Sono Eterno escrita por Nat Rodrigues


Capítulo 10
Martírio


Notas iniciais do capítulo

Oi gente! depois de 2 meses, cá estou para finalizar a historia.. sim, finalizar. Boa leitura!



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Estar preparado para a morte, sua ou de pessoas conhecidas, é um privilégio de poucos, se é que possa ser considerado um privilégio. Apesar de ser uma das únicas certezas que a vida oferece, e ter como natural o curso encaminhado para o fim, a compreensão de que, o que era, já não o é mais, envolve um longo processo. Ainda que, no mundo bruxo, muitos artifícios possam ser usados para tapar o vazio da morte, essa é uma ferida aberta em Ian Hwang, e consequentemente, em Elizabeth após a garota invadir sua mente. O caos interior equiparava-se ao caos em que seus amigos se encontravam após lidar com o lobisomem e a chegada inesperada de Fernanda, juntamente com Anhangá.

— Elizabeth, você está bem? Que feitiço usou em Ian? A perna dele continua ficando verde! - Melanie aproximou-se dos dois. Folhas secas sujavam todo o uniforme, misturado ao suor dos momentos de tensão vividos.

Dara finalmente havia se lembrado de um feitiço que ajudava a cicatrizar ferimentos mais rapidamente, interrompendo o sangramento de Mary e deixando-a estável, apesar de já ter perdido muito sangue. Fernanda estava ao seu lado, apoiando o corpo debilitado da sonserina, e Lisbeth continuava deslocada, andando de um lado para o outro, sem saber o que fazer, com medo de que Anhangá voltasse. 

Vendo o estado de seus colegas e com um esforço imenso, Elizabeth conseguiu se lembrar de quem era e o porquê estava ali. 

— Eu… O que… Aconteceu? - Se lembrar era diferente de conseguir dizer. A angústia presa em sua garganta emergia como lágrimas pela face.

— Precisamos sair daqui antes que aquele monstro volte! - Lisbeth gritou chamando atenção. O olhar que recebeu de Fernanda não foi nada amigável.

— O monstro salvou nossas vidas do lobisomem. Deveria ser mais grata. 

— Grata?! Provavelmente é ele quem vem matando os alunos! Mas espera… Você estava com ele, não é? Mon Dieu

— Anhangá está aqui para me proteger. Ele não tem nada a ver com o que vem acontecendo… Mas talvez seja responsável pelo estado de Ian. Ele disse que colocou algumas armadilhas pela floresta.

— Você quer nos convencer que conversou com a criatura? - Lisbeth enfatiza exageradamente. O medo que sentia era tão grande que não fazia esforços para medir suas palavras, sendo elas ofensivas ou não. — Sempre soube que você é uma selvagem

— Lisbeth! - Dara repreendeu. Não havia espaços para discussões e ofensas, precisavam sair dali. — Pessoal, precisamos nos revezar para levar Ian até o castelo, por favor, não é hora de brigar. 

— Verdade. Elizabeth, você consegue se levantar? Não conseguimos carregar você, Mary e Ian. - Melanie constata, oferecendo a mão para a sonserina, mas é ignorada. 

Um impasse envolve todo o ambiente. Dara e Melanie pareciam ser as únicas alheias a tensão, preocupadas em criar estratégias para que todos saíssem vivos de lá. Fernanda ter aparecido com Anhangá não fazia sentido, mas não podiam negar que estavam a salvo graças a isso. Ian permanecia desacordado, mas sua feição demonstrava toda a dor que sentia ao ter seu corpo modificado pela poção; não se sabe se felizmente ou infelizmente, mas a poção parecia ter um efeito lento, o que deixava a esperança de reversão acesa, acompanhada da tortura da transformação.

Va te faire foutre! - Lisbeth murmurou se encaminhando para a mata. Estava disposta a deixar todos para trás, se isso significava estar a salvo. Ela não era uma heroína, não é? Se sacrificar por outras pessoas não valia a pena a seu ver. Não se importou nem calculou que, sem ela, os colegas provavelmente teriam que deixar alguém para trás. 

Todos ficaram em choque com sua atitude. Sentiam na pele toda a pressão, medo e frustração, assim como ela; não era possível que a essa altura ela estivesse abandonando-os. Mas, diferente de seus planos, Lisbeth não conseguiu sair da floresta e muito menos voltar para o castelo. Mal havia dado as costas aos colegas quando a figura imponente de Anhangá se colocou à sua frente, fazendo com que Lisbeth ficasse petrificada. Foi como se o tempo tivesse parado e os únicos sons que preenchiam o ambiente continham os gemidos agoniados de Ian e Mary, o choro de Elizabeth e a respiração do grande veado branco que voltava suas orbes flamejantes para Lisbeth. 

