Artemis escrita por Camélia Bardon


Capítulo 11
09. Tudo que escolhemos esquecer


Notas iniciais do capítulo

Oioi! Tudo bem com vocês? Com o dia atípico de postagem, venho por meio dessa informar que teremos dois capítulos esse mês! o/

Esse capítulo pode conter gatilhos de assédio. Se não se sentir confortável ao ler a cena, por favor, pule sem peso na consciência. Dito isso, boa leitura!



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Quem sabe se eu optasse pelo intermediário?

Reajustando minha estratégia, voltei a colocar minha blusa. No entanto, em vez de puxar as manas até os pulsos, arregacei-as até a altura dos cotovelos. Frio, mas não a ponto de me fazer bater os dentes.

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Sobrevivi àquela noite sem a Nora, como disse que faria. Nora, por sua vez, igualmente sobreviveu sem mim, porque chega enquanto eu estou passando um café naquela bendita cafeteira a vapor que finjo saber usar. Vestida com seu vestido azul-petróleo estampado com raposinhas e folhas, penso que jamais a vi tão confortável consigo mesma. Sinto-a envolver minha cintura num abraço, contendo os pulinhos de animação.

— Bom dia, bom dia, bom dia — Nora entoa, com seu humor inabalável. — Tudo bem?

Comigo? Não mais que com você — respondo depois que ela me solta e vem para o meu lado. — Preciso perguntar como foi sua noite?

— Precisa! Ah, por favor. Sinto-me com quinze anos e sinto que nunca tive um encontro antes, na vida. Florença é puro romance, Di. Deveria se chamar “a cidade dos suspiros”. Por falar em suspiro, sabia que existe um doce chamado “suspiro”? Na verdade, é merengue, mas suspiro é tão mais agradável...

Eu rio sozinha, fazendo um gesto com a mão que indicava que ela podia falar à vontade. Parte de não falar estava implícita em amar ouvir.

— Reid é um fofo. No começo, eu achava que ele e a Sariyah tinha alguma coisa, sabe? — enquanto falava, Nora se ajeitava para me ajudar com o café. Aos poucos eu ia decorando o nome dos alimentos. Pane casereccio era como se dizia “pão caseiro”. Spalmabile era o que gostávamos de chamar de “patê de queijo”. — Mas aí ele achou um absurdo. Quer dizer, eu esqueço que a Sariyah tem outros princípios... Acho que toda mulher deixa de se sentir segura com outra por perto tão legal quanto você, né?

Confirmo com a cabeça. Nora parece ter notado que me distraí com a sentença, porque gagueja um tanto sem-graça:

— Eu não quis... Sabe? Desculpe. Bem, e aí ele achou um absurdo. A única vez que foi direto foi quando ele disse daquele jeitão próprio: “Se eu gostasse da Sariyah, dona, eu teria a chamado para sair, e não você. E pior: ela teria me dado o fora. Você eu ainda tinha o benefício da dúvida”. O benefício da dúvida, Diana, dá para acreditar nisso?

Dá. Qualquer homem daria à Nora o benefício da dúvida. Ela tem aquela aura de que está sempre acima de todos, ainda que não tenha essa intenção. Isso os faz acreditar que ela irá quebrar o coração deles antes de terem o direito de se aprofundar emocionalmente.

— Então, depois disso, fomos provar o tal do merengue. E foi lindo ver o pôr-do-sol, e... Ah — então, ela suspira como um merengue vivo, o que me faz sorrir enquanto sirvo-a uma xícara de café. — Não é nada oficial, mas foi uma noite maravilhosa. Tenho que te confessar que eu fiquei secretamente satisfeita por ele não ter experiência em... Você sabe.

Claro que sabia. Não éramos do tipo que narrávamos nossas aventuras sexuais uma para a outra, mas não éramos hipócritas de fingir uma a outra sermos completamente puritanas. Por exemplo, quando Nora teve sua primeira vez, ela me contou. Não detalhadamente, porém não me poupou de contar por medo do que eu iria pensar dela. E, quando eu fiz algo parecido, também contei a ela. É claro que foi uma situação agridoce.

