenas as torres de transmissão locais poderiam completar as chamadas, e o mesmo se daria com a internet que não dependesse de satélites para acesso à rede mundial. No entanto, surpreendeu-se com a desenvoltura do senhor Stone que sabia o quê e a quem perguntar.

— Quero saber de cada passo daquele desgraçado e do filhote dele também. Tenho quase certeza de que os dois estão por trás dessa merda toda. Mantenha-me informado. – desligou.

Cleber e Stone partilharam informações levantadas sobre o tal despachante. O sujeito era pai de um dos hackers mais atuantes nos Estados Unidos e, constantemente enquadrado pelo FBI por desvios de contas, espionagem industrial e invasão de privacidade. Contudo, as provas eram sempre circunstancias e não chegava a ser detido por mais de vinte e quatro horas para averiguações. Os crimes cibernéticos eram uma novidade e pouco conhecidos pela lei, portanto, bem longe de uma definição.

O senhor Stone explicou que há alguns anos o lobista o procurava com certa insistência propondo uma fusão com um conglomerado britânico. Recusava devido a pontos obscuros quanto à proteção de seus empregados. Pretendia expandir ainda mais seus negócios além do oceano, mas não à custa das famílias que estavam com ele por quase duas gerações. Quando se encontravam, o tal despachante estava sempre acompanhado por seu filho, um jovem brilhante, também formado por Yale, cujo semblante expressava algum distúrbio que não sabia definir. Tinha quase certeza de que os dois foram os caras contratados por Guilbert.

Cléber se despediu do homem que não teve a menor dificuldade em carregar a esposa magérrima nos braços, prometeu manter contato. E voltou rapidamente ao computador. Aparentemente uma trégua havia se estabelecido, entretanto, o senhor Stone não tinha revelado tudo. Não demonstrou a menor reação quanto aos possíveis riscos que Guilbert poderia enfrentar na vila, o que era bem estranho para um pai extremoso.

***

Guilbert estava encantado com a vivacidade de Hanna e a seguia a todo lugar que ela sugeria. Não seria nada mal viver um romance enquanto estivesse em sua jornada para o Pulitzer. Tinham terminado o roteiro proposto e tudo servia de motivo para comemoração. Apesar do dinheiro um tanto restrito, tentava impressioná-la propondo divertimentos caros no centro de Londres. O carro fretado por um mês enfim teria alguma utilidade, e Hanna sabia dirigir muito bem.

 Pesquisavam qualquer coisa que remetesse à vila. Hanna dizia que fatos deixavam rastros, e nada como se aprofundar no passado para conhecer o presente e antecipar o futuro. Assim sendo, saíam todos os dias de Essex em busca de informações.

Londres é a sede de inúmeros museus, galerias, bibliotecas e outras instituições culturais, como: o Museu Britânico, a National Gallery, Tate Modern e a Biblioteca Britânica. Pouco haviam descoberto, mas foram fatos cruciais que embasaram ainda mais a matéria que começava a tomar corpo em seu computador. Enquanto isso, Guilbert olhava, através de brilhantes olhos azuis, os vários pontos turísticos que já havia visitado com seus pais, entre eles: a Torre de Londres; os Reais Jardins Botânicos de Kew e a Piccadilly Circus. Ao fim de mais uma semana de intensa atividade, foram brindar suas conquistas em um afamado restaurante, o Ledbury, a trezentos metros de Notting Hill. No entanto, Hanna estava visivelmente incomodada naquele dia, mal apreciando a comida perfeita e o ambiente aconchegante. Guilbert não sabia o que estava acontecendo com ela. Talvez fosse apenas cansaço. Puxou assunto para quebrar o silêncio incômodo quando voltavam no início da madrugada.

— Você não me disse onde cursou o college.

— Tem certeza de que é isso que quer saber?

— Tudo sobre você me interessa. – disse sensualizando a voz.

