It's a Match! escrita por mandy


Capítulo 19
O teatro dos desafortunados


Notas iniciais do capítulo

Hei oh, como é que estão? Eu primeiro gostaria de pedir desculpas por tanta demora em postar. Terminei o capítulo ontem mesmo, eu mal consegui revisar, mas tá aqui, fresquinho pra vocês. Perdoem também os possíveis erros, qualquer nota de apontamento é bem vinda. A boa notícia é que já consegui iniciar o próximo capítulo, então, adeus bloqueio criativo. No mais, eu espero que gostem ♥



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Passamos boa parte da madrugada ali, ignorando o frio da noite ou nos aquecendo nos braços um do outro. Entre conversas e beijos, mal vimos o tempo passar e depois de um tempo Regulus já estava quase dormindo em meu ombro, então resolvi que era a hora de voltarmos.

— Quer levar seu urso de volta? – perguntava diante da porta de seu dormitório, abraçado ao urso rosa com uma das mãos de pelúcia estendidas para mim.

— Acho que ele… gosta de você – assim como eu gosto— Pode ficar. Um presente.

E, com um beijo breve, nos despedimos.

Os meus amigos logicamente estavam dormindo quando entrei no quarto. Desse jeito me acomodava na cama, me cobrindo até o pescoço, mas o sono demorou a vir. Mesmo quando eu evitava pensar, eu acabava por visualizar a rotina em minha própria casa junto a Regulus; ele perambulando pelos corredores, estudando comigo na cozinha, compartilhando partidas de jogos eletrônicos…

Quando enfim eu dormi, tive um sonho estranho. Pareceu-me fora do contexto no início, mas Freud explica. Era um show de rock. Eu não era o astro, mas estava em cima de um palco, os braços abertos, pronto para me jogar e nadar no mar de gente. Antes que o fizesse, no entanto, minha mãe surgia do nada e me puxava pela camisa, me abraçando de forma quase possessiva, enquanto eu tentava lhe explicar que estava tudo bem. Ela, muitíssimo preocupada, segurou o meu rosto e disse: “Você não sabe nadar, meu filho. Vai se afogar.”

O que Freud não explicava, no entanto, era a ereção por entre as minhas pernas na manhã seguinte. Não que fosse incomum, acontecia vez por outra, mas era constrangedor pensar que, na noite anterior estava com Regulus e, de repente, acordava com o pau duro. O segredo era me levantar primeiro que os meus melhores amigos e evitar chacota.

Tomei um banho e não quis me olhar por muito tempo no espelho, mas nos dois minutos em que me deixei encarar, me dei conta de que há várias noites eu não dormia direito. Com exceção à noite no colchão inflável, que não fora a melhor das noites, mas me permitira dormir por mais de cinco horas, eu andava tirando cochilos de no máximo três horas. Em consequência, tinha olheiras feias. E expressão apática. E me sentia tão fraco que cogitei seguir para o primeiro horário do café da manhã e devorar tudo o que tinha de uma vez.

Mas precisava mesmo dormir.

Problemas esses que o Remus do futuro resolveria. Ignorando aqueles detalhes, me vesti e acordei os meus amigos para que seguíssemos juntos para o refeitório.

— Que horas veio dormir ontem à noite? – e a pergunta de Peter podia ter relação a minha aparência ou somente à curiosidade que era inerente a ele.

— Não sei, tô sem celular – encolhia os ombros.

E Sirius balançava a cabeça numa negativa, mas sorria. As coisas estavam perfeitas, certo?! Poderiam permanecer desse jeito.

No café da manhã os monitores nos colocaram a par de como funcionaria a atividade daquela segunda-feira. Seria um show de talentos— ou quem sabe um show de desastres que não deixava nenhum de nós muito feliz - e não era preciso que a equipe participasse por inteiro, mas a apresentação de cada integrante valia pontos e, quanto mais integrantes e mais apresentações, mais a frente estaríamos na competição que ninguém mais parecia ligar. Teríamos a manhã e a tarde para planejar, na base do improviso, uma apresentação artística, dançante, cantante, literária, o que fosse! E para nós não era um grande problema quando tínhamos James e um violão!

