O Mágico e os Ladrões de Som escrita por André Tornado


Capítulo 20
Improvisar e continuar




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/786224/chapter/20

A curta viagem do Doutor pela nave foi realmente curta. A escotilha que tinha escolhido revelou um corredor escuro e circular que o levou de regresso ao viveiro. Ele achou aquilo estranho e intrigante. Agarrou na guitarra e preparou-se para tocar mais acordes, mas quando ajeitou a palheta preta entre os dedos desistiu. Analisou a parede e reparou que das sete escotilhas criadas com a sua chave de fendas sónica, potenciadas pelo solo de Punk que partilhara com o japonês inteligente chamado Mike, só existia uma e parecia que se estava a fundir com a estrutura. Era uma abertura semelhante a uma porta estreita, com um lintel em forma de ogiva gótica trabalhada em pedra. Não perdeu tempo a hesitar. Abriu essa última escotilha e passou por esta.

Chegou a uma sala repleta de portas iguais àquela que tinha atravessado. As paredes, então, giraram, como numa roleta e ele ficou sem saber por que porta tinha entrado ali. Sorriu com o desafio, admirado com a versatilidade daquela nave.

Começou a desconfiar do que estava a acontecer ali, a identificar a tecnologia utilizada com assombro, descrédito e vaidade, a desenhar um dos seus planos mirabolantes, mas o ruído incessante do seu cérebro a laborar em pleno foi silenciado quando ele viu passar por uma das portas, assim que o mecanismo giratório estacionou, o japonês inteligente.

— Mike!

— Doutor?

O outro espantou-se, mas assim que o reconheceu aproximou-se, aliviado.

— O que foi que descobriste, meu rapaz?

— Nada… o que queria descobrir era o caminho de volta à TARDIS e, no fim, estou aqui.

— Viste coisas estranhas…

— Isso foi uma pergunta? Sim, vi coisas bastante estranhas. Passei por teclados, pianos, violinos, oboés, violoncelos, bombos, tambores, pandeiretas, apitos, harpas, instrumentos musicais esquisitos que pareciam ter saído de um filme de Star Wars, instrumentos musicais dos quais nem me lembro como se chamam. Uma verdadeira orquestra! Havia sempre a tentação de os tocar, de experimentar, mas depois contrariava o meu instinto e prendia as mãos uma na outra. Havia funis que me seguiam, recetores de som, altifalantes e outras geringonças que queriam captar as notas musicais que eu eventualmente produzisse. Na minha cabeça havia melodias que ainda não compus, outras que escrevi há muito tempo. O futuro e o passado. Um pesadelo, Doutor.

— Hum… Perfeito!

— Perfeito? – estranhou Mike. – Não estou a compreender…

O Doutor mostrava um sorriso amplo e os seus olhos azuis brilhavam. Explicou:

— A minha experiência no caminho que escolhi foi diferente da tua. E aposto que a experiência da Clara e do teu amigo também terá sido. Não estarão em perigo, longe disso. A não ser que a mente do teu amigo tenha monstros.

— O Chaz… o Chester está em perigo! – exclamou Mike, assustado.

— Bem, o teu amigo vai safar-se. Não te preocupes. De qualquer modo, esta nave ligou-se ao padrão neurológico de cada um e transforma-se, refaz-se, reconfigura-se, apresenta-se conforme os nossos desejos, anseios e ideias. Está numa constante metamorfose que nos afasta do nosso objetivo. A confusão é muito grande, desde que não saibamos o que está a acontecer. Mas a partir do momento em que deciframos o código, colabora connosco. Há imenso tempo que não tropeçava numa nave destas.

— Já estiveste numa nave destas…

— Isso foi uma pergunta? Sim, Mike, este modelo de nave não me é desconhecido.

— São as naves daquela guerra?

— As guerras de Zorban? Não… esta tecnologia que aproveita ondas cerebrais e padrões intelectuais é obra do povo de Buondabuonda. No início, quando aqui chegámos com a minha TARDIS, julguei que era uma nave zorbaniana por causa deste setor específico da Via Láctea. Aconteceu aqui a guerra dos herdeiros, existem vestígios desse conflito e… tu ouviste-me há pouco – cortou impaciente. Semicerrou os olhos e declarou, solene: – No entanto, já era esta nave a confundir a minha perceção.

— Buondabuonda? Parece o nome de uma daquelas ilhas tropicais da Polinésia, que toda a gente diz ser um paraíso para ir passar férias.

— Buondabuonda é muito quente, é verdade! Como sabes isso, Mike? Daí que esteja este frio aqui dentro. Para compensar o clima impossivelmente escaldante. Os nativos do planeta estão sempre a queixar-se do calor.

— Adivinhei ao calhas.

