Bravado escrita por Camélia Bardon


Capítulo 25
Junho, 1914


Notas iniciais do capítulo

chegamos ao final, pessoinhas ♡ para "comemorar", reformulei as capinhas das histórias desse universo!
Boa leitura!



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Eu sei. Eu sei exatamente o que vocês pensaram ao ler o título. Mas fiquem tranquilos. Foram tempos difíceis e eu mesmo não gostaria de relembrá-los. Vamos tratar do antes. Portanto, antes do dia 28 de junho, eu e Adele comemorávamos nosso primeiro aniversário de casamento. As notícias corriam rápidas e os burburinhos de uma agitação chegavam aos ouvidos dos franceses como o cheiro de pão recém-saído do forno na padaria. Tudo estava uma correria absurda.

Thomas havia nos prometido buscar no porto de Calais, e o navio já estava atrasado uma boa meia hora. Dava para imaginar sua pose de doutor derretendo debaixo do sol do porto francês. Já estava a quase um ano inteiro no país e o sol ainda lhe era um grande motivo para reclamações em suas correspondências. Ao menos, era isso o que eu pensava. Quando finalmente desembarcamos, Thomas e Alice nos recepcionaram com sorrisos enormes e com abraços ignorantes ao suor.

— Como é bom ver vocês — Alice abriu um sorriso tímido, diferente da recepção de troglodita do meu irmão. Como uma francesa legítima, cumprimentou-nos com dois beijinhos na bochecha. — Ficamos preocupados... Bem, Thomas ficou.

— Ficou, é? — ergui uma sobrancelha, não resistindo à zombaria gratuita. — Engraçado, quem enjoa nas viagens é ele e ficou preocupado com esse cão velho aqui...

A maioridade tinha mesmo seus benefícios. Como por exemplo, se autodenominar de cão velho e levar créditos por isso.

Thomas gargalhou, bagunçando meus cabelos aproveitando que eles eram lisos e não serviria de nada sua bagunça. Graças ao bom Deus, nossa relação havia voltado a ser o que era até toda a problemática Botânica-Medicina.

— Como está sendo o casamento com um cão velho, Deli? — ele sustentou a brincadeira, voltando-se para a cunhada. — Entediante, eu suponho?

— Deixarei a encargo de vossas imaginações, meu querido Tom — ela aceitou seu beijo na testa com pouquíssima reverência. — Ah, Alice, como você permite que ele seja assim?

Alice riu suavemente, indo “apartá-los” com um afago no ombro. Com um pouquinho de atenção, aquele veneno em pessoa havia se tornado uma criaturinha doce e prestativa. Era mesmo de cair o queixo.

— Este é ele comigo em seu encalço, Deli. Vamos indo, temos água e petiscos no carro.

— Então vocês arranjaram mesmo um carro! — Adele juntou-se à amiga improvável, enlaçando os braços. — Da última vez que nos falamos era só um palpite!

— Digamos que eu convenci meus pais de que uma farmacêutica e um médico precisavam ter uma aparência de respeito. E talvez eu tenha insinuado que iremos nos casar muito em breve, então...

Adele gargalhou, dando início à temporada de ofensas amigáveis aos homens. E nós, os idiotas, ficamos levando as malas e apenas escutando. Há quem dissesse que gostávamos de ser ofendidos, desde que fosse por elas.

E que isso não passe daqui, porque temos reputações a zelar.

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Foi o tempo também de fingir surpresa com a mesa posta na sala de jantar dos Bretonne. Através das cartas, eu havia conseguido arrancar de Gabrielle que o tio Émille e a tia Sienna haviam planejado uma surpresa para a filha e o genro – também conhecido como “sobrinho que lhe roubou a filha” – e que havia ainda outra surpresa sobreposta a essa. Minha carreira como detetive amador havia se mostrado completamente desastrosa, mas ainda assim eu tinha o direito de especular algumas coisas.

Os comentários de Alice e Thomas indicavam que eles ainda não tinham colocado um nome no tipo de relação que compartilhavam, então descartei a hipótese de eles repentinamente anunciarem uma mudança no status quo.

Eu cogitei a ideia de que Evan e Gabrielle pudessem ter enfim se tocado de que se atraíam um pelo outro, apesar de que os dois seriam a mais pura definição de “gato e rato”. Seria maravilhoso se Elle conseguisse colocar estribeiras no cavalo que eu insistia em chamar de irmão, mas eu e Adele reconhecemos que talvez fosse demorar um pouco mais do que gostaríamos.

Então, fora a “surpresa” da mesa posta em pleno aniversário de casamento, eu não tinha ideia do que poderia esperar. A única coisa que me consolava era que todas as reuniões de família eram um pouco assim. Porém, do que podíamos ter certeza era que seria uma recepção das mais calorosas.

Meus pais, que já estavam lá há uma semana, nos abraçaram como se não nos vissem há dez anos. Eu e Thomas rimos, nos lembrando de quando eles faziam isso quando éramos crianças. Mamãe tinha os braços fortes, então era mais esmagador do que o de costume. Adele e Alice não ficaram de fora.