— Mas o James vai tocar e a gente vai ser um coral tosco atrás dele? – Marlene questionava quando, enfim, nos reunimos no quarto – Quero dizer, quem aqui sabe cantar?

Ninguém sabia. Mas quem é que sabia fazer alguma coisa naquela escola, se não, ser insuportável? Improvisamos, no final das contas. Escolhemos um repertório de três músicas e dividimos o grupo de acordo com as que mais cabiam para o conjunto. Peter, enquanto o fazíamos, folheava o caderno de desenhos e aquilo sim seria algo inédito e criativo, já que os desenhos dele eram realmente muito bons e eu imaginava que com incentivo certo, ele poderia mesmo se tornar um grande artista. Eu ainda pensei em ler alguma coisa, mas somente a ideia de estar em público, diante de um monte de gente que depois do incidente no parque me achavam ainda mais esquisito, já me deixava em pânico.

Lily esteve alheia durante as primeiras horas de reunião. Eu pensei em, talvez, conversar com ela sobre aquela aparente briga com Snape, mas recuei ao imaginar que, de repente, o assunto poderia se voltar para mim e Regulus e, consequentemente, a presença invisível de Luci. Não era como se eu pudesse fugir por muito tempo, porém. Um pouco depois do almoço, quando dávamos uma trégua na criatividade forçada e somente James dedilhava o violão, ela se sentou ao meu lado, abanando a mão em frente ao rosto para dispersar a fumaça do meu cigarro, que, educadamente, eu apagava.

— E então?

E então…

Ela queria um desfecho. Eu também iria querer se fosse ela. Sem notar, acabei por despejar as informações que conseguia naquela hora, quase sem dar espaço para que ela questionasse qualquer coisa:

— Eu não conversei com o Regulus sobre a Luci. E sim, eu entendo, é o certo a se fazer, principalmente depois de deixá-lo sozinho no parque, esperando um encontro com uma pessoa irreal. Eu entendo o quanto isso soa maldoso, quero dizer… ele deve ter ficado chateado, mas agora Luci não existe mais porque eu joguei o meu celular fora e…

— Você jogou o seu celular fora?

— … não é justo de forma alguma que eu minta para ele. Mas você entende que, depois que eu contar, será o fim? Eu realmente gosto dele, Lily.

— Mas está sendo egoísta, Rems…

Eu estava. E ela não precisava vir com uma enxurrada de argumentos. Um adjetivo e eu entendia. E me sentia mal. Talvez porque queria me sentir bem eu contava o resto da história.

— Eu e o Regulus ficamos. Não no parque, mas no acampamento. E ontem também.

Já não sabia mais se Lily estava feliz ou triste com a notícia. De qualquer forma, ela me dava um beijo no rosto, seguido de um sorriso lateral.

— Conte de uma vez. Antes que a mentira vire uma bola de neve maior do que você possa controlar. Ainda tem tempo… – e, depois de um momento em silêncio, ela sorriu mais abertamente, respirando fundo uma vez – Eu acho que formam um casal bonitinho.

Tive vontade de, como retribuição, lhe perguntar se ela mesma estava bem, principalmente depois de conversar com Severus na volta do acampamento externo. Mas, por mais que eu me sentisse à vontade para conversar com Lily, não sabia se era um direito meu perguntar, não sem uma brecha.

Então voltamos a ensaiar, eu com a cabeça na lua. Estaria ela em convergência com a estrela Regulus ainda? Eu adoraria presenciar o evento uma vez mais. E aproveitar dele por mais tempo na vida real.

