Artemis escrita por Camélia Bardon


Capítulo 24
021. Promessa é dívida


Notas iniciais do capítulo

Oi meus amores ♥ finalmente saí do bloqueio!!! Como sempre agradeço o carinho e paciência de vocês, vocês são maravilhosos. Estamos a poucos capítulos de acabar, estou ansiosa!



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O sol não era ruim. Ele só tinha sido feito para os dias de verão.

───── 21 ─────

Após alguns limoncellos — não que eu tenha contado, mas que foi mais de um, foi – financiados coletivamente em nome dos fins e inícios que Florença ainda nos prometia, eu não voltei para o meu dormitório... Mas Nora também não o fez, então não me senti uma completa devassa. Um pouquinho de álcool me ajudou a inspirar mais confiança com Elio. Pela barulheira, acredito que ele tenha aprovado as atitudes, então ninguém saiu perdendo. Ok, talvez a minha cabeça saiu perdendo na manhã seguinte, mas nada que um café bem forte não resolvesse.

— Você foi muito corajosa, sabia? — Elio, o meu belo italiano, meu sol, sorri para mim na mesa do café, enquanto realizo meu sonho de princesa de vestir sua camiseta como pijama. Agora nossa combinação de fragrâncias dá um Mazagran, e eu como romancista de plantão amei todos os gatilhos sensoriais. — Me fez parecer um franguinho assustado com relação à casa e tudo o mais.

Eu rio sozinha, acenando uma mão como quem diz “ah, nem foi tudo isso”.

— Foi tudo isso, sim! Nem venha tentar se menosprezar!

Eu nem falei nada! Literalmente!

— Você sabe de uma coisa? — Elio se inclina para frente, como se estivesse prestes a me contar um segredo de estado. — Sempre que você faz essas piadinhas eu fico com uma vontade absurda de rir, não é justo...

Pois ria! Você tem um lindo sorriso!

Como eu já esperava que fizesse, Elio sorri com o meu elogio e suas bochechas ficam coradas de uma maneira adorável. Apesar de que ainda é estranho ter um monte de gente sorrindo para mim do nada, mas eu vou continuar tentando. Eu fiz uma promessa, não é agora que tenho a oportunidade de cumpri-la que vou dar para trás. Como eu disse, sou uma covarde, mas também não é para tanto.

— Está flertando comigo, Davies?

Abro um sorriso brincalhão, para combinar com o dele.

Estou sim! Mas, agora, falando sério. Estou morta de medo, ainda. Mas eu preciso assumir os meus erros. Não quero ser hipócrita. Tem tantos autores envolvidos com polêmicas e mentiras, não quero fazer parte dessa estatística, sabe?

— Eu imagino — Elio segura minha mão, acariciando o dorso com cuidado. — Mas você sabe que coragem é tentar apesar do medo, não sabe?

 Assinto com a cabeça, terminando de ouvir o que ele tem a me dizer. Não sem antes tomar mais um gole de café, porque o movimento da cabeça fez com que ela latejasse.

Nunca mais eu bebo.

É, eu sei. Mas só agora consegui tentar. Eu nunca tive vontade de tentar. Achava inútil. Não tinha importância.

— Sinto muito... — Elio beija a ponta de meus dedos, fazendo com que eu apoiasse nos cotovelos. Observo enquanto ele apoia o queixo em meus dedos, um gesto tão delicado que me encanta. Eu até agora não entendo como alguém tão doce pode ser tão menosprezado pelos pais. Bom... Eu não entro nesses assuntos, não é? — Eu... Posso te perguntar uma coisa?

Faço que sim, já que não posso sinalizar qualquer resposta agora.

— Tem mais algum motivo pelo qual você resolveu falar sobre isso? Além da identificação com as pessoas, com o acolhimento...?

Repito o gesto, porque sei que não estarei sendo sincera escondendo isso dele também. Nora não precisa ser a única pessoa sabendo de tudo sobre a minha vida, afinal de contas. Tive de desvencilhar nossas mãos, e respirar fundo para me concentrar no que eu precisaria falar.

Eu fiz uma promessa para alguém uma vez. Estava na hora de cumprir.

— Pode me contar?

Assinto com a cabeça. Enquanto esperávamos a resposta da editora, eu o contei todas as partes importantes da minha vida.

 

Logo quando estávamos para nos mudar para Vegas, o senhor Fox adoeceu. Mas, para a idade dele, ele estava até muito bem. Nosso período de formatura havia passado entre altos e baixos, notas insuficientes para ingressar numa universidade – e a falta de vocação para tentar um curso por fora – e muitas brigas e comparações, porém o que mais nos desestabilizou foi a doença. Não estávamos prontas para perder a única figura de amor que tínhamos em comum. Não era uma questão de pessimismo: já havíamos sido alertadas de que o bom senhor Fox partiria em breve, então não fazia sentido acreditar em milagres.

