ParaLelo escrita por Lorem K Morais


Capítulo 3
Sirenes




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de: João Pedro

para: Bruno Garcia

15 de nov. de 2019 20:57

assunto:Re:Dança

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Bruno

Primeiro de tudo, boa festa. No entanto, lembre do que sua mãe sempre diz e seja cuidadoso.

Eu sei que pareço paranoico repetindo isso, mas como eu disse, lembro do meu tempo. Fiz muita estupidez.

Porém, você tem jeito de ser mais esperto do que eu, talvez nem precise me preocupar.

Segundo: perereca doida? Não imagina a gargalhada que dei aqui dessa vez. Obrigado por isso, estava precisando.

Você é mesmo uma figura.

Fico um pouco ofendido. O que acha que faço nas boates que falei? Eu não pulo na primeira pessoa que aparece. Agora vou me policiar para notar se não danço como uma perereca também.

Terceiro, caramba. Exceto por um breve momento antes de ele sumir, não, nunca passei por isso. O seu progresso com a situação me deixa intrigado, ainda mais por dizer que nunca passou por algo assim antes.

Você realmente é especial.

Eu devo admitir que invejo sua coragem. Eu passei muito tempo ignorando o que estava acontecendo, até aceitar nosso amigo. Sinto que podia ter feito mais por ele, fico feliz que esteja aí. Ele sempre foi especial também, diferente das outras situações que vi em todos esses anos. Ele sempre me pareceu mais presente e real.

Por vezes eu duvidava quem era o fantasma. Tinha dias que me sentia menos real que ele.

Você vê, Bruno, eu passei tanto tempo me isolando das pessoas ao ponto que pensei:  Quem sentiria minha falta? Alguém notaria se eu sumisse? Eu seria um daqueles casos na televisão que só me encontrariam semanas depois?

Se ninguém sabe que você está lá, você realmente está?

Em muitos sentidos, eu era um fantasma nesse prédio também.

Eu fico surpreso de alguém lembrar de mim por aí.

O engraçado, e não estranhe, é que você foi quem me ajudou nisso. Em espantar um pouco esses pensamentos. Depois das nossas conversas eu notei que adotei o mesmo padrão, exceto que não havia uma aparição aqui para me fazer companhia.

Depois da nossa conversa eu pensei se seria tão mau ir tomar um cafezinho com alguém e falar da vida. Conversar com as pessoas no intervalo, atravessar a cidade sem pressa.

É uma nova experiência.

Obrigado por isso.

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de: Bruno Garcia

para: JotaPedro@hotmail.com

17 de nov. de 2019 09:00

assunto: O filho da Dona Inês

enviado por: gmail.com

Caro estranho.

Fazendo uso da citação do filme o homem bicentenário eu digo: "Isso fica feliz em ser útil."

Mas agora sério, é interessante como algumas pessoas não percebem o impacto que elas têm na vida de outras. Eu digo isso porque aí está você, achando que passou por aqui de fininho, quando foi o crush de todas as velhinhas do prédio.

Dona Mercedes disse ontem mesmo que você sempre encontrava um tempo para ajudar ela a subir com as compras e prestou socorro ao seu Osvaldo quando ele caiu. Marcos me contou o quanto sempre cozinhava para o ceia de natal do prédio, mesmo quando não ia.

Pessoal sente sua falta aqui, seu estranho. Você não passou na vida em branco por aqui. Provavelmente nem aí. Só não notou ainda isso.

A gente quase nunca nota, né? Às vezes uma coisa simples para gente tem um impacto gigante na história de alguém, para o bem e para o mal.

Isso é bom, eu acho. Não passar pela vida sem fazer nada, por menor que pareça.  Não fazer nada parece um desperdício.

Mas bora lá, as novidades!

A festa foi...diferente. Como diria Renato Russo: festa estranha com gente esquisita. Havia muita fumaça suspeita e umas coisas lá que nunca vi ao vivo.

Caro estranho, o povo não foi para dançar não e conversar é que não dava com aquele barulho. Quando senti a terceira linguada no cangote no meio da sala eu achei melhor pegar um arzinho, sabe.

