Pokémon - Unbroken Bonds escrita por Benihime


Capítulo 3
Projeção Astral




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/786685/chapter/3

As ondas batem contra a praia em algum lugar, mas tudo o que vejo é cinza. Uma neblina densa em um dia nublado, como uma tela monocromática.

— Calista? — A voz dela soa leve e provocante. — É você, meu bem?

Eu me viro na tentativa de vê-la, mas a neblina bloqueia tudo. É como uma cortina, impedindo que eu veja qualquer coisa, até mesmo minhas próprias mãos.

— Diantha? — Chamo baixinho, hesitando em quebrar o silêncio. — Diantha, onde você está?

— Venha e descubra.

A risada dela, aquele riso vivaz e familiar, soa entre a neblina. Começo a seguir o som, até perceber que não vem de nenhum lugar à minha frente. Vem de trás de mim, então da minha esquerda, até que parece vir de todos os lados, cercando-me como a neblina.

Calista? Caly, está tudo bem?

A voz a acordou e Calista sentou na cama, afastando da testa as mechas de cabelo grudadas pelo suor. Olhando em volta, viu um par de olhos azul-esverdeados lhe observando com preocupação.

— Angel? — A jovem inquiriu baixinho, sua voz arrastada de sono.

Você está bem? A Meloetta inquiriu, estendendo uma das mãos para acariciar o rosto de sua parceira. Estava tremendo tanto ...

Eu estou bem. Calista garantiu, sorrindo para reconfortar sua parceira pokemon. Foi só um pesadelo. Não se preocupe. Caramba, como estou suada! É melhor eu tomar um banho.

Calista ...

Àquela repreensão suave a jovem kantoniana nem sequer respondeu, simplesmente se pôs de pé e caminhou até o banheiro anexo. A água tépida ajudou a relaxar seus músculos ainda tensos e, ao voltar para a cama, Calista deparou-se com Mirabelle sentada, encarando-a com uma interrogação muda nos olhos lilases.

— Ei, Mira. — A irmã de Ash disse, forçando um sorriso enquanto se deitava novamente ao lado de suas duas parceiras. — Desculpe se te acordei. Foi só um pesadelo. Volte a dormir, ok?

A Sylveon enrolou suas fitas ao redor de sua treinadora, gentilmente empurrando-a de volta contra os travesseiros e se aninhando contra seu peito. Calista sorriu consigo mesma e abraçou sua companheira, permitindo-se ser reconfortada.

A morena acordou poucas horas depois, antes de o sol nascer. Mirabelle dormia a sono solto sobre seu peito, com o rosto aninhado entre o pescoço e ombro de sua treinadora. A jovem kantoniana ficou deitada acariciando o pelo azul de sua Sylveon e encarando o teto por um longo tempo, juntando forças para começar o dia. Seu celular tocou algum tempo depois, tirando-a do estupor. A chamada era de um número não identificado. Surpresa, a irmã de Ash atendeu sem sequer parar para pensar.

— Bom dia, menina fada. Acordei você?

Mesmo que não reconhecesse a voz, Calista reconheceria aquele apelido bobo imediatamente em qualquer lugar. Só uma pessoa a chamava daquele jeito.

— Malva?! — A morena exclamou, surpresa. — Mas o que ... ?!

— Apenas me escute. — A repórter kalosiana interrompeu. — Sobre o que falamos ontem à noite ... Eu sei onde Diantha está, e com quem. Ela lhe contou sobre o encontro com Lysandre?

— Por alto. — Foi a resposta. — Ela disse que cancelou porque estava chateada.

 Bom, então ela mentiu descaradamente. — A especialista em pokemon tipo Fogo declarou. — Posso afirmar com certeza absoluta que os dois estão juntos agora mesmo.

— Onde?

A reação de Malva àquela pergunta tão sucinta foi uma risada. A mulher kalosiana riu alto, com gosto, divertida pela reação da jovem morena.

— É só isso? — Ela provocou. — Sabendo o que sabe sobre mim, não vai nem sequer me perguntar onde consegui essa informação?

— Isso importa? — Calista rebateu impacientemente. — Acho que a verdadeira pergunta aqui é: por que você decidiu me contar?