Por sorte, o senhor Fox tinha uma boa aposentadoria. Ainda assim, procuramos um trabalho que não era exigente e que nos dava liberdade para fazer visitas ao vovô, e foi assim que paramos em Vegas. Fomos eu, Nora e o Trambolho.

Obviamente, meus pais ficaram possessos. Donna amou a ideia – acho que, atrás de sua antipatia misteriosa por mim, havia uma torcida silenciosa para que eu saísse daquele caos todo. Então, além de prometer ficar com o meu Trambolho quando ganhamos a passagem para Florença, Donna me ajudou com a estadia em Vegas. Eu gostaria de ter mais para dividir sobre ela nessas poucas palavras, mas parece que tudo que tenho a dizer sobre Donna Davies de importante é isso.

Agora, parando para pensar, quando voltar para casa eu irei.... Tentar melhorar minha relação com ela. Acho que ela merece mais do que a relação que nossos pais estabeleceram entre nós. Se ela estiver disposta a isso, é o que farei.

Resoluções pós-conflitos estrondosos, com Diana Davies. Para mais dicas motivacionais, fiquem atentos às novas publicações de Artemis.

É. Patético. Eu sei. Estou melhorando isso.

Eu acho.

Enfim. Passávamos o máximo de tempo possível com o senhor Fox, incluindo vigílias com direito a descontos nos salários. Uma vida valia bem mais do que dinheiro e independência, e nisso Nora e eu não precisávamos nem discutir a pauta. Era algo estabelecido e pronto. Quando não era eu, era ela a afagar os cabelos prateados do avô e contar histórias sobre o mundo lá fora. Apesar do desinteresse, ele se esforçava para nos escutar e nos dar atenção. E nós, para não chorarmos na sua frente.

Numa das vezes em que fui até lá sem Nora – mesmo com um parente doente, não podíamos simplesmente faltar ao trabalho, não é? – o senhor Fox segurou minha mão com uma fraqueza que me partiu o coração. Observei-o aguardando com inquietação.

Você ainda está aqui, minha querida? ele boceja, acariciando minha mão. Que horas são?

Sinalizei um “4” com a mão. Como eu não era oficialmente da família, tinha que me driblar no horário de visitas e o sono desregulado. Tudo era motivo para pânico e, apesar de eu ter a opção de dormir no quarto um pouquinho, o senhor Fox estava acordado, então significava que eu podia fazer um esforcinho.

Ah... Acho que eu estou dormindo demais, não estou? ele ri, bem-humorado. Não é nada jovial da minha parte. Estou dando muito trabalho para vocês?

Fiz que não, abrindo um sorriso. Aproveitei a oportunidade para ajeitar o travesseiro, apesar de saber que as enfermeiras fariam aquilo bem melhor do que eu.

Sabe de uma coisa? Eu tenho duas netinhas que são muito boas. Não tenho motivos para ficar triste.

Senti meus olhos umedecendo no mesmo instante. Como era possível me manter firme quando ele dizia coisas daquele tipo, assim? Tive de me soltar de sua mão para conseguir responder, e confesso que o fiz com as mãos trêmulas.

— Obrigada por permitir que eu fizesse parte da sua família, vovô... Prometo cuidar bem da Nora.

É bom fazer isso... Ela se faz de durona, mas é muito carente, sabe? Puxou a mãe dela... Pobre menina, nem deve se lembrar da mãe... Ah, perdoe-me, querida, eu estou falando demais?

Fiz que não, apoiando os braços nas grades da cama.

— Pode falar o que quiser. Estarei ouvindo.

Muito gentil da sua parte, querida. Já que estamos fazendo promessas... Pode tentar fazer outra coisa pot mim?

Assenti com a cabeça, bem séria. Até mesmo a melancolia que tinha me acometido pareceu ter dado lugar ao momento. Eu sempre achei curioso como, em algumas situações, sabemos como agir de uma hora para a outra. Ou, como em meio a momentos inusitados conseguimos encontrar um pilar em que possamos nos firmar.

Tem que me prometer que vai tentar se orgulhar da Diana...

Permaneci observando-o com curiosidade. Eu não tinha entendido. Aquilo iria me exigir dois neurônios a mais, da redução que eu já estava fazendo.

É isso mesmo, querida... Eu sei que você já descobriu o que gosta de fazer, e é um meio difícil de levar a vida, mas... Eu ficaria muito feliz se você se orgulhasse de ser quem é, meu bem... Até que ponto você teme pela sua privacidade? Tem medo de que descubram que você é você por medo da fama ou por medo da decepção?

Engoli em seco. Ele tinha razão. Até aquele momento eu não pensava no meu trabalho como algo sério, só como passatempo. Para mim, jamais poderia ser ambos. Naquele ponto, eu sequer cogitava mandar o texto anual para a Orpheus. Mal sabia eu o que Nora estava aprontando.

