Final Destination: In The Dark escrita por PW


Capítulo 1
Freefall


Notas iniciais do capítulo

É com imensa alegria que venho anunciar uma nova história. Há muito tempo quero desenvolver uma nova trama da franquia, e esse é o melhor momento pra isso. Espero que gostem do que preparei para esse primeiro capítulo. Nele já contém o acidente, as coisas serão mais frenéticas desta vez.

Vocês estão preparados?



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Danny escreveu na folha do caderno o resultado da última equação: 180. Exausto de resolver os exercícios de revisão para a semana de provas, mordiscou a caneta em sua mão e suspirou pesadamente. Sobre a cama havia livros de matemática espalhados e pratos com resquícios do lanche que trouxera.

A pausa para comer havia sido breve, pois seu professor não saíra do seu pé durante toda a tarde. Danny arrependeu-se por ter deixado os exercícios para a última hora, mas era tarde para lamentar sua recente negligência com os estudos.

Aquele fora o motivo pelo qual decidira ter um professor particular. O horário de aula não estava sendo suficiente para ele. Atrasado nos conteúdos, Danny sentiu a necessidade de prolongá-los e não havia ninguém melhor que Lion para aquela tarefa. O rapaz era a pessoa mais inteligente e responsável que conhecia e dificilmente encontraria alguém com quem se sentisse mais confortável do que ele.

— Não foi tão ruim assim. Foi? — Lion encarou sério.

Danny não pôde deixar de reparar nos traços delicados do seu rosto refletidos na luz do sol que entrava pela janela. Lionel Hyun era descendente de coreanos, com um olhar estreito e afiado. O porte magro e franzino lhe dava um aspecto infantil, enquanto os cabelos eram pretos e finos e os lábios moviam-se letargicamente, quase como se não tivesse pressa em viver.

Já Daniel era seu extremo oposto. Tudo em si exalava exagero: falava demais, gesticulava demais, se expressava demais, sentia demais. O rosto alongado esculpido para parecer sempre feliz conferia a ele uma primeira impressão alto astral e simpática, o que se provava verdade a partir do momento em que começava a falar. Danny conquistava facilmente qualquer um. Tinha uma pele negra que brilhava ao sol, olhos grandes e escuros, cabelos curtos e crespos e uma boca carnuda.

— Odeio matemática, mas você faz qualquer coisa ficar tão fácil… — Sorriu. — Obrigado por se oferecer como meu professor.

— Você praticamente me obrigou.

— Não foi bem assim, ok? — Danny refutou, surpreendendo-lhe com um beijo.

Um gesto rápido e automático de se afastar vindo de Lion, foi o suficiente para o outro garoto franzir.

— Que foi? Bafo?

— Não! — O oriental negou, um riso desesperado escapando dos lábios, sem saber onde enfiar o rosto corado. Então, olhou para a porta entreaberta e se sentiu idiota por ter feito aquilo. — Desculpa, é só que seu pai está aqui e…

— Lion, não tem motivos pra se preocupar.

— Você mesmo disse que ainda não conversaram. Seria estranho. — Respondeu, enquanto começava a recolher o material didático do colchão. — Não quero causar constrangimento.

Danny tocou seu braço, interrompendo sua concentração momentânea para fugir do assunto.

— Ele sabe, leãozinho. Pode não falar abertamente sobre isso, por medo ou sei lá o quê, mas o passatempo preferido do meu pai é ler as pessoas. Não seria diferente com o próprio filho.

Lion pareceu aceitar o argumento e assentiu.

Jonas Hall era conhecido pelo lado profissional aguçado e Danny, mais do que ninguém, sabia o que era conviver com um pai psicólogo. Mesmo quando não estava atendendo pacientes em casa, no consultório que ficava no andar de baixo, o homem arrumava uma maneira de descobrir o que o filho estava pensando. Às vezes, Danny sentia-se prestes a ser engolido pela presença sufocante de Jonas.

Sentia falta da mãe e de como ela neutralizava a personalidade de seu pai, mas não tinha muito a se fazer para consertar a relação de ambos. Eles eram adultos e detinham poder sobre as próprias decisões e ações.

— No que está pensando? — Lion perguntou, guardando os livros na mochila. — Me pareceu um pouco distante hoje.

