Forlorn escrita por Rafnar


Capítulo 2
Capitulo 1




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— O re-

E a conversa foi interrompida com o som e o clarão do trovão que acabara de cair ali por perto.

— Parece o fim do mundo. Primeiro os rumores e agora essa chuva maldita – disse o magricelo que estava a porta. – O que estava dizendo?

— Tanto faz. Lembrei de algo mais importante. O recado dizia que éramos para nos encontrar aqui, mas cadê o maldito? – responde o gorducho.

— Vamos entrando, a única coisa que eu quero molhado por aqui é minha garganta por um copo de cerveja.

O antigo sino de ouro da cidade não badalou mais de oito vezes antes de parar, sinal claro para muitos que a taverna Tricaneca estava em seu momento ápice dos dias. A partir daquele momento, em homenagem ao seu fundador Hein Tricaneca, todos os convidados tinham o direito de beber três canecas totalmente por conta da casa. Todos amavam o Tricaneca, o suficiente para que o local funcionasse praticamente durante o dia todo, com algumas refeições no almoço para viajantes e cansados e também como um lugar onde os guardas poderiam ir para sentar após uma longa tarde de patrulha. A noite, os bêbados saiam acompanhados por suas companheiras e companheiros e, se todos estivessem bêbados, que era o mais comum, eles podiam alugar alguns quartos confortáveis por moedas a mais.

Naquele crepúsculo que se formava, borrado por uma chuva forte, entrava mais um homem em Tricaneco.

— Vejo que vocês já estão aí, ficaram tão ouriçados que decidiram entrar pra não se pegarem no meio da rua?

— Você estava demorando demais. O combinado era sete badaladas na porta. Começou a chover e então entramos pra dentro. – respondeu o magrelo com uma voz já umedecida pela bebida.

— E por acaso você é feito de farinha? E já começaram a beber, sem nem me esperar? – respondeu seco – Pelo menos o grandalhão ali ainda me aparenta bem.

Ele não respondeu, pois já havia desfalecido devido a embriaguez.

— De qualquer forma, eu tenho uma coisa para contar. Mas antes – se virou para as garçonetes – eu quero minhas tricanecas bem geladas. E que uma de vocês sente no meu colo. – disse com tom arrogante.

O taverneiro ouviu o pedido de longe. Pegou apenas uma caneca que estava em cima do balcão, e arremessou em direção ao canalha, que conseguiu desviar, fazendo com que a caneca quebrasse em cima da mesa e trouxesse de volta a vida o grandalhão.

— O que você está fazendo?! – disse ele em um tom mais alto – Tá querendo me matar?!

— Bom, tentei – responde o taverneiro rindo – mas um copo é mais lento que uma faca, então da próxima vez, se não quiser ser tratado como um canalha, não fale como um. Sem Tricaneco pra você.

— Mas e como fica a tradição da casa? – questiona o canalha.

— Pra casa do caralho. – diz o taverneiro em um tom grosso.

— Tanto faz, não pretendo ficar muito aqui mesmo.

Apenas alguns pararam de beber para presenciar mais a cena, já que haviam coisas mais importantes a fazer.

O ar da taverna estava o agradável de sempre, e o cheiro úmido da grama de fora com o aroma da cerveja deixava o ambiente bem mais agradável. Algumas velas que ali iluminavam precisariam ser trocadas em breve, mas durariam naquela noite. Alguns dançavam em cima das mesas, já não sabendo mais seus próprios nomes. As garçonetes eram graciosas, todas elas sempre simpáticas e adoravam fazer seus convidados beber mais do que conseguiam, nunca deixando uma caneca vazia em cima da mesa, afinal, quanto mais bêbados, mais dinheiro a taverna conseguiria. Mas ninguém se importava, pois a bebida era deliciosa e a cama do local, apesar de custar o preço de três canecas, era confortável.

O barulho era uníssono. Até um romper com a porta da frente. Não era um trovão, pois esses não usam botas ou um manto pra esconder seu rosto. Todos olharam. Um jovem estava encharcado com a chuva, seu manto feito de um material que brilhava com a água que escorria dizia que ele estava a muito tempo na chuva.

— Garoto, está tudo bem? – pergunta o Taverneiro.

O menino não responde. Apenas caminha pra dentro da taverna procurando uma mesa que estivesse vazia, mas nesse horário ele só encontraria em um lugar mais afastado da calorosa multidão. Talvez seja isso que ele procurava. Nessa hora a maioria já havia voltado a beber.

— E será assim que iremos ter nossa recompensa! – diz o canalha – estou te falando será grana preta.

— Já estamos prontos pra partir então? – pergunta o gorducho.

— Sim, mas antes eu preciso fazer uma coisinha.

