Pode me ouvir? escrita por Hirobelana


Capítulo 1
Me ouça?




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Você poderia chegar mais perto de mim? Se aproximar só mais um pouquinho?

É que as coisas que eu quero te contar, dizer para você, são muito delicadas para mim, que não gosto de pensar, ou se quer lembrar. Mas a minha alma grita, e está gritando muito, por querer te contar.

Vou contar desde o início, e já aviso que vai demorar. Espero que tenha paciência em me ouvir, em te contar tudo até o fim.

 

Era só mais um dia qualquer, de um sábado sem graça, mas com um tempo muito esquisito. Aquele esquisito de ter sol, e ao mesmo tempo não. Algumas nuvens pairando no céu, como se denunciasse que a chuva poderia chegar, quando menos esperasse. Mas o sol está lá, sempre está, não é? Tornando não só o tempo, mas o dia também muito esquisito.

E eu estava com uma sensação esmagadora dentro de mim, como se algo fosse acontecer, e aconteceu.

Mas antes disso, eu vi você pela manhã. Tão linda, com o seu jeito natural de ser. Uma mulher espetacular, que era a única coisa viva e brilhante nos meus dias tão sem graça.

Mas não digo e nem acho isso por te olhar e te querer como mulher. E sim, por admirar a pessoa que você é.

— Obrigada – ela disse sorrindo

— Não me interrompa! – eu disse de forma áspera.

— Me desculpe – ela respondeu meio sem graça, se calando e não dizendo mais nada. Assim, me permitindo dizer tudo o que a minha alma gritava e sentia em dizer, logo de uma vez.

 

E ver você naquele instante, naquele momento, foi como uma anestesia, de todo tédio, e toda dor interna que já sentia, mas não percebia. Por fingir demais, ou não cogitar, que isso se passava comigo, de forma mais profunda. E que mais tarde iria logo se revelar, não sendo mais um sábado qualquer, mas sim, o dia que desencadeou tudo que estava escondido vindo à tona, se mantendo presente e existente para mim, na minha vida.

Logo após te ver, e fazer algumas trivialidades, que era necessário se fazer. Voltei para minha casa, onde gostava e me sentia mais confortável em estar. Mas ao chegar sentia algo estranho no ar, aquela sensação de que tinha deixado algo passar. Não sabia exatamente o que era, simplesmente só sentia.

Me sentia mais pesado, mais fadigado, cansado. Parecia que toda sensação boa que sentia antes de cruzar aquela porta para dentro, nunca tinha existido, se quer tinha realmente sentido. E aos poucos, em que dava cada passo para dentro da minha casa, percebia que essa sensação estranha que sentia, era mais familiar do que qualquer uma que já havia sentido, ou achava que sentia.

Agora não conseguia nem lembrar com muita clareza, se aquelas outras sensações eram mesmo verdadeiras. Porque essa que estava sentindo, era a mais real para mim.

Ainda bem que moro sozinho. Morar com outras pessoas não fazia sentido. Sempre me sentia sozinho, então estar só agora é só algo mais formalizado? Concreto?

Mas não sei o motivo, por estar sentido isso, me sinto inquieto. Talvez seja cansaço? Então seria bom dormir. Mas.. ultimamente tenho dormido tanto, sendo minha única opção mais viável.

Estando de férias, ocupar o meu tempo, minha mente, sem o trabalho me deixa muito vulnerável. Vulnerável? O que estou pensando..

É melhor dormir.. .

O que está havendo comigo? Agora nem conseguir dormir, deu para acontecer. Porque a palavra vulnerável não sai da minha cabeça, não consigo remover. Pensar nela está me deixando angustiado.

Calma, não preciso exagerar. É só uma palavra! Essa palavra não define quem eu sou. Porque eu não sou.. sou?

Olho em volta do meu quarto, levanto rapidamente, sentindo que o meu coração estava sendo esmagado. Seria isso possível?