Olhos flamejantes são tão certeiros quanto a ruína da rejeição... - Fernanda citou. Sua face, apesar de apática, demonstrava certo cansaço e irritação. Melanie olhou atônita para a brasileira, prestes a perguntar o que ela queria dizer ao citar a profecia, mas antes que pudesse fazer isso, assim como acontecera no salão comunal da Sonserina, o barulho ensurdecedor de um assobio se fez presente, fazendo-os taparem os olhos e ouvidos. Quando o barulho cessou, Anhangá e Lisbeth estavam desaparecidos. 

— O que… O que aconteceu? Onde está Lisbeth? Porque isso tem a ver com a profecia? - Melanie começou a falar rapidamente. Não entendia o porque, mas sentia uma vontade enorme de chorar. Havia um motivo para que todas aquelas coisas estivessem acontecendo? Não era cruel demais os alunos estarem a desamparados daquela forma e correndo riscos tão sérios?   

— Receio que Lisbeth tenha cavado a própria cova. - Fernanda sentenciou fechando a expressão. Não sabia o que o espírito da natureza faria com a companheira de casa, mas ilesa Lisbeth não sairia. Além de insultar, a garota estava disposta a deixar os outros a própria sorte, como se rejeitasse estar ao lado daqueles que precisam de ajuda. E como a própria profecia diz, a rejeição é certeira, assim como sua consequência. 

— Vamos… Vamos ao castelo buscar ajuda. Isso é o melhor que podemos fazer agora. - Dara decidiu, sentindo seu coração se comprimir. Tudo parecia estar dando terrivelmente errado. Eles não conseguiriam descobrir o assassino, fazer uma busca por Lisbeth e salvar os feridos daquela forma. Tão logo terminou de falar, segurou Elizabeth pelos braços, ajudando a garota a se levantar e instruiu Fernanda a carregar Mary enquanto ela dividiria o peso de Ian com Melanie. 

— Nós conseguimos. Vamos sair a salvo dessa. - Certificou, em busca de esperança. Apesar disso, esperança era tudo que os alunos não sentiam. 

Sorte não é a melhor palavra para descrever, tão pouco pode-se afirmar que as preces e questionamentos de Melanie haviam sido ouvidos, mas, desde que Elizabeth lançou o feitiço em Ian, um clarão azul havia sido avistado do castelo, e agora um grupo de professores e aurores se encaminhava ao encontro dos alunos. Não demorou para que se cruzassem dentro da floresta, ajudando-os a voltar para a escola. A comoção que o encontro proporcionou foi gigantesca, e mesmo alguns aurores insistindo em fazer interrogatórios ou exigir saber porque os alunos estavam ali, os professores tomaram conta da situação enviando primeiro todos para a enfermaria.

— Claire! - Dara correu para abraçar a amiga. A corvina havia ido para a enfermaria assim que soube do que o clarão que avistara se tratava. Graças a ela, seus amigos haviam sido salvos. — Você está bem? Eles te liberaram do interrogatório?

— Acho que a pergunta certa é se vocês estão bem… O que aconteceu? - Claire corrigiu. 

— Nós… - Dara iniciou, incerta do que falar. Agora, fora da floresta, e sem toda a adrenalina do momento, deu-se conta de que encarara a morte e lidou com muito mais do que imaginou um dia ter que lidar. — Não estamos bem. - desabou, começando a chorar. Claire mais que depressa envolveu a amiga num abraço, tentando acalmá-la. 

Por estarem dessa forma, as duas garotas não perceberam quando a enfermaria foi se esvaziando, restando apenas os alunos que estavam na floresta, uma enfermeira que recitava um feitiço tentando atrasar a transformação de Ian no canto esquerdo, afastado das outras camas, e Minerva junto de Michael Tribiane. Era hora de oferecer respostas, mesmo que todos se sentissem dentro de uma noite nublada: na escuridão,  sem conseguir olhar para que direção seguir.

— Entendo que estão abalados, mas preciso de uma explicação. - A diretora iniciou. — Vinte pontos serão tirados de cada aluno, e uma detenção os acompanhará até o fim do ano! 

— Detenção? Eles vão é para Azkaban! - Michael desdenhou. — Então se souberem de algo, é melhor abrir a boca. 

Os alunos encaravam-se receosos. Como começar? O que dizer? Deveriam alertar sobre Lisbeth? 

— Nós tentamos te alertar, diretora… - Mary falou tão baixo que só conseguiram ouvir porque o silêncio atravessava a enfermaria. — De manhã, contamos sobre Anhangá…

— Anhangá não tem nada a ver com o que está acontecendo. - Fernanda interrompeu Mary. Não deixaria seu protetor tomar a responsabilidade.