— Bem, esta nave é definitivamente uma nave de Buondabuonda que usa tecnologia oriunda de Gallifrey, o meu planeta natal. É muito semelhante, embora com a devida distância e com menos engenho, à tecnologia da TARDIS.

— Ah… Nesta nave podemos observar as aptidões tecnologicamente superiores dos senhores do tempo.

— Continuas a ser inteligente. Bravo, Mike! Sim e não. Existe, claramente, uma inspiração na tecnologia de Gallifrey, mas os planos roubados estariam incompletos e foram feitas adaptações. Tem o seu mérito, porém existem falhas. Esta nave gosta de brincar. Não leva nada a sério e quando se zanga, pode ser implacável. Essa é a desvantagem de uma nave buondabuonda, o seu humor instável. E agora que já descobri o mistério será mais fácil para mim movimentar-me aqui dentro. – Sacou da sua chave de fendas sónica e pôs-se a olhar atentamente para a sala cujas paredes se tinham posto novamente em marcha.

Mike perguntou, confuso:

— O que tem isso que ver com o Joe e com o fungo?

— O fungo está a ser criado num viveiro desta nave por ser um lugar inviolável. Melhor do que o cofre mais seguro de qualquer galáxia. Foi um acaso termos encontrado o viveiro. Ou o viveiro quis ser encontrado por mim, pois sou um senhor do tempo. Não haveria melhor lugar para esconder a criação de organismos para uma invasão do universo… o que me leva a concluir…

Calou-se, parado no centro da sala, chave de fendas em riste.

— Qual é a tua conclusão, Doutor?

— A invasão está a ser liderada por outras criaturas.

— Mais alienígenas.

— Estamos no meio do espaço, Mike. Os terrestres, no teu tempo, ainda não conseguiram ir mais longe do que a Lua. Por definição, tudo o que aqui existe é alienígena para ti.

— Haveremos de ir a Marte.

— E haverão de sair do Sistema Solar!

— Que criaturas são essas? Quando aqui chegaste disseste que não havia outras formas de vida. Afinal… nunca estivemos sozinhos.

— A nave é de Buondabuonda! Camuflou essa informação e fui enganado. A TARDIS tentou avisar-me, mas ignorei-a… Ainda não aprendi que nunca a devo ignorar. Ela indicou-me que a origem do fungo era aqui e tinha mais para contar, mas sou impaciente. Também tenho os meus momentos pouco inteligentes, como tu.

— Muito obrigado, Doutor – resmungou Mike.

O Doutor ligou a chave de fendas sónica.

Aconteceu uma reação em cadeia. As ondas sonoras detiveram o mecanismo das paredes, estalos e faíscas surgiram com a travagem brusca, pedaços do teto desabaram e houve um pequeno terramoto que desestabilizou a sala, ao ponto de um soalho se ter esburacado e inclinado. Mike protegeu-se, encolhendo-se e cobrindo a cabeça com os braços. O Doutor soltou um pequeno grito e ele viu-o a sacudir o braço.

— O que aconteceu?

— A minha chave de fendas! Foi destruída! Explodiu…

— Isso… isso é mau?

— Faço outra na TARDIS. Se tiver as peças…

Uma luz forte e branca acendeu-se e Mike fechou os olhos. Levou a mão ao bolso do casaco e tirou uns óculos de sol. O Doutor estendeu a mão e exigiu:

— Dá-me isso!

Mike assustou-se.

— Dou… dou-te o quê?

— Esse objeto fantástico!

— Os meus óculos… escuros? – Entregou-os ao Doutor que os colocou no rosto, ajeitando-os sobre o nariz com a ajuda dos dedos sobre a armação que se prendia nas orelhas. – São só… uns óculos escuros…

— São perfeitos, Mike. Quem precisa de uma chave de fendas desengraçada quando se podem fazer as coisas com estilo?

Mike não estava a perceber nada. Deu uma rápida olhadela pelo local e disse:

— Doutor… temos de sair daqui. A sala está destruída e começou um incêndio. Podemos ficar intoxicados com os fumos.

— Sim, vamos.

Para se proteger da intensa claridade, Mike colocou uma mão em pala na testa, já que o Doutor não lhe devolveu os óculos escuros. Escalaram os destroços, evitando aqueles que fumegavam e que estariam mais quentes, afastaram um painel, descobriram uma passagem e atravessaram-na. Deram com uma segunda sala, mais pequena, aparentemente sem saída. Mike ia propor que dessem meia-volta e tentassem descobrir outro caminho, quando um ecrã se acendeu de repente e mostrou uma espécie de saleiro enorme em grande plano. Um óculo azul piscou na tampa do saleiro e surgiu uma voz indignada e zangada:

Doctor?!!!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Prisioneiros.