Jiang Yanli. Rosto alvo, sorriso adorável, olhos gentis. Educada, solícita, calma. Está nervoso? Ela pode te fazer um chá. Yanli cozinha uma ótima sopa de osso. Já viu como ela ajuda os irmãos o tempo todo? Haja paciência! Essa garota deve ser um anjo enviado dos céus.

Esse tipo de comentário não era incomum aos ouvidos de Yanli. Desde que se deu por gente, ela sabia que agradava os outros com sua conduta impecável, com sua bondade imensurável. Mas aí está a pegadinha: antes de se dar por gente, Yanli se deu por mulher.

Não se engane pela expressão paciente e receptiva — Yanli está sempre furiosa. Seu eu bebê chorou durante o parto de revolta por a vir esse mundo como mulher. Primogênita de Jiang Fengmian, líder do clã Jiang de Yunmeng; de que utilidade é esse título quando se é mulher? E claro que logo seus pais trataram de reparar o erro e dar à luz Jiang Chen, o orgulho macho, para compensar a falha inicial da existência de Yanli.

Por que se dedicar ao cultivo quando sabia que não era destinada à liderança de seu clã? Deixar transparecer seu afinco pelas artes, seu interesse em luta – atividades inúteis para sua imagem — apenas denunciaria suas preferências e as limitações de sua posição.

Ser assertiva e reivindicar o que é seu de direito como sua mãe faz ao lado de seu pai? Isso é pura humilhação, já que no final do dia era o patriarca quem ganhava o mérito pelo cultivo da Aranha Violeta. Prefiro cozinhar a cultivar, mentia Yanli. E, assim, ficava com a barriga no fogão.

Yanli conheceu o seu espaço na cozinha, seu lugar como mulher, e decidiu crescer seguindo as regras do jogo. Seja educada, cuide dos mais velhos, sorria ao cruzar olhares com alguém. Finja vergonha e abaixe a cabeça na presença de homens. Cubra os lábios com a mão ao sorrir. Faça mistério e esconda seus segredos por trás de seus longos cabelos negros.

Atraia um homem bonito, se case e ganhe domínio dentro de casa. Se dona de casa é o máximo que conseguirá, busque pelo título com sangue nos olhos.

E, então, Jin Zixuan caiu como uma luva em seus planos.

Um casamento vermelho e dourado, cheio de prosperidade e com a promessa de um lar para chamar de seu — um lugar para ser a rainha. Um filho para abençoar sua vida e provar seu valor na nova família.

Mas Yanli mentiria se dissesse nunca sonhar com uma vida alternativa.

Uma vida como a líder do clã Jiang.

A revolta dentro de si às vezes extrapolava e trazia à tona imagens inimagináveis. Veja que homem privilegiado, o que você fez para chegar aonde chegou na vida? As reuniões com líderes frequentadas por Jin Zixuan lhe embrulhavam o estômago. Surgia um ímpeto de gritar, cuspir, socar e chutar.

Agora, com uma espada encravada no peito, Yanli só pensava como era irônica a sua morte. Mais uma vez, ela assumia as consequências pelas ações imprudentes de algum homem. Atraída pela confusão de Wei Ying e nos braços de Jiang Cheng, sua vida lhe era tirada na presença de quem a fizera se sentir tão inferior.

Seguir as regras por quê... Se é esse o resultado? Seria assim que sua mãe se sentiu durante sua morte?

E, no final, não há resposta certa.

A existência de toda mulher é uma luta.