Uma xícara de insanidade escrita por Ederson Simonetti


Capítulo 1
Capítulo 1




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Uma xícara de insanidade

Eu menti para mim quando prometi nunca mais beber café em minha vida, mas a ansiedade provocada pelo enorme medo só irá acabar quando beber este maldito liquido novamente, que ocasionou ou não alucinações durante as inúmeras madrugadas.

A insônia agora se tornou constante, não tenho certeza se é culpa da cafeína ou uma serie de noites amaldiçoadas por seres ainda não compreendidos por nossa existência. São vagas as memorias de tais criaturas. Nunca fui viciado em café, porem um amigo do jornal onde trabalho sempre foi mais produtivo do que qualquer um, Joaquim sempre estava bebericando seu próprio café, trazia de casa em uma garrafa térmica. Isso despertou grande curiosidade em mim, pois chegava no trabalho exausto, demorava alguns minutos para ficar mais ativo, mal conseguia escrever meio paragrafo antes do meio dia, enquanto Joaquim já terminara sua matéria e andava pelo escritório tentando alegrar o dia dos demais jornalistas. Não aguentava mais ficar frustrado com meus textos monótonos, então resolvi visitar Joaquim para pedir sua receita de café, alegou várias vezes o quanto podia ser perigoso tomar mais que uma xicara de café por dia, mas não dei atenção aos seus alarmes.

Quando voltei da residência de Joaquim fui ao mercado mais próximo comprar todo o necessário para sua receita especial. O gosto era extremamente agradável, nem doce de mais, nem amargo de mais, era o café mais agradável da minha vida, dera uma imensa energia e criatividade ao corpo e mente, uma sensação inexplicável. Acostumei muito rápido a tudo aquilo, usufruía da poção mágica de Joaquim como se fosse agua potável da melhor e mais primorosa cachoeira. Não parava de escrever como se minhas mãos estivessem sendo controladas por alguma entidade diabólica. Com o passar dos dias os pensamentos começaram a fluir como segundos em um relógio, meu corpo se transformou na máquina de locomoção mais agitada de toda a cidade. Ao mesmo tempo que me pressentia insano, também, sentia-me um novo homem. Porem as pequenas dozes de café já não contentavam mais, passei a tomar duas, ou três xícaras de café, não demorei a arrepender-me.

No primeiro dia em que aumentei minhas doses de cafeína meus pensamentos se multiplicaram, em certo ponto já não acreditava mais ter controle dos mesmos, e vieram as vozes, acredito ser a transformação dos pensamentos, em personagens criados pela minha própria mente. Isso continuou por alguns dias, mas depois de acostumar com as novas personalidades segui meus dias normalmente, não incomodavam mais. O pior ainda estava por vir.

Certa madrugada me deparei com sons ao redor de toda casa, se pareciam com pequenas garras que aranhavam o assoalho. Procurava por todo o canto, mas nada encontrava, no começo pensava que eram ratos ou gambas. Com o passar das noites os sons aumentavam, e me perturbavam cada vez mais, acabava dormindo muito pouco, voltando a chegar cansado no trabalho, assim aumentei ainda mais minhas doses de cafe. Decidido a acabar com as criaturas, peguei a primeira e maior faca que encontrei na cozinha e cheio de ódio fui ao porão, na outra mão levava uma lanterna que não ajudou muito pois estava cambaleando de sono, me guiava pelos ruídos. Quase não acredito nas minhas memorias dos próximos relatos, mesmo assim não consigo parar de questionar sobre o que senti, vi, ouvi, naquela semana que se sucedeu. Descendo os primeiros degraus senti como se entrasse em um frigorífero, comecei a tremer por inteiro, os ruídos começaram a ficar mais e mais altos, as vozes começaram a cochichar em meus ouvidos avisos sobre o horror que o porão escondia. Chegando ao último degrau minha visão ficou turva, me sentia extremamente tonto, mesmo assim persisti em achar as malditas criaturas. Olhava ao redor e as várias prateleiras onde guardava antiguidades de minha família, começaram a se mexer sozinhas, em um grande turbilhão. Caminhei mais a frente perdendo o folego a deparar com um grande símbolo, me lembrava algo referente a um antigo livro que li quando era criança que meu pai tinha trazido de uma de suas expedições. A marca parecia cravada no chão. Seria esse os barulhos que estaria ouvindo todas essas noites? Alguém entrou em minha casa e escavara um símbolo satânico em meu porão? Até hoje estremeço por lembrar e por não saber como aquilo apareceu ali. Logo após de ver o símbolo no chão, tive fortes dores de cabeça e desmaiei em cima da marca amaldiçoada, acordando misteriosamente no outro dia em minha cama. Tudo piorou quando descobri que a marca era real, e que tudo aquilo não era um sonho.