Eu terminei a noite na calçada comendo cachorro quente em uma barraca e falando com o vendedor sobre a filha dele.

Mas olha, vou te confessar, não é que eu seja puritano nem nada. O pessoal pensa que a gente de cidade pequena vive em outra época. Talvez lá demore um pouco para chegar as coisas e o primeiro a vir com novidade sofra mais, mas não é tão ruim quanto pessoal daqui pensa.

Para provar isso, deixa te contar uma história.

Não sei se vai se incomodar em eu te contar isso, vai saber, mas vamos lá. Um cara que compra estrelas fluorescentes para um fantasma me parece alguém sem preconceitos.

Eu tinha esse carinha. Ele é da cidade também, só aparecia nas férias por lá. Ele era mais bonito que a Laura até, que modéstia a parte, minha irmã coloca essas meninas da cidade no chinelo.

Mas esse sujeito foi meio que a pessoa que eu pensei 'ôh lá, até que não parece ruim trocar saliva!'.

Não foi para frente, claro, aqueles namoricos de verão nunca vão e Laura que aguentou as lamúrias depois e minha crise de sexualidade de menino de cidade pequena.

Não me cogitou esconder, sabe? Não fui criado para me esconder. Não é de mim isso não.

Foi tipo, "oh lá o viadinho da Inês da padaria" por um bom tempo, o pessoal falou que foi uma maravilha na época, mas logo depois abriu as portas de Nárnia e um monte de gente saiu do armário.

Eu fui revolucionário.

Eu gosto de pensar que não tive mais problemas porque apesar de ser um lesado, sou um lesado gigante que carregava saco de farinha na padaria da minha mãe.

Mas a verdade é que ninguém queria receber a ira da Laura.

Mas enfim, hoje em dia é diferente por lá. Não fui criado com cabeça enfiada na areia, mas tive que ouvir umas piadas sobre isso já desde essa festa. Porque não gosto de gente estranha enfiando a língua na minha boca. Como tu consegue isso?

O fim do meu desabafo amoroso.

Começo do que interessa.

John É UM BABACA.

Só porque o pessoal apareceu aqui interessado em ver o local assombrado, a dondoca não deu as caras. Nem tchuíu para mim.

Não sei se esse povo volta. E estou dividido entre estresse e alívio, porque um deles apareceu de cosplay de caça fantasmas.

Dona Ramona quase cai dura na portaria. Aposto que daqui para o final da semana vai ter uma reclamação para mim lá.

Não ajuda que aqui o prédio não aceita barulho e o pessoal que veio quer fazer uma festa todo final de semana. Não que eu ache que seu Osvaldo se incomode, capaz de ele aparecer aqui para se juntar na farra, mas não acho que todo mundo vai aceitar isso.

Vou esperar até o fim do mês, se não rolar vou catar um emprego. Tem vários cafés aqui por perto, vou espalhar meu currículo de anos trabalhando na padaria.

Uma coisa que sei fazer é servir café e enfeitar um bolo. O filho da Dona Inês não é pouca coisa.

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de: João Pedro

para: Bruno Garcia

20 de nov. de 2019 20:00

assunto:Re:O filho da Dona Inês

enviado por: hotmail.com

assinado por: hotmail.com

Bruno

Seria um pouco hipócrita da minha parte me incomodar. Quando eu digo que trago pessoas para casa da boate, eu disse pessoas por uma razão. Tanto faz para mim, contanto que o interesse seja mútuo, consensual e de acordo. Lembra quando falei que meus pais não aceitavam minha escolhas? Essa é uma delas.

E mesmo que eu não fosse assim, isso não me incomodaria. Não deveria incomodar ninguém as escolhas amorosas de outros, desde que haja consentimento (real consentimento, inclusive legal) e respeito entre as partes. Em um mundo ideal seria assim.

Infelizmente vivemos em um mundo longe do ideal.