— Anhangá? - Tribiane indagou confuso. Já Minerva, possuía os olhos arregalados, enquanto lembrava-se da conversa que teve com as alunas da Sonserina pela manhã.

— Ele é um espírito da floresta e meu protetor. Quando encontrei meus colegas, eles estavam sendo atacados por um lobisomem, e foi ele quem nos salvou. 

— Mas também foi ele quem desapareceu com Lisbeth… - Melanie acrescentou timidamente. Não queria brigar ou entrar em discussão, mas uma aluna estava desaparecida, eles não podiam ignorar isso. 

— O quê? - Claire exclamou abismada. 

Demorou para que os alunos entrassem num acordo para contar o que acontecera. Dara acabou por explicar o motivo de terem se unido e ido até a Floresta Proibida e o que tinham enfrentado, enquanto Fernanda explicou sua história junto do espírito da floresta, além de Melanie tem reforçado a questão de uma das linhas da profecia ter se concretizado. Minerva enviou professores e aurores para que procurassem por Lisbeth, mas não sabia-se o que esperar. A história, apesar de confusa, fazia sentido. A única que ainda não havia se pronunciado era Elizabeth. O tempo todo que se passou, a sonserina tentava organizar seus pensamentos, para contar a todos o que sabia. Além de ter invadido a mente do lufano e encontrado sua coruja morta, não tinha mais provas contra ele. Também não conseguia prever a reação daqueles que eram próximos do garoto, mas não podia se dar ao luxo de se preocupar com isso agora, a verdade precisava ser revelada. 

— Ian… Foi ele quem matou Natalie Primus e Lilith de Aradia. - Finalmente falou. Todos os olhares se voltaram para Elizabeth; até mesmo os da enfermeira que atrasava os efeitos da poção no garoto desacordado. 

— Essa é uma acusação grave, senhorita Rosier. - Minerva respondeu-a. Michael Tribiane sorriu de lado, satisfeito com a informação. 

— Eu sei. - Elizabeth assentiu. Com o pesar e a dor de cabeça que a acompanhava, explicou tudo o que havia visto através do feitiço. Cada lembrança dolorosa e marcante, cada situação de injustiça e cada momento de desolação passado pelo lufano, culminando com o momento de morte de Natalie. 

O choque a tensão que se instaurou na sala assim que Elizabeth terminou de falar, equiparava-se a uma noite tempestuosa. Os raios e trovões deixando tudo elétrico e instável, com os ventos fontes, derrubando e destruindo aquilo que já existia. Mas neste momento o que era destruído eram certezas e ideias pré formadas. As gotas da chuva, como as lágrimas daqueles que não queriam acreditar nas informações passadas. E o medo, medo do que aconteceria ao fim da tempestade, pois não havia previsão de calmaria.  

Como se pudesse estar ouvindo, mesmo com a tortura da transformação, um grito rouco irrompeu da garganta de Ian. 

A máscara cai, o teatro termina.— Michael cita a profecia, satisfeito pelos alunos terem feito seu trabalho, poupando-o de continuar muitos dias na escola. — É bom que você sofra, criança. - Desejou  baixinho atento à Ian. 

Os alunos até tentaram argumentar, mas Minerva os mandou para suas salas comunais. Agora Ian era um assunto do Ministério da Magia, e eles nada podiam fazer além de pagar a punição por quebrar as regras da escola. A única que permaneceu na enfermaria foi Mary, que ainda precisava de tratamento e repouso. Foi ela também que viu quando na madrugada um bruxo chegou, através de um portal, com a poção de reversão, impedindo Ian de se transformar numa árvore e, mais tarde, quando Lisbeth foi encontrada num estado delirante na Floresta Proibida, e encaminhada para o Hospital St. Mungus. A enfermeira comentou com ela que teriam um trabalho muito grande para reverter seu estado e que o lufano permaneceria no castelo até acordar e poder dar um depoimento, para depois ir a julgamento. Foi por estar na enfermaria que Mary perdeu o discurso que Minerva fez no salão de refeições, avisando a todos que o possível assassino havia sido encontrado e todas as provas estavam sendo analisadas, causando comoção e alívio para alguns. 

