Eu me lembro dela, como poderia esquecê-la. Eu me lembro dela no som do mar e na infinidade das estrelas. Seu cheiro sempre volta ao meu corpo a partir dos orvalhos. Eu me lembro dela, como posso deixá-la? Ela foi minha casa e meu maior tormento.

Eu me lembrava dela todos os dias quando me perguntava se iria encontrá-la em algum lugar na imensidão do mundo. Seria eu capaz? A resposta é não. Ela se foi há muito tempo, como uma miragem rápida ou um arco-íris que sobe aos céus por breves momentos. Ela era jovem e se foi mais jovem ainda. Mas é impossível não lembrar-se dela, para o bem ou para o mal. Nanda foi meu mundo desde sempre. Desde que tínhamos seis anos e andávamos com nosso antigo grupo de amigos, catando pedras e guardando recordações. Ela era pequena, a menor de todos nós. Tinha cabelos grandes sempre trançados, escuros como a asa de um corvo. Seus olhos eram tão escuros quanto. Seus traços lembravam em muito sua avó, a Venezuela Barbara, ou como sempre a chamamos, dona Barbara. Mulher altiva, altivez passada a Nanda, ou melhor, a todas as mulheres da família. No seio dos Gaitán a presença feminina forte reinava. Era uma estirpe proveniente de um povo ainda mais forte, das antepassadas índias de dona Barbara. Elas carregavam no sangue a impetuosidade, uma qualidade por vezes mortífera.

 Minha saudosa Nanda, passaram-se anos e ainda penso em você. Desculpe-me por tê-la traído. Provavelmente você sente vergonha de quem me tornei. Você era uma artista e eu estou preso em tudo que você repudiava. Até hoje não terminei seu livro favorito, porque até hoje me lembro do seu olhar de escárnio em relação às minhas opiniões sobre ele. Não posso te julgar, eu mereci. Fui um menininho arrogante. Obviamente você entendia melhor daquilo que eu. Mas e agora, Nanda, quem irá me ensinar todas as coisas que você deixou em aberto.

Eu deixo os pensamentos vagarem sobre você enquanto me arrumo para ir justamente ao seu encontro. Poderia considerar uma traição a Becca, como eu e ela sempre consideramos, embora eu tenha deixado claro, desde o início, que era e sempre foi você. Becca fez sua escolha, escolher viver dessa forma comigo e eu, Leonardo Marino, não planejo mudar, como você sempre soube.

De qualquer forma hoje, pela primeira vez em anos de casado, eu estou realmente certo. Pela primeira vez, depois de oito anos, iremos falar sobre você, Nanda. Todos nós, juntos novamente e em torno daquilo que tínhamos de comum, sua presença. Até mesmo Becca irá e, de certo modo, você também. Agora só mês resta ficar feliz, pois nos veremos em breve, Nanda.