Eu não sei de certo, Bruno, sobre a 'língua de desconhecidos na boca' (inclusive ri muito disso) não me incomodar. Talvez eu esteja procurando algum significado para minha vida no sexo, vai saber. Ou talvez eu seja daqueles sujeitos que se achem mais seguros em casos sem sentimentos, porque existe menos riscos assim de alguém sair magoado na história. Há várias razões, nenhuma delas eu procuro pensar muito.

E John, hein? Nem para dar um susto. Ele realmente está mais taciturno.

Você tem razão, a política do prédio é não haver barulho depois das nove da noite, por isso existem tantos idosos morando aí. Por isso eu morava aí.

Deixa adivinhar: sua irmã que escolheu o prédio? Pelo o pouco que me falou dela já vi que ela preza muito por você e seus estudos, por isso escolheu um lugar longe das tentações para você.

Quer saber? Eu vou checar uma coisa para você. Aguenta aí, amanhã dou notícias se posso te ajudar ou não.

Até lá, boa sorte.

Tudo vai dar certo.

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de: Bruno Garcia

para: JotaPedro@hotmail.com

22 de nov. de 2019 11:00

assunto: Muito engraçado

enviado por: gmail.com

Caro estranho

Muito engraçado, você.

Sim, minha irmã estava protegendo minha castidade também, provavelmente. Eu disse que minha mãe é paranoica, mas Laura é mais.

Inclusive ela nem sabe que estou procurando alguém para cá. Eu tenho 20 anos, mas acho que ela me vê ainda como o molecote que andava atrás dela para todo lado.

Bem, eu cresci só em tamanho, para ser justo né.

Estou curioso sobre do que está falando! Não faz isso não!

John está em um bom humor hoje. Ele até me ajudou dando pitaco enquanto pintava a parede da sala. Ele parece mais a vontade.

Ele parece mais real até.

É estranho?

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de: João Pedro

para: Bruno Garcia

24 de nov. de 2019 20:00

assunto:Re:Muito engraçado

enviado por: hotmail.com

assinado por: hotmail.com

Bruno

Como eu disse, ele parece diferente do que lembro. Fico feliz que ele esteja com o humor melhor. Espero que ele não tenha ficado assim porque saí de repente.

Ou talvez eu esteja me dando muita importância?

Enfim, se não encontrar ninguém, vá no café do final da esquina do prédio, perto do hospital universitário. O nome é Mambus, fale com o Thiago, o gerente. Ele já sabe que vai lá.

Ele vai fazer uma experiência com você por alguns dias, mas provavelmente o emprego é seu já.

Boa sorte!

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de: Bruno Garcia

para: JotaPedro@hotmail.com

24 de nov. de 2019 12:00

assunto: MASOQUÊ

enviado por: gmail.com

Caro estranho

MAS OLHA AÍ O MOTIVO DO CRUSH DA VELHINHAS!?

Cara, não sei nem como agradecer.

Eu fui lá já, vou começar a experiência amanhã.

Obrigado, de verdade. Eu vou trabalhar, tomar cafezinho e conversar com pessoas!

Desculpa lhe informar, mas é ainda melhor do que ganhar para ler livros!

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de: Bruno Garcia

para: JotaPedro@hotmail.com

25 de nov. de 2019 18:00

assunto: Sem assunto

enviado por: gmail.com

Caro estranho.

Eu sei que não respondeu ainda, mas eu acho que perdi a cabeça.

Eu não sei o que pensar.

Aconteceu um troço estranho demais no apartamento. Mais estranho do que o normal.

Era por volta de 4 da tarde quando cheguei da universidade. John estava sentado na poltrona olhando para fora. Até aí tudo normal.

Mas então eu notei uma mudança no apartamento. Por alguns segundos eu vi as paredes descascadas, a estante quebrada e o espaço bem mais vazio e abandonado.

John pareceu alarmado de repente. Ele me olhou se erguendo e veio em minha direção.

E então ouvi a sirene lá fora. Alta, tipo alarme de incêndio, mas bem mais alta e na rua.

Aconteceu tudo tão rápido. Muito rápido. Eu pensei até que tinha imaginado tudo, porque fui perguntar depois sobre a sirene na portaria e ninguém ouviu nada! Eu cogitei até se tinha dormido, mas tenho certeza que não.

