Harry Potter e o Retorno de Voldemort escrita por Mason Mackenzie


Capítulo 2
"O perigo ainda não acabou"




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O Salão Principal estava cheio.

As mesas, que haviam sido recolocadas em algum momento durante o nascer do sol, estavam ocupadas não mais pelos alunos que se alimentavam antes de iniciar a sua rotina de aulas, mas pelos sobreviventes da batalha que se saciavam vorazmente com o banquete farto que havia sido disposto sobre as superfícies de madeira. Suas vozes enchiam o salão e ecoava pelas paredes, dando uma mínima sensação de conforto as perdas que enfrentavam. Afinal, seus inimigos haviam sido derrotados e, de certa forma, mereciam celebrar. Tentavam se distrair conversando sobre qualquer assunto. Seja sobre a batalha ou sobre o cotidiano. Seja para discutir as novidades do Ministério ou para consolar os amigos. Simplesmente conversavam, como há muito tempo não faziam.

Pirraça, o poltergeist, fazia piruetas sobre suas cabeças ainda entoando sua música que fizera sobre a batalha: “Vencemos, esmagamos a fera, Potter é o Máximo, Voldy já era, então agora vamos nos divertir à vera!” 

Havia um fluxo contínuo de pessoas transitando entre o salão e a câmara paralela a este, para onde os corpos dos mortos estavam sendo levados à medida que eram encontrados. Algumas pessoas carregavam alimentos consigo para distribuir aos amigos e parentes que preferiam fazer vigília junto aos corpos de seus entes queridos. Outros eram aconselhados a deixar a câmara para se alimentar e se fortalecer no salão, ou então ir descansar em algum dos dormitórios disponíveis (muitos relutavam, mas acabam sendo convencidos).

Em contraponto ao salão cheio de vida, a câmara estava escura e silenciosa, num pesado clima de luto. Os corpos haviam sido distribuídos pelo chão forrado com esteiras. Algumas pessoas pareciam dormir umas ao lado das outras. Outras simplesmente permaneciam ao lado dos defuntos, sem dizer absolutamente nada.

Uma família de cabelos ruivos, exceto pela mulher loura adormecida nos ombros do marido, se reunia ao lado de três mortos. Na verdade, se olhassem rápido, poderiam até achar que eram quatro corpos ao invés de três devido a mulher abraçada ao corpo da esquerda. A Sra. Weasley se agarrava ao corpo de Fred como se não tivesse a menor pretensão de soltá-lo um dia. Ninguém sabia se ela dormia ou não, nem mesmo seu marido, sentado ao seu lado e com as mãos em suas costas. O Sr. Weasley não se encontrava em condições de perceber nada, aliás. Tudo o que sua mente e seu olhar assimilavam naquele momento era o rosto petrificado do filho que jazia à sua frente. Jorge estava sentado ao lado do corpo do irmão, apertando firmemente sua gélida mão contra a sua própria. Seus olhos fechados enquanto dormia eram como um perfeito reflexo do rosto do gêmeo falecido. Gina também dormia entre dois dos três irmãos mais velhos, enquanto o último do grupo, Rony, apresentava um semblante exausto e olhos inchados, que poderiam tanto indicar que chorara demais ou que dormira de menos.Ou quem sabe os dois.

Outros muitos grupos de pessoas repetiam a mesma cena, cada um com seu jeito pessoal de encarar aquela situação, ocupando a sala em toda sua extensão. A presença dos vivos e suas correntes de apoio eram a única coisa que mantinham aquele ambiente suportável. 

Só havia um lugar naquela sala em que ninguém se importava em estar. Um canto escuro, em que a luz que provinha da janela não alcançava. O local onde jazia, sozinho, o único corpo que ninguém faria questão de se despedir. Afinal, tudo o que menos desejavam naquele momento era voltar a encarar a face de Lord Voldemort.

Viva ou morta...



O sono tranquilo era entrecortado por diversas lembranças e cenas de batalha inconstantes misturadas a loucos devaneios… Havia pessoas petrificadas em um banheiro alagado quando, de repente, uma cobra gigante caiu pesadamente sobre um livro aberto no chão, cravando uma de suas presas nas páginas e enchendo-as de sangue negro. Depois, estava na Floresta Proibida, caminhando em direção a um covil de acromântulas e sendo recebido por um Aragogue reptiliano de olhos vermelhos e suas crias, todas usando máscaras de comensais da morte. Um pomo de ouro se abriu em sua mão e revelou a pedra da ressurreição, que se partiu ao meio enquanto se encrustava no aro de um anel de ouro. A cena mudou, e agora estava andando sobre um lago congelado no interior de uma caverna acompanhado por Monstro, seu elfo doméstico. O gelo cedeu e se viu mergulhado em água gelada, que congelava-lhe até os osso enquanto um medalhão de ouro apertava suas corrente em volta de seu pescoço. Rony, então, surgiu nadando ao seu lado e, com um golpe da espada de Gryffindor, perfurou o objeto em seu peito, e também seu coração. Voava agora nas costas de um dragão dentro de um cofre repleto de dentes de basilisco. Hermione se agarrava a Rony em um beijo fervente enquanto os destroços de uma taça de ouro escapuliam-lhe da bolsa presa ao ombro. A abertura da bolsa se alargou e o dragão a atravessou, adentrando o seu interior abarrotado de objetos que os estudantes de Hogwarts vinham escondendo durante um milênio. Quando se deu conta, o dragão transformou-se numa vassoura e ele voou na direção de Draco Malfoy, que usava uma tiara de brilhantes, para o salvar dos animais de fogo que o perseguiam. Os animais incendiaram a sala e transformaram a tiara em fumaça negra, tanta fumaça que escureceu sua visão. Da escuridão, uma cobra deslizou sobre o corpo ferido do sr. Weasley e engoliu sua antiga professora de Estudo dos Trouxas em uma única bocada, perfurando o pescoço de Severo Snape no instante seguinte e, enquanto o sangue do homem transformava-se em lágrimas que envolviam a cobra em uma proteção mágica, Neville Longbotton a desfez com a espada que roubara de Rony e decepou a cabeça do animal. O corpo decapitado foi esmagado por uma parede que desmoronou, seguida de explosões e pessoas caídas no chão, mortas por lampejos verdes que voavam por todos os lados em meio a batalha que destruía o castelo. Então, um raio caiu do céu e transformou-se em sua cicatriz, enquanto ele se encontrava cara a cara com Lord Voldemort numa estação de trem, branca como a neve, e Harry, empunhando a Varinha das Varinhas, gritava junto do inimigo tão alto quanto podia se lembrar:

