Artemis escrita por Camélia Bardon


Capítulo 17
014. Sabedoria dos tolos


Notas iniciais do capítulo

Oiii! Tudo bem com vocês? O capítulo de hoje é curtinho mas o próximo já prevejo ser gigante porque quero manter o cronograma com o número de capítulos rs. E sim, é a única coisa que vou me pronunciar a respeito, vocês que lutem!



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Voltamos à nossa devoção silenciosa mútua. Continuamos assim por mais quatro dias. A nova rotina que eu seguia era digna de todos os meus atrasos. Passei a levar meus afazeres comigo. O sol não ajudava, mas estava ali para me fazer companhia. Era mais do que suficiente – aliás, era mais do que eu merecia.

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Trabalhei por alguns dias em Meia Noite e Quinze, com a perspectiva do passeio na semana seguinte como recompensa. Mil palavras por dia, até o passeio. Menos que isso era inaceitável. Eu agradecia pelo fato de não ter tendinite – o que me surpreendia, em vista do serviço que fazíamos em Vegas –, do contrário não podia me arriscar em nome da criatividade. Nora me acompanhava sempre, da Università até o alojamento, do alojamento até a Università; pouco dizendo, mas muito significando. Vez ou outra eu a pegava me observando em silêncio e, quando nossos olhares se cruzavam, ela se levantava e deixava uma xícara de chá gelado ao meu lado. Então, eu sorria e ela voltava para sua poltrona para desfrutar de algum livro que Reid a emprestara.

Àquela altura, ela já estava versada em Robert Frost e Emily Dickinson. Num de nossos poucos encontros casuais, eu o escrevi em meu caderno que não a recomendasse Virginia Woolf. Nora sempre se imergia em suas leituras e séries, por vezes imitando a personalidade de seus personagens preferidos sem perceber. Uma vez, ela assistiu a tantos episódios de Modern Family que vez ou outra eu a pegava quebrando a quarta parede sozinha quando esbarrávamos com algum hóspede sem noção em Vegas. Reid apenas gargalhou e me prometeu que não faria isso. Eu não podia obrigar Nora a nada, mas eu mesma já estava pronta para admitir um cunhado daqueles.

De qualquer maneira, na sexta-feira à noite – um dia antes de nosso passeio para Veneza – tivemos nosso terceiro encontro no telhado. Até o momento, eu não havia parado para olhar as luzes de Florença durante a noite, mas era muito bonito observar as lâmpadas e os carros que passavam ocasionalmente delineando o contorno do Duomo. Fiquei doida de vontade de dar uma espiadinha na Ponte Vecchio apenas para ver como a lua estaria sendo refletida na água do Arno.

Ah, meu Deus, toda aquela aura romântica me mataria até sábado.

Fosse como fosse, eu me mantinha sempre um tanto afastada dos outros, apenas ouvindo. Após o incidente com Prince, procurei deixar minha presença o menos notável possível. Até agora deu certo. Quando retomo minha atenção para os outros falando, pego uma conversa de escanteio.

— ... e se for olhar a tradução, a escultura é um elefante, mas era chamada de Porcino — Mabel dizia em seu tom de voz retraído e animado. — Daí, de Porcino, que é “porco”, passou a ser Pulcino, que é “pintinho”. Sério, qual é o sentido?

— Tenho certeza de que tem um longo fundo histórico — Kiera a apoia, apesar dos outros rirem de sua indignação. — Procure um guia romano bem gato para te explicar, que tal?

Mabel agita a mão como quem ignora o que foi dito. Entretanto, como se trata de Mabel, entendemos que era questão de completo bom-humor. Daí, Sariyah sorri apenas olhando de um lado para o outro. A fatídica pergunta é feita por ela, em seu tom comedido e polido:

— E como andam os projetos de vocês? Decidi que vou fazer uma releitura para a Casa de Julieta — ela sorri com orgulho. — Mas é uma viagem de ida e uma de volta, são seis horas de transporte público...

— Quer companhia? — Kiera oferece. — Meu projeto também é em Verona. Vou fazer um genderswap de Romeu e Julieta.

Nora assovia, impressionada.

— A fanfic já nasceu pronta! Vou creditar sua ideia depois dessa.

Todos nós gargalhamos. Se há algo que já não é mais um guilty pleasure há tempos é uma boa fanfic. Até mesmo Prince concorda. Algo aconteceu para que ele tenha mudado da água para o gim – afinal, vinho talvez seja um pouco demais para se aplicar aqui. Já Sariyah confirma com a cabeça, animada para o passeio surpresa com a amiga. Ao me lembrar do meu, sorrio sozinha, agradecendo por estar de noite e não precisar exibir minhas bochechas coradas para o público.

— Bem, meu projeto depende da Mabel, então estamos na mesma — Prince oferta seu comentário, recebendo uma confirmação de cabeça de sua parte. — Dela e da porquinha-elefanta.

— Muito bem — Mabel segurou a risada. Em seguida, ela se volta para os três restantes. — E vocês? Como vão as coisas?