Na manhã seguinte, acordei com todo o corpo formigando, sentia-me completamente renovado, caminhei ao banheiro, ainda meio confuso com aquilo tudo. No mesmo momento em que me coloquei a frente do espelho senti minha alma se esvaindo de meu corpo. A marca, a mesma escavada no porão, agora estava cravada em meu pescoço. Ela acendia em vermelho, e quando acendia, me queimava, era muito doloroso, parecia que alguém apertava um pedaço de metal em chamas contra mim. Sai do banheiro ainda mais confuso, liguei para o Jornal e arranjei qualquer desculpa para faltar serviço. Sentei-me na cozinha e comecei a refletir sobre tudo aquilo, tentei relembrar a noite passada, mas poucas coisas vinham a mente, o que não tinha como esquecer era a maldita marca que agora me acompanhava.  Desisti das lembranças, e fui a biblioteca da cidade para pesquisar qualquer coisa relacionada ao maldito símbolo. Mal cheguei a biblioteca e já me direcionei a seção religião. Mas para meu infortúnio, nada encontrei, mudei de seção para mitos e lendas, lá encontrei alguns símbolos parecidos com o que tinha no pescoço, porem meu foco começou a sumir, o maldito vício na bebida amaldiçoada, começaram a gerar fortes dores de cabeça, as vozes começaram a surgir novamente, elas estavam desesperadas, queriam a todo custo me fazer beber o café de Joaquim novamente. Não aguentei por muito tempo, tive que correr para casa e preparar o maldito café, sentia que por pouco não desmaiei por abstinência, porem eu sabia que tudo aquilo era culpa daquela maldita bebida, e agora posso afirmar com segurança.

Eu estremecia ao chegar da noite, sabia que algum tipo de maldição me perseguiria, e estava certo. Sentado ao sofá assistindo televisão, perto da meia noite, surgiam novos barulhos, mas desta vez não vinham do porão, desta vez vinham da cozinha ou de algum quarto de hospedes. Pulei do sofá ao ouvir um som muito perturbador, uma risada de deboche, que parecia ter vindo de uma pequena criatura. Sua voz era estridente e fina, em pânico gritei “QUEM ESTÁ AI”? Nada responderam, não foi nenhuma surpresa, segui ao som das risadas, levei comigo a única arma que encontrara no sofá, o jornal da manhã, a passos largos, mas cautelosos. A cada metro mais próximo da cozinha maior e mais numerosas as risadas ficavam. Assim que pisei no centro de minha cozinha, comecei a ver milhares de olhos brilhando na escuridão, as criaturas estavam ao meu redor, pararam de rir. Agradeço todos os dias não ter visto nem sequer um minúsculo pedaço de tais monstros, ou pelo menos não me lembrar. Não demorou para que as criaturas começassem um ritual macabro em volta de mim, elas cantavam uma canção em uma língua muitíssimo antiga onde eu so identifiquei uma palavra “sacrifice”. Me paralisei de medo ao ouvir e entender tudo aquilo que acontecia, o símbolo em meu pescoço e em meu porão ganharam sentido, o símbolo continha um “S” extremamente deformado e diabólico. Quem era o sacrifício? Que maldita entidade viera buscar minha alma? Eu nunca descobri, pois eu não fui o sacrificado. A melodia macabra continuou, meu “S” acendeu, e uma voz extremamente grossa e pavorosa começou a cantar junto as vozes finas e estridentes, meu pescoço ardeu em chamas, a última coisa que vi antes de desmaiar foi o símbolo acender em baixo de mim, formava um círculo com o “S” no centro, que também acendeu em vermelho.

Despertei novamente revigorado, parecia ter criado um vínculo com o demônio, quando vi várias marcas de garras negras em meus braços, pernas. Naquela manhã finalmente me lembrei onde tinha visto aquele maldito “S”. Desci o porão para procurar o livro que meu pai tinha me dado quando era criança, tinha o guardado todo esse tempo. Revirei inúmeras prateleiras de livros e antiguidades das quais gostava muito, até que enfim encontrei o maldito livro, nele teria minhas respostas. Porem na verdade, não era um livro e sim um diário de meu pai, só fui descobrir quando li seu conteúdo.