“Avada Kedavra!”

“Expeliarmus!"

— Potter!

Harry abriu os olhos. Como era de costume, tudo estava embaçado, mas dessa vez não era pela falta dos óculos, mas sim pelos giros em sua cabeça. Forçou-se a se sentar na cama, ainda atordoado com a confusão de sonhos que estava tendo, e quase adormecera de novo quando voltou a ouvir:

— Potter!

Desta vez ele se assustou. Deu um leve salto com o torso e então caiu na real, recuperando a ciência de seus atos. Ele olhou para o lado e pegou os seus óculos. Parada, em frente a sua cama, estava a professora Minerva McGonagall. Um grande sorriso estampava-lhe o rosto. 

— Quase me dói ter de acordá-lo, Potter – disse a professora. Sua voz era suave e agradável aos ouvidos de Harry. – Imagino o quanto você deve estar cansado. Dormiu bem?

Embora parecesse que sua mente não parara um segundo sequer durante o sono, a verdade era que havia dormido muito bem. O simples fato de estar em uma cama de verdade depois de todo aquele episódio já era suficiente. Estava prestes a dar a resposta para a professora quando notou um grande corte em sua bochecha, em cicatrização.

— Oh, não ligue pra isso – ela apressou-se a dizer ao perceber que Harry estava olhando para o machucado. – É só uma... lembrancinha do meu duelo contra ele... Você sabe… Voldemort. – completou, tentando esconder o ar de orgulho. Harry não pode deixar de sentir apreço pela professora.

McGonagall parecia exausta. Estava suja e com alguns arranhões na face enrugada além do corte. O chapéu pendia torto de sua cabeça.

— Como eu ia dizendo, você deve estar cansado, e faminto. Precisa se alimentar – o tom da professora não podia ser mais maternal. – Vim chamá-lo para se juntar a nós no Salão Principal. Mas talvez o tumulto possa ser incômodo para você nesse momento… Um excesso de perguntas e chateações desnecessárias. Quer que eu mande trazerem o almoço aqui em cima para você?

Harry olhou para para a bandeja em cima de seu criado. Ainda restavam metade dos sanduíches que Monstro tivera a fineza de lhe trazer antes que adormecesse.

— Obrigado, professora, mas estou sem fome – respondeu, sinceramente.

A mulher fez um gesto com as mãos e depois ajeitou o chapéu sobre a cabeça, como se só agora tivesse notado que ele estava torto.

— Bom, você é quem sabe... – disse, voltando a sorrir para Harry. – Volte a dormir, então. Não vou mais te atrapalhar...

 – Não. Eu vou me juntar à vocês agora mesmo. Só preciso me trocar – Ele se levantou da cama, e só depois se tocou de que não sabia onde encontraria uma roupa nova. Hermione ainda estava com as suas coisas na bolsa dela.

A professora pareceu perceber o fato.

— Vá quando estiver pronto. Aguardaremos por você no Salão. Sabe, tenho... que dar um jeito nessa bagunça – disse ela, erguendo os braços como se tentasse envolver toda a escola naquele gesto.

Harry sorriu para ela, e ambos se encararam por alguns segundos.

— Lembro-me do dia em que deixei você na porta dos seus tios, Harry – falou ela de repente. – Não era mais do que um bebê assustado com uma cicatriz na testa naquela época, mas eu já sabia o que o futuro lhe aguardava. Sabia que seria um grande bruxo. Tentei convencer Alvo a não entregá-lo àqueles trouxas, mas ele preferiu afastá-lo de tudo isso. Fico... me perguntando o que teria acontecido caso...

— Dumbledore sabia o que estava fazendo, professora. Deveria ter sido assim – afirmou Harry. Não tinha dúvidas quanto a isso.

— Mas é claro que sim – concordou a professora, balançando a cabeça. – Alvo sempre soube o que fazer.

Sem anunciar nada, a mulher deu um abraço em Harry.

— O fato é que eu não me enganei, não é mesmo? – a voz da professora estava trêmula de emoção ao seu ouvido. – Você é um grande bruxo, afinal! E me orgulho demais de você.

Harry não soube nem o que responder. A admiração que tinha pela professora apenas cresceu.