O canalha se levanta da mesa. Tropeçando um pouco por causa do álcool, até chegar um perto até demais de uma moça que estava sentada numa mesa isolada. Ele chegou tão perto que já era possível sentir seu bafo mesmo sem olhar para ele.

— Você – diz com a voz tremula – tá afim de ir para o quarto comigo? Veja bem eu estou prestes a ficar mais rico que todos aqui.

A moça pegou uma faca e num rápido movimento enfiou na coxa do patife. Uma sorte pra ele, pois o taverneiro já estava passando a mão em seu velho machado por trás do balcão para um eventual conflito.

— Isso dói! Sua vadia! – gritou ele em dor – que todos os noves Deuses joguem seu destino na merda!

O grito chamou a atenção do garoto.

Não numa mesa muito longe dali um homem levanta a cabeça.

— Nove? Você não consegue lembrar o nome de quatro e quer amaldiçoar a coitada com todos os nove?

O patife agora olha com raiva para o homem. Este que não aparentava diferente de nenhum viajante dali. Trajado em uma roupa que apesar de estar revestida com couro, aparentava ser muito confortável. Uma única espada ficava em suas costas e um pequeno bolso cheio repousava em seu cinto.

— Quem caralhos é você?

— Quem caralhos é você? – responde em tom de ironia.

— Tá achando que você vai virar o herói dessa puta aqui? Só porque você está se colocando a frente dela pra defende-la.

— Eu não estou achando nada. Ela é quem te deu uma facada. Ela é a própria heroína. Eu apenas estou rindo de você.

A moça levantou um leve sorriso. Homens não faziam seu estilo, mas aquele lá ao menos era engraçado.

— Meu nome é-

— Todo mundo já sabe seu nome – interrompeu o homem – canalha, patife, as vezes cão sarnento. Bichos como você não precisam de um nome.

O cão sarnento fechou a cara de raiva.

— Vamos ver se sua boca vai falar algo amanhã de manhã – ameaça o canalha que saiu imediatamente do local.

— E vocês, não vão também? – questiona o homem para o magrelo e o grandalhão.

Ambos ainda confusos, bêbados, porém parece que perceberam que já não seriam mais bem-vindos ao local graças as atitudes seu parceiro. Eles pagaram a conta que não deu mais de algumas moedas e, num tropeço, ambos se retiram do local.

A moça olha para o homem e o faz um sinal para um brinde. O homem retribui e vira o copo.

Mas assim que coloca o copo em cima da mesa, ele vê o garoto sentado em sua mesa. O garoto estava com um semblante de perdido, coisa que o homem sabia muito bem como era. Ele olhava fixamente para a espada do homem.

— Essa espada – diz o garoto em um tom baixo – é você.

— Hã? Desculpe garoto, mas a gente não se parece nem um pouco, então não tem como eu ser seu-

— Você chega num salão, e uma espada está no pedestal, pra que ela serve?  – interrompe o garoto.

— Pra nada, pois ela já cumpriu sua função. – Completa o homem.

O garoto muda seu rosto, que agora começa a ser preenchido por um olhar de esperança.

— É você quem eu procurava.

— Esse lema, onde você ouviu isso? – questiona o homem em um tom mais sério.

— Meu pai me ensinou. Disse que se eu ouvisse qualquer resposta que não seja essa, não é quem eu estou procurando.

O homem ficou em silêncio, apesar do povo ainda estar gritando e cantando mais pro centro da taverna.

— Quem é você garoto?

— Meu nome é – hesita por um segundo – meu nome é Kyan.

— E porque você está aqui.

— Porque eu precisava te encontrar. Escute, o re-

“Já vamos começar a servir cerveja do fundo do barril” gritou o taverneiro, interrompendo a conversa.

— Venha comigo, podemos conversar melhor em outro lugar.

O homem recolheu suas coisas. Não mais que sua espada e bolsa e um velho cachimbo que ele usava para fumar umas folhas. Para sorte da moça com um cachimbo em mãos, ele esqueceu as folhas.

Ambos saíram da taverna as pressas, apesar da chuva ter diminuído, essa era a hora que os lobos caçavam por perto. Havia cartazes de recompensas espalhados pelos murais da cidade pra quem quisesse caça-los e ser recompensado, mas pro azar de um despreparado que passara ali mais cedo, foi recompensado perdendo um dos braços pros lobos.

Já estavam perto da encruzilhada, quando de repente uma faca voou na direção do homem, que rapidamente parou e desviando, fez com que a faca ficasse presa na placa da encruzilhada.

— Achei que você ia ficar lá pra curtir a noite com aquela moça.

— Desculpa patife, não tenho temp-

Outra faca foi arremessada em sua direção, cortando sua resposta.

