Artemis escrita por Camélia Bardon


Capítulo 5
04. Complementaridade


Notas iniciais do capítulo

Bom dia, boa tarde e boa noite procês ♥ tudo bem por aí?
No capítulo de hoje vamos ver como que funciona o método de trabalho entre a Diana e a Nora. Espero que vocês gostem, até mais!!



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Retirei a mão instantaneamente. Para alguém que conhecia apenas o morno, o contato súbito pareceu tortura. Quanto ao raio de sol, ele continuou ali. Parecia estar me desafiando. Venha, vamos! Estou bem aqui, sua medrosa!

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Muitas vezes, o processo da escrita de algo relativamente longo consiste em 1) ter um primeiro rascunho, depois 2) abrir a história capítulo a capítulo se o seu rascunho não ficou detestável (porque, afinal, você pode sempre surtar e jogar um projeto fora num surto de autodepreciação), e só aí então 3) escrever de fato. Fazer isso geralmente evita de tratarmos nossas histórias bebês com descaso, deixando furos no enredo ou com mais informação do que o necessário. Então, quando dissemos "primeiro dia de trabalho", na verdade era o "dia de trabalho -1". 

Duas semanas de moradia em Florença me fizeram perceber que nem tudo era um mar de rosas. Aprendi a acordar resmungando com o barulho dos estorninhos em nossas janelas sem tela e sem cortina, em querer tomar um banho fresco pela manhã e errar a torneira (resultando em quase um churrasquinho de Diana), e a tentar me acostumar com o fato de que os italianos pareciam ser educados apenas entre si. Em suma, a animação inicial e fervor italiano deram lugar a um comodismo perigoso.

De acordo com o resumo que precisei redigir à Academia, escreverei um "romance investigativo sobre um agente sênior que volta a ter um caso relevante após 20 anos no marasmo dos casos costumeiros". O escritório que Annabella nos apresentou, no terceiro andar da Università, já está recheado de papéis de rascunho e livros que li e trouxe comigo para cá ⎼ quatro volumes da coleção do Lincoln Rhyme, pela qual sou apaixonada desde que assisti a adaptação cinematográfica com o Denzel Washington. No entanto, me sinto como o investigador (que não tem um nome ou um rosto): o marasmo me atinge a ponto de eu e Nora sentarmos no chão de madeira polida e encararmos o teto em silêncio.

― Isso aqui está Deprimente, com um D maiúsculo ― Nora comenta, soltando um suspiro dramático. ― Não era para você já ter algo escrito à essa altura do campeonato, não?

Me viro para ela, erguendo uma sobrancelha.

Não precisa cutucar a minha ferida. Estou tentando.

― Por que você não me diz o que tem em mente? Nem que for só um pouquinho.

Ao pronunciar essas palavras, abro um sorriso instantâneo, pois compreendo o significado por trás delas. É assim que Nora costuma me ajudar ⎼ ela "escuta" o que eu tenho a dizer, aponta ideias boas e ruins e juntas tecemos uma história que cresce em meio à opiniões e hipóteses.

― O que você já sabe do que quer passar? Vamos lhe dar uma sinopse.

Uno minhas sobrancelhas, me sentando de perna de índio para ver se penso melhor.

Você sabe que, uma vez, eu vi um clipe muito interessante? Foi de lá que tirei a ideia, na verdade… 

― Novidade.

Reviro os olhos, suprimindo a vontade de atirar meu livro nela.

Se trata de um investigador entediado com a rotina. Prestes a se aposentar.

― Qual a idade?

Mais de 40, menos de 50?

― Ah, é um cardíaco ― Nora comenta, me fazendo parar para rir. Percebo que exagero quando ela gargalha junto. ― O que? Preferia que eu chamasse ele de sugar daddy?

Nego veementemente com a cabeça, sentindo minhas bochechas corarem com violência. Escondo meu rosto entre as mãos para disfarçar a vergonha, no entanto Nora dá prosseguimento com sua brincadeira:

― Vai me dizer que se achasse um italiano quarentão elegante, não ia dar pelo menos uns pegas nele? Imagina só, se um grisalho não chega em você com um ciao, bella ragazza. Você fica caidinha, na hora.