McGonagall afastou-se dele com um sorriso no rosto e saiu do quarto, deixando-o sozinho. Harry ficou parado por vários minutos olhando para a porta, refletindo. Mas não conseguiu pensar em nada. 

Distraído, virou-se para observar a vidraça quebrada ao lado da sua cama. Viu através dela uma grande labareda de chamas se alastrando por entre as árvores dos jardins. Havia bruxos tentando apagá-las com encantamentos, mas surtia muito pouco efeito. Ficou se perguntando se o fogomaldito teria escapado da Sala Precisa quando ela fora arruinada ou se outros comensais da morte teriam conjurado aquela magia negra contra à escola. Nunca saberia.

Chegou mais perto da janela para observar melhor os efeitos da guerra, mas seu olhar logo se deteve na pequena cabana que ficava à orla da floretsa. Tinha perdido boa parte do telhado e as paredes estavam chamuscadas. Havia alguém saindo de dentro dela. O grande vulto de Rúbeo Hagrid, mancando, caminhou em direção à Floresta Proibida. O meio-gigante carregava na mão um balde, aparentemente muito pesado. Harry o acompanhou com os olhos até ele desaparecer por entre as árvores.

Conhecendo Hagrid, provavelmente ele devia estar indo cuidar de alguma criatura mágica ferida, ou de várias delas, ou quem sabe de todas. O pensamento o fez sorrir.

Dando de ombros, Harry virou-se e pegou sua varinha recém-concertada em cima do criado.  Brincou com ela na mão.

Reparo! — conjurou o feitiço, consertando a vidraça quebrada pelo simples prazer de utilizar a varinha. Sentira tanto a sua falta. Guardou-a no bolso e saiu do dormitório em direção ao Salão Comunal.

Ele não havia reparado no salão quando subira devido ao cansaço, mas agora pôde observar com cuidado. Continuava exatamente como Harry se lembrava: as mesmas mesas, as mesmas poltronas, as mesmas decorações. O mesmo retrato de Godric Gryffindor sobre a lareira, com seu velho chapéu pousado na cabeça e sua espada segura nas mãos, a qual fora tão decisiva em sua jornada contra as horcruxes.

Tomado por uma súbita nostalgia percebeu o quanto sentira falta daquele lugar no ano que havia se passado. Tantas lembranças de momentos em que vivera ali com seus amigos. Conseguia imaginar ele e Rony sentados em uma daquelas mesas, se matando à meia noite para fazer os deveres, enquanto Hermione se aconchegava numa poltrona ao lado deles e tricotava gorros para os elfos domésticos. Bons tempos. Harry os guardaria em sua memória para sempre.

Saiu andando lentamente pelo buraco do retrato até chegar às escadarias de mármore. Teve de tomar bastante cuidado para não tropeçar ou afundar sua perna por um dos milhões de degraus falhados. Os quadros nas paredes estavam todos vazios. Enormes buracos abriam-se nas paredes do castelo, iluminando o seu interior com a luz do sol.

Tudo o que ele queria naquele momento era trocar as roupas rasgadas e sujas que ele vestia. Sabia que devia tê-lo feito antes de se deitar, mas o cansaço era tanto que nem se importou se estava sujo ou não. Precisava encontrar Hermione…

E, como em resposta aos seus desejos, deu de cara com a garota ao chegar no patamar do quarto andar. Hermione saía do corredor distraída e quase se trombaram. 

— Harry! – exclamou ela, assustada com o encontro. – Pensei que ainda estivesse dormindo.

— Eu estava – respondeu ele, analisando-a. Hermione parecia exausta. – Acho que você também deveria ter feito isso, Mione... 

A garota fez um gesto com a cabeça como se não se importasse com isso. Harry não sabia se era impressão sua, mas a amiga parecia evitar encará-lo.

— Onde você estava? – quis saber Harry. – Achei que estaria com Ron e os outros no Salão Principal.

— Eu até queria... Mas estava me sentindo meio intrusa no meio dele e da família. Eles estão passando por um momento difícil... Não sabia como ajudar.

— Besteira! – disse Harry, tentando animá-la. – Você não é uma intrusa.

Hermione continuava a não encará-lo. Ele estava achando aquilo estranho. 

— Eu sei que não – concordou ela. – Mas preferi ajudar a tratar dos feridos aqui na Ala Hospitalar. Madame Pomfrey está cuidando de todos. Eles vão ficar bem! – acrescentou, vendo pela cara de Harry que esta seria a sua próxima pergunta.

Ele concordou com a cabeça, contente. Viu Hermione guardar um pedaço de pergaminho que estava dobrado em sua mão dentro da sua bolsa de contas presa ao ombro. Lembrou-se imediatamente do que queria pedir a garota.

— Mione, você está com as minhas roupas – disse ele. – Poderia me entregar algo que eu possa vestir? Estas aqui estão me incomodando... e fedendo.

— Claro, Harry – Hermione enfiou o braço dentro de sua bolsa e após alguns segundos retirou de lá uma calça e uma blusa limpa, além de roupas de baixo e um par de sapatos. Entregou-os a Harry. – Você deveria tomar um banho também.

Ele tinha de concordar. Realmente precisava de um banho. Pelo visto, lutar contra as forças das trevas deixava qualquer bruxo completamente imundo.

— O banheiro dos monitores é no andar de cima. Você ainda se lembra de como entrar lá, certo?