 

Aconteceu na primavera. Recém-formadas com nossos dezoito anos, nós gostávamos de brincar que estávamos no controle de tudo. Éramos inseparáveis. Davies e Fox, Fox e Davies – pouco importava a ordem, mas os sobrenomes estavam inevitavelmente juntos. Tínhamos um plano para tudo. Se não tínhamos, inventávamos um apenas para ter o prazer de ver tudo dar errado e rir disso. Sempre vi Nora mais como irmã do que Donna, que me era de sangue. E o que poderia dar de tão errado naquela idade em Sedona, afinal de contas?

Assim como éramos inseparáveis, os garotos sempre amaram mais a Nora do que a mim. No entanto, para chegar a ela, precisavam se escalar na amiga que não era nada demais. E foi assim que surgiram Robert e Callum.

Callum queria impressionar a Nora, por isso se aproximou de nós duas com Robert. Quase como em 10 Coisas que Odeio em Você, com a diferença de que eu não era uma megera. Para agradar minha amiga, aceitamos ir ao baile de formatura em um encontro de casais. Robert não era um cara ruim, afinal era amigo de Callum, que por sua vez era um doce. Acho que ele só não sabia lidar com garotas em geral.

Garotas, as peças da sociedade que eram frias e sem coração. As garotas, que tanto magoam os garotos por os rejeitarem.

É engraçado como, quando somos mais novas, a maioria de nós se atrai ou se envolve pelos que se autoproclamam solitários e rejeitados. Ao invés de enxergarmos como um aviso de maturidade, íamos atrás como se apenas conosco aquilo mudaria. Antes que tente fazer isso, deixe-me lhe contar um segredo...

Não vai.

Por mais que hoje seja óbvio eu saber que não dá para mudar uma pessoa a menos que ela queira fazer isso, com dezoito anos e uma sede de ser alguém, qualquer coisa era válida. Incluindo sair com alguém que mal conhecia para algo tão sério e divisor de águas quanto o baile de primavera.

É claro que meus pais ficaram contentíssimos. Como se convidar uma muda para o baile de primavera – visando agradar o amigo! – fosse um ato de caridade do mais alto nível. Mas lá estávamos nós: Shake it Off era um hit internacional, ninguém aguentava mais escutar Let it Go e a One Direction ainda estava viva. A vida era linda, quem dera nos déssemos conta na época.

O baile em si foi ótimo. Devo dizer que foi um dos melhores momentos da minha adolescência. Nora e eu nos acabamos de rir. Callum foi um cavalheiro, e meus pais me deram bandeira branca para se quiséssemos voltar mais tarde – isso, excepcionalmente, foi mérito de Donna. Mesmo sem ter a intenção de fazê-lo, disse que se “eu mereci esse direito, Diana tem diferença em quê?”. Então, quando Callum e Nora quiseram ter seu momento de recordação pessoal do baile no banco de trás do carro de Robert, eu e ele saímos para dar uma volta pelo bairro.

Estávamos há alguns quilômetros de Vegas, mas as luzes da cidade podiam ser vistas de onde estacionamos o carro. Era quase surreal pensar em como cidades tão próximas podiam ser tão destoantes uma das outras. Como se lesse minha mente, Robert comentou – aparentemente por obrigação:

Noite bonita, não?

Mecanicamente, assenti com a cabeça. Robert sabia conversar comigo, só não se daria ao trabalho de tentar interpretar no meio de uma noite estrelada. Os faróis do carro estavam muito longe.

Está muito bonita, por falar nisso com a fala, fui obrigada a olhar de soslaio para ele. Certo, ele não era um príncipe, mas era ao menos educado... Não era? Gostaria de fazer a noite valer a pena também, Diana?