Elio parece achar que suas unhas são muitíssimo importantes, pois passa a observá-las com cautela. Transito meu olhar entre ele e Nora, mas ela me devolve o olhar com o mesmo ponto de interrogação que lanço a ela.

— O meu está em 75% — Reid sorri.

— Nem tento envolver matemática no negócio — Nora gargalha, empurrando-o com o ombro de brincadeira. Se os outros não notaram a obviedade entre os dois, estão cegos por opção. — Uh... Bati sete mil palavras essa semana. Depende do ritmo, mas... Acho que é isso aí. Tenho esperanças de terminar até o final da estadia VIP aqui.

Elio me olha de soslaio. O incentivo a falar com um sorriso de lado – apesar de ele pensar que não entendo o que está passando na pele, isso não me impede de oferecer apoio.

— Na verdade, eu... Ainda não comecei o meu projeto... Todas as ideias que tenho não... Não parecem ser dignas de serem escritas.

Seu tom é de cortar o coração. E não fui a única, porque todos sorriem para ele em compaixão sincera. Até mesmo Prince abandonou sua expressão blasé para olhar para o chão. Certo, talvez ele não seja uma pessoa ruim. Só é chato na maior parte do tempo. Enfim. Ao dizer isso, Sariyah pousa uma mão delicadamente em seu ombro, com profundo respeito. Tudo nela exala paz de espírito.

— Não se cobre muito por isso, Elio... Ninguém está aqui para ser uma linha de produção.

— É, cara, a publicação do livro é opcional — Reid sorri, ajeitando os cachos ruivos na frente dos olhos. — Olha que cidade bonita e que gente bonita que a gente convive... Só isso já vale a pena. Digno de ser escrito com os olhos e o coração. O amor é a sabedoria dos tolos, meu amigo.

Eu e Nora suspiramos quase ao mesmo tempo. Ainda bem que ninguém repara nesse detalhe, uma vez que o relacionamento entre eles é “segredo” e eu ainda me esforço em manter minha pose de misteriosa. Apesar do conselho, Elio abre um sorriso pensativo, enquanto os outros voltam às suas partidas de tênis gramatical. Lanço meu melhor olhar solidário a ele, que felizmente é retribuído sem rodeios.

— O segredo é citar Shakespeare sempre que possível — Prince brinca, nos tirando dos devaneios.

Touché.

 

De manhã bem cedinho, já estou levantando para me arrumar. Isso inclui uma ducha fria, lavar o cabelo e ter o cuidado de secá-lo um pouco para os cachos ganharem uma mísera definição. Depois, após Nora insistir em me maquiar – o que envolveu apenas um batom cor de boca, delineador marrom no canto externo dos olhos e rímel – coloquei seu vestido de margaridas que ela usou em seu primeiro encontro com Reid. Por algum motivo, todas as minhas roupas pareciam simples demais para Veneza. E isso que ninguém ia ficar me fiscalizando enquanto estivesse lá, hein?

Sei que, no momento em que bato à porta de Elio – afinal, ele não divide o apartamento e não corro o risco de atrapalhar o sono precioso de ninguém – minhas pernas estão se tremendo feito uma vara verde. Censuro a mim mesma por me deixar ser uma boba. Quanto menos expectativas nós temos para as coisas, há menos chances de aquilo chegar a proporções catastróficas, porém... Por outro lado, uma dose de expectativa é suficiente para dar a devida importância para qualquer coisa que seja. Eu só esperava não surtar de uma hora para a outra por culpa de expectativa em excesso...

Enfim. Então, ele abre a porta e me recepciona com aquele sorriso sonolento de sempre. Seus olhos sorriram primeiro, depois os lábios. Sorrio junto a ele, morrendo de dó por tê-lo feito acordar cedo. Além do bom dia, eu o consolo:

Podemos dormir no trem.

— Ótima ideia, Diana — em seguida, ele boceja, coçando a nuca. Fico imaginando-o tombar para frente com o corpo pesado de sono. — Bom dia... Eu prometo elogiar você devidamente assim que acordar. Eu preciso... De novos ares. Com urgência.

Assinto com a cabeça, oferecendo meu braço para ele se apoiar. Confesso que o calor que permeia meu corpo enquanto o faço não é desagradável como o calor insuportável das manhãs do verão mediterrâneo. É um tipo de calor psicológico, para não dizer outra coisa.

Apesar de provavelmente não ter tempo de ler, carrego A História do Novo Sobrenome comigo. Saboreio as palavras da autora no céu da boca, como se tivessem sido feitas para o momento. Faço apenas uma pequena mudança no trecho. “As palavras dele eram brotos que em minha cabeça se tornavam flores mais ou menos conhecidas.”

Elio havia plantado uma semente em meu coração. E regou-a com bocejos e sorrisos no olhar.

Partimos para Veneza no trem matutino, e permito que ele se deite em meu ombro.

Se não posso ser Artemis no momento, posso ser uma perfeita Diana.


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Notas finais do capítulo

Obrigada pelo carinho de sempre ♥ eu não sei vocês, mas tô ansiosa para escrever o próximo!



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