— Muito simples, menina fada. — Malva respondeu de bate-pronto. — Aquela mulher é a última pessoa que quero ver no meu caminho. E você é, provavelmente, a única pessoa que pode cuidar disso para mim. Todos saem ganhando.

— E, convenientemente, fico lhe devendo uma. Muito esperta, Malva. — Calista declarou jocosamente. — Está bem, Mulher Vulcão, me dê o endereço.

— Vou lhe enviar uma mensagem. Leia, decore e apague. Entendido?

— Entendido.

— Ótimo. — Pelo tom de sua voz, Calista teve certeza de que Malva estava sorrindo. — Você é mesmo algo a mais, Calista. Eu já lhe disse isso?

— Algumas vezes. Francamente, não sei se tomo isso como um elogio ou uma ofensa.

— Deixo essa decisão a seu critério.

E, com essas palavras, Malva desligou. Segundos depois Calista recebeu a mensagem com o endereço prometido. Apesar de todos os defeitos, a repórter kalosiana era uma mulher de palavra.

A irmã de Ash ainda ficou deitada por mais alguns minutos, observando o céu do lado de fora ficar cada vez mais claro enquanto acariciava o pelo azul-celeste de Mirabelle. Foi mais uma vez sobressaltada pelo toque de seu celular algum tempo depois.

— Cal. — Cynthia disse assim que a jovem atendeu. — Ligue a televisão agora mesmo e assista ao noticiário. Você não vai acreditar!

Surpresa demais para protestar, a morena fez o que sua amiga dissera. Para seu espanto, o noticiário exibia uma entrevista com Diantha e Lysandre. Os dois estavam de mãos dadas, seus dedos entrelaçados, e ambos irradiavam satisfação. Um casal feliz de qualquer ângulo que se observasse. 

— Mas o que diabos aquela louca está fazendo?! — Calista exclamou.

— Eu não sei. — Foi a resposta. — Mas aquela mentirosa vai pagar caro quando eu puser as mãos nela! Não acredito que eu estava mesmo preocupada  com aquela víbora!

— Calma, Cynth. — A jovem kantoniana disse. — Diantha não é esse tipo de pessoa. Deve haver alguma explicação, algo que ainda não sabemos.

— Você ainda a defende?! — Cynthia rosnou. — Que droga, Cal! Aceite: Diantha enganou você. Ela é uma atriz, pelo amor de Arceus! A melhor da década, se considerar a opinião da mídia.

— Chega. — Calista declarou com firmeza. — Acredite, Cynth, estou tão furiosa com ela quanto você. Mas ficarmos discutindo não vai levar a lugar nenhum. Na verdade, tenho a impressão de que é exatamente isso que Lysandre quer. Não sei por que, mas tenho certeza de que tudo isso é principalmente obra dele.

A campeã de Sinnoh deu um longo suspiro, controlando sua irritação, o que fez a irmã de Ash sorrir consigo mesma. De todas as pessoas, jamais imaginaria que justamente aquela mulher tivesse um temperamento tão explosivo.

— Cal! — A loira exclamou subitamente. — Você talvez tenha razão. Há uma coisa ...

— Do que você está falando, loira?

— É melhor não dizer por telefone. Não é seguro. — Foi a resposta. — Pode me encontrar no gazebo, em vinte minutos?

— Certo.

A jovem kantoniana não precisou de mais instruções. Ao desligar, foi imediatamente procurar Gardevoir. A Pokemon Abraço olhava pela janela do quarto de hóspedes, parecendo completamente perdida nos próprios pensamentos.

— Gardevoir. — Calista chamou, esperando por alguns momentos até enfim conseguir atrair a atenção da pokemon. — Preciso de uma ajuda sua. Preciso que me diga o que aconteceu na noite em que você veio para cá.

A pokemon hesitou, mas enfim  lentamente, assentiu. Quase em câmera lenta, aproximou-se de Calista e pegou a mão esquerda da jovem entre as suas. Por um momento o gesto confundiu a morena, mas logo as imagens vieram. Projeção. É claro. Sendo parcialmente uma pokemon do tipo Psíquico, a técnica era quase uma segunda natureza para Gardevoir.

