Heaven became darker escrita por Bruna


Capítulo 1
Heaven became darker




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/786059/chapter/1

O Céu se tornou mais escuro após Lúcifer ter sido banido. Ele era, afinal, "Aquele que traz a luz".

Azrael era pequena demais para entender tudo o que tinha acontecido na época da Rebelião. Era uma das criações mais jovens dos seus pais, ainda no processo de aprendizado. Ela mal voava. Por conta desses fatos, não era muito relevante entre os irmãos. Quem era ela, perto dos grandes Michael, Samael - nos velhos tempos aceitando o nome que Deus tinha determinado para ele -, Gabriel, Rafael e Amenadiel? Eram tantos que ela não passava de uma sombra, um eco.

Lúcifer, porém, sempre tinha sido diferente. Ele a tratava como se ela fosse tão boa quanto os outros. Nas horas das brincadeiras e voos, a minúscula Ray-Ray sempre acabava ficando para trás, mas ele estava lá para integrar ela com os outros. "Venha, fique ao meu lado". Nas competições aéreas, ele tinha o potencial de passar por todos os anjos, até ficar lado a lado com Michael, mas por vezes diminuía seu ritmo propositalmente só para ficar mais perto dela. 

Não era de se impressionar que ele se tornou seu irmão favorito, mesmo que às vezes ela não entendesse o porquê do anjo mais brilhante de todos, com as mais belas asas alvas, desse tanta atenção a ela. Ele parecia nem perceber, como se não fosse grande coisa. Mas para Azrael, aquela conexão fazia toda a diferença.

Mas tudo mudou com o advento da humanidade. Começaram em tão poucos, como um experimento mesmo. As únicas mudanças dos anjos para os humanos era a óbvia ausência de asas e divindade e é claro, o famigerado livre arbítrio.

A maioria dos anjos não fazia dos humanos nada maior do que Deus permitia. Eram um projeto distinto, completamente à parte, que não deveria sofrer nenhuma interferência a não ser que assim Deus desejasse. Os irmãos de Azrael, assim como ela própria, davam pouca atenção para qualquer aspecto da humanidade. Lúcifer, para variar, tinha que ser diferente.

Ele começou a questionar o que até então era inquestionável: as decisões de Deus. Ele não entendia o porquê das diferenças entre os humanos e os anjos, o porquê das mais novas criações terem livre arbítrio, o porquê dos anjos terem um propósito específico para demonstrar a sua servidão quando os humanos não o tinham e estavam muito bem. Se bem que... ninguém entendia essas coisas, para falar bem a verdade. Mas eram determinações de Deus, e isso respondia bem o suficiente. Simplesmente assim. Não se questiona.

Azrael não o julgava, mas também não podia dizer que era adepta de suas convicções. Ela mesma ainda não sabia qual era o seu propósito. Certamente não seria tão grandioso como o daquele que traz luz, mas seria algo em algum momento e não poderia ser tão ruim, certo? Como alguns outros anjos na mesma situação que a dela, Ray acreditava nos boatos de que esses propósitos seriam revelados depois que a tal da humanidade se desenvolvesse. Além disso tudo, era de Deus! O que poderia dar errado? Na época, era difícil se imaginar discordando de Deus em qualquer aspecto.

O que acontece depois com Lúcifer, é história. Grande queda e tudo mais.

Sem ele, nada era igual. 

Haviam os mesmos anjos no mesmo paraíso, mas a dinâmica entre eles não era mais a mesma. Pareciam todos uma versão fosca e desconexa do que deveriam ser. Isso, pelo menos, do ponto de vista de Azrael. 

O resto da família podia até ter mudado um pouco, como se poderia esperar, mas o que realmente fazia a diferença, o que realmente tornava o Céu mais escuro era a ausência de Lúcifer. Para ela, ele sempre seria O Portador da Luz. Aquela luz que ele trazia não era só a literal. Era todo o amor que ele poderia dar. Era Lúcifer que solidificava o vínculo dela com o resto daquela família, que mais tarde ela perceberia ser disfuncional além do imaginável.  

Ela sentia falta da interação que ele proporcionava, da certa cumplicidade que ambos compartilhavam. Mesmo em brincadeiras levianas, Azrael tinha a impressão de ter uma sensação de "eles contra o mundo", sendo que no caso o mundo eram os outros irmãos. Eles eram chatos e sem graça, pelo menos nas brincadeiras. Mais tarde, ela acabou percebendo que os irmãos realmente poderiam se virar contra eles. No caso, foi Lúcifer. Ver a família se desfazendo em guerra a abalou muito. Talvez eles nunca tivessem tido uma dinâmica exatamente boa, mas pelo menos antes todos fingiam que estava tudo bem. O amor foi morrendo e logo um irmão segurava uma espada rente ao pescoço de outro irmão como se fosse natural.

Mesmo mais tarde, ela continuava com a tal da sensação de "eles contra o mundo". Tanto Lúcifer quanto Azrael eram os que tinham os trabalhos mais complicados. Tinham muito mais contato com os humanos - ainda que fossem apenas com as almas deles - do que os anjos que passavam o tempo todo na Cidade de Prata. De certa forma, eles ainda eram uma equipe, certo? Time Almas Mórbidas e Torturadas? Muito divertido, sem dúvida... Só tinha um pequeno detalhe.

Lúcifer estava no Inferno - o que não devia ser exatamente agradável - e era um anjo caído. Eles não se viam desde a Queda. Ah, e Lúcifer provavelmente odiava e ressentia ela, assim como devia se sentir com todo o resto da família. 

Uma coisa que servia como distração do interminável drama familiar era focar no trabalho. Nem sempre funcionava, mas o que mais ela poderia fazer? Era a sua função, de qualquer forma, e como sempre tinha bastante trabalho a ser feito, não era difícil arranjar a próxima tarefa.