Harry utilizara o banheiro apenas uma vez na vida, em seu quarto ano. Forçou a memória e conseguiu se lembrar de como utilizá-lo.

— Lembro sim. Eu vejo você no Salão? – perguntou.

— Acho que vou esperá-lo aqui embaixo.

— Mas você estava indo para algum lugar agora a pouco, não? – quis saber Harry, olhando-a desconfiado.

— Na verdade, eu estava indo ver você – disse ela, baixando novamente o olhar. – É que eu... Tenho que te mostrar uma coisa.

Harry ficou incomodado com a forma que ela dissera aquilo. Parecia preocupada com algo.

— E o que é, então?

— Tome um banho primeiro. Esperarei você aqui.

— Mione... – começou ele, mas foi cortado por ela.

— Ande logo! 

Ele preferiu não prolongar a discussão. Retrocedeu nas escadas até o quinto andar e chegou ao banheiro dos monitores através da passagem secreta. O lugar estava exatamente como ele se lembrava, e parecia ter sido intocado pela batalha travada do lado de fora. Ao entrar, dezenas de torneira se acionaram em um pedestal e começaram a encher uma grande banheira, que mais parecia uma piscina, inundando o ambiente com um aroma agradável.

 Harry despiu-se das roupas imundas e entrou na banheira. O contato da água quente com o corpo nu era reconfortante, e tudo o que mais desejou naquele momento era nunca mais sair dali, mas não teve muito tempo de apreciá-la, pois Hermione o esperava no andar debaixo. Antes que as espumas coloridas terminassem de encobrir a superfície da água, ele se ergueu e foi se secar. Vestiu as roupas limpas e voltou para a escadaria, agora novo em folha.

Hermione estava sentada em um dos poucos degraus inteiros no lance inferior. Quando se aproximou, a garota virou-se para trás para encará-lo. Estava novamente segurando aquele pequeno pedaço de pergaminho que guardara.

— Pude sentir seu cheiro de longe – comentou ela, deixando Harry corado. A garota deu uma sincera gargalhada que, mesmo assim, não conseguiu disfarçar a preocupação em seus olhos. – Parece alcaçuz e bala de menta.

— Bom, acho que isso é melhor do que sangue seco e suor – retrucou ele, também dando uma risada. Como era bom poder rir daquilo tudo!

— Com certeza – concordou Hermione enquanto Harry se sentava ao seu lado. O momento de descontração sumiu tão rápido quanto surgiu, e Hermione voltou sua atenção para o pedaço de papel.

— O que é isso? – perguntou Harry, inocentemente.

— É... É para você... – disse ela depois de algum tempo. Sua voz estava estranha.

Harry encarou o pergaminho dobrado.

— Pois então me dê, ué.

— Harry, eu... – começou ela, hesitante. Mas Harry a encarava, convicto. – Tome.

E entregou a ele o papel.

Harry desdobrou o pergaminho e, diferentemente do que imaginava, quase nada havia escrito nele. Porém, este quase nada era mais do que o suficiente. Em letras garrafais e caligrafia fina, estava as seguintes palavras:

 

HARRY POTTER,

O PERIGO AINDA NÃO ACABOU!

 

Ficou alguns segundos observando o papel, tentando entender o significado daquilo. Não fazia o menor sentido.

— Hermione...

— Fui ao seu dormitório hoje de manhã – começou ela, encarando aquelas poucas palavras. – Subi lá pouco depois de você, mas você devia estar tão cansado que quando eu cheguei você já estava dormindo. Provavelmente não observou o quarto antes de se deitar.

— Tudo o que vi foi a bandeja de sanduíches que Monstro tinha levado pra mim. Depois disso, apaguei – disse ele, sinceramente, sem entender o porquê de estarem falando sobre isso.

— Foi o que imaginei. Esse bilhete estava em uma das camas ao lado da qual você estava dormindo. Você devia estar realmente muito cansado para não percebê-lo, eu o vi assim que cheguei.

— Você sempre foi mais observadora – comentou ele.

— Ou talvez isso – concordou ela. – O fato é que era um aviso... para você!

Hermione estava nervosa. Harry também estava tentando entender aquilo.

— Mas não faz o menor sentido! Isso já devia estar lá há dias...

— Ninguém sabia que você viria para cá, Harry. Não tinham como saber... Esse bilhete foi escrito às pressas, veja. Alguém o escreveu ontem.

Isso era verdade. O papel estava borrado, como se quem tivesse escrito o bilhete tentasse ser rápido. "O perigo ainda não acabou!" O que diabos isso poderia significar?

— Deve haver algum engano, Mione – ele disse, disposto a convencer-se disso. – Isso pode se referir a absolutamente qualquer coisa. Afinal, realmente estávamos em perigo, não é mesmo?

Fazia sentido. Aquilo poderia ter sido escrito a qualquer momento durante a última noite. Voldemort estava morto agora. Se o perigo não havia acabado quando a pessoa escrevera o bilhete, agora ele tinha acabado. Tinha de ter acabado.

— Isto… estava junto do bilhete – falou Hermione, após um momento de silêncio, erguendo no ar um colar dourado que, a princípio, parecia em muito um vira tempo – Estava pendurado no dossel da cama com o papel colado por cima. Seja lá quem escreveu isso, queria que você ficasse com ele.

