O Mágico e os Ladrões de Som escrita por André Tornado


Capítulo 18
A doença esquisita




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Dave Farrell sentia vontade de chorar. Uma vontade enorme de se deixar ficar onde estava, sentado no chão, derrotado pelas circunstâncias. O seu cérebro tinha, pura e simplesmente, se desligado e ele era incapaz de acionar as suas funções motoras. O peso monumental do fracasso esmagava-o e era uma impotência atroz e cruel.

Duas mãos seguraram-lhe os ombros e sacudiram-no. Dave sentiu uma pequena faísca a tentar reiniciar o seu motor interno e o seu espírito parado. Uma voz longínqua começou, aos poucos, a entrar nos seus ouvidos onde persistia um assobio ininterrupto.

— Phoenix!... Phoenix! Phoenix, acorda… Phoenix! Phoenix!

Pestanejou e os seus olhos desanuviaram. Reconheceu na imagem que se focava o rosto suado de Rob Bourdon. O seu amigo, o seu companheiro de banda, o famoso baterista dos Linkin Park.

— Phoenix! Estás a sentir alguma coisa? Também foste contaminado?

Aclarou a garganta para forçar a voz que se calava nas suas cordas vocais estranguladas. O desejo de se desesperar e de desistir mantinha-se demasiado forte, mas ele queria ultrapassar isso e conseguir reagir, porque era Rob Bourdon e porque continuavam dentro de uma maldita nave alienígena perdida nos confins da Via Láctea, a reboque de um Doutor e de uma mulher bonita que ele tinha conhecido havia um par de horas.

Era tudo tão surreal que ele desatou a rir-se.

Deu uma gargalhada oca e depois escondeu a cara nas mãos, com um lamento.

— Desculpa, meu. Desculpa… acho que não estou contaminado.

Rob suspirou, aliviado. Sentou-se ao seu lado, joelhos fletidos. Apoiou os punhos nas rótulas.

— Merda… Assustaste-me. Já me estava a ver sozinho com o Joe em coma, o Brad desmaiado e tu a começares a infeção. O que fazemos agora? Tu és o nosso líder.

Uma pequena raiva fez-lhe o sangue subir-lhe às faces. Espremeu os lábios, contrariado. Agora já o queriam para líder! Quando as coisas tinham dado para o torto!  

Resolutamente, afastou o azedume, o pânico e a momentânea tristeza. Sim, ele continuava a ser o líder daquele grupo e precisava de se comportar em conformidade. Não se podia demitir ou delegar aquela tarefa. Ao olhar para Rob, lembrou-se que ele era o mais jovem deles todos. Vinte e nove anos. Praticamente uma criança ao pé dele que já tinha completado trinta e um.

Tentou adotar uma postura profissional de comandante de alguma coisa, um breve teatro.

— O Brad também terá sido infetado, não o sabemos. Temos de os levar de volta para a TARDIS e afastá-lo, assim como ao Joe, da atmosfera desta nave. A humidade potencia o desenvolvimento e a agressividade do fungo, vimos como o Joe esperneou quando o tentámos trazer connosco. Na TARDIS o ar será controlado por aquele estranho computador de bordo e o fungo não fará pior do que, entretanto, já fez, ao sistema de um e de outro. O fungo fica mais ou menos adormecido e naqueles quartos haverá isolamento do som e essas tretas.

— Pode ser que o Brad não esteja infetado com o fungo… ele não está gelado como o Joe.

— Como sabes isso, Rob?

— Toquei nos dois. Para medir a temperatura, como a minha mãe fazia. Mão na testa. O Brad parece que está com febre e o Joe parece que morreu.

Dave inclinou-se sobre o coreano.

— O Joe ainda respira, meu… não digas essas coisas.

— Só estava a fazer uma comparação para que percebas o que quero dizer.

— Percebo sempre o que queres dizer. Costumas é ser calado demais e não dizeres nada, esse é o teu problema. – Agachou-se junto do guitarrista, fez uma observação rápida. – Não estou a ver bolhas verdes no Brad.

— Ainda não apareceram. Ele só tem as mãos sujas. Repara…

Rob agarrou nos pulsos do amigo.