John veio até mim.

John tocou no meu braço. Não como no outro dia, dessa vez era sólido e firme.

Caro estranho, espero que não ache que eu esteja maluco ou inventando. Eu juro que não, porque naqueles segundos eu ouvi a voz dele, clara como dia, pela primeira.

"Você tem que voltar. Não pode ficar aqui."

Foi como sentir um solavanco e eu estava de volta. No meio da sala.

Sem John.

Ele não apareceu de novo ainda.

É estranho eu estar preocupado? O que está acontecendo?

Parece que sua teoria de ele não ser o único a visitar não parece tão louca agora.

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de: João Pedro

para: Bruno Garcia

25 de nov. de 2019 20:00

assunto:Re:Sem assunto

enviado por: hotmail.com

assinado por: hotmail.com

Jesus Cristo, Bruno.

Eu não sei nem do que falar primeiro. Vamos ao mais urgente então: Você está bem? Está seguro?

Bruno, depois do que me enviou eu juro que cogitei ir aí, isso é um pouco mais sério do que uma aparição no quarto. Você desmaiou? Está sentindo algum efeito? Sente seu corpo pesado?

Você está tendo sonhos estranhos ou experimentou paralisia do sono recentemente?

Primeiro me responda isso.

E sim, isso aconteceu comigo. Uma vez.

Foi a última vez que o vi antes de me mudar.

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de: Bruno Garcia

para: JotaPedro@hotmail.com

27 de nov. de 2019 08:00

assunto: Estou bem

enviado por: gmail.com

Caro estranho.

Desculpe a demora, comecei no café e acabei não tendo tempo para responder antes.

Estou bem. Não desmaiei, estava acordado o tempo inteiro, o que tornou toda a experiência mais estranha.

Eu não sei se tive sonhos estranhos, geralmente nunca lembro do que sonho. Sem paralisia do sono. Você teve?

Eu coloquei as coisas que me perguntou no google. Acha que fiz uma projeção astral, não é? Eu não acho que tenha sido.

Estou dizendo, estava acordado. Foi como pisar em um outro apartamento, por segundos. Atravessar aquela barreira. O mais estranho, é que John parecia esperar que isso fosse acontecer, ele estava apenas exasperado. Incomodado.

Sim, ele está aqui.

Quando falou que ele tinha sumido da última vez fiquei preocupado. Eu perguntei isso a ele até, ele só pareceu intrigado.

Eu não ouvi mais a voz dele, é uma pena. Mas fico muito aliviado de ele estar de volta. É estranho me sentir assim?

Eu perguntei sobre a sirene, ele tentou me explicar, mas não entendi bem, além de ser algum alerta ruim.

O mistério apenas se complica mais!

Porém, eu tenho um palpite. Está sentado? Lá vai.

E se John estiver certo e ele não for fantasma coisíssima nenhuma?

Isso não foi uma passagem pelo umbral. Ninguém desenvolve algo assim do nada, e posso te assegurar que nunca fiz isso na vida e meu corpo estava bem sólido comigo, muito obrigado! Foi uma experiência física, não espiritual.

Eu andei pesquisando umas coisas e o mais próximo que cheguei foi sobre setealém.

Já ouviu falar?

Um universo paralelo ao nosso, com um surpreendente número de relatos sobre pessoas que já passaram por ele acidentalmente. O que acha?

Estou maluco?

Você disse que só experimentou isso, a passagem total, uma vez antes de se mudar. E se depois disso a porta ficou entreaberta? E se por isso minha experiência está sendo mais intensa? John parece a vontade aqui, mas ele surtou quando fui parar lá.

Se os relatos que li estiverem certos, com boa razão.

Me deixe saber o que acha.

P.S: Você vinha até aqui??? Não é a toa que as velhinhas tem crush em você, mesmo.

Brincadeiras a parte, obrigado. É bom saber que alguém está ciente dessa confusão e pode me ajudar.

Obrigado por isso. 

 


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