 

Antes das apresentações nos foi servido o jantar. No refeitório, as mesas estavam dispostas num quadrado semiaberto, de forma que o centro se transformasse numa espécie de palco. Nas paredes, poemas, fotografias, desenhos e até mesmo graffits estavam expostos, uma vasta variedade artística que deixava a maioria de nós ansiosos. Desta forma jantamos muito rápido e, antes do horário previsto já estávamos todos observando a exposição.

Dentre os desenhos ali vimos os de Peter, uma sequência em quadrinhos sobre uma única personagem sobrevivente de um apocalipse zumbi. Por isso ela não tinha um braço, havia amputado ela mesma depois de uma mordida, a fim de continuar viva. Os meus amigos diziam que ela fazia o meu tipo.

Lily também expôs algumas fotos que tirou durante as férias no acampamento, e eram realmente muito boas, mas ela não parecia muito satisfeita.

— Quando me disseram que iriam imprimir as fotos, eu achei que era algo melhor elaborado – argumentava – A qualidade delas está péssima e papel de ofício? Eu queria tirar elas daí agora.

Eu gostava, no entanto. Havia fotos nossas, que nenhum de nós sabia em que momento Lily havia tirado. De Snape, de Regulus, de Narcissa, de pessoas aleatórias que não pareciam fazer parte do ciclo de Lily, todas sem um rosto explícito. Eram ótimos ângulos.

Tão logo davam início às apresentações e nos sentamos assim.

Sonserina foi a primeira equipe a se apresentar. Haviam desenvolvido um site para que nós, os participantes, também pudessem fazer parte das votações, dando notas online para cada uma delas. Mostraram num projetor o sistema muito bem desenvolvido, criado por uma plataforma própria para a edição de páginas, com representações do logo das equipes e fotos individuais de cada um, explicando que o trabalho fora dividido e desenvolvido de acordo com a competência dos membros do grupo. As demais notas seriam dadas pelos jurados, cozinheiros, faxineiros e demais funcionários do acampamento, com exceção aos monitores e, desta forma, a votação deveria ser imparcial. 

Logo após a Sonserina dava lugar à equipe da Corvinal. Tinha início com duas garotas dramatizando um poema extenso, com caras e bocas forçadas e, Deus, eu precisei me concentrar bastante para não dormir. Mas a maioria nem tentava disfarçar e riam de forma tão inconveniente que eu mesmo me obrigava a prestar atenção só para não compactuar com a humilhação que os meus colegas de colégio davam vazão. Só que, certamente, aquela era a abertura para uma noite de desastres.

O que não esperávamos, no entanto, era a carta na manga da mesma equipe.

Formidavelmente idealizado por Gilderoy Lockhart, a Corvinal iniciou um desfile de modas. De forma nada convencional, víamos garotos vestidos de saias, vestidos, cropped, as meninas metidas em terninhos ou camisas largas, todos eles com lábios pintados de vermelhos numa exposição sem padrões de gênero que animava uma parte dos que assistiam. Os demais, em sua grande maioria, riam. Nenhum adolescente burguês do ensino médio estaria, de fato, preparado para largar as idéias arcaicas impostas e fincadas em suas cabeças e abrir a mente para um desfile que rompia estereótipos.

Para finalizar, o próprio Lockhart desfilou na passarela improvisada no refeitório, vestido com um terno azul celeste, calças muito justas e salto alto.

— Quem diabos traz esse tipo de roupa para um acampamento? – Marlene questionava meio boquiaberta.

Aparentemente Gilderoy.

Lamentei por não ter um celular e votar a minha maneira, mas, sentado ao lado de Lily, a observava dar nota 10 no aplicativo, o que representava a minha própria nota.