— Será destas crostas? – Dave raspou a lama endurecida com a unha do indicador, que se desfez em areia escura.

— Não mexas nisso! Sabes lá se o fungo não está misturado com essa lama!

— Não, não está… caso contrário, a temperatura corporal dos dois seria idêntica.

— Uh… muito bem, doutor Farrell.

— De nada, assistente Bourdon.

— Deixemo-nos de gracinhas. Os nossos amigos estão a precisar de cuidados médicos. – Rob suspirou, desolado. – Como os vamos levar de volta à TARDIS?

— Cada um leva o seu doente.

— Ok… tu levas o Joe.

— Ele é demasiado gordo, Rob! Se o carregar, vai dar-me cabo das costas!

— Tu fazes musculação, exercício, ginástica, levantas pesos.

— E tu fazes surf e meditação e essas tretas budistas!

— Levo o Brad.

O baterista passou uma mão pela cabeleira do amigo febril. Chamou-o pelo nome, a ver se o despertava, mas pelos murmúrios percebeu que não iria conseguir a sua colaboração. Com toda o cuidado, voltou-o. Passou-lhe um braço pelas costas, outro pela parte de trás dos joelhos e ergueu-o em braços, ajeitando-o no colo. O esforço de carregar o guitarrista dessa maneira era considerável, mas Rob cerrou os dentes e não se queixou. Sabia que naquele negócio saía claramente beneficiado.

Dave inspirou profundamente. Joe Hahn tinha excesso de peso, gostava de fazer alarde que não cuidava da sua aparência. Mostrava-lhes dois dedos do meio quando o interpelavam que ele só comia porcarias e que devia cuidar mais da sua saúde. E mesmo assim era adorado. Pelos seus amigos e pelos fãs da banda. 

— Acho que vou arrastar o Joe…

— Não faças isso, meu – pediu Rob com a voz entrecortada. – Ele já está todo lixado por causa do fungo.

— O chão da nave é suave e vai ajudar que deslize, meu!

— Tu tens força suficiente para carregar com o Joe.

— Pois sim…

O baixista concedeu em acatar a preocupação do Rob. Inspirou profundamente uma segunda vez. Tomava coragem. Acercou-se do coreano, puxou-lhe pelos braços e sentou-o. Joe oscilou e manteve a posição. A sua enfermidade era, notoriamente, diferente da de Brad. Dave deu-lhe outro puxão nos braços e Joe ficou de pé.

— Isso, companheiro… talvez ele ande pelo seu próprio pé e nos ajude…

Contudo, assim que o seu sistema nervoso se apercebeu de que estava naquela posição ereta, Joe girou e encaminhou-se para a sala húmida. Dave puxou-o pela t-shirt, travando-o e o coreano ficou estático, com a perna direita no ar.

— Uou, uou, senhor Hahn! Paradinho! Topaste esta cena, Bourdon? O Joe deve estar programado para perseguir a humidade.

— Não te queres despachar? O Delson pode ser magro, mas pesa como um gajo adulto!

— Certo. Desculpa lá, meu…

Dave encostou-se ao peito do DJ, empurrou-o e com um único movimento colocou-o sobre o ombro direito. As suas pernas deram de si. Ele urrou, também cerrou os dentes e deu indicação ao Rob para se meterem a caminho. Surpreendentemente, o Joe não resistiu ao transporte.

Ao fim de alguns passos, já Dave suava como um cavalo numa corrida e grunhia, sob o peso monstro do Joe Hahn nas costas. Achava que iria estraçalhar o maxilar inferior, de tanto que o apertava e só escutava estalos dos seus ossos, a começar no crânio e a terminar nos tornozelos. Rob também sofria com o guitarrista nos braços. Mais valia que os arrastassem pelo chão liso da nave. Mas seria desrespeitoso, estranho e desleixado. Cada um pensava em fazer a sugestão, claro, mas nenhum deles queria ser o primeiro.

Um holofote amarelo acendeu-se por cima deles. Rob e Dave pararam.

Uma voz metálica lançou um aviso que ecoou pelo corredor:

— Parados! Nem mais um passo! Vocês são nossos prisioneiros!


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
O verdadeiro inimigo.