Calista viu a si mesma deixando o ginásio de Anistar com Diantha e Cynthia, suas duas amigas discutindo acaloradamente. Viu o momento em que a atriz partira, ainda furiosa. Viu Diantha em um momento que pareceu ser horas depois, enrodilhada em um sofá com um livro aberto sobre o colo. Viu a fachada de um restaurante e a familiar silhueta esguia de Diantha adentrando o local. Viu Lysandre sentado em uma das mesas, acenando em cumprimento ao notar a aproximação de sua companheira ...

— Foi ele, não foi? — Calista exclamou, furiosa. — Ah, eu sabia!

A exclamação suave de Gardevoir em resposta àquela explosão foi definitivamente uma reprimenda, quase como se a pokemon lhe dissesse para saber de tudo até o fim antes de tirar conclusões.

— Certo, certo. — A morena esboçou um sorriso apologético. — Tem razão, Gardevoir. Me conte o que aconteceu depois.

A pokemon assentiu solenemente em concordância, e então as imagens recomeçaram: Diantha e Lysandre jantando juntos, e em seguida saindo para caminhar ... O homem ruivo sorrindo e oferecendo o braço em um gesto cavalheiresco que Diantha aceitou com uma risada ... Os dois se afastando juntos, lado a lado quase como um casal ...

— Deixe eu adivinhar ... — Calista comentou. — Você ficou para trás de propósito, não foi? Para dar privacidade a eles.

Gardevoir assentiu e as imagens projetadas pela pokemon tomaram um novo rumo: Lysandre e Diantha discutindo breve, porém intensamente ... O Pyroar de Lysandre atacando de surpresa com Pulso Sombrio, enquanto Diantha meramente assistia ...

— Ela ... — Calista exclamou, chocada e furiosa na mesma medida. — Ela deixou que ele fizesse aquilo com você?! Como Diantha pôde fazer uma coisa dessas? Caramba, Gardevoir, eu sinto muito!

A pokemon soltou uma exclamação baixa de dor e mágoa, soltando a mão da jovem treinadora apenas para se atirar em seus braços, tremendo. O gesto a pegou de surpresa por um momento, e só depois de se recuperar a morena conseguiu retribuir ao abraço, acariciando gentilmente as costas da pokemon em um gesto de conforto.

— Cynthia disse que descobriu alguma coisa. — A irmã de Ash disse. — Talvez ela possa explicar o que aconteceu. Quer dizer ... Deve haver uma explicação. Diantha ama você, ela jamais teria permitido que ninguém a ferisse.

Gardevoir ergueu o rosto, que havia escondido no ombro de Calista, abrindo um sorriso agradecido. A morena instintivamente entendeu o motivo da gratidão. Afinal, ela mesma estava se agarrando a qualquer fiapo de esperança, tentando crer na inocência de uma amiga a quem amava.

— Pode vir comigo, se quiser. — Calista disse gentilmente. — Você tem tanto direito quanto eu de ouvir o que Cynthia tem a dizer.

Mais uma vez Gardevoir assentiu. Cynthia as esperava no mesmo gazebo onde Ash e Calista haviam se encontrado seis anos antes, no dia em que o rapaz rompera os laços com sua irmã mais velha após descobrir seu envolvimento com a Equipe Rocket.

— Cal. — A loira cumprimentou, erguendo os olhos dos papéis que lia como se tivesse sentido o olhar de Calista sobre si. — Venha cá. Você precisa ver isso.

A jovem obedeceu, sentando ao lado da loira enquanto ela lhe passava as anotações que estivera lendo. Gardevoir também se aproximou, perto o bastante para poder ler por sobre o ombro da jovem kantoniana. Aqueles papéis pareciam uma espécie de rascunho de um projeto, uma fórmula que Calista analisou por um longo momento antes de compreender. Era uma versão mais detalhada de algo que já vira nos documentos de pesquisa de seu pai.

— Mas o que ... ?! — A morena quase gritou em surpresa quando percebeu do que se tratava. — Como diabos você conseguiu isso?!

— Lusamine. — Cynthia respondeu à guisa de explicação. — Esse é um projeto recente, criado em parceria com os Laboratórios Lysandre. Minha prima me contou sobre isso quando estive em Alola, mas não dei a devida importância na época.

