c e n t r a l   c i t y

Andrew abriu os olhos devagar, se acostumando com a luminosidade das janelas abertas e tentando colocar a mente no lugar ao mesmo tempo. Memórias bruscas iam e viam a medida que o rapaz se recordava de tudo o que havia acontecido naquela noite, quando ele e os outros foram atacados pela Liga das Sombras e ele havia perdido a consciência durante o confronto.

O Allen levou a mão até o rosto, coçando as pálpebras na tentativa de acordar e perder um pouco da moleza que o queria levar de volta ao sono. Sua visão se ajustou pouco depois e ele pôde notar onde estava deitado e em que lugar se encontrava. Percebendo que aquele era seu antigo quarto, o que os pais dele haviam transformado em um quarto de hóspedes, mesmo após a mãe do ruivo ter brigado muito com Barry para não mexer em nada que pertencia ao filho deles.

Andy ainda se lembrava quando o lugar era pintado de vermelho, com vários pôsteres presos a parede e muitos dos troféus dele ficavam em evidência nas prateleiras que agora estavam vazias. Era bem nostálgico estar ali deitado naquela cama, já que fazia muito tempo desde a última vez que havia vindo passar uma noite com os pais. A faculdade, junto do futebol e da Young Justice haviam tirado muito do tempo livre que Andrew possuía no passado. Para o desespero da mãe dele.

A porta se abriu após ele pensar nela e Doris surgiu com uma bandeja em mãos e um sorriso estampado na face, que ele percebeu apresentar um semblante abatido.

— Você finalmente acordou! — A dona de cabelos tão ruivos quanto os dele se aproximou com a comida que havia feito e colocando no criado mudo, dando por fim um beijo carinhoso na testa do Allen. — Acho que te pegaram de jeito, não foi?

Andrew deixou um sorriso se formar nos lábios.

— Você não vai começar com o sermão de sempre, não é mesmo?

Foi a vez de Doris mostrar divertimento na face, embora as olheiras que a mulher detinha quebrassem um pouco da expressão.

— Acho que já passou do tempo de eu tentar tirar essa vida de herói da sua cabeça, você não vai parar de qualquer forma. — Doris se sentou na beirada da cama e Andy também ajeitou-se pegando uma torrada do pequeno banquete que a mãe dele havia feito. — Mas eu fiquei bem preocupada, faz tempo desde a última vez que você teve um acidente sério como esse em uma missão.

— Não foi nada de mais, eu apenas fui pego de surpresa… — Ele respondeu após terminar a salada e beber um pouco do suco de laranja.

Ela suspirou, aparentemente não tão convencida com o que ele havia dito. Andy continuou comendo, porque sabia que a mais velha não o deixaria que ele saísse dali antes de terminar com tudo o que ela havia feito e ele também estava com muita fome. Seus pensamentos, por outro lado, estavam mais focados no primo e nos outros dois.

— O que aconteceu com os meninos? Conseguimos dar cabo da Liga das Sombras? — Ele precisava de respostas e esperava que a mãe soubesse informá-lo, senão o velocista teria que recorrer a outras pessoas quanto antes.

— Donnie te trouxe aqui e me contou o que aconteceu, ele estava bem preocupado, o que não combina muito com ele, como você bem sabe…

Andrew conhecia a mãe bem demais para saber que havia mais coisas ali que ela estava tentando esconder dele.

— E o que aconteceu?

Doris suspirou olhando vagamente para o chão antes de voltar a atenção para o único filho.

— Um deles foi raptado e o outro que é atlante ficou gravemente ferido. — Ela disse toda a verdade por fim e ele deixou a comida de lado. — As suas amigas chegaram bem a tempo de resolverem a situação e levarem o rapaz até Atlântida, mas não conseguiram salvar o outro e ele foi levado.