Então, não soube como reagir. Situações como essa eram as que mais me faziam fervilhar de ódio por mim. Como eu poderia gesticular em minha defesa quando não estavam dispostos a sequer ouvir, que dirá observar? Antes que pudesse me atentar a tudo que estava em jogo, Robert me prensava contra a cerca de madeira que delimitava o terreno atrás de nós. É só um beijo, pensei eu. Todas as garotas da sua idade já beijaram um cara na vida. Não precisa ser agradável.

Logo, o tal beijo veio. Hálito quente contra o meu polvilhado de balinhas de menta que substituí por água no baile. Mãos, mãos por todo o lado. Não deveria estar me proporcionando algum deleite pessoal? A sensação de conquista, de finalmente estar caminhando ao lado das outras? Por que então só me vinha a sensação de estar tudo errado e que tinha acabado de tropeçar na linha de chegada?

Optei por usar o “não” em sua linguagem universal: duas mãos bloqueando o abdômen que insistiam em tentar me eclipsar. Logo eu, a Lua?

Apesar de entendido, Robert preferiu agir que eu estava apenas insegura, porque tentou mais uma vez. Desta vez, minha paciência esgotou-se. Com uma trilha de mãos quentes pelo meu corpo, desviei para baixo e para o lado oposto, pondo-me a marchar para longe.

Ei! Onde pensa que está indo? escutei-o chamar, ao longe. Apesar de ter me afastado apenas alguns metros, o alívio me deu milhas de vantagem.

Voltei andando para casa. Não senti os pés doendo quando Donna desamarrou as fivelas dos sapatos, com um silêncio solidário. Podíamos não ser as irmãs que eram melhores amigas e confidentes, mas aquele foi um dos momentos que o consolo vem de lugares inesperados.

No dia seguinte, Nora me contou que teve uma noite excelente. E eu contei que tive meu primeiro beijo.

É claro, deixando de lado o detalhe de que ele foi um fiasco. E que me deixou apavorada.

Eu não deixaria essa culpa cair sobre Nora. Se não tem pão, que comam bolo.

 

— Mas, então — Nora continua dizendo, o que me faz voltar para a órbita terrestre. Minha mão continua imóvel no bule de café que estava prestes a servir minha xícara. É possível que eu tenha reformulado todo aquele dia em questão de segundos. O tempo é mesmo relativo, vejam só. — Talvez eu tente novamente para ver no que dá. É um tanto estranho pensar que o tempo em Florença vai acabar uma hora, não é...?

É a primeira vez desde que chegamos que paro para pensar que não vamos ficar aqui para sempre. Que dispensamos Vegas e que, quando voltarmos, teremos que recomeçar a vida. Mesmo se as vendas de Meia-Noite e Quinze derem absurdamente certo, não será o suficiente para nos mantermos pelo resto dos dias.

Aparentemente o plano B terá de ficar para quando lançarmos o livro. Até lá...

Deixo a frase pairar no ar, quase como o aroma do café e do queijo fazem agora. Entretanto, sendo quem é, Nora acrescenta num tom cômico:

— Se entupir de merengue. Ah! E há sempre a possiblidade de decorar o sotaque italiano e tentar a vida de dançarina em Las Vegas. O pessoal lá gosta de garotas europeias...

Não há jeito de segurar a risada, apesar de só a voz de Nora ressoar no cômodo. Após finalmente nos sentarmos propriamente dito para tomarmos um café da manhã decente, comento o que acho depois de todo o monólogo acerca de Reid.

Não acho que haja a necessidade de hesitar com ele, dona raposa. Reid é um cara legal. Se não for... Entupo-me de suspiros com você, sim?

Nora assente com a cabeça, tomando um gole do café e mirando o horizonte quase como se tudo fizesse parte de uma grande questão filosófica da vida.

Consigo imaginar Reid fazendo o mesmo com Elio, apesar de suspeitar que Elio não esteja tão acordado quanto eu estou.

O pensamento me faz sorrir, apesar de eu não conseguir definir bem o porquê.


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Notas finais do capítulo

É agora que queremos colocar a Diana num abraço e não largar mais, produção?
Até mais!



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