— Cada vez que eu vejo as duas eu me sinto um pouco mais velha — mamãe se lamentou de brincadeira, beijando-as na testa. — Que Deus as abençoe, minhas filhas. Como foi a viagem?

 — Deveras agitada — Adele sorriu, indo abraçar a irmã. — Há muitos navios de suprimentos indo para lá e para cá. Nossos pobres navios passageiros ficaram ali, esperando a vez.

— Nada novo sob o sol — Gabrielle riu com maldade, inclinando a irmã mais nova no colo para cumprimentá-la em conjunto. — Olha só quem chegou, Gigi! Dis bonjour!

Gigi abriu um sorriso parcialmente desdentado. Eu não consegui não morrer de amores.

Bonjour, Deli... Bonjour, Ander...

— Ela não vai conseguir aprender a dizer Alexander tão cedo — Gabrielle gargalhou, fazendo com que Gigi fizesse o mesmo. — Vai lá com a mamán.

Gigi saiu correndo para os braços da mãe, com os cachinhos castanhos flutuando pelo ar. Tia Sienna pegou-a no colo com todo o carinho do mundo após nos cumprimentar com charme e afetuosidade.

— Gostaram da mesa? Foi ideia de Émille, mas não o deixem descobrir que fui eu quem contou. Seu irmão foi buscá-lo, Alex, porque parece que agora eles moram na adega. Jamais vi garoto para apreciar champagne feito Evan. Seu tio está aprendendo a tocar piano, sabe?

Assenti com a cabeça, bastante interessado. Tio Émille sempre tinha gostado de me ouvir tocar piano, e fiquei feliz de exercer alguma influência em seu hobbie tardio.

— Olhe só, aí estão eles — tia Sienna sorriu ao ver o esposo caminhando até ela. Era bonito ver que o amor entre os dois não havia diminuído em nada durante todos os anos. — Os passarinhos voltaram para o ninho, querido.

Mais cumprimentos trocados e, por fim, tio Émille ficou satisfeito em saber que tínhamos aprovado a mesa de doces e a tentativa de piano. Com um sorriso complacente, tia Sienna vetou a oferta dele de tocar a primeira Gymnopédie porque “estamos comemorando um aniversário de casamento, meu bem, vamos brincar com as crianças depois”. Vi minha mãe segurando a risada em seu canto, mas eu mesmo gargalhei de nervoso com a piada.

— O senhor pode tocar depois, muito obrigado — acrescentei em voz baixa para ele. — E eu o ensino a tocar a terceira Gymnopédie quando conveniente. Ela é a segunda mais fácil.

— Ah, alguém se importa com este cão velho ainda...

Todos são cães velhos nesta família.

Assim que nos sentamos, tia Sienna serviu todos junto com minha mãe e, mesmo atrasados, chegaram tio Thierry e tia Lilian sem a companhia de Laurent. Até mesmo Deli, que não simpatizava com esse lado da família, mostrou-se felicíssima por ter a família reunida por completo.

O dia estava muito estranho.

— Antes de nós começarmos os brindes, brigas, indiretas... — mamãe começou, rindo após a própria fala. — Eu gostaria de propor um brinde...

Meu pai ergueu uma sobrancelha, pronto para fazer piada com minha mãe falando publicamente. Não que ela fosse tímida, mas geralmente esse papel era atribuído à tia Sienna. Minha mãe funcionava melhor com os discursos fraternos e abraços calorosos.

— Cuidado. Vai chover!

— Fique quieto antes que eu lhe tire o brandy, sim? Eu preparei palavra por palavra há semanas.

— Escute a senhora, amigo — tio Thierry afagou o ombro do meu pai, rindo disfarçadamente. — Ela sabe do que diz.

Minha mãe gargalhou, apenas para recompor-se no segundo seguinte. Parecia prestes a dar uma bronca nos dois, mas desistiu no meio do caminho. Acredito que a maternidade tenha seus cacoetes necessários.

— Os últimos dois anos foram... Tão diferentes de tudo que temos vivido e tão empolgantes que, honestamente, para uma mulher da minha idade isso é um pouco difícil de acompanhar.

A fala foi seguida de risadas baixas, absortas no poder de fala da matriarca das três famílias. O que podíamos fazer?

— E, apesar disso, acredito que falo por todos nós que era algo necessário. Eu, como mãe, e Sienna e Lilian... É muito especial que estejamos vendo nossos filhos, que ajudamos a crescer e observamos construir seus próprios caráteres e motivações, estejam seguindo seus próprios caminhos.

Tia Sienna, como boa espectadora sensível, choramingou. Seu esposo passou o braço ao redor dos seus ombros, confortando-a. Então, minha mãe voltou-se para nós, seus filhos, sobrinhos e agregados.

— Cada um de vocês me dá tanto orgulho... Sei que não sabem muito do que vi e vivi em minha juventude, e é um pouco inevitável que nós desejemos que os filhos vivessem melhores do que nós... Mas eu não poderia ter uma melhor realização do que apenas me deleitar com suas escolhas, com seus erros e acertos... É difícil, mas é prazeroso.