— Caramba, Cynth! — Calista exclamou, balançando a cabeça em desaprovação. — As coisas estão muito piores do que eu imaginava.

— É, eu sei. — A loira respondeu. — Ainda não acredito que algo assim seja possível. Está anos-luz à frente de qualquer coisa que eu já vi.

O projeto que tanto chocara as duas amigas era uma droga utilizada para enfraquecer as defesas do cérebro humano. Tendo como base a neurotoxina de um pokemon chamado Nihilego, a fórmula tornava a pessoa afetada irracional, extremamente suscetível à manipulação, além de trazer à tona e amplificar tendências normalmente suprimidas - como ciúmes ou violência.

— Então foi isso mesmo que ele usou. Lysandre não estava mentindo. — Calista declarou, trocando um rápido olhar com Gardevoir.

A pokemon pensou por um breve segundo, então assentiu com total convicção.

— Cal ... — Cynthia chamou, seu tom de voz uma advertência. — O que você não está me contando dessa vez?

— Bem ... Acontece que Lysandre e Diantha realmente se encontraram naquela noite. Na verdade, os dois saíram para jantar.

— Eu sabia! — A campeã de Sinnoh rosnou. — Ela mentiu para nós esse tempo todo!

— Talvez não conscientemente. — Calista opinou. — Ou não de livre vontade.

— Cal. — Cynthia foi firme, seu tom não deixando espaço para discussão. — Por mais que eu sempre tenha duvidado dela, há uma coisa em Diantha que não pode ser subestimada: sua inteligência. Ela é brilhante. Seria quase impossível alguém conseguir manipulá-la a tal ponto.

— Aí está, Cynth, você disse a palavra chave: "quase". — A morena rebateu, teimosa como sempre. — Você não viu o estado em que Gardevoir estava quando veio a mim. Diantha não deixaria aquilo acontecer com seu pior inimigo, quanto mais Gardevoir. As duas foram parceiras a vida toda, ninguém sabe melhor do que nós o quanto Diantha ama essa pokemon.

— Também não quero acreditar que ela seja capaz disso, Cal. — A loira rebateu, seu tom agora mais suave, quase um pedido de desculpas. — Mas ...

— Sem "mas". — Calista interrompeu. — Vou descobrir o que está acontecendo de qualquer jeito. Não importa como.

— Você não faz ideia de onde está se metendo, Cal.

— Tem razão. Por isso mesmo eu preferiria ter você ao meu lado. Mas, com ou sem sua ajuda, ainda assim farei o que acho certo.

Cynthia revirou os olhos, sua expressão se suavizando em uma aprovação calorosa. A determinação era um dos traços que mais admirava na irmã de Ash, como poderia recriminá-la por aquilo?

— Está bem, sua teimosa. Se está tão determinada a fazer isso, o mínimo que posso fazer é garantir que você volte inteira. — A campeã declarou. — Mas, se vamos agir, é melhor fazermos isso logo.

Calista assentiu solenemente e as duas amigas trocaram um longo olhar de sombria antecipação. A morena sentiu algo, uma energia desconhecida zumbindo entre elas. Era mais do que a sincronia que por vezes acontece com pessoas de índole parecida, muito mais profundo. Era quase como se suas mentes se unissem em uma só.

Olhando para Cynthia, a irmã de Ash viu os lábios da campeã de Sinnoh se curvarem em um sorriso selvagem que a morena sentiu espelhado em suas próprias feições. Era hora de agir, e ambas estavam prontas para o desafio.

Olympia as recebeu tão logo se aproximaram da porta, poucas horas depois. Era como se já as esperasse, indicando que entrassem com um movimento de mão.

— Olympia ...

— Não precisa explicar nada, Calista. — A líder de ginásio disse gentilmente. — Eu já sei de tudo.

— Sabe?!

— Sei. — A Oráculo asseverou. — E também sei como ajudá-las. Mas não será uma tarefa fácil. Especialmente para você, Cynthia.

Para surpresa de Calista, Cynthia nem mesmo hesitou ante aquele aviso.

— Não me importo. — A campeã de Sinnoh declarou. — Apenas diga o que precisa ser feito.

— Muito bem, então. Venham comigo.