Depois de um momento de silêncio, a próxima equipe era anunciada: a nossa. Com o violão nas costas, James arrastava consigo uma cadeira para o centro do grande salão. Não estávamos em muita desvantagem, dois membros da nossa equipe haviam exposto seus trabalhos individuais, mas eu não achava que a nossa apresentação chegaria aos pés da anterior. Com exceção a James e quem sabe à Lily, nenhum de nós sabia cantar de fato. E um dia de ensaios e improvisos não nos deixava minimamente capacitados para a formação de uma banda! O meu estômago revirou.

E revirou uma vez mais quando me vi diante de todas aquelas pessoas, a maioria delas desatentas, mas eu podia sentir alguns olhos sobre nós. Desviei especificamente dos de Severus Snape, desejando que James afinasse de uma vez aquele maldito violão para assim terminarmos de uma vez com aquela chacota.

Eram apenas três microfones. James tinha o seu próprio, sentado, no tamanho ideal que precisava. Eu dividia o meu com Peter e Sirius, tendo Marlene, Lily e Mary com o último. O “palco” parecia pesar, mesmo quando a melhor das vozes estava no meio, mas Lily podia dar suporte vocal às outras, enquanto nós, garotos, éramos um desastre.

Mas a voz de Sirius ecoava no microfone um tempo depois:

— Somos da Grifinória e vamos levar um pouco de rock pra vocês.

— Meu Deus, isso é uma câmara de tortura? — Alguém gritou da platéia, revelando os risos ocultos dos demais.

Sim, meu caro, quis lhe responder. É sim uma câmara de tortura.

Então James deu a nota inicial. Não eram nem dez minutos de apresentação, mas aquilo pareceu demorar uma eternidade para terminar.

Como repertório, os Beatles¹, iniciando com Happiness is a warm gun, aquela nada convencional que falava de álcool, armas e coisas que pareciam sem sentido nenhum, mas tinha uma boa divisão e encaixe de vozes, conjuntas ou solos, da nossa banda de fundo de quintal, e por um momento eu me deixei envolver pelo bang-bang, shoot-shoot melódico entoado pelas garotas e respirei mais aliviado quando finalizávamos a primeira canção, me afastando junto dos rapazes e Marlene, deixando em foco James, Lily e Mary com seus microfones individuais para uma versão mais lenta de I wanna hold your hand. Era, sem dúvida alguma, o arranjo mais bonito daquele desastre, porque Lily e James cantavam de forma harmoniosa e Mary tinha uma voz suave, apesar de não conseguir alcançar os tons mais altos.

Espiando, eu percebia que não eram somente os meus amigos que olhavam com certa admiração para o trio e, mesmo não fazendo parte daquela faixa, me sentia orgulhoso. 

Finalizamos com With a little help from my friends. O nosso momento vergonhoso, compartilhado somente entre marotos e sabíamos que daria tudo errado quando, feito manés, nos aglomeramos num mesmo microfone, porque ninguém queria ficar sozinho e ter foco parecido com o de James. Sirius era o mais desafinado dentre todos, o que me fazia pensar que não era uma boa ideia ter nos dado solos e essa percepção somente se intensificava quando o meu próprio precisava cantar sozinho um trecho bem específico da música.

Do you need anyboody?— Cantarolavam eles em uníssono.

Baixava os olhos. Mal conseguia respirar quando, sentindo o coração pulsar no peito, respondia o I need somebody to love, isso porque a pessoa que eu queria estava ali, em algum lugar na plateia.

E não pude encarar ninguém quando finalmente acabava a nossa participação naquele evento, quando éramos saudados com meia dúzia de palmas, vaias e risos exagerados, mas quando finalmente voltávamos à mesa, os meus olhos buscavam por Regulus em meio aos membros da Sonserina. Ele balançando a cabeça numa negativa, mas sorria para mim.

Depois da gente, era a vez dos lufanos.

Um show de mágica, protagonizado pelo Capitão Crouch, enquanto os demais companheiros eram voluntários, ou cobaias, como Sirius preferia chamar. Os truques eram bons, eu precisava admitir: objetos entortando e desaparecendo, um truque que fazia parecer que os olhos de uma das garotas mudavam a cor quando ela piscava, mas o melhor de todos era a hipnose. Aquela merda parecia real.