Lion conhecia parte da história por trás do rompimento dos pais do namorado, mas aquele era um assunto que ainda tirava-o de órbita, de modo que Danny preferiu manter apenas na sua mente.

— Na audição pra escola de dança. — Mentiu.

Era mais saudável que continuasse focando no rendimento escolar e na entrada para a academia de dança. A audição aconteceria na semana seguinte e garantiria seu futuro após a conclusão do último ano no high school, que aconteceria em breve. Ser bailarino era seu maior sonho e aquela era sua chance de ouro.

— Estou nervoso. Isso vai me matar.

— Vai dar tudo certo. — Lion sorriu, tocando sua mão. — Você é a pessoa mais talentosa que já vi, eles vão implorar pra te ter como aluno.

Danny sabia que Lion só estava falando aquilo porque era seu namorado e deveria apoiá-lo nos seus projetos, mas também pensava que se sairia bem, que o nervosismo não poderia atrapalhá-lo.

— Obrigado, leãozinho. Isso é muito importante pra mim. — Ele sorriu.

— Eu sei como fica obstinado quando quer algo.

Danny arqueou as sobrancelhas, fingindo surpresa, mas quebrou a expressão em um riso.

— E aqui estamos nós.

Desta vez, foi Lion quem puxou-o para um beijo. Não houve receio, apenas dois corações jovens e com a vida toda pela frente.

 

X

 

Na medida em que os estudantes desembarcavam do ônibus escolar, Aimee corria os olhos intimidadores sobre cada um deles, conferindo na lista se todos estavam presentes. Por vezes fazia anotações mentais, em outros momentos refletia sobre a programação. Nada poderia sair do planejado.

A mente de Aimee Lovegood funcionava como uma máquina fugaz e impiedosa, e ficara orgulhosa de si mesma quando descobriu que sua classe havia ganhado a gincana de verão da escola. Aquela era sua chance de mostrar a boa líder que o mundo estava preparando-a para ser.

Reuniu-se rapidamente com o diretor e com seu professor de ciências naquela semana, convencendo-os de que, como representante de sua turma, era a pessoa mais apta a ajudar na organização da excursão.

Não houveram objeções, eles entendiam o quanto ela havia se esforçado para aquela tarefa.

— Atenção! — Pediu. — Por favor, peço que não se dispersem! Preciso fazer um rápido checklist. Todos já desceram?

— O que ela acha que está fazendo? Não consegue organizar o próprio guarda-roupa. — Alguém cochichou entre os alunos.

— Eu ouvi isso. — A representante retrucou, cortando o ar com seu olhar.

Aimee era pequena apenas no tamanho. De baixa estatura, franzina e usando um vestido verde de botões que ia até metade do pescoço, se esconderia facilmente entre eles. Sua aparência passeava entre Peter Pan e Sininho, porém, sua altivez lhe engrandecia.

A garota tinha a pele pálida e olhos pequenos e escuros. Nariz e lábios eram finos e os cabelos castanhos iam até os ombros ossudos.

Aproximou os olhos da tela do tablet, fazendo uma careta. Disse:

— Tá faltando alguém…

— Não está mais.

Quem respondeu foi Zack. O garoto saltou os degraus do ônibus e chacoalhou a câmera na frente do rosto.

— Estava procurando por isso.

Aimee revirou os olhos, deixando um meio-sorriso escapar. Não imaginava um mundo em que Zalik Raja não estivesse acompanhado de sua câmera. Ele e o objeto eram como unha e carne, grudados como um só, desde o primário era fascinado por tecnologia. Era estranho pensar que seria mais fácil o garoto sair sem as roupas, do que sem a filmadora.

Zack era descendente de indianos e se mudara muito novo para os Estados Unidos, notava-se que ainda existia algum sotaque estrangeiro. Os olhos eram grandes e expressivos, os cabelos escuros e sobrancelhas grossas. Usava roupas largas e óculos de sol.

— Tudo bem, mas não sai daqui.

— Mandona como sempre. — Sorriu, gostando da situação.

— Cala a boca, Zack! — Aimee rebateu, outro riso inesperado querendo aparecer.

— Isso é cheiro de romance? — Danny sibilou de onde estava, mostrando um sorriso sacana para o amigo.

Zack deu de ombros, enquanto Aimee bufou.