— Eu disse que você não iria falar nada pela manhã de amanhã, não disse?

O homem se ajeitou de modo a proteger com o corpo o garoto. Sua postura mudou para a de alguém que sabia muito bem como agir numa situação daquelas.

— Garoto, se esconda.

Kyan ouviu as palavras e ainda assustado com o que havia acontecido se escondeu atrás de umas perto de uma esquina. No pior dos casos, ele voltaria correndo para a taverna.

— Não sabia que queria passar sua ultima noite com um garoto – diz o canalha – e ainda me chamam de patife.

— Não entendi o que você quis dizer com isso porque não falo língua de cão.

— Mas deve entender essa – diz ele em tom de ameaça puxando desembainhando um punhal.

O homem observa a cena com mais clareza. Junto estava o magrelo, portando um machado que não parecia ser afiado a muito tempo, porém com a força certa, ainda representava um perigo. O grandalhão por sua vez puxou uma espada tradicional, não muito longa, mas que pelo brilho da lâmina, podia-se perceber que era mais nova e mais afiada que o machado do seu amigo de pouca massa. Mas o que mais chamava a atenção do homem, era o punhal do canalha, com uma pequena joia no fim do cabo e sua lâmina levemente curvada dava a para entender que um punhal desses jamais pertenceria a tal pessoa senão fosse roubado.

— Isso não precisa acabar assim – diz o homem.

— Não vai puxar sua espada? Você só me deixa mais e mais puto!

De fato, a espada do homem estava pronta, porém ele nunca mostrou interesse em saca-la, nem mesmo sob as ameaças.

— Ela não é pra tipos como você.

O clima ficou intenso, mas logo foi cortado por uma voz.

— Ei! Você não pagou a conta! – grita o taverneiro que, se deparando com a cena, reduz seus passos e voltasse o silencio.

O barulho da chuva tomou conta do silencio que ali se formou. Se pode ouvir o som de doze badaladas do sino. O amanhã chegara.

E com isso o canalha partiu pra cima do homem que se distraiu com o taverneiro, aproveitando-se do barulho do sino e da chuva para abafar seus passos e mudando o punhal entre as mãos, demonstrando uma boa destreza. Quando estava perto, tentou desferir um golpe direto na jugular, típico de um assassino, porém, num movimento mais leve que o vento, o homem conseguiu prensar seus braços contra o braço e antebraço num movimento só, quebrando o braço do patife que agora havia largado seu punhal e no mesmo movimento, homem agarrou o punhal e desferiu um golpe na garganta do canalha. Foi tudo tão rápido que nem mesmo o magrelo havia percebido até o corpo do seu comparsa cair que nem pedra no chão. Num instante irracional, ele arremessou seu machado pra cima do homem, na esperança de acerta-lo porém, o homem conseguiu acompanhar o giro do machado e o segurou, seguindo sua rotação e aproveitando se para arremessar na direção do grandalhão que estava vindo em sua direção com a espada acima da cabeça. O machado o acertou em cheio na cabeça, abrindo-a como se fosse uma melancia. O homem apressou seus passos, agarrou a espada do corpo que estava prestes a cair no chão e então aproveitando a altura que se encontrava sua postura desferiu um golpe no magricelo, que teve seu corpo cortado pela metade na altura do peito.

De repente, o barulho da chuva voltou a preencher o local. Não foi nada difícil para o homem lidar com 3 bêbados claramente despreparados, mas isso lhe deu uma certa canseira.

— Pensando bem, fica por conta da casa – diz o taverneiro com a voz assustada, porém levemente feliz.

— Obrigado.

Kyan observou tudo por de trás das caixas. Era a primeira vez que havia presenciado uma luta de verdade do começo ao fim. Porém, ao invés de ficar assustado, ele sentiu que o homem ali não iria lhe fazer mal. Ele se aproxima, tomando cuidado para não encostar nos corpos.

— Porque? Porque você não usou sua espada? – pergunta Kyan.

Eles olhavam para os corpos que a chuva lavava o sangue fresco que saiam de suas feridas.

— Já haviam três, não precisava de mais uma. – Responde o homem – agora vamos indo garoto.

— Espera, eu preciso te contar uma coisa.

— Seja lá o que for, pode esperar até-

— O rei está morto – interrompe ele.

A chuva estava ficando mais forte. O barulho preencheu aquele local. O homem agora olhava com uma expressão que se podia sentir o pesar de seus olhos. Se ele estava chorando, isso a chuva escondera muito bem. Ele não respondeu, apenas se ajeitou melhor e acenou com a cabeça para que ambos saíssem dali.


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Notas finais do capítulo

Ainda estou escrevendo então vou tentar atualizar aqui semanalmente.



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