— Numa das gigantes. - respirou profundamente - Apesar de minha condição, tinha boas notas e fui bolsista na University College London, uma das primeiras a aceitar estudantes, independente da classe social, cor, gênero sexual ou religião e...

— Ok, vamos parar com isso. – exalou forte - To super a fim de você. – Guilbert disparou olhando fixamente nos olhos dela.

 Hanna diminuiu a velocidade e ligou a seta até parar no acostamento. Desafivelou seu cinto de segurança e inclinou-se, roçando propositalmente seu seio ao desafivelar o dele. No console do carro, um pen drive começou a tocar Back At One, com Brian Mcknight.

— Não é perigoso? – Disse Guilbert tentando disfarçar a surpresa.

— Não.

— Tem certeza? – Não se preocupava com esse tipo de perigo, mas o de ultrapassar uma linha de acordo comercial que poderia não ter volta.

Os olhos de Hanna pareciam dois diamantes, ofuscando as luzes do painel.

— Cala a boca. –disse puxando-o para si.

Amanheceram sob os lençóis da suíte de Guilbert e ambos mal se lembravam de quando tinham saído do acostamento e chegado até lá. Estavam felizes e passaram toda a manhã na cama, abusando do serviço de quarto.

— Sua avó deve estar louca de preocupação. Você deveria ter ligado pra ela.

— E dizer o quê? Que eu estava perdendo minha virgindade com um yankee?

Guilbert arregalou os olhos e sentou-se de frente para ela.

— Você é..., ou melhor, era...

— Wow, wow, wow, o quê temos aqui...? Não imaginava que minha inexperiência fosse mais experiente que a sua... A não ser que esteja duvidando de mim. Está? Será que tenho que expor os lençóis na janela? – disse aludindo a uma antiga tradição.

— Não se trata disso..., – Começou constrangido. Hanna era rápida com as palavras. – mas sou um cara decente e me sinto na obrigação de...

— Não se sinta obrigado a nada, entendeu? Eu quis! Sou adulta e plena de minhas faculdades mentais. Mas, não pense em se eximir de me pagar por conta de nossa intimidade. – estacou – Ei, isso pegou meio mal, não é? – riram.

Continuaram nessa camaradagem até que o telefone tocou. Era da recepção, avisando que uma senhora insistia em subir. Ambos souberam de imediato de quem se tratava e instruíram para que a pessoa aguardasse no lobby.

Momentos depois...

— O que faz aqui vovó?  - Hanna perguntou entre constrangida e preocupada.

— O que faço aqui? Você sumiu e nem se deu ao desplante de uma ligação? Já passei por muita coisa menina e não vou deixar que siga o mesmo caminho de sua mãe.

— Vovó! - A senhora está me envergonhando...

 Hanna pegou o braço da senhora, arrastando-a para fora do saguão. Guilbert as seguiu calado.

— Antes assim! Já contou pra ele? Contou tudinho? Não acha que depois dessa noite juntos ele merece saber?

Guilbert olhava de uma para outra tentando entender sobre “o que ele devia saber”, mas nada escapava.

— Estou escolhendo o melhor momento... Eu... – abaixou o olhar.

— Que melhor momento do que sob lençóis, minha neta? Diga logo a ele que sua mãe fugiu com um dos homens da vila e que você o está usando para achá-la.

***

Enquanto Stone retirava facilmente a esposa ainda desacordada do banco de trás do carro, sua mente só pensava em um nome, o único que o assombrou durante anos. O fantasma de seu passado certamente estava financiando o lobista e cumprindo a promessa de deixá-lo pobre, quando sua esposa havia decidido partir com ele para a terra das oportunidades. Ele nunca os perdoara. Afinal, tinha roubado a noiva dele.

Do outro lado do oceano, um homem forte e de rosto vincado gargalhava, rodando em sua cadeira por detrás de uma grande mesa de madeira maciça.

***


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Notas finais do capítulo

Continua...



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