— Cheiro de "ninguém te chamou na conversa, Hall". — Ela apontou, impaciente. — Ok, já chega de brincadeiras. Vou checar na bilheteria nossas entradas. Se comportem como pessoas civilizadas.

Então, a garota se afastou, deixando o grupo de estudantes na companhia do professor de ciências, Ray Hoper. Fora ele o coordenador da classe durante a gincana escolar, portanto, seria também responsável por levar seus alunos até o parque temático.

— Ela está caidinha por você. — Danny comentou com Zack.

— Como sabe disso?

— O jeito como ela responde às suas provocações.

Danny conhecia Zack por tempo suficiente para saber quando o melhor amigo estava apaixonado, e sabia de alguma forma, que Aimee correspondia ao sentimento, mas nada dito em voz alta. Zack era ingênuo e desajeitado o bastante para não tomar a iniciativa e ela, orgulhosa e dura demais para se render.

— Você devia aproveitar esse passeio pra se aproximar dela. Quem sabe, consiga chamá-la pra sair. — Danny sugeriu.

— Não sei, cara… Acha que ela toparia?

O jovem acenou positivamente.

— Não vai saber, se não tentar. — Refletiu por alguns segundos. — Mostra a ela uma daquelas suas produções independentes.

— A Aimee não tem cara de que curte curta-metragens. O negócio dela é documentário científico e outras paradas técnicas.

— Você é esperto, vai pensar em alguma coisa.

Danny deu uma leve batida em seu ombro, sinal de apoio. Em seguida, virou-se para o lado, onde Lion estava há poucos segundos. Agora, o namorado atravessava o grupo de estudantes parados ao lado do ônibus. Acompanhando-o com o olhar, viu quando ele aproximou-se de um casal que estava de costas.

Kurt e Sabina estavam abraçados, alheios aos demais. Ou apenas se escondendo.

— Eu sabia que a historinha que contou pra mamãe era mentira. — Lion proferiu, encarando o rapaz alto a sua frente. — Não tinha nenhuma competição de natação.

Ele o encarou de volta, pouco abalado e erguendo o cenho.

— E daí?

— Você nem deveria estar aqui, Kurt, se formou no ano passado.

A garota que acompanhava-o desfez o abraço e interveio:

— Ele está comigo, Lion. Além disso, seu primo ainda usa o ginásio pra treinar.

Sabina falava como se tivesse a verdade soberana nas mãos, mas não mentia sobre Kurt utilizar o ginásio poliesportivo, mesmo depois de ter concluído o ensino médio e deixado a escola. Fora uma espécie de acordo feito entre ele e o diretor. Por ser um dos melhores atletas da instituição, despertou o interesse de algumas universidades e se continuasse praticando com a ajuda da escola, poderia conseguir uma bolsa e dar à instituição futuras parcerias acadêmicas.

— Algum problema, Lion? — Danny pensou em se aproximar de maneira discreta, mas era tarde demais. Sua chegada foi anunciada como um trovão. — Kurt, o que faz aqui?

Sabina cruzou os braços, lançando um olhar debochado. 

— Entendi… A Sabina burlou as regras pra te trazer. — Danny voltou-se para o atleta usando um boné de algum time de Hugby, encarando seus olhos estreitos. — A propósito, ótimo disfarce. Ninguém perceberia.

Kurt Kim-Yoon parecia uma versão mais alta e mais forte de Lion. Os traços asiáticos eram extremamente familiares ao do primo, assim como o nariz e os lábios finos. O cabelo era curto, preto e repicado e as sobrancelhas estavam feitas, o que dava a ele um toque de vaidade.

— Já fez sua parte como guarda-costas do seu namoradinho, Hall. Agora, deixa a gente em paz, tá legal? — Sabina cuspiu.

— Namoradinho, huh? — Kurt ergueu a tez. — Seus pais vão adorar saber disso.

— Nossos. Eles são nossos pais.

O mais alto ficou em silêncio e mudou o curso do olhar, evitando entrar naquele terreno.

— Vem, Lion, não perde seu tempo.

Então, Danny e Lion afastaram-se do casal.

 

X

 

Sabina dedilhou o peito de Kurt e recostou a cabeça em seu braço por breves segundos.

— Não liga pra eles, grandão. Aqueles dois gostam de aparecer, sempre foi assim. Principalmente o Danny.