Abano uma mão na frente do rosto, não negando e nem afirmando nada para que ela pudesse usar contra mim. Mais animada, Nora se serve de uma xícara de chá e volta a se sentar do meu lado confortavelmente. 

― Então, é um agente sênior. O que ele investiga, para que chegue ao nível do tédio ocasional?

Bem… ― imagino a ideia na minha cabeça, antes de expô-la. ― Ele já teve casos maiores quando era mais novo, mas agora como ele está quase se aposentando, fica com aqueles casos que ninguém quer por não "somar" mais nada na carreira, entende?

― Literalmente, no fim de carreira. Que casos?

Assinto com a cabeça, rindo de leve. 

É. Então… suicídios. Ninguém gosta de fazer perícia de suicídios… 

― Deprimente ― Nora concorda, tomando um gole do chá. ― Mas qual é a graça? Que fez ele voltar a ter ânimo nas investigações? 

Me ajeito, mais animada. Eu amo quando Nora me auxilia a desenvolver uma ideia. Ela sempre está disposta a ouvir, é algo que gosto em nós duas. Parece até que o destino nos uniu prevendo nossa complementaridade inevitável.

Ele começa a notar um padrão entre os suicídios que ele investiga, que demorou a enxergar mas que já vem acontecendo há um bom tempo.

― Socorro. Padrão em suicídio?

Pois então! Não são suicídios. Na verdade, ele está perseguindo alguém que faz parecer que são. 

― Macabro ― Nora finge um arrepio. ― Mas como ele descobre? É por conta do método, das vítimas…? 

Sorrio, pegando um caderno na mesa de papéis antes de dizer a ela. 

Ambos. Todos os aparentes suicídios são cometidos às 0h25. E todas as vítimas são jovens com futuros promissores.

― Então, segundo a metodologia de investigação, elas não teriam motivo para cometer suicídio ― Nora conclui. 

Exatamente. O assassino comete um erro ao dar um fim com um tiro no lado direito do crânio quando a vítima era canhota. Aí que o investigador entende que se trata de um serial killer, e não de suicídios infelizes no mesmo horário.

Ela assobia, terminando a xícara de chá com uma cerimônia que era digna de seu nome.

― Caramba, que lerdeza… se fosse eu já teria ligado o sentido paranoia logo de cara, provavelmente todo mundo teria tirado sarro de mim e no final das contas, mesmo se eu estivesse certa eu duvidaria de mim mesma.

É verdade. Você leva susto com a própria sombra.

― Não é minha culpa se ela fica atrás de mim toda hora ― Nora imita um tom de voz cômico, fazendo-se de desentendida. ― E aí? Qual é a do cara?

Bom, no final o agente descobre que o assassino está se comunicando com ele através de código morse. Um tiro equivale a um ponto e um corte a um traço. Os corpos totalizam o nome do investigador. Daí, então, ele percebe que é uma mensagem pessoal. Mas não vou dizer mais, senão estraga o final.

Nora para de sorver o chá para olhar para mim. Ela ergue uma sobrancelha e começa a rir nervosamente.

― Diana Davies, eu agradeço por você ser minha amiga, e não minha inimiga. 

Quer dizer que está bom?!

― Mas é claro! ― ela sorri, mais animada do que quando começamos. ― Anota tudo isso aí para passar para o papel, porque senão você esquece logo. Fé que sai. Vai, eu pego mais chá para animar. 

Antes dela ir, eu a abraço de lado, encostando a cabeça em seu ombro. Ela parece entender o recado, pois acaricia meu cabelo e ri baixo.

― De nada, querida. É sempre um prazer. Aliás, eu não fiz nada demais. Só fiquei tagarelando, para variar. Quem vai escrever é você, ué.

Me solto de seu abraço para que ela consiga visualizar o que estou falando. 

Eu preferiria ficar mais duas semanas sem nenhuma ideia do que não te ouvir mais tagarelar, Nora.

Então, ela sorri, aquecendo o meu coração. É claro que não dura muito, pois sua hiperatividade já começa a sugerir nomes de personagens, situações… quanto à mim, aproveito para anotar tudo que vem de útil pela frente. Florença pode não ser sempre bonita, mas enquanto mantiver as boas companhias perto de mim, sei que posso voltar a enxergá-la com a mesma animação dos primeiros dias.


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