Olympia guiou as duas amigas até a grande sala branca com vista para o oceano na qual haviam estado na primeira vez em que visitaram o ginásio de Anistar.

— O que vou lhes mostrar ... — A mulher de cabelos roxos disse em tom grave. — Se chama Projeção Astral. Normalmente não seria uma opção, mas o elo entre vocês é um dos mais fortes que já vi.

— Quer dizer que podemos usar isso para encontrar Diantha?

— Contatá-la. — Olympia corrigiu. — Até mesmo o poder tem seu limite, e o livre-arbítrio humano traça grande parte dele.

— Não se preocupe, Cal. — Cynthia disse. — Só precisamos de uma chance de convencê-la e fazer aquela primadonna voltar a si.

— Eu não teria tanta certeza, Cynth.

— Calista tem razão. — Olympia disse aprovadoramente. — Ela compreendeu bem os acontecimentos. Algumas feridas, minha cara Cynthia, vão mais fundo do que imaginamos, até nos corroer e alterar quem somos por completo.

— Pode ser. — A campeã de Sinnoh concordou pensativamente. — Mas não acredito que o que realmente importa possa ser mudado. 

 — Pois bem. — Olympia assentiu, parecendo aprovar as palavras da loira. — O primeiro passo é o transe. Por acaso já praticou meditação?

 — Algumas vezes. — Cynthia respondeu. — Mas sem grandes resultados.

— E você, Calista?

— Não, nunca. — A jovem kantoniana admitiu. — Jamais compreendi o objetivo.

— Não será um problema. — A Oráculo assegurou. — Desde que ambas conheçam os princípios essenciais.

As duas mulheres lhe garantiram que conheciam, e Olympia então as guiou até uma sala menor, sem janelas. As três formaram um círculo ao redor das velas já dispostas no centro do cômodo. Foi quando a líder de ginásio começou a entoar um cântico em voz baixa, numa língua desconhecida.

Suas palavras tinham um ritmo misterioso, hipnótico. Calista sentiu cada vez mais dificuldade em manter os olhos abertos, e finalmente se permitiu fechá-los, abrindo-os novamente ao ouvir Olympia chamar seu nome.

Para sua surpresa, a mulher de cabelos roxos estava de pé à sua frente. Seus olhos azul-gelo, porém, miravam um ponto ao lado da jovem morena. A expressão neles era de uma diversão admirada. Calista seguiu o olhar da líder de ginásio e arquejou de choque ao perceber a garota loira.

Se não a conhecesse tão bem, jamais a teria reconhecido. Cynthia mantinha os olhos fechados, mas suas feições estavam diferentes. A campeã parecia não ter mais de quinze anos e seus cabelos loiros puxado para trás revelavam um rosto perfeito, sem cicatrizes.

— Meu parabéns. — Olympia disse calorosamente. — Vocês conseguiram.

— Mas ... — Calista ainda sentia dificuldade em falar, tamanha era sua surpresa. — Como é possível termos mudado de aparência?

— Sua aparência permanece a mesma, minha cara. — A mulher de cabelos roxos respondeu. — Apenas o modo como é percebida muda. Aqui, somos vistos como desejamos ser.

A morena assentiu, procurando por alguma mudança, por mais sutil que fosse, na aparência da líder de ginásio. Não havia nenhuma, o que só a fez respeitar a Oráculo kalosiana ainda mais.

O próximo passo era se concentrar em um destino. Segundo Olympia, uma vez que fizessem aquilo, o elo psíquico entre elas agiria como um farol. Diantha acabaria por se juntar a elas, e as três poderiam resolver o assunto sem interferências externas.

 — Terão maiores chances de sucesso se escolherem um local sagrado. — Foi o conselho que a Oráculo lhes deu. — Um lugar com uma história poderosa.

— Conheço o lugar perfeito. — Cynthia declarou. — Pronta, Cal?

— Quando você estiver.

Calista aceitou a mão que sua amiga estendia e em segundos se viu em um lugar completamente desconhecido, com a luz do sol poente brilhando em antigos pilares e degraus de mármore dilapidados pelo tempo. Partículas de poeira e mármore flutuavam no ar, brilhando à luz do sol de final de tarde e fazendo com que a própria atmosfera parecesse dourada.