Como Anjo da Morte, ela podia ter um certo grau de proximidade com a humanidade, mas este ainda era muito limitado. Azrael passou por várias fases a respeito de seu trabalho. Por horas odiava a inevitabilidade dos falecimentos e a invisibilidade para todos que não fossem os recém mortos. Esses elementos a lembravam um pouco demais de casa: ela não foi capaz de fazer nada para evitar a expulsão de Lúcifer e na maior parte das vezes se sentia invisível entre os irmãos.

Com o tempo, ela foi se acostumando com pelo menos as mortes e enfim entendeu que estas eram uma parte necessária da humanidade. A efemeridade de seus indivíduos era intrínseca a ela e essencial para manter a harmonia e o equilíbrio. 

Era muito raro de acontecer de uma pessoa que ainda não estava na "data de validade" certa a visse, mas aconteceu uma vez ali e aqui na história. Enganos ou falhas no sistema, independentemente do que fossem, Azrael sempre os apreciava muito. Essas supostas anomalias eram a sua chance de tentar conhecer um pouco melhor os humanos e o seu estilo de vida além dos seus últimos momentos, que na maior parte dos casos eram rodeados por energias negativas e fatalistas. Ray-Ray estava sempre tendo que lembrar a si mesma que aquela morbidez e depressão era apenas uma sombra do que os humanos realmente eram em vida. Os de "olhos precoces", como ela às vezes chamava em sua cabeça os que a viam antes do tempo, eram o melhor material disponível para mentalizar os humanos longe da morte.

As poucas interações com esses simpáticos indivíduos faziam Ray-Ray se sentir realmente vista. Não só no sentido de que na maior parte do tempo ela era invisível para os outros humanos comuns. Vista de verdade, não como os seus irmãos só passavam o olho sobre ela e praticamente a ignoravam, lá no Céu. Vista como uma amiga, talvez? Uma pessoa de verdade, embora tecnicamente ela não fosse bem uma. Como... como Lúcifer fazia.

Às vezes, no trabalho, alguns humanos moribundos chegavam a fazer uma última pergunta para ela. "Você é o Diabo?", ou coisas do gênero, normalmente a acusando de ser uma criatura maligna que os arrastaria para o inferno. Azrael não podia deixar de se sentir um pouco ofendida pela hostilidade, afinal, só estava fazendo o trabalho dela! Essas situações ajudaram que ela notasse algumas das semelhanças que a sua vida tinha com a de Lúcifer, ainda que os dois estivessem tão irremediavelmente distantes. 

Ambos eram os únicos anjos - Ray-Ray nunca deixou de considerar Lúcifer um anjo, graça ou sem graça - que passavam a maior parte do tempo fora do Céu. Ray-Ray acabava voltando de tempos em tempos, enquanto Lúcifer nunca mais pode voltar depois de ter sido expulso. Ambos lidavam com um trabalho mais sujo, envolvendo as almas dos humanos que passaram pela Terra. Ela pelo menos tinha um contato mais heterogêneo, ele só pegava os piores. Ambos eram vilanizados de alguma forma pela humanidade. O Diabo e a Morte. Azrael não podia imaginar coisa mais injusta. Como podiam criar tantos estereótipos preconceituosos quando ninguém que teve algum verdadeiro contato significativo com eles voltou para contar a história? Esse tipo de comportamento só levava a mais imprecisões! Juntos, os dois anjos representavam tudo de ruim. 

Para o consolo de Azrael, não eram todas as pessoas que odiavam a morte. Muitos a viam apenas como inevitável e necessária e não guardavam rancor, para o alívio dela. Lúcifer, por outro lado, pegou a pior parte... De novo. Ele era o mal absoluto, a origem de todos os pecados e profanidades na Terra e nos Céus. Ray não conseguia imaginar o próprio irmão daquele jeito. Ele era um dos mais legais, gentis e amorosos anjos, se não o mais. Não era justo. Se ela pudesse pegar o fardo para impedir que ele sofresse, ela o faria. Se ela pudesse salvar aquele anjo caído de alguma maneira, ela o faria. Talvez até tenha chegado a responder positivamente as tais perguntas dos moribundos. Deixava eles acreditarem que ela era o Diabo, como se isso a fizesse mais próxima do próprio.

Desejava desesperadamente se aproximar dele, mas não tinha a coragem para fazer isso de uma maneira direta. Seria desafiar a suposta vontade de Deus, além de correr o risco de ser rejeitada - o que é uma enorme probabilidade, quase certeza... Pai, ela nem ao menos sabia como falaria com ele depois de tanto tempo e tantos acontecimentos... A sua hesitação secular - ok, milenar. De éons? - de contatá-lo só tinha feito tudo ainda mais complicado. Azrael se arrependia de não ter tomado uma decisão é atitude mais cedo. Tão pequena e insignificante, não teria feito diferença para impedir a Queda mesmo se soubesse como tentar. Não ter feito nada para tentar alcançá-lo depois também não era nada bom. Talvez ela nem merecesse ser perdoada.

Então, depois de tanto tempo, Lúcifer se instalou na Terra, como o verdadeiro rebelde que era. Isso abria um novo leque de possibilidades e a Anjo da Morte de repente não podia mais ficar dando desculpas para si mesma de que ir até o inferno para falar com ele seria complicado demais. Precisava tomar uma atitude logo, mesmo que ainda não fosse forte o suficiente para encará-lo por si mesma.

Em meio aos dilemas de solidão, uma possível solução genial entrou no contexto, como se a resposta perfeita tivesse caído do céu: a sua amiga humana, Ella Lopez. Só porque Azrael não tinha coragem de encarar Lúcifer, não significava que ele deveria ficar sozinho.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!