Andava pela minha casa, mas não sabia o que exatamente ia fazer alí. Só conseguia olhar em volta.

Meu coração parecia acelerado, minhas mãos começavam a soar. E não era mais a minha mente que projetava a palavra vulnerável, e sim, o meu coração, os meus olhos. Tudo a minha volta gritava o quão vulnerável era.

Minha casa de cor apática, combinava tanto comigo. Não só por ser apático, e sim, patético.

Não existia um pingo de vida nessa casa, simplesmente por não existir cor, vida em mim?

Queria negar, mas não conseguia.

Porque agora eu conseguia lembrar de algo que tinha deixado adormecido, os cortes em que em mim próprio fazia. Querendo que a solidão, a tristeza e a raiva de mim mesmo sentia, com os cortes, só o sangue e a dor física que permanecia.

Era viciante e doloroso.

Mas com o passar do tempo, achei que os cortes deveriam diminuir, caso não quisesse ter que explicar o motivo da minha dor emocional, se transparecer e gritar tanto, nas marcas que ficavam sobre o meu próprio corpo.

Me fechei, isolei e me mudei assim que pude. Ficando sozinho, do jeito que já me sentia.

Com o trabalho e até as horas extras que sempre conseguia, minha vida se tornou uma completa correria, me fazendo não sentir mais nada e nem me sobrando tempo para se quer pensar.

Mas alí estava eu, parado e agoniado, dentro do meu lar. Me lembrando do diálogo que tínhamos feito mais cedo.

Por ser tão raro nos vermos, alí estava você no meio da praça, evangelizando como sempre já fazia desde pequena. Falando de um tal de amor, que desde o princípio sempre me olhou, e me amou.

Mas como isso seria possível, se eu não sentia que alguém me amasse de verdade, me quisesse desse jeito todo defeituoso e quebrado que eu sou. Isso seria impossível de ser verdade, porque não era verdade.

Mas você não desistiu, continuando a dizer que não era culpa dEle por eu estar assim. Que as circunstâncias da minha vida, me quebraram e me mutilaram, pouco a pouco, deixando a entender que já não restava nada mais em mim, que valesse a pena, ou fosse importante para um outro alguém, sentir a vontade de permanecer por perto e querer estar.

Que eu deveria entender que se sentir vulnerável, frágil na presença desse tal de Deus, o Eu sou. Era saber que a transformação iria vir por completa, me preenchendo de coisas boas e de todo o seu amor.

E estando parado, me sentindo completamente derrotado, cansado de não sentir, só sentindo o vazio habitando em mim. Lembrando do frasco de veneno de rato que comprei, logo após a nossa conversa na praça acabar. Porque eu só tinha saído de casa com um único objetivo, comprar o que fosse necessário, para enfim realizar algo que já andava desejando, que era em me matar. Me prostei numa última tentativa de toda minha dor, já não mais estar em mim. Desesperado para que isso logo chegasse ao fim. Comecei a chorar, pedindo que se Ele, Deus, o Eu sou realmente me amasse. Que tirasse logo toda aquela minha dor, que gritava e era tão enorme, fosse expelida para fora de mim.

E eu chorava tanto, e tanto. Que parecia que toda água que existia no meu corpo, estava saindo de mim e de uma forma muito estranha, a dor enorme que estava em mim, ia embora e também saia de mim.

E eu chorava tanto, mais tanto, e encolhido no chão de tanto chorar, eu me sentia sendo afagado e abraçado, por alguém que eu não conhecia, se quer via. No exato momento em que mostrei o quão frágil eu sou, me acolheu e transbordou de todo o seu amor.

Então te agradeço por ter falado comigo, mesmo eu sendo grosso. Porque foram as suas palavras que me fizeram conhecer e reconhecer o quão frágil eu sou, e que o Eu sou, Deus, sempre me amou. Só querendo ter a oportunidade de eu me abrir para Ele, e Ele poder se manifestar, podendo me tratar, curar e hoje em dia, poder morar.


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