Harry pegou o colar em sua mão e o analisou, curioso. A fina corrente de ouro possuía um pingente com uma insígnia de leão talhada artisticamente. Era muito bonito.

— Eu não entendo – comentou ele, de fato muito confuso. – Hermione...

— Estou preocupada, Harry – falou a garota, finalmente expondo isso em palavras. – Devíamos tomar alguma providência.

— Não existe providência a ser tomada, Mione. Se acalme...

Houve um estalo e o final da frase foi interrompido pela repentina aparatação de Monstro. O velho elfo doméstico surgiu na frente dos dois, de repente, fazendo-os se sobressaltar.

— O senhor me chamou? – perguntou o elfo enquanto fazia uma reverência, tão profunda que a ponta do seu nariz encostou-se ao chão. O medalhão de Régulo brilhava em seu peito.

— Eu não... – começou Harry, se recuperando do susto. Mas logo se lembrou que citara o nome do elfo há poucos segundos atrás. – Não necessariamente.

O elfo encarou Harry com aqueles grandes olhos opacos e arregalados, sem entender nada. Hermione ignorou a presença do elfo, ainda encarando o colar nas mãos de Harry com um olhar inquieto. Ele teve uma ideia.

— Mas, já que está aqui, pode me fazer um favor?

— É claro, meu senhor! Monstro está aqui para servi-lo! – e voltou a fazer uma reverência. Harry ainda não se acostumara com a boa vontade e gratidão do elfo para com ele.

Harry aproximou-se de uma das orelhas grandes e peludas de Monstro e sussurrou-lhe uma ordem ao ouvido. Enquanto falava, os olhos do elfo doméstico ficaram com ainda menos brilho.

Ele imaginou que Monstro fosse contestá-lo, mas ele não o fez.

— Como queira... – sibilou o elfo lentamente e, com um estalido, desaparatou.

— O que você pediu a ele? – questionou Hermione no segundo seguinte.

— Fiz o que você me pediu. Tomei uma providência. Apenas uma precaução.

— O que foi que...

— Não importa, Mione – interrompeu ele. – Trate de se acalmar agora, temos de descer para o salão. Depois conversamos.

A garota se conteve e não protestou. Aparentemente, Harry conseguira tranquilizá-la um pouco. Agora, queria saber quem faria o mesmo por ele. Ainda pensando no que aquelas palavras em sua mão queriam dizer, dobrou o papel e guardou-o em seu bolso juntamente do colar. Desceram até o andar térreo.

O som das vozes provenientes do Salão Principal, cujas portas estavam escancaradas, enchia todo o saguão de entrada. Discretamente, tentando não chamar muita atenção, Harry e Hermione se esgueiraram no salão e sentaram-se à mesa mais próxima, em um dos cantos. Mas, obviamente, todo o cuidado foi inútil. Pirraça fez questão de dar o alarde:

 

Vejam todos, vejam todos!

É o Potter, o Incrível,

Não tem pra ninguém,

Voldy já era! 

 

Harry sentiu o rosto enrubescer no momento em que todos se viraram para encará-lo. Houve um segundo de silêncio antes que uma nova explosão de palmas tomasse conta do salão e as pessoas recomeçassem a chamá-lo e cumprimentá-lo. Quase desejou que Luna tornasse a chamar a atenção deles para um bliberente (seja lá o que isso fosse) apenas para conseguir se esgueirar para debaixo de sua capa e escapar dali. Mas estava sem a capa no momento, e não podia evitar passar por aquela ovação. Seria lembrado disso pelo resto da vida, afinal.

Ele tentou dar atenção à todos, mas foi salvo dessa difícil tarefa pela professora McGonagall que se encaminhou para frente da mesa dos professores, ocupada também por aurores e representantes do Ministério, cujo único lugar vazio era o trono do diretor. Ela ergueu as mãos em pedido de ordem e logo todos se contiveram e voltaram para os seus lugares, em silêncio.

A mulher percorreu o salão com o olhar antes de dizer:

— Deixem Potter se alimentar em paz, por Merlim! – exclamou ela sem ser rude. – Terão tempo suficiente para parabenizá-lo daqui para frente.

O salão encheu-se com o agradável som das gargalhadas de seus ocupantes.

Harry sentia-se um pouco constrangido por toda aquela atenção, como se não a merecesse. Ele é quem deveria estar parabenizando à todos, pois sem eles nada poderia ter feito. Mas sabia que não havia o que ele pudesse falar naquele momento para que as pessoas entendessem isso e parassem de lhe cumprimentar e, por isso, apenas olhou para a professora e acenou-lhe em sinal de agradecimento.

As mesas estavam repletas de todos os tipos de comida que se imaginasse. Quanto mais se comia, mais comida aparecia. Harry percebeu que, na verdade, estava sim com fome. A comida fez com que se esquece, temporariamente, do bilhete que recebera.

Hermione comia pouco, se esticando de tempos em tempos no banco para conseguir observar Rony sentado do outro lado do Grande Salão. Mesmo as mesas não estando preenchidas pelo critério das casas, ele e sua família estavam sentados ao centro da mesa da Grifinória. Esporadicamente, Rony retribuía os olhares. Assim como Gina. A visão fazia Harry sorrir.

Em outra mesa ele viu Neville, com a espada de Gryffindor pousada à sua frente, junto da avó, entretidos em uma conversa com Simas Finnigan e Dino Thomas. Na mesa ao lado, via Luna dialogando sorridentemente com as pessoas ao seu redor.