Presenciamos o rapaz Diggory, o grandalhão, grande astro esportivo do colégio, confessar com lágrima nos olhos o quanto sentia falta dos pais, que nunca lhe davam a devida atenção, como se ele fosse invisível, para logo depois ameaçar Crouch sem palavras, com punhos cerrados. E depois disso ninguém da plateia ousou se voluntariar para o experimento.

A Lufa-lufa finalizou com uma apresentação de bastões da garota Abbot e, se dependesse de mim, eu certamente daria dez às duas manifestações, o que os deixaria empatado com a Corvinal. Novamente desejei um celular para votar.

Mas ainda não tínhamos terminado.

Sonserina tomou a frente mais uma vez assim, para finalizar a contagem de votos e explicar outros detalhes acerca de como tinham desenvolvido o site para a votação, os códigos, as cores, a estética...

— Mas palestrinhas não são nada artísticas... – reclamava James por entre dentes, nem se esforçando muito para prestar atenção.

Era compreensível o seu ponto.

Aturar Severus Snape falando era um verdadeiro porre.

Explicava sobre a arte da tecnologia, o que muitos duvidavam de fato ser uma arte, mas aquela parecia mais um serviço apelativo para a pontuação da equipe. Me perguntei se os sonserinos sabiam fazer outra coisa além daquilo. Regulus saberia dançar? Cantar? Fazer truques de mágica, como Crouch? Eu mesmo não sabia fazer nenhuma daquelas coisas, não via em mim nenhuma manifestação artística relevante, eu era apenas um apreciador, mas eu acabava por me perder naqueles questionamentos, saindo de órbita por um momento e somente sendo puxado para a realidade com um comentário pretensioso de Snape, que dava a entender que a arte da tecnologia tinha a ver com dons.

— Quero dizer, todo mundo sabe mexer em computadores e celulares, mas nem todos têm talento— e, concordando ou discordando, eu achava aquela fala completamente arrogância.

Mas ele prosseguiu. Com a tela do celular vinculada ao projetor para que todos pudéssemos acompanhar o decorrer da sua palestra, Snape falava sobre sistemas básicos de segurança e sua tecnologia falha, manuseando um segundo celular e expondo aos que tivessem interessados a tela quebrada bloqueada.

— Acaba logo com isso, ninguém se importa com o seu grande ego! – E eu acharia a interrupção muito mal educada se ela não fosse protagonizada por James Potter em prol de desmoralizar Severus Snape.

A maioria de nós só queria saber da votação! Não tinha necessidade de todo um discurso, nem mesmo a Sonserina parecia satisfeita com aquilo que não aparentava estar minimamente planejado. Greengrass ainda tentou dizer alguma coisa, tocando-o no ombro, mas Snape murmurou algo e um momento depois prosseguiu e eu, sem conter o revirar de olhos, procurei por Regulus entre os membros da equipe.

Faz ele parar… — movia os lábios com voz silenciosa, gesticulando com as mãos como quem implora.

Em resposta ele segurou o riso, encolhendo os ombros.

Bem, se nem mesmo os membros da própria equipe queriam ouvir a Snape, eu não era obrigado. Apoiava na mesa a testa e respirava fundo, pensando que tão logo, independente do resultado, eu poderia dormir. Ou me encontrar com Regulus uma vez mais atrás da cabana. Eu poderia perguntar se ele sabia dançar… E começar a pensar num modo de lhe contar a verdade. Lily tinha razão. Depois de tantas mentiras era ainda mais difícil encarar os fatos e era por isso que a solução dada pelos meus amigos parecia tão mais encantadora, mas que tipo de homem seria eu se não conseguia resolver as consequências dos meus próprios atos?

— Oh, Remus… – ouvia a voz de James ao longe, mesmo quando ele estava sentado bem ao meu lado.