Sabina Acosta ainda estava no primeiro ano quando conheceu o atleta. No início, tivera dificuldade de aceitar que ele pudesse estar verdadeiramente interessado dela. Embora estar acima do peso nunca tivesse sido um problema, a maneira como as outras pessoas costumavam vê-la fez alguns pequenos estragos na sua rotina social e alimentar.

Agora sendo editora do jornal da escola e fazendo terapia semanalmente, Sabina não precisava mais se esconder. Todos a respeitavam.

A garota tinha uma beleza incomparável. Filha de pais latinos, possuía os traços fortes, cabelos escuros que destacavam uma franja sobre os olhos. Também tinha lábios carnudos e nariz fino, como uma boneca de porcelana. Vestia-se com roupas de estilo retrô e acessórios vintage, quase como se estivesse pronta para uma foto do Instagram.

Ela e Kurt estavam bem, eles se apoiavam e faziam de tudo um pelo outro. Conheciam os pontos fracos e os limites pessoais, isso incluía a relação difícil entre ele e Lion. Os pais do namorado haviam morrido em um acidente de carro quando ele não passava de uma criança, e desde o ocorrido, Kurt passou morar com os tios.

Aquele assunto quase nunca era mencionado, de modo que permaneceria assim.

Aimee retornou e chacoalhou um punhado de ingressos entre os dedos, erguendo a voz:

— Prontos para o melhor dia de suas vidas?

Ela animou o grupo de estudantes, que vibrou em uníssono. O professor Hoper encaminhou-os até a entrada.

 

X

 

Danny via seu mundo girar. O céu passava rápido e a grama verde lá embaixo tornou-se uma sequência de vultos que iam e vinham. Haviam gritos ao redor e cabelos espalhados aos quatro ventos por onde quer que olhasse. Ele abriu um largo sorriso e virou a cabeça, encarando Lion de olhos comprimidos, seu corpo pálido encolhido no assento do carrinho.

O brinquedo chacoalhava frenético, movido por braços mecânicos que imitavam os tentáculos de um Kraken. No carrinho ao lado, os gritos empolgados e histéricos de Hali. A garota tinha ambos os braços erguidos para o alto, enquanto Jacob segurava com força a barra de ferro que protegia-os.

— Mais rápido! — Pedia ela. — Uhu!

Danny olhou para o outro lado e o tentáculo em que Zack estava passou por ele. Seu amigo apontou a câmera e fez uma careta.

— Diz oi pra minha coletânea de enjoos múltiplos!

— Blergh! — Danny mostrou a língua.

— Eu acho que vou vomitar! — Lion disparou no meio da adrenalina.

Segundos depois o brinquedo parou e todos saíram. Caminhando pelo parque, Lion logo encontrou uma lixeira e vomitou o que havia comido no café da manhã. Hali fez uma cara de nojo, enquanto Danny foi até ele, massageando suas costas.

— Tá tudo bem, leãozinho?

— Está sim, era tudo o que eu tinha no estômago. — Riu fracamente.

— Desculpa ter feito você ir.

— Relaxa, eu queria.

Zack teve uma ideia:

— Então, esse é o momento perfeito para comermos alguma coisa. Saco vazio não pára em pé.

O garoto parou rapidamente em uma pequena lanchonete nas imediações do Kraken. Os outros fizeram o mesmo, escolhendo uma mesa perto da vidraça, tendo visão de boa parte do parque.

Hali comia um algodão doce displicentemente, então estava sem fome. Ela afastou para que Jacob pudesse sentar ao seu lado. O rapaz recostou a muleta que usava e suspirou.

— O que foi, amor, não está se divertindo? Pensei que esse lugar te faria bem. — Ela perguntou, acariciando sua mão sobre a mesa.

— Estou, é só que andar naquele brinquedo me deixou estranho.

— Meu cérebro deve ter saído do lugar. — Zack brincou, arrancando risadas de Hali e Danny.

— E desde quando seu cérebro esteve no lugar? — Ela continuou.

Desta vez, Lion e Jacob também riram.

Era impossível deixar escapar um sorriso de Hali Myers. A jovem era um sopro de verão. Os cabelos grandes, com cachos castanhos e volumosos pendurados sobre os ombros e um corpo magro e esguio. Era alta, podendo ser confundida com uma modelo de passarela, mas se enganava quem resumia-a a sua aparência.