— Que lugar é esse? — Calista inquiriu, maravilhada.

— Chama-se Pilar da Lança. — A campeã de Sinnoh respondeu. — Poucos sabem exatamente onde este lugar se localiza, mas aposto que você já ouviu falar dele. Afinal, estava em Sinnoh na época que a Crise Galáctica aconteceu.

— Sim, eu ouvi falar desse lugar. — A morena assentiu. — É ... Magnífico. De tirar o fôlego. Exatamente como sempre imaginei que seria.

— Fico feliz que pense assim. — A campeã sorriu. — Já faz algum tempo que quero mostrar este lugar a você.

A jovem kantoniana estendeu uma das mãos, tocando gentilmente uma das pilastras. Para sua surpresa, sentiu o mármore frio sob as pontas de seus dedos. A sensação era desconcertantemente real.

— Imagino como este lugar deve ter sido majestoso. — A morena comentou distraidamente, acompanhando com as pontas dos dedos as antigas imagens gravadas no mármore. — Antigamente.

Cynthia assentiu em silêncio, satisfeita que a irmã de Ash compartilhasse seu fascínio por aquele lugar.

— Calista? — Uma voz familiar chamou, soando muitíssimo surpresa. — Cynthia?!

Calista se virou tão rápido que sentiu-se tonta por um breve instante, e ficou completamente paralisada ao vê-la. Diantha havia mudado completamente. Estava mais alta e mais forte, seus longos cabelos castanhos soltos para emoldurar um rosto cujas feições pareciam ter sido esculpidas. A atriz kalosiana lembrava uma estátua de mármore que magicamente ganhara vida.

— Estou surpresa. — Diantha declarou ironicamente. — Você, Cynthia, é a última pessoa que eu esperava ver.

— Tolice. — Cynthia respondeu. — É sério, Diantha? Vai insistir nisso mesmo depois de tudo o que lhe contei?

— Tola é você, se pensou que acreditaria em suas mentiras.

— Você só está enganando a si mesma. — A campeã de Sinnoh rebateu. — Leu minha mente, sabe melhor do que ninguém que o que eu disse era verdade. O elo ...

— Um elo que nenhuma de nós nunca quis, para começo de conversa. — A atriz interrompeu. — Especialmente você.

— Já chega! — Calista interferiu antes que a discussão entre suas duas amigas se tornasse ainda mais acalorada. — Diantha, por favor. Cynthia tem razão, e você sabe disso. Lysandre só está usando você.

— Não, Caly. — A atriz replicou calmamente. — Ele não está. Lys é, na verdade, a única pessoa que me vê como realmente sou.

— Mon Dieu, Maître! — A morena exclamou, frustrada com tanta teimosia. — Você está sendo cega de propósito! Vai se arruinar por causa dele! Isso não vale a pena, Diantha!

— Está enganada, meu bem. — Foi a resposta, dada com total serenidade. — Ao contrário do que todos pensam, não sou uma boneca de porcelana. Posso cuidar de mim mesma.

— Mas que droga, Diantha! — Cynthia exclamou, sua frustração finalmente explodindo de vez. — É tudo sobre isso, então? Nunca conheci ninguém tão idiota quanto você!

Não houve resposta àquele comentário. Diantha se voltou novamente para Calista, e pela primeira vez a jovem viu sua expressão se suavizar em preocupação sincera.

— Calista ... Gardevoir está bem?

— Sim. — Foi a resposta, dada com rispidez. — Embora eu não ache que você tenha o direito de se preocupar com ela depois do que fez.

Esse comentário fez, por um momento, surgir uma expressão de arrependimento naqueles olhos azul-celeste, mas a emoção, se é que realmente existira, foi logo suprimida.

— Foi necessário. — A mulher kalosiana replicou simplesmente. — Você não entenderia.

— Tem razão, Diantha. Não entendo. — Foi a resposta. — Nenhuma de nós entende. Por que não tenta nos explicar?

— Porque seria uma perda de tempo.

O tom da atriz foi o mais suave que ela havia usado até então, quase apologético. Cynthia, que se mantivera calada depois de sua explosão anterior, como que se arrependendo do ato impensado, deu um passo à frente. Calista assentiu ante o olhar que sua amiga lhe lançou, decidindo deixar que as duas conversassem a sós.