Era muito fácil se transportar para qualquer outro lugar quando o ambiente ao redor não é nem minimamente atrativo, principalmente quando sua cabeça está cheia de caraminholas. Voltar os olhos a James era como estar novamente presente na realidade, os sons ao redor se faziam mais vivos, a voz de Snape novamente ganhava notoriedade.

— Sim, senhoras e senhores, a tecnologia é uma arte, mas não funciona quando dissociada da inteligência. Qualquer idiota pode burlar um sistema burro

Os olhos de James estavam voltados para a tela.

— Aquele não é o seu… – e, antes que o meu amigo pudesse terminar, eu também me voltava para a palestra projetada.

Senti o estômago afundar. Tão de repente eu já não sentia o assento da cadeira ou o chão sob os meus pés, o cenário começava a se dissipar ao redor e dessa forma não existia mais ninguém à volta, todas as vozes abafadas e até mesmo o som da minha respiração deixava de existir, talvez porque eu mesmo havia parado de respirar. Eu nem sentia direito o meu corpo. Só existia Severus Snape e a projeção da tela de um celular que não lhe pertencia.

Pertencia a mim.

Eu sabia disso porque a tela exposta era exatamente o principal motivo das minhas dores de cabeça. Ali, diante de todos, estava o perfil de Luci no Tinder. O meu perfil. E a citação de Hamlet na aba sobre mim, com idade e gênero falso, e os matchs que eu havia dado com três ou quatro garotos que nunca havia conversado, e a minha única conversa. Nome e fotografia.

Tão próximo eu percebia Regulus, imóvel, os olhos vidrados na tela. Senti a garganta fechar por olhá-lo, meu corpo tão fraco que nem o meu peito tinha movimento enquanto a respiração pesava no diafragma, me deixando tonto. Esperava que, a qualquer momento, ele me visse ali no meio do nada que eu havia eu me encontrava agora e que então chegasse o momento em que a realidade se abateria sobre nós dois. Deixaríamos de existir…

Mas como poderia, se ele ainda não sabia de quem era o perfil, de fato?

Severus Snape não havia planejado um espetáculo à toa, no entanto. Sua voz estava surda aos meus ouvidos, mas eu acompanhava uma vez mais o movimento da tela enquanto ele passeava pelos demais aplicativos.

— Isso não é invasão de privacidade? – Eu não sabia quem havia gritado, mas estava próximo a mim, a voz pertencia a alguém que me remetia segurança.

Não pude me agarrar a ela, no entanto, e como eu gostaria.

Snape abriu o aplicativo do Twitter. E abriu o Messenger, o Whatsapp, o E-mail, tudo isso muito rápido, contas que eu conseguia reconhecer porque eram as minhas próprias. Talvez alguém desatento não conseguisse identificar. Mas o peso dos olhos de Regulus sobre mim me fez entender que ele sim. Que agora ele sabia.

Ele tinha os olhos carregados. Eu não podia lê-los perfeitamente, mas eu conseguia sentir no peito como uma espada afiada perfurando toda a gelatina que o meu corpo se havia transformado. Doía tanto que parecia físico. Eu não conseguia desviar os olhos dos dele, mesmo não querendo encará-lo. Mas quando Regulus saiu, deixando o salão de jantar em passos pesados, eu senti o vazio se expandir tão rápido dentro e fora de mim que o meu único desejo era deixar de existir.


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Notas finais do capítulo

¹ A versão das músicas do festival:
1. Happiness is a warm gun - https://www.youtube.com/watch?v=oXWMt4vkQ80
2. I wanna hold your hand - https://www.youtube.com/watch?v=F7WXRNQT9ko
3. With a little help from my friends: https://www.youtube.com/watch?v=Zx6ERscWybs
(não consigo achar os vídeos com legendas em português, me desculpem)

Enfim. O que acharam?



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