Além da face redonda, de olhos estreitos amendoados e sobrancelhas sisudas, ela também era uma das alunas mais completas da instituição.

Ex-líder de torcida, destaque do torneio de matemática no primeiro ano; venceu três anos seguidos nas olimpíadas escolares e atualmente estava na equipe de atletismo, sendo considerada a melhor corredora. Alguns troféus e reconhecimento acumulados, Hali já garantira propostas para grandes universidades, mas sentia que ainda havia um espaço em branco.

— Mal acreditei quando recebi o resultado da gincana. — Disse ela, tirando um pedaço generoso do algodão-doce.

— Isso se chama modéstia. — Danny retrucou, piscando. — Tínhamos mente… — Encarou Lion, em seguida, Zack. — Criatividade e…

— Agilidade. — O indiano completou, encarando o casal, mas arrependeu-se no último segundo. — Opa!

Então, puxou o cardápio para fazer o pedido.

— Fica de boa, Zack. — Jacob acenou com a cabeça para o garçom, arrumando a muleta. — Se quer saber, é isso que me deixa mais rápido.

Hali sentiu-se orgulhosa pela resposta e o beijou na bochecha. Se aquele diálogo se desenrolasse algum tempo antes, tinha certeza de que o namorado ficaria mal pelo rumo da conversa. Estava feliz de vê-lo lidando bem com o acidente que tirara parcialmente o movimento de seu joelho direito. De qualquer forma, ela estaria ali para amá-lo e cuidá-lo. Sempre estarei aqui, meu amor.

Jacob Sheppard Jr. considerava-se sortudo por namorar Hali. Ela fora importante durante os meses que seguiram sua contusão e doou-se cem por cento para sua recuperação, chegando a acompanhá-lo nas sessões de fisioterapia todos os dias.

De origem britânica, o jovem de família rica sabia que os pais pouco se importavam com seu estado, já que estavam ocupados demais resolvendo os problemas que envolviam o próprio umbigo. Apesar de nunca ter faltado nada para ele financeiramente, parte de sua estabilidade e do que entendia por amor devia-se à Hali. Ela era tudo de real que existia em sua vida.

— Agora que vai ficar uns tempos afastado da equipe de luta greco-romana por razões óbvias, Jake vai fazer um teste pro grupo de teatro. — Hali comentou.

Jacob lançou um olhar chocado, como se ela cometesse um crime hediondo diante dele. Sua face murchou e ele encolheu os ombros, encarando a janela.

— Prometeu que não ia contar!

— Desculpa, Jake, mas não podia guardar algo tão legal comigo. Iria explodir se não compartilhasse. — Ela sorriu.

Todos pareceram genuinamente empolgados com a notícia.

Zack pigarreou:

— Quem te viu, quem te vê, Jake...

— Qual a ideia de roteiro mirabolante da Ms. Feabbles dessa vez? — Foi Danny quem perguntou.

— O mito grego de Cassandra. — Jacob respondeu, ainda acanhado.

— Interessante, já limos sobre ela na aula de literatura.— Lion explicou. — Uma mulher amaldiçoada por um deus com o dom de prever o futuro trágico.

— Eu não queria estar no lugar dela. Deve ser assustador ter esse poder nas mãos e não conseguir fazer nada. — Hali refletiu.

Danny sentiu um arrepio imediato e olhou para a janela como resposta.

Através do vidro, há alguns metros, avistou o teleférico que dava acesso ao topo da montanha do parque temático. E lá em cima, uma moderna construção em formato oval, lembrando-lhe vagamente uma nave saída direto dos filmes de ficção científica.

— Eu não sabia que davam workshops aqui também. — Zack disse de repente, arrancando Danny dos pensamentos e folheando panfletos que foram entregues na entrada. — Palestras sobre tecnologia e ciência… Interessante.

 

X

 

Morgan encontrou um lugar estratégico no meio do auditório.

Ele ficava em uma das salas do Space Dome, como lera na placa de metal ao entrar. Tratava-se de um prédio que abrigava os auditórios, anfiteatro e salas de exibições audiovisuais do parque. No local aconteciam workshops e palestras o dia todo. Era o que estava descrito no panfleto. E ela queria ficar distante dos colegas de turma, de modo que presumia que eles não iriam até ali.