Era bastante informação para alguém que havia acabado de acordar. As meninas haviam voltado da ilha, o que era ótimo, mas Nereus deveria ter se machucado muito para terem o levado até a casa dele, sem falar que ele havia falhado em proteger Zachary como Kate havia pedido. No fim ele sentia todo o peso da culpa por ter cedido e ido até à cidade, tinha sido estúpido e…

— Não se culpe. — Ele levantou o olhar para a mãe que apertou sua mão com uma força leve. — Eu conheço essa expressão abatida, não leve essa culpa com você, já que não lhe ajudar em nada.

— Eu que convenci Nereus para ir para a cidade e agora Zachary vai ser levado para o coração da Liga das Sombras…

— Tenho certeza que vocês ou a Liga vão achar uma forma de reverter a situação, afinal vocês são heróis e heróis sempre salvam o dia.

Ela levou a mão até a bochecha dele, acariciando o local com ternura. Ele percebeu com mais enfoque o quanto abatida ela estava, algo estava errado.

— E o que está acontecendo com você?

— Comigo?

— Sim, você não parece estar muito bem. — Foi a vez dele apertar a mão dela fazendo Doris vacilar por um segundo.

— Não é nada, eu apenas não consegui dormir com você nesse estado e com o seu pai fora com a Liga. — Ela tentou mostrar outro sorriso, mas não foi muito convincente. — Agora coma tudo e me encontre lá embaixo quando terminar.

❖

Andy não precisou ser persuadido para comer tudo o que havia naquela bandeja em poucos minutos, percebendo realmente com quanta fome se encontrava. Se alongou um pouco após se levantar, com a energia natural voltando para o próprio corpo, também percebendo que os efeitos do choque haviam passado por completo graças a seu fator de cura acelerado.

Ele desceu as escadas que levavam para o primeiro andar com calma, observando os quadros postos pela parede. Havia fotos dos pais dele, assim como muitas de um Andrew bem pequeno e com bochechas grandes demais. Tendo até uma que ele gostava em especial, onde ele e uma Kate pré-adolescentes estavam fantasiados para o Halloween, ele de Batman e ela de Flash. Eram boas memórias e ele ficou perdido em algumas delas antes de descer todos os degraus.

Deu uma olhada na sala de entrada, lembrando da vida que tinha há alguns anos atrás e como tanto havia mudado. Seus olhos percorreram todo o cômodo, mas pararam em algo estranho e destoante do resto. Uma gaveta aberta, o que era incomum já que a mãe dele não suportava coisas fora do lugar ou desarrumadas, que era o que aquilo representava. Andy foi até o móvel pronto para fechá-lo, mas a curiosidade o impediu quando percebeu muitas cartas guardadas ali e todas endereçadas para Giganta.

Um arrepio passou pelo corpo do rapaz, trazendo inseguranças que até ele mesmo havia esquecido que possuía. Anseios em relação a Doris e o que ela havia deixado para trás.

Ele pegou uma carta com receio, abrindo o envelope com cuidado. Havia um endereço, coordenadas para um encontro. Todas tinham endereços diferentes, todas escritas a mão. Todas aquelas cartas assinadas por Grodd.

— Andy? — A mãe dele o olhou ansiosamente e notou o que estava entre suas mãos, fazendo com que Doris levasse uma mão a altura do coração, aparentemente abalada.

— O que isso quer dizer? O que são todas essas cartas?! — O tom dele estava elevado, pois ele sempre temeu aquele dia, o dia em que sua mãe tivesse contato com o passado que havia abandonado junto com o medo que Andy possuía dela ir embora, deixando de ser a mãe que ele tanto amava. Ela continuou insegura, a boca aberta e tentando balbuciar alguma resposta, mas nenhum som sendo emitido. — Mãe! O que está acontecendo?

Ela encostou no sofá, mostrando o quanto estava perdida e sem saber como reagir.

— Você não deveria saber sobre isso…

— Como não?! Isso… essas cartas…

O jovem se aproximou da mãe com o papel ainda em mãos, porém sendo amassado lentamente à medida que ele cerrava o punho nervosamente.

— São do Grodd, ele vem mandando há semanas. — Ela finalmente desabafou em um sussurro rápido e que aparentemente trouxe alívio a ela quando a mesma soltou a respiração presa.

— Porque você não me disse nada?