Minha mãe riu de nervoso, trocando o peso dos pés.

— Ah, eu estou sendo inverossímil. Perdoem-me. O que estou querendo dizer é... Continuem vivendo. E continuem sendo quem vocês são. Vocês cresceram em meio a amor e apoio e, apesar de eu reconhecer que fizemos o melhor que pudemos... Não fomos pais perfeitos. Nem tios perfeitos. Mas isso não os impediu de seguirem seus sonhos — ela sorriu, sem-graça. — E eu acredito que seja isso que importe, no final do dia. Vocês nunca nos tiveram como modelo de perfeição, por isso não esbanjaram perfeição ao longo de suas vidas. Em resumo... Continuem sendo imperfeitos, mas imperfeitos em amor e respeito.

O silêncio pairou no ar por alguns instantes, para ser completado pelo final da breve homenagem.

— Um brinde ao amor e às relações imperfeitas, e que elas nos conduzam pelos próximos anos, até que não reste mais nada.

E nós, mesmo sem ter nenhuma taça em mãos – com exceção de tio Émille e Evan que já haviam grudados suas mãos a ela –, brindamos.

— É um prazer fazer parte dessa família — Adele comentou com doçura. — A vida seria menos divertida sem vocês...

— Ela só diz isso porque se casou com Alex, do contrário... — Elena provocou num tom bem-humorado. — Teria de nos aturar ano após ano a troco de nada.

— Não diga sandices, Lena. Você é a minha favorita.

Maélie pareceu particularmente chateada de brincadeira, mas Adele inclinou-se para ela com um sorriso brincalhão.

— Depois de você, Mae.

— Ufa! Já achei que você ia me trocar...

Sorri sozinho, contente em voltar a ficar quieto. Apesar de eu já não sentir mais dificuldades em me pronunciar, em alguns momentos o silêncio confortável era bem-vindo. E pensar que, há dois anos eu só abriria a boca por obrigação...

— Bom, aproveitando que já estamos todos aqui e que já estamos todos falando... — tia Sienna levantou, quebrando toda a atmosfera de amor e pacificidade contrária ao verão que nos acometia. Pelo menos, teve o efeito desejado e todos nós olhamos para ela. — Eu também gostaria de falar uma coisa.

Ajeitando o vestido e os cabelos, ela abriu um sorriso diplomata.

— Foi mesmo um ano agitado. Todos nós amamos Gigi, mas os seus gritos durante a noite foram a tormenta da maternidade deste século. Eu tinha me esquecido de que ser mãe era tão difícil. Porém, serviu para algo. Não estou falando de netos, Deli querida, não se aprume aí no sofá.

Escutei a gargalhada nervosa dela ao meu lado. Eu mesmo não sei como é que não fiz isso. Um ponto para a minha compostura.

— Foi bom relembrar como ser uma mãe, porque... Além de Gigi, eu gostaria de aproveitar esta data para dizer que... Teremos mais um membro na família.

Todos nós nos entreolhamos.

— Estou grávida, novamente!

Tio Émille, ao meu lado, engasgou-se com o champanhe.

Agora ninguém poderia dizer que não saberia como ele reagiria, não é mesmo?

Bienvenue, déjà-vu.


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Notas finais do capítulo

Pois é, pessoal, chegamos ao final da jornada do menino Alex com mais essa bomba agora hahahaha quis fazer referência ao começo, o que vocês acharam? Pelo menos o pai tava presente no anúncio da família xD
Vamos para um momentinho desabafo: pra quem acompanha a história desde a primeira fic, que postei em 2018 (me sinto uma idosa agora, sério) sabe que eu tenho um carinho enorme por esses personagens e por esse universo. "Adele" foi a primeira fic mais séria e relativamente longa que eu consegui escrever e, por mais que fins sejam tristes, nesse caso foi um motivo de alegria pra mim por 1) eu ter parado de escrever por alguns anos justamente por achar que eu não escrevia bem (não sendo modesta e dizendo que agora eu sou um gênio da escrita, porque tô beeeeeem longe disso) e 2) eu geralmente não postava um projeto com medo de não conseguir terminar. Finalizar 2021, que foi um ano tenso, com uma história que me trás tantas lembranças boas, é bem reconfortante ♡ hoje eu já consigo não me levar tanto a sério, reconhecer que eu não preciso ser perfeita para as pessoas gostarem do que eu tenho a dizer (olha só você aqui depois de 25 capítulos! Ou pra quem acompanha desde Adele, há 4 anos!) e o melhor de tudo: eu encontrei leitores e autores amigos durante esses anos. E pra vocês vai o meu muito obrigada por me fazerem companhia. Vocês são demais.
Estou pensando em fazer das drabbles 2022 um "spin-off" do Evan e da Elle, vocês topariam? Mas aí acaba de vez esse universo, hein? xD
Um beijão enorme no coração de vocês, e (talvez) até ano que vem!

EDIT: eu postei o spin-off!
https://fanfiction.com.br/historia/807633/Fearless/