A garota usava um casaco escuro e um vestido preto de tecido leve que ia até a altura das suas canelas. Nos pés, uma bota de cano médio e no rosto pálido uma maquiagem pesada que realçava os olhos azuis claríssimos.

Morgan passou a mão nos cabelos castanhos e extremamente curtos, atenta no que a figura feminina no púlpito dizia:

— São muitas as crenças, teorias e ideologias acerca do universo. Criacionismo ou Evolucionismo? Há vidas em outros planetas? Que tipo de criaturas habitam o fundo do mar? São algumas das questões... — Ela encarava o auditório com o olhar sorrateiro. — O que poucos imaginam é que aqui mesmo, na Terra, há uma espécie pouco explorada e por conta disso, subestimada: o ser humano.

Besteira. Morgan pensou. O ser humano é a raça mais superestimada do mundo. É dada a ele a capacidade de raciocinar, e ainda sim, é capaz de cometer atrocidades. Tudo gira em torno dele. 

— Alguns de vocês devem achar uma besteira o que estou dizendo, mas há muito de nós além das nossas percepções superficiais e julgadoras que precisa ser estudado. E já que nos é dada a capacidade de raciocínio lógico, por que não abranger uma parte específica do nosso corpo que nos conecta a diversos outros indivíduos, direta e indiretamente? Alguém sabe de que parte estou falando?

Uma mulher na plateia ergueu a mão.

— Pode falar.

— A mente?

— Exato. Obrigada. — A palestrante sorriu satisfeita e virou-se de volta ao auditório. — Viram? Ela seguiu minha linha de raciocínio porque está conectada a ele. Sua mente absorveu informações suficientes para fazer associações e buscar no próprio campo neural a conclusão. É nesse mesmo processo que geramos o que chamamos de: insights, brainstormings, empatia e intuição.

Então, ela foi deixando o púlpito devagar, andando em direção aos degraus, aproximando-se do público. Continuou:

— Isso nos leva ao próximo tópico de nossa conversa: humanos com habilidades extrasensoriais. São aqueles que possuem sensações, intuições e pressentimentos mais aflorados. Alguns apontam como sendo um dom divino, outros referem-se como Índigos, vai depender de que vertente acreditam… Porém, eu prefiro chamá-los apenas de visionários.

Morgan sentiu-se ligeiramente entediada, mas havia algo naquela palestra que exercia um magnetismo sobre ela; fosse a forma de falar ou a beleza de Whitney Krueger, como dizia no crachá pendurado no peito da palestrante.

Whitney era baixa e magra, em cima de um salto alto e imponente que a fazia parecer maior do que era. Usava uma blusa social de botões por dentro de uma saia que descia em estilo bandage até seus joelhos. Refinada e sofisticada, Whitney era antropóloga e cientista. Na casa dos trinta anos, sua tese sobre a sensitividade humana levou-a a ficar conhecida dentro das comunidades acadêmica e científica. Palestrar sobre o assunto tornou-se seu hobbie e suas pesquisas transformaram-se na sua missão de vida.

A mente humana costumava ser um mistério e Whitney queria ir até o fim para conhecê-la.

 

X

 

O sol estava começando a se pôr e Morgan deixou o Space Dome para encontrar-se com sua turma. Toda a classe estava reunida no mirante da montanha, observando o cair da tarde. A garota não deixou de observar que estudava com todos os tipos de adolescentes e suas tribos, e o pensamento lhe fez uma autoafirmação de que cada dia que passava, estava mais deslocada.

Danny notou sua chegada e sorriu. Ele era um dos únicos a manter alguma interação decente com a jovem, de modo que ela sentia vontade de desdobrar um diálogo, mas sua timidez lhe atrapalhava. Morgan parou ao seu lado e olhou para o parque temático lá embaixo. Sua mistura de sons, cores e formas era de encher os olhos.

Então, sentiu um frio na barriga. Como se sentisse o mesmo, Danny entreolhou-se com ela.

— Não te vi desde que descemos do ônibus. Estava fugindo?

— Não tenho motivos.

— Eu também iria querer fugir deles se me tratassem como te tratam.

O comentário pegou Morgan de surpresa.

— Já estou acostumada. — Deu de ombros.

Danny torceu os lábios e voltou a encarar o horizonte laranja.