Melanie, Dara, Claire, Fernanda e Elizabeth não estavam autorizadas a contar para os outros o que sabiam, pelo menos não até terem certeza dos fatos. Mesmo assim, diversas histórias e versões corriam pelas casas, numa tentativa de entenderem porque outros alunos estavam desaparecidos (Ian, Mary e Lisbeth) e porque aquele grupo seleto havia sido visto na Floresta Proibida. As expressões e comportamento das garotas também ajudava a montar as histórias: Dara estava terrivelmente abalada, assim como Claire. Elizabeth passou a tratar os outros com mais gentileza do que os alunos se lembravam de um dia tê-la visto fazendo. Fernanda adquirira uma seriedade e distanciamento, além de também estar respondendo pelas atitudes de Anhangá (que não voltou a aparecer). E por fim havia Melanie, que ainda se sentia atormentada pela situação, mas principalmente porque a profecia ainda não havia terminado. Faltava um único verso: Bruxos se ajoelham diante do sono eterno. E ela só veio a saber o significado quando, semanas depois de tudo ter acontecido, ocorreu o julgamento do lufano, que foi a notícia da semana do Profeta Diário. 

Uma foto de Ian no centro, com o olhar sem vida encarando o chão, cobria toda a página principal. Seu rosto bonito estava magro, e com manchas roxas abaixo dos olhos. As linhas de expressão mais marcadas, como se ele revelasse que carregava um pecado imenso nas costas. Ele confirmou a versão de Lisbeth sobre a morte de Natalie e confessou ter causado a morte de Lilith, alegando que precisou se livrar dela por estar interferindo seus planos. Quando perguntado sobre a quais planos ele se referia, Ian expôs tudo que havia planejado para acertar o topo da pirâmide social do mundo bruxo e como as coisas saíram de seu controle depois da recusa da amiga que se sacrificou. Mas mais do que expor seus planos, ele desvelou todo o racismo e preconceito enraizado entre os bruxos, e como seu arrependimento dizia apenas de ter causado a morte de garotas inocentes, mas não de promover um levante contra a todo o sistema infernal regido por aqueles que detinham o poder, exalando a raiva que por anos teve que reprimir. 

A sentença dada atribuiu anos de prisão em Azkaban, que não foram cumpridos, pois dois dias após ter sido levado até lá, seu corpo foi encontrado sem vida, ao lado de um vidro de poção morto-vivo, e de um pequeno bilhete com a frase: “Quanto mais de sangue é necessário cair para que nós deixemos de ser invisíveis?”.

Novamente, Ian ganhou as manchetes. Porém, desta vez, algumas pessoas começaram a simpatizar com seus atos e atribuir a atitude dele a uma martírio. Assim como o sangue inocente das garotas, o dele era inocente a partir da visão que pirâmide social sempre desprezou e matou aqueles considerados inferiores (seja estrangeiro, seja mestiços ou outras criaturas mágicas). Outros já afirmavam que era loucura considerar justo ou mesmo ver sentido nas ações de uma criança com raiva do mundo, mas grande poder destrutivo, já que havia feito as estruturas balançarem. 

Para o bem ou para o mal (ou mesmo para os dois) inúmeros bruxos começaram a se articular, e ganharam apoio de centauros, elfos, gigantes e outras criaturas mágicas, se autointitulando “Visíveis”, a fim de ganharem o espaço que a muito já devia pertencer a eles dentro do ministério da magia, provocando uma onda de mudanças em leis que segregavam, e ampliando o apoio e acesso aos estudos de magia, assim como a empregos no mundo mágico. 

Dentre os alunos inseridos nessa luta estavam: Dara, Melanie, Claire, Elizabeth, Fernanda e Mary. Todas elas, afetadas com todos os acontecimentos, sabiam mais do que ninguém que a ambiguidade de nossas ações levam a resultados inesperados. Lisbeth, infelizmente, mantinha-se em tratamento, sem a previsão de quando sua sanidade voltaria. Tudo que fora enfrentado e descoberto acabou por colocar o último trecho da profecia como uma figuração de uma súplica de perdão, diante de tantos que haviam encontrado o sono eterno por enfrentar as adversidades da vida. 

Uma nova era dentro do mundo mágico estava prestes a começar. 




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Notas finais do capítulo

Sei que MUITA coisa ficou ambígua, mas era intenção rs. Escrever essa história Mostrou um pouco do reflexo da melancolia e raiva q vivI durante a quarentena, e fiquei muito feliz com todos que acompanharam (pelo menos no incio ne kkk) e por isso eu quis finalizar ela. Não era o final ideal que eu tinha planejado, pq dei menos detalhe do q pretendida, mas percebi q se enrolasse mais, nao ia finalizar e ja tinha boa parte escrita. Enfim, eu fiquei feliz de finalizar, mas nao satisfeita, acontece... Caso tenha alguma coisa q ficou em duvida e eu nao respondi ao longo dos capítulos, fala por review q tento solucionar hehe. Obrigada por ler e até! Tá bem mal feito, feito AHUSHUAS



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