E então, inesperadamente, viu quatro homens atravessarem o arco da porta e entrarem no salão carregando uma maca. A visão fez com que ele perdesse totalmente o apetite.

Pois, estendido sobre a maca, estava o cadáver de Severo Snape.

O rosto do homem estava mais pálido do que fora em vida, com os cabelos negros emoldurando-o. Porém, os fios, que antes eram lisos e oleosos, estavam agora empapados de sangue seco que jorrara de duas pequenas aberturas em seu pescoço, que quase dobrara de tamanho devido ao veneno e tinha um aspecto arroxeado e doentio. A imagem era bastante incômoda.

Os homens tentaram ser discretos, mas já haviam chamado à atenção de todos. À medida que as pessoas se levantavam de seus lugares para verem melhor o corpo e reconheciam de quem se tratava, o silêncio ia tornando-se mais intenso.

O corpo foi transportado diretamente para câmara ao lado do salão e, assim que desapareceu porta adentro, mais dois homens entraram pela porta principal.

— Este é o último, Minerva – falou o homem mais alto. Um bruxo de cabelos negros que, aparentemente, trabalhava para o Ministério.

Antes de deixar o salão ao amanhecer, Harry havia informado aos homens que faziam as buscas dos corpos que o corpo de Snape estava na Casa dos Gritos. Pedira-lhes que fosse resgatado. Aparentemente, haviam o deixado por último, julgando os outros falecidos mais valiosos. Mas Harry não pôde julgá-los por isso. Afinal, ninguém sabia de fato a verdade sobre o ex-professor. E, o pouco que sabiam, ouviram enquanto Harry cuspia as palavras para Voldemort durante o duelo. Duvidava que tivessem entendido tudo o que dissera. E não estava disposto a esclarecer agora.

McGonagall estava novamente em pé, também meio atordoada pelo que ocorrera. Demorou alguns segundos para que quebrasse o silêncio, falando:

— Acho que agora já podemos preparar os funerais. Daremos um destino digno para todos aqueles que deram suas vidas por nós! Seus nomes nunca mais serão esquecidos.

A comoção tomou conta de todos. Era como se aquilo finalmente fizesse com que a ficha caísse e se confirmasse que pessoas haviam, de fato, morrido. Não há funeral se não houver mortos.

— Peço para que os familiares ou amigos dos falecidos se encarreguem de preparar seus corpos para a cerimônia. Voltaremos a nos reunir aqui no salão às dezoito horas.

Dizendo isso, a professora desceu da plataforma e saiu do Salão Principal, seguida de perto por Kingsley Shacklebolt, o novo Ministro da Magia, e outros funcionários de Hogwarts e do Ministério.

Os presentes também se levantaram e se dispersaram pelo salão, alguns saindo em direção ao saguão de entrada e outros se dirigindo para a câmara onde estavam os corpos. Enquanto Harry era novamente cercado por admiradores, ele viu Rony surgir de algum lugar em meio à multidão e se encontrar com Hermione.

Os dois deram um beijo tímido, mas que fez o coração de Harry se alegrar. O amigo o encarou. Estava exausto também, Harry pôde perceber. Parecia que não dormira nada até agora. Harry sentiu-se meio sufocado pela confusão a sua volta. Conseguiu perceber Rony mexendo a boca e lhe dizendo “Agora aguenta!”, seguido de um ligeiro sorriso como se achasse graça de tudo aquilo.

— Deixem o garoto respirar – disse a voz de seu salvador, que abria caminho pela multidão para tirá-lo de lá. O braço do sr. Weasley envolveu o seu pescoço e, juntos, caminharam para o lado de fora do salão. – Nem precisa me agradecer – completou o homem quando chegaram ao saguão, abrindo-lhe um sorriso divertido.

— Como estão os outros? – foi a primeira coisa que perguntou, tentando não ser indelicado. Sabia o quanto era difícil a situação pela qual a família Weasley estava passando.

— Fred gostaria de nos ver sorrindo, como Jorge insiste em ficar nos dizendo. Acho que ele tem razão – conhecendo a natureza dos gêmeos, Harry também concordava. – Ele e Molly vão cuidar da preparação do corpo. O Ministério está tratando pessoalmente dos corpos de seus aurores, e por isso estão encarregados de Tonks e Lupin – o sr. Weasley fez uma pausa. – Pedi para que Carlinhos e Gui levassem a Gina lá pra cima para que ela descansasse um pouco. Ela relutou, é claro. Queria vir ver você. Mas eu insisti...

Nesse momento Harry parou de escutar para insultar mentalmente o sr. Weasley por aquilo. Mas logo se sentiu culpado. Afinal, o melhor para Gina naquele momento era realmente descansar.

— ...Enfim, vamos superar isso tudo.

— Com certeza! Se houver alguma coisa que eu possa fazer...

— Eu sei, eu sei, Harry – interrompeu o sr. Weasley, abrindo um sorriso terno. – E, aproveitando que tocou no assunto, gostaria de lhe fazer um convite. Estive pensando, e tenho certeza que todos lá em casa irão concordar... Você poderia vir morar conosco.

Harry foi pego de surpresa. Pensou em mil coisas ao mesmo tempo, dando atenção ao fato de que aquilo não fora uma pergunta, mas uma afirmação.

— Eu... – começou a dizer, tentando formular uma resposta. Mas foi interrompido pela chegada de Rony e Hermione, abraçados e cochichando.