Hali que estava ao lado, puxou o amigo para uma foto e pediu que Jacob a tirasse.

Zack assistia o sol se pôr direto no visor de sua câmera. O indiano virou a lente para o lado e o rosto enrubescido de Aimee surgiu no enquadramento. Ele conseguiu captar o ângulo perfeito da obra.

Ela cobriu o rosto com a mão e disse enfurecida:

— Vira isso pra lá, Zalik!

Danny riu. Eles nasceram um pro outro. Pensou.

Então, o garoto avistou uma mulher bem vestida chegar ao mirante. Discretamente e de óculos escuros ela puxou um cigarro e o acendeu há alguns metros. Parecia nervosa e distante. Seu rosto era familiar, talvez a vira em um dos panfletos? Não tinha certeza.

— É hora de irmos, crianças! — Hoper avisou de repente. — Todos para a estação.

O grupo de estudantes então se preparou para descer a montanha, alguns à contragosto, como Sabina e Kurt, que permaneciam abraçados num momento romântico. A garota fez uma careta de desdém e acompanhou os outros.

Diante do mirante, a estação do Cable Car os aguardava. Já haviam algumas pessoas esperando quando chegaram e elas embarcaram no teleférico estacionado, de número 17. Mesmo que houvesse espaço para mais, Hoper havia combinado que toda a classe embarcaria de uma vez só. As cabines de cada Cable Car eram grandes o suficiente para comportar todos eles.

Danny olhou para a descida, o teleférico descendo gradativamente. Uma sensação ruim começou a segui-lo, feito uma sombra interna. Pela segunda vez, encarou Morgan e ela encarou de volta. Nunca sentiu-se tão próximo dela como naquele momento, e era estranho porque foram poucas as vezes que tiveram contato em todo o tempo que estudaram juntos.

Talvez fosse o ar mórbido que a garota passava e seu medo de altura repentinamente ter voltado com força total. Fechou os olhos e respirou fundo, sentindo as mãos formigarem. Aquilo só acontecia quando ficava nervoso.

Danny deu um sobressalto com o barulho do Cable Car 18 se aproximando da estação e Lion percebeu o gesto. O dançarino encarou o vão entre o piso e a cabine, enquanto os colegas se aproximavam para entrar. Por um instante, a faixa amarela de segurança no piso pareceu desgastada e fez Danny tremer.

As portas abriram-se e a maioria dos estudantes entrou na primeira cabine. Ao concluírem que aquela cabine já tinha sido preenchida, Sabina puxou Kurt para a outra cabine.

— Sai da frente, perdedor! — O atleta ordenou, cheio de autoridade, esbarrando com o ombro no garoto parado de frente para a porta.

— Cresce, Kurt! — Lion segurou a mão do namorado e viu Kurt lhe mostrando o dedo do meio ao passar.

— Que babaca… — Hali sibilou, entrando na cabine em seguida, auxiliando Jacob.

Lion virou-se para Danny e o encarou.

— Tá tudo bem? 

Ele meneou a cabeça positivamente.

— Foi só uma tontura.

— Se for a altura, pode me contar… Seguro na sua mão a descida toda, se precisar. Não vai acontecer nada.

Danny sorriu, tranquilizado.

— Obrigado, leãozinho.

— Vamos entrar?

— Sim.

Os dois entraram. Morgan, Zack, Aimee, Hoper e a mulher elegante também fizeram o mesmo. E a porta automática fechou-se. Danny ouviu o barulho da tranca, olhando para fora e sentindo o Cable Car começar a descer.

A vista estava tão linda, que conseguiu esquecer seu medo de altura por alguns segundos, concentrando-se no céu e nas atrações do parque lá embaixo.

Foi aí que sentiu o primeiro rangido e seu coração palpitou. Ele olhou em volta: Aimee conversava distraidamente com o professor Hoper, enquanto Zack pegava imagens de Hali dando gargalhadas ao lado de Jacob, que batucava sua muleta de maneira ritmada no chão. Sabina e Kurt estavam pouco mais afastados, olhando a paisagem e a mulher elegante conferia algo em seu smartphone, sentada ao lado de Morgan no banco.

Outros alunos tiravam fotos da vista ou apenas conversavam alheios à tudo.

Danny podia ver a segunda cabine mais à frente, com seus demais colegas. Até que aconteceu.