Doris sorriu levemente, encarando ele  por alguns poucos segundo antes de levar a mão até o rosto do único filho que ela faria de tudo para proteger.

— Você é um herói novamente, tem uma equipe, missões e uma faculdade com que se preocupar. Meus problemas não deveriam interferir na sua vida. — Ele estava pronto para rebater quando Doris o calou com as próprias palavras, agora mais rígidas. — Ainda mais com os perigos que isso iria trazer, ele já te sequestrou quando você era tão pequeno, eu não suportaria ver você nas mãos dele mais uma vez.

— Mãe… — Ele tentou responder algo, mas as palavras pareciam escapar no momento que mais precisava delas.

E era verdade, Andrew ainda se lembrava do terror que sentiu quando havia sido raptado, mesmo que as memórias fossem deturpadas por conta da idade jovem dele na época. Entretanto, o medo e pavor do Gorila Grodd ainda permaneceram, mesmo após tantos anos e ele não sendo mais uma criança. Haviam certas coisas que não poderiam ser esquecidas, por mais que a pessoa se esforçasse para deixar o passado para trás.

Andy afastou as memórias e medos por um momento, focando no agora.

— O meu pai sabe disso?

Ela não respondeu e ele estranhou aquilo, notando que mais coisas estavam estranhas.

— Mãe!

Ela suspirou antes de tentar evitar ainda mais aquela conversa e finalmente contar tudo.

— Seu pai não está fora com a Liga, ele está tentando achar o Grodd desde que as cartas começaram a chegar.

Andrew era um rapaz calmo, mas aquilo fora a gota d'água para aquele momento de tensão.

— Vocês dois estavam escondendo isso de mim esse tempo todo?! — Não era uma pergunta, muito menos uma afirmação, mas pura indignação.

— Meu filho, se acalme, isso não vai nos levar a lugar algum!

Andy deu as costas a ela, indo até à gaveta e pegando todas as cartas.

— Realmente, não vai mesmo! — Ele estava irritado e com medo, uma combinação perigosa. — Mas não se preocupe mais, vocês podem ter-me deixado fora de tudo isso até agora, mas eu vou resolver essa situação de uma vez por todas.

❖

h a p p y   h a r b o r

— Pelo visto você também teve problemas familiares com que lidar depois de tudo o que aconteceu. — Kate respondeu após ele terminar de falar o que era necessário para que a melhor amiga dele ficasse a par de tudo o que estava acontecendo.

— O que você quer dizer?

Kat suspirou, mas ele não soube muito bem o porquê.

— Longa história, Andy. — Ela se virou para o computador onde ele encontrou ela assim que havia chegado na base da equipe. — Uma que eu não acho que você vai ter tempo para ouvir, ainda mais com tudo… isso. — Ela gesticulou com uma mão, antes de voltar a digitar rápido.

— Então, você pode me ajudar?

— Já estou tentando fazer isso. — A Wayne respondeu sem tirar os olhos da tela e ele se aproximou vendo que ela estava entrando em arquivos da Liga, arquivos sobre Grodd. — Ele estava sumido há um bom tempo, houve alguns relatos estranhos em locais distintos da África e alguma coisa sobre uma aparição relâmpago em Metropolis meses atrás. No fim, nada concreto…

— Eu trouxe todas as cartas comigo, servem para alguma coisa?

Ele entregou todos os envelopes para Kate que passou alguns minutos analisando papel após papel, até que algo pareceu mudar na feição da garota que fez com que ela começasse a digitar imediatamente. Levou mais minutos para que ela colocasse todos os dados, que pareciam ser coordenadas aos olhos de Andy e que no fim aparecem num mapa de Central City.

Andrew deu alguns passos para trás, tentando entender o que estava em sua frente, porém Kat foi mais rápida em explicar.