Lendo as páginas do diário descobri que meu pai tinha passado maior parte de sua vida caçando criaturas sobrenaturais pelo mundo. Em suas descobertas finalmente encontrei a maldita marca desenhada no canto do caderno e junto a ela um texto com título de “ Bebida amaldiçoada”, onde relatava basicamente que encontrou vários homens mortos em meio a uma ilha paradisíaca. Todos os corpos tinham as mesmas marcas que as minhas. Aparentemente eles estavam perdidos na ilha fazia alguns meses, pois suas roupas estavam sujas e rasgadas. Provavelmente eram pescadores, pelas vestes simples e malcheirosas. Seus olhos estavam inchados e pretos, suspeitava meu pai que estavam assim por causa da visível briga que acontecera ali, galhos quebrados, sangue por todo lado, alguns dos homens pareciam querer fugir de alguma coisa. Investigando mais a fundo dava para notar uma grande marca no centro dos pescadores, como se fosse um buraco no chão, mas na verdade so era um grande círculo que provavelmente pegou fogo, pois não avia mais nada além de terra queimada. Intrigado com aquilo meu pai cavou no centro do círculo, e depois de alguns minutos encontrou um esqueleto carbonizado, fiquei totalmente arrepiado com essa informação, e temia que meu fim seria o mesmo. Retornou e voltou a olhar os corpos dos pescadores espalhados pela floresta densa, e não encontrara nada de mais na maioria dos corpos, mas um deles levava consigo um saquinho com um pó preto muito característico, reconheceu na hora aquela substancia, e sim, era o maldito café, o mesmo que me atormenta agora. Finalmente meu pai chegou a uma conclusão, os homens enlouqueceram com aquele maldito café, que na verdade era amaldiçoado por alguma entidade que consumia todas as almas que usufruíam daquela bebida amaldiçoada que dava ao consumidor grades inspirações e energia infinita, e aparentemente para se livrar da maldição era preciso um sacrifício de outra alma também viciada na bebida. Estremeci percebendo o que deveria fazer para me livrar da maldição.

Convidei Joaquim para me visitar, ele estava preocupado porque eu não aparecia no trabalho avia semanas. Quando chegou ficou apavorado em ver minha aparência deplorável, olhos inchados, magro, com uma cara de insano que ele jurava não ter visto nem no mais horripilante manicômio. Ele se sentou, preparei para nós algum chã, mas secretamente coloquei drogas fortíssimas para o sono em sua xicara, não demorou para Joaquim despencar no chão. Reuni o resto de minhas forças e arrastei ele como se fosse uma pressa de um grande predador faminto.  Posicionei Joaquim em cima da marca, busquei algumas cordas e amarei ele como um peru pronto para assar. Com uma enorme faca fiz inúmeros cortes em seu corpo, perto da meia noite a marca enchia com sangue, e a cada gota a marca esquentava cada vez mais e brilhava em vermelho, eu estremecia de medo, não acreditava no que estava fazendo. Perto da meia noite, Joaquim acordou, estava muito fraco porque já quase não tinha sangue. Olhava para mim desesperado, porém não confuso, sabia o que estava prestes a acontecer, então antes de tentar escapar, peguei as anotações do ritual que meu pai encontrou dos pescadores, a cada palavra pronunciada, mais agitado Joaquim ficava, e mais aliviado me sentia. Comecei a chorar, pois me sentia muito mal fazendo aquilo, nunca pensei em fazer um pacto demoníaco em troca de liberdade. As chamas começaram a arder e me cegar, já estava feito, dei uma última olhada no rosto de Joaquim e lhe pedi desculpas, subi as escadas correndo, tranquei o porão atrás de mim, lagrimas escoriam no meu rosto, antes de desmaiar novamente ouvi os gritos de Joaquim e os sussurros do demônio.

Quando acordei na manhã seguinte, não estava em casa na frente do porão, e sim em um hospital, esse mesmo hospital onde escrevo esse relato. Um policial veio me interrogar sobre o incêndio e me contar que fui salvo a um vizinho atento que sentiu o cheiro das chamas. Tentei lhe contar sobre meu amigo que estava comigo e de como nós acidentalmente colocamos fogo, para não parecer maluco, com todo esse relato de demônios e rituais, porem o policial parecia não acreditar em nada que eu dizia pois aparentemente Joaquim nunca existiu.


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