Ele ouviu gritos e então, a primeira cabine desprendeu-se dos cabos e despencou montanha abaixo. Com ela, parte da estrutura da cabine onde estavam foi arrancada, levando Hoper e Kurt consigo. O corpo do atleta foi engolido pelo buraco e caiu.

Sabina, que olhava pela janela de vidro, gritou desesperada em resposta e um solavanco jogou todos para o lado, na direção dos bancos. Com o impacto, o celular da mulher de camisa de botões espatifou-se e Morgan bateu o rosto no encosto do banco.

Mais gritos vindos da parte traseira do teleférico e o rangido acima dele sinalizou que logo aconteceria o mesmo. De repente, a velocidade aumentou e todos foram jogados para trás. Cheiros de óleo e ferrugem pairavam no ar. Aimee não se segurou e bateu com o rosto em uma barra de ferro, antes de cair para fora também.

Danny segurou forte a mão de Lion, que encarava a cena estóico.

Foi então que o Cable Car desprendeu-se de um de seus cabos e pendeu, jogando todos mais uma vez. Sabina abaixou-se para engatinhar e viu Zack ser atingido pelo cabo solto. O corpo do garoto foi espremido contra o vidro, jogando jatos de sangue nos rostos de Hali e Jacob, que encararam horrorizados o corpo do amigo escorregar para fora.

— Zack! — Danny gritou, chorando.

O garoto segurou no banco e viu Morgan fazer o mesmo. Ela enviou-lhe um olhar aterrorizado. Até que ao olhar para o lado, Danny avistou Sabina cuspindo sangue. O cabo também havia atingido a janela e os cacos de vidro agora perfuravam sua garganta. Ela arrastou-se pelo piso, até que não pudesse aguentar mais e caísse.

O teleférico desgovernado ganhou mais velocidade e todos gritaram alto. 

— Se segurem! — Hali berrou.

— Não dá! — Morgan respondeu e acabou por soltar os dedos do suporte no qual segurava.

A garota rolou pelo piso e segurou no último segundo, ficando com metade do corpo pendendo para fora.

— Morgan, cuidado! — Danny pediu aos prantos.

Devido o balanço do Cable Car, um segundo teleférico que subia a montanha chocou sua lateral contra ele e arrancou a metade do corpo de Morgan, levando a porta junto. Danny pôde ver o sangue sendo lançado contra as paredes e berrou, chocado com a cena.

Foi aí que o teleférico desprendeu-se completamente dos cabos e despencou na direção das rochas. Ao chocar-se contra a primeira pedra, o corpo de Jacob foi jogado contra o teto e em seguida, contra o chão, quebrando todos os seus ossos. Hali pôde ouvir cada estalo de onde se segurava.

— NÃO!

A muleta do jovem britânico foi arremessada através do ar, atingindo Lion e fazendo-o soltar a mão de Danny. Com o impacto, ele foi jogado contra Hali e os dois juntos bateram nas pedras, sendo prensados pela lataria do Cable Car. Uma porção de sangue e vísceras tingiram as rochas.

Danny já tinha chorado tudo, enquanto sentia seu mundo girar. A estrutura do teleférico ainda se chocavam contra as rochas, capotando. E no meio do barulho de ferro retorcido, encontrou a mulher elegante, agora destruída por rasgos nas roupas e os cabelos desgrenhados. Ela ainda arrumava forças para se segurar, enquanto seu corpo rolava sobre os bancos.

Ela abriu os olhos, mas um último baque lançou seu crânio contra a extremidade da cabine, abrindo-o brutalmente.

Danny tapou a boca, sem forças para gritar, e não conseguiu mais se segurar. Os restos do teleférico giraram e um solavanco o fez ficar na vertical. Danny decolou direto para as pedras em um grito infinito e agonizante, até sentir seu corpo ser inteiramente esmagado.

— É hora de irmos, crianças! — Hoper avisou de repente. — Todos para a estação.

E lá estava Danny, os olhos paralisados fitando o horizonte laranja. Pela segunda vez.




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Notas finais do capítulo

Gostaram? Já aconteceu bastante coisa, né?
Fiquem livres para comentar, mas saibam que os comentários são muito importantes para a continuidade da história.

Leitores fantasmas, por favor, saíam das sombras.

Até a próxima!



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