Sua mente voltou à consciência bruscamente e seus olhos se abriram. Olympia a fitou com curiosidade, mas não fez perguntas, simplesmente pareceu satisfeita em ver que a jovem kantoniana estava bem. Só então Calista voltou sua atenção para Cynthia. A campeã ainda mantinha os olhos fechados, seu rosto absolutamente sem expressão.

— Ela está bem. — A Oráculo assegurou em voz baixa. — Não se preocupe.

Calista assentiu no exato momento em que Cynthia movia uma das mãos, segurando a sua com firmeza. A morena corou de surpresa, mas decidiu não se afastar. Ao invés disso, entrelaçou os dedos aos da loira e esperou.

Um longo tempo se passou. Na quietude absoluta, pareceu uma eternidade até que a campeã enfim abrisse lentamente os olhos. Sem dizer nada, ela simplesmente apertou a mão de Calista uma última vez antes de soltá-la. A jovem kantoniana se surpreendeu ao ver o quão pálida sua amiga estava. Mesmo sob a luz quente das velas, Cynthia estava branca como um fantasma.

— Cynth! — A morena exclamou, preocupada. — O que aconteceu? O que Diantha lhe disse?

— Relaxe, Cal, eu estou bem. — A campeã de Sinnoh respondeu. — Só preciso de um minuto. Eu ... Acho que não estava preparada para isso.

— Nunca se está completamente preparado. — Olympia declarou gentilmente. — Mas mesmo assim ação é mais importante do que contemplação.

Cynthia assentiu em silêncio e as duas amigas deixaram o ginásio de Anistar não muito depois. Calista não sabia se era o elo ou simplesmente sua intuição, mas tinha a impressão de que acontecera muito mais naquela breve conversa do que Cynthia desejava que soubesse. A jovem podia sentir algo abaixo daquela fachada de controlada frieza, uma intensidade que quase a assustava.

— Cal. — A loira quebrou o silêncio. — Já está cansada?

— Nem um pouco. — Foi a resposta. — O que você tem em mente, loira?

— Uma noite das garotas particular, só nós duas. O que me diz?

A irmã de Ash pensou por um momento. Mesmo que Cynthia não lhe dissesse diretamente, podia sentir o quanto a campeã estava abalada. E algo lhe dizia que aquele convite era um subterfúgio para evitar ficar sozinha com seus próprios pensamentos.

— Está bem. — A morena concordou enfim, embora com relutância.

A ideia de Cynthia de uma "noite das garotas" a pegou completamente de surpresa. Calista se viu no salão de jogos do hotel em que a campeã estava hospedada, jogando sinuca.

— Uau, Cynth. — A irmã de Ash provocou. — Vou admitir, eu não esperava por essa.

— Ter garotos como melhores amigos produz esse resultado. — A loira respondeu, rindo. — Steve me ensinou a jogar, e acabei pegando gosto.

— Bom, você com certeza está acabando comigo aqui.

— Finalmente uma arena em que tenho a superioridade. — Cynthia rebateu com uma piscadela brincalhona, inclinando-se para mais uma tacada.

— Não por muito tempo, loira. — Calista respondeu. — Espere e verá.

As duas jogaram por cerca de uma hora. Apesar da bravata de sua amiga kantoniana, Cynthia venceu todas as partidas. Logo depois, ao se despedirem no saguão, a campeã a surpreendeu ao abraçá-la. Um abraço ligeiramente mais apertado e mais longo do que o habitual.

— Boa noite, Cal. — A loira disse. — E obrigada.

— Pelo que, exatamente?

— Por ser uma boa amiga. — Foi a resposta, enquanto Cynthia se virava para subir as escadas que a levariam ao segundo andar do hotel. Ela hesitou por um momento, então voltou-se novamente para Calista. — Cal ... Tem uma coisa que preciso lhe contar. Se importaria em subir comigo por um momento?

Calista meramente assentiu em resposta, caminhando em silêncio ao lado de sua amiga. Cynthia, por sua vez, tentava se convencer de que estava fazendo a coisa certa.

Não. Sua mente a advertia. Você não quer isso. É só a porcaria do elo falando. Você manteve o segredo até hoje, continue de boca fechada. Nem mesmo seu próprio irmão sabe disso.