— Todas esses locais de encontro nas cartas formam um certo padrão, o que é comum entre nossos nem tão queridos vilões. O padrão do Grodd foi bem específico, porque todos os pontos de encontro foram ao redor da sua casa, quase que formando um círculo. — Kate apertou alguns botões que fizeram com que linhas fossem cruzadas e a imagem circular no mapa fosse mais nítida. — Então, com esse padrão eu posso adivinhar qual será o ponto de encontro que irá vir na próxima carta que deve ser enviada exatamente amanhã, se formos levar em conta o tempo de chegada de todas as cartas.

Andy deixou um leve riso escapar.

— Kat, você é realmente muito boa. — Ele apertou o ombro da amiga levemente e olhou para o mapa novamente. — Então, eu já tenho um lugar para ir?

— Na verdade, não um, mas três. — Antes que ele perguntasse ela acrescentou. — O padrão não é tão preciso assim, então eu não consigo uma localização exata, mas três que são as mais suscetíveis a serem escolhidas. — Ela apertou em mais alguns botões que mostraram onde eram os três locais.

— Eu vou precisar de ajuda, preciso estar em três lugares ao mesmo tempo, e indo lutar contra um super-vilão poderoso.

— O que você pretende exatamente? Ir lá e tentar vencer o Grodd numa luta? Não seria melhor falar com o seu pai ou ainda a sua mãe?

— Não! — Andrew respondeu de uma maneira que soou extremamente rude e que não era verdadeiramente ele. — Perdão, é que… eles mentiram sobre o que estava acontecendo por muito tempo e nem sequer tentaram me explicar a situação. Agora eu que não quero eles envolvidos nisso, muito menos a minha mãe, porque você sabe…

— Você ainda tem medo que ela volte para o lado errado.

Andrew concordou com um aceno baixo, olhando para o chão cinzento.

— Andy, mesmo assim, você não pode ir lá sozinho! — A Wayne aconselhou se levantando e ficando de frente ao velocista. — Isso tudo cheira a armadilha e está fácil demais para um vilão como o Grodd, além disso, ele vai estar preparado para lutar, pois o que ele realmente quer é que a sua mãe vá para esse ponto de encontro.

— Bom, eu estava contando com você e o resto da equipe.

Kate pareceu triste ao ouvir aquilo e sentou de frente a ele mais uma vez.

— As coisas não estão nos melhores termos.

— Como assim? O Nereus ainda não melhorou?

— Não é isso, a Jane também passou aqui mais cedo antes de ir para a casa dela. Ela estava quase chorando e inquieta, parece que o Nereus tinha uma noiva em atlântida que ninguém sabia sobre.

— O que?!

— Pois é, eu falei a mesma coisa. — Kate colocou um cabelo atrás da orelha antes de parecer diminuir novamente naquela cadeira. — Agora, se nós estamos surpresos, imagina a Sam. A Jane falou que ela está devastada e que os dois terminaram, agora o Nereus ainda está se recuperando e a Samantha não atendeu as minhas ligações, mas está no apartamento dela. Por conta disso tudo que a Jane estava tão para baixo, ela acha que a equipe vai se desfazer de novo.

— Isso não vai acontecer, certo? — Ele não queria passar pelos mesmos problemas de novo, ainda mais com o Grodd de volta.

— Bom, eu como líder tenho que resolver isso, mas não agora. O Zachary ainda está raptado, a Canário Negro e o Arqueiro Verde desaparecidos, o Damian ainda com a Liga das Sombras. Eu preciso continuar pesquisando e tentar ver se consigo alguma pista do paradeiro do Zachary, por isso não posso ir com você Andy.

Ele tinha colocado toda a situação com a mãe dele e o Grodd na frente de tudo desde que havia descoberto sobre aquelas cartas, por isso tinha quase se esquecido completamente dos outros problemas que rondavam a Young Justice. Problemas que ele tinha culpa, quando havia cedido e ido até à cidade naquela noite, fazendo com Zac fosse raptado e Nereus ferido.

— Algum progresso?

— Nada, por isso que eu preciso me esforçar ainda mais. — Ela deixou a cadeira e colocou uma mão no ombro dele. — E você precisa de ajuda para resolver os seus problemas.

— Continue lidando com a Liga das Sombras e não se preocupe, eu já sei com quem falar.