— Não precisa me responder agora – anunciou o homem ruivo. – Pode pensar à vontade a respeito. Mas só quero que saiba que ficaríamos todos extremamente felizes.

Harry queria dizer que sentia o mesmo, mas o sr. Weasley já havia se virado para cumprimentar Hermione. Afagou os já desarrumados cabelos de Rony e disse, por fim:

— Tenho que ajudar a preparar os funerais. Kingsley quer que todos os seus funcionários colaborem no que for necessário.

O trio assentiu, e Arthur Weasley desapareceu em meio as outras pessoas.

Os três conversaram por um bom tempo. Harry nada comentara sobre o convite, e na verdade não prestava muita atenção à conversa dos amigos. Estava pensando em muitas coisas naquele momento. Percebeu, pelas atitudes de Rony, que Hermione não comentara a respeito daquele bilhete. Em uma entreolhada dele com a garota entraram em um acordo silencioso de que não o incomodariam com aquilo, por enquanto, pois o garoto estava exausto e acabara de perder um irmão. Não precisava pensar em mais nada.

Enfim, Harry e Hermione convenceram Rony de que ele precisava descansar. Acompanharam-no até a entrada da Torre da Grifinória e se despediram para que ele pudesse dormir em seu dormitório.

— Vocês não vão entrar? – quis saber ele.

— Está muito cheio agora – disse Harry. – Não quero causar outro alvoroço – completou. 

Os três riram da situação e Rony atravessou a moldura do retrato da mulher gorda, que não se encontrava mais lá para pedir a senha. Porém, a porta estava aberta quando chegaram.

Harry e Hermione ficaram por um tempo em silêncio nas escadarias desertas, até que, por fim, Hermione decidiu dizer:

— Harry, acho que devemos falar com Dumbledore.

— O quê? – disse ele, achando que Hermione enlouquecera.

— Com o retrato dele – corrigiu-se ela. Agora sim fazia sentido a sua primeira frase.

— E sobre o que você quer falar com ele? – perguntou, mesmo já sabendo a resposta.

— Sobre o bilhete, ora.

Eis, aí. Harry não gostava muito da ideia. Era como alimentar um temor que deveria ser evitado.

— Eu não acho que seja realmente necessário...

— Se você não acha, eu acho – disse ela, firmemente, virando-se para descer a escada. – Irei falar com ele, nem que seja sozinha.

E começou a descer. Harry não viu outra opção se não acompanhá-la. Tentou convencê-la de desistir, mas Hermione não o deu ouvidos. Logo, Harry desistiu das tentativas.

Deixaram as escadarias no segundo andar e marcharam em direção ao corredor que dava acesso à escadaria giratória que levava ao gabinete do diretor. Durante o caminho, uma dúvida surgiu na mente de Harry, e ele perguntou:

— Ei, Mione, se esse bilhete estava destinado à mim, por que você o tirou de lá?

Ele pareceu pegar a garota de surpresa. E, como se ele tivesse acabado de descobrir o seu maior segredo, Hermione disparou:

— Está bem! Eu não estava na Ala Hospitalar.

— O quê? – Harry ficou confuso.

— Eu estava na biblioteca – disse ela, como se aquilo fosse uma grande novidade para Harry. – Pensei que pudesse encontrar o dono dessa caligrafia através do Livro de Registros.

— Mas é impossível! Você nunca iria achar... – ele se calou, pois Hermione o ignorou. – Quer dizer…  você achou?

— Mais ou menos – disse ela, intimamente satisfeita por contrariar as expectativas de Harry. – Demorei a encontrar o livro em meio aos escombros. Passei umas duas horas folheando-o, e cheguei a encontrar uma bem parecida. Era de um garoto chamado Gary Parker.

— E você acha que pode ter sido ele? – quis saber, achando-a brilhante.

— É muito improvável – disse ela, relutante. Detestava não estar certas das coisas – Gary Parker era da Grifinória, e poderia muito bem ter feito isso... Mas ele se formou em Hogwarts faz três anos. Não faria sentido algum ele estar na Torre ou no castelo ontem à noite.

Isso era verdade. Harry conhecia praticamente todas as pessoas que haviam vindo em socorro de Hogwarts durante a batalha através do túnel do Cabeça de Javali. Nunca ouvira falar de nenhum Gary Parker.

Interromperam o assunto, pois haviam chegado à gárgula que guardava o escritório. Dessa vez, nem precisou dirigir palavra à estátua, que continuava na mesma posição, pois ela apenas piscou um de seus olhos para eles, e souberam que poderiam subir.

Harry e Hermione subiram a escada em caracol que se elevava sozinha e encontraram-se frente a frente com uma porta de carvalho. Harry pôs a mão sobre a maçaneta em forma de grifo mas, antes de abri-la, ouviu uma voz vinda de dentro da sala:

...Entraremos em contato assim que possível...

— É a voz da professora McGonagall – comentou Hermione.

— Ela deve estar conversando com o Ministro – falou Harry, sem saber se sua interrupção seria incômoda ou não. Demorou alguns segundos para decidir o que fazer. Por fim, bateu com a aldrava de grifo duas vezes no carvalho sólido.

Houve um longo momento de silêncio dentro da sala. Ele já estava quase convencido a ir embora quando a voz da professora disse: 

— Entre.