Sua expressão se anuviou com tristeza ao lembrar de tudo o que Hitoshi dissera naquele dia, quando ele descobrira a verdade. A verdade dele, pelo menos. Cynthia suspirou pesadamente. Seu irmão era apenas uma das pessoas com quem falhara naquela época.

O quarto da campeã no hotel era exatamente como Calista imaginara: uma bagunça de papéis e livros espalhados por todos os lados. As duas se acomodaram na antecâmara, onde havia um divã de veludo vermelho. Sentaram-se de frente uma para a outra, próximas o bastante para que seus joelhos se tocassem.

— Então ... — A morena começou gentilmente. — O que você queria me contar?

— Lembra quando você me perguntou sobre a pessoa que vi ser afetada por Darkrai, e eu não respondi?

— Sim, eu me lembro. — Foi a resposta. — Imagino que este seja o momento em que vou descobrir o por quê.

— Porque não poderia falar sobre isso racionalmente. O nome dele era ... — Cynthia hesitou. Não falava aquele nome em voz alta há anos. Não se pudesse evitar, algo que tentava fazer a todo custo. — Cyrus. Nunca vi uma mudança tão acentuada em uma pessoa. Darkrai o controlava completamente em questão de dias.

— E o que você fez?

— O mesmo que fiz por você. — A loira respondeu sombriamente. — Mas algumas pessoas estão além de qualquer salvação, seja por índole ou falta de vontade.

— Esse Cyrus ... — Calista não pôde deixar de notar a forma como sua amiga se encolheu ao ouvir aquele nome, como se o mero som da palavra a ferisse fisicamente. — Ele era importante para você, não era?

Cynthia balançou a cabeça, admitindo em silêncio enquanto Calista tomava suas mãos entre as dela. A campeã apreciou o gesto. Não se sentia tão segura desde ... Chocada, balançou a cabeça para se livrar daqueles pensamentos. Se pensasse nele, iria desmoronar.

— Cynth. — A irmã de Ash disse suavemente. — Fale comigo. Por favor. Você não precisa lidar com isso sozinha. É para isso que estou aqui, sua bobona.

— Não importa mais. — A loira respondeu enfim. — Cyrus não é mais nada além de um fantasma ... Um demônio que não consigo exorcizar.

Calista assentiu em compreensão e as duas amigas ficaram de mãos dadas, em silêncio. Cynthia podia sentir o peso daquele segredo, um peso que carregava há muito tempo. As palavras se acumularam, abriram caminho até seus lábios ... A loira os mordeu, com medo de desmoronar como uma criancinha caso falasse sobre aquele assunto. Finalmente, foi o toque do celular de Calista que quebrou o silêncio.

Uma dica, menina fada. A nova mensagem recebida dizia. É melhor você vir logo. Aposto que vai querer ver isso.

Abaixo, havia um endereço. Calista imediatamente deletou a mensagem, trocando um rápido olhar com Cynthia. 

— É Malva. — A jovem disse. — Aposto que tem algo a ver com a Equipe Flare. Não estão longe daqui.

— Eu vou com você. — A campeã respondeu simplesmente. — E não adianta tentar protestar.

— Tudo bem. — Calista sorriu, se pondo de pé e puxando sua amiga consigo. — Então vamos.

Acompanhadas por Mirabelle e Garchomp, as duas treinadoras se puseram a caminho. O local indicado por Malva ficava a não mais do que duas quadras de distância, um prédio antigo outrora pertencente aos Laboratórios Lysandre, atualmente desativado e abandonado pela empresa. A fachada estava completamente às escuras, exceto por uma única janela no canto mais distante do terceiro, e último, andar. Mesmo àquela distância, Calista reconheceu imediatamente a silhueta esguia que as observava.

— Aquela é ...

— Sim. — Cynthia confirmou, tão chocada quanto a jovem kantoniana. — Diantha está aqui.

As duas amigas ficaram mais alguns segundos envoltas em um silêncio chocado. Nenhuma das duas conseguia, nem mesmo queria, acreditar. Mas a presença da atriz kalosiana ali falava por si.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Pokémon - Unbroken Bonds" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.