Se algum dia decidir que é isso que quer fazer da vida, pra valer... Tente fazer com que seja algo totalmente seu, e não de alguém com quem divide o nome. Um pseudônimo não é algo proibido, mas uma nova personalidade apenas para se adequar ao público pode ser algo problemático. As coisas podem sair de controle...

Eu deveria ter escutado o vovô. É, eu sei.

— Prometo que vou tentar.

Muito bem... Confio em você, minha menina.

Continuamos discutindo trivialidades até a hora de Nora chegar. Os cabelos loiros tinham sido recentemente chapinhados até a altura dos ombros, diferentemente do longo que ela sempre havia se orgulhado de manter. Eu e o senhor Fox nos despedimos com um abraço cuidadoso, uma vez que o horário de visitas estava se encerrando e eu tinha que voltar para casa dormir. Nora sorriu com os olhos para mim.

E assim eu me fui.

Naquela noite, eu escrevi A arte do esquecimento. E guardei-a para mim, pois estava praticando ser a Diana.

Eu não estava presente quando ele teve uma parada cardíaca. Mas fiquei feliz de ter estado naquele momento e ter feito aquela promessa. Pois, se não tivesse feito, não estaria onde estou agora.

 

Elio me “escuta” com toda atenção, apenas parando ocasionalmente para perguntar sobre algum sinal que não conhece. Não me incomodo de que ele peça para fazer isso, afinal ele já me deu provas mais do que suficientes de que não se incomoda de se adaptar a mim, e não o contrário. Quando termino, enxugando os olhos com os pulsos, ele se ajeita ao meu lado na mesa para me abraçar.

— Sinto muito — ele murmura, fazendo com que meu coração palpite. — Muito, Diana, eu... Eu me sinto reclamando à toa da família depois disso, eu juro que...

Não — o interrompi antes que ele continuasse. — Ei, eu acabei de dizer para não se menosprezar. Nenhuma dor é insignificante. Posso não entender a sua, mas não a diminua só porque a minha parece maior. Por favor.

Ele ri baixinho, beijando meus cabelos bagunçados.

— Tudo bem, Capitã Davies. Estou tentando. Ainda assim... Eu me orgulho muito de você. Já deve estar careca de saber isso, mas não custa repetir. E, sabe... Na verdade, eu já tenho um tema para o meu livro. Com toda essa correria eu me esqueci de te informar disso.

Ergo uma sobrancelha, exigindo que ele me conte mais.

Entretanto, como estamos numa maré danada de encontros e desencontros, alguém bate à porta. Elio expressa seu descontentamento fictício com uma careta que me arranca uma risada que sequer me esforço para conter.

Era outra coisa que me deixaria curiosa para o resto da vida: como em momentos de aparente melancolia conseguíamos enxergar a fagulha de felicidade.

— Estão todos vestidos? — Reid faz-se ouvir do outro lado da porta antes de Elio abrir. — Se não estiverem, poupem-nos da visão.

— Depende de quem pergunta — Elio ri com maldade, recepcionando o amigo com um abraço. E para Nora, ele reserva um beijo na bochecha. — E aí, gente? Notícias?

Aceno de onde eu estou, aproveitando para baixar mais a camiseta. Por sorte ela é grande, me servindo de camisolão sem revelar a desavergonhada de algumas horas atrás.

— Na verdade, temos sim — Nora se avizinha ao meu lado, piscando com uma expressão brincalhona. — Sariyah já fez upload do vídeo, estamos agora só esperando a resposta da editora. Do jeito que já estão as visualizações e os trends... Não vai demorar muito.

Assinto com a cabeça, nervosa até a raiz dos cabelos. Reid senta-se ao lado da namorada, mas dá um apertãozinho carinhoso em meu braço. Sorrio para ele.

— Vai ficar tudo bem...

— E se não ficar enchemos a cara de novo — Nora complementa, com um tom de quem não liga para o perigo. — Vamos ver os trends topics.

Acompanho-a com um olho aberto e outro fechado. Meu medo da reação das pessoas não vai sumir de uma hora para a outra, mas tenho de tentar. Logo somos quatro cabeças reunidas num círculo olhando um celular. E eu, bufando feito um desenho animado.

— A maioria dos comentários é positivo, Lady Di — Reid sorri, apontando os que mais gosta. — Você tem o povo, pelo menos.

— É um bom começo — Elio opina. — Teoricamente falando, a voz do povo é a voz de Deus.

Nora franziu a testa para ele. Reid tenta outra:

— Deus escreve certo por linhas tortas?

— Eu não falaria bem assim dele — Nora ri de nervoso, bloqueando o celular. — É o suficiente. Vamos ficar esperando fazendo o que?

Então, não sei se é a ressaca falando mais alto ou se é o nervoso, mas respiro fundo e falo o que qualquer pessoa falaria no meu lugar.

Eu vou ao banheiro.


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Notas finais do capítulo

quem nunca recorreu ao banheiro na hora do nervoso, né? KKKKKKKKK
Enfim, vou deixar vocês com a reflexão do capítulo. Um beijão e até o próximo!



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