Ele empurrou a porta. O gabinete do diretor estava exatamente como ele o deixara antes de ir para o quarto. A penseira e a Varinha das Varinhas continuavam sobre a mesa. Porém,  agora a professora se encontrava parada ao lado delas.

Para a surpresa dos dois, ela estava sozinha.

Alguma coisa na expressão de McGonagall fez Harry se sentir extremamente incomodado. O retrato de Dumbledore estava atrás dela, e a expressão pintada à óleo na tela era tão incômoda quanto. Professora e retrato olhavam diretamente para Harry.

— Pois não, Potter? – perguntou ela, com a voz fraquejando. Tentava parecer natural.

— Desculpe incomodá-la, professora. Mas eu só queria... quer dizer, Hermione queria falar uma coisa com Dumbledore.

McGonagall trocou um olhar demorado com o retrato às suas costas. Após uma discussão silenciosa dos dois, ela disse:

— Eu e Alvo já... já terminamos – sua voz continuava naquele mesmo tom. Dumbledore acenou com a cabeça de sua moldura para ela. – Podem... ficar à vontade.

A professora saiu da sala, meio desengonçada, e fechou a porta, deixando Harry e Hermione à sós.

— E o que gostaria de tratar comigo, senhorita? – perguntou Dumbledore em seu tom mais cordial. Ele pelo menos sabia disfarçar a voz melhor do que a professora.

— Senhor, é sobre algo que Harry recebeu hoje de manhã. Um bilhete.

— Poderia ser mais específica? – pediu o ex-diretor.

— Harry, me dê o bilhete – pediu Hermione. Contra sua vontade, Harry retirou-o do bolso e a entregou.

Hermione desdobrou o pedaço de papel e o ergueu em frente ao quadro.

— Por gentileza, a senhorita poderia lê-lo para mim? – pediu Dumbledore, educadamente. – Não consigo ler daqui.

— Oh, sim... É claro – respondeu a garota, meio envergonhada. Ela puxou o bilhete mais para perto de si e leu: – Harry Potter, o perigo ainda não acabou!

A frase não pareceu surtir o efeito que Hermione esperava. Dumbledore olhou para cada um deles, sem demonstrar espanto nem nervosismo, apenas imóvel e envolvido em seus próprios pensamentos.

— Estou preocupada – disse ela, depois de algum tempo sem resposta.

— Sabe quem o escreveu? – perguntou ele, finalmente dizendo algo.

— Não – respondeu. Preferiu guardar para si a inconfiável informação sobre Gary Parker. – Pensei que o senhor talvez pudesse saber de algo.

— E como eu poderia, minha cara? – indagou Dumbledore, tentando parecer descontraído para disfarçar a secura de como dissera aquilo.

— O senhor está morto – foi a resposta de Hermione. A frase ecoou assombrosamente pela sala, soando de forma desagradável. A garota apressou-se a corrigir-se. – Quer dizer... Pensei que, estando morto, o senhor poderia ver o que as pessoas estão fazendo por aqui. Talvez tivesse visto quem colocou isso no quarto do Harry...

Dumbledore deu uma risadinha abafada e interrompeu-a.

— Minha querida, eu sou apenas um retrato – disse ele, de forma simplória. – Eu não posso sair andando por aí vendo tudo que as pessoas fazem. O máximo que posso fazer é transitar entre este quadro e o meu outro retrato que...  Hã... Enfim. Como eu ia dizendo, não poderia ter visto nada...

Dumbledore parou de falar, deixando transparecer, finalmente, seu nervosismo ao perceber o que Harry estava fazendo. A atitude do retrato também chamou a atenção de Hermione para o amigo.

Durante toda a conversa, Harry estivera a observar a penseira sobre a mesa, cuja superfície lisa ainda continha as memórias que Snape lhe dera. Depois de pegar o frasco, ainda aberto e caído ao lado da bacia de pedra, Harry removeu as finas linhas de memórias prateadas de dentro do líquido com a ponta de sua varinha e as recolocou no frasco.

No movimento de guardar o frasco no bolso da blusa teve sua atenção tomada por um pedaço de pergaminho ao lado da penseira que, definitivamente, não estava ali nas outras vezes em que tinha utilizado a sala.

Dumbledore o encarou no exato momento em que ele puxou o papel de cima da mesa, desamassou-o e leu:     

 

Caro Dumbledore,

É com imenso pesar que lhe escrevemos. Sentimos muito mas, infelizmente, a missão que nos foi concebida falhou. Não conseguimos encontrar aquilo que o senhor nos pediu. E, sabendo da importância que isto teria para o desfecho de tudo, é imprescindível que cessem fogo e que não prestem resistência à Ele. A informação chega em momento inoportuno, mas tentamos avisá-lo de todas as outras formas. Esta é a última que nos restou. Ninguém, em toda a nação bruxa, esperava pela eclosão dessa Batalha tão repentinamente. Não tivemos tempo de nos preparar. Viemos o mais rápido que conseguimos e tentamos ajudar em tudo que pudemos, mas em nada adiantará. Partimos agora em busca da conclusão de nossa missão na esperança de que, quando tudo acabar, ainda nos reste esperança.

Não o desapontaremos de novo! Entraremos em contato assim que possível.

P.S.: Não o encontramos em sua moldura, mas sabemos que Harry Potter está vindo para cá para neste exato momento, em tempo de avisar-lhe e ser avisado.

Ass: Os Mackenzies.


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