Bravado escrita por Camélia Bardon


Capítulo 10
Acordos derradeiros




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― Tens de prometer-me algo, Alex.

Adele sussurrou contra meu peito, provocando um arrepio sutil em minha espinha que jamais poderia negar para a posterioridade. Tratei de controlar a respiração e a vermelhidão em meu rosto; do contrário, apesar de estar aninhada em braços confortáveis (os meus braços confortáveis!) eu poderia colocar tudo a perder tremendo como um cordeiro indo para o abate. Contra todas as recomendações de Elena, num momento desses era crucial ficar quieto e apenas ouvir o que a outra pessoa tinha a dizer. Não que nos outros não fosse crucial ficar quieto e ouvir, é claro. Portanto, apenas adequei meu corpo para que pudesse olhá-la enquanto lhe ofertava uma meia-pergunta:

― Sim? Do que precisas?

― Tens de prometer que irá me escrever sempre que possível. A cada vez que lhe enviar uma carta, responder-me-á no mesmo instante. Não estou interessada em saber se está em meio a estudos ou a sair com uma inglesa que cursa datilografia ou contabilidade ou qualquer outro… ou metido com o nariz em algum livro. Quero que me escreva sempre. E que jamais mencione o nome de Thomas em meio às cartas. Estou decidida a odiá-lo de agora em diante.

Dessa vez, não consegui segurar a palpitação de emoção. Como ela estava apoiada bem em cima de onde meus batimentos podiam ser detectados, o que podia fazer era me empertigar e manter ao menos um pouco de dignidade. 

Eu não precisava dizer nada sobre como Thomas havia falado comigo no dia anterior, ou o que Alice tinha feito nesse meio tempo. Nunca gostei de desonestidade, mas nesse caso não ganharia nada apenas a aborrecendo com detalhes que não faziam diferença.

Tinha algo melhor acontecendo. E era isso que importava.

Adele jamais me escreveu, em todos os anos em que nos conhecemos. Quando queria dizer algo, o fazia através das cartas de Gabrielle. E era sempre algo genérico e educado, nada muito íntimo. Agora, após os três meses que passamos juntos, revirando os assuntos de outra pessoa, foi inevitável não criar um vínculo. Nem que a ponte entre eu ela tenha sido Thomas, afinal de contas.

Recordando-me de que tinha de respondê-la, limpei a garganta de maneira disfarçada e, antes que possa fazê-lo, Adele se deu conta do que acabara de dizer e procurou se corrigir na mensagem que queria dizer:

― Não literalmente, é claro. Não pode parar de estudar apenas para algo trivial como responder as minhas tagarelices. Não leve meu pedido ao pé da letra, por favor… de resto, é… por favor, escreva-me com frequência. Essa casa ficará entediante sem vossa presença para fazer-me companhia, ainda que predominantemente silenciosa.

Assenti com a cabeça, sorrindo sozinho com os termos dela. 

― Vossas tagarelices não são triviais à mim, Adele. Prometo escrevê-la assim que possível. Quando impossível, dobrarei minhas probabilidades para adequarem-se às suas. 

Eu teria me contentado com apenas um “obrigada”, no entanto me peguei sorrindo junto ao enorme sorriso que Adele me ofertou em agradecimento. Tomando minhas mãos junto às suas – e até hoje não sei como não me derreti com tamanha demonstração de afeto espontânea –, Adele depositou ali um beijo delicado. Escutei meu pai chamar-me corredor afora nos apressando para partir uma vez mais, e eu não me recordo de ter me sentido tão abatido e decepcionado com o timing de todo aquele sentimentalismo.

― Vejo o senhor nas cartas ― Adele se soltou de minhas mãos e, antes que eu fizesse algo antecipado ou de que fosse me arrepender depois, igualmente assenti com a cabeça. ― Façam uma boa viagem. 

Com os ânimos renovados, já não me senti mais tão entristecido pois, apesar de estar partindo, um futuro promissor me aguardava. Independente de qual lado do Canal da Mancha ele fosse estar.

┗━━━━━━༻❁༺━━━━━━┛

Após um tempo considerável transitando de trem da Gare du Nord até Calais, e de Calais até o porto de Dover pelo Estreito, e (finalmente!) de Dover até Londres pela imensa 20ª estrada do Reino Unido, todos os Banks estavam de volta a Bloomsbury – de onde, na humilde opinião de papai, “jamais deveríamos ter arriscado sair, pois barcos são um pesadelo tenebroso!”.

Permaneci quieto, como de praxe, e naquele dia foi particularmente conveniente que fosse assim. Todos tinham coisas a comentar de interessante para as cartas que esperavam para ser respondidas em Bloombsbury, menos eu. Portanto, quando parti direto para o quarto apenas com meus pensamentos como companhia, ninguém se opôs.

Fiz exatamente como Adele havia pedido. Sentei-me na mesinha de estudos do quarto e procurei algum papel de carta útil, bem como pena e tinta. As cartas, tinha decidido, seriam meu segredo mais precioso. Endereçadas à Cambridge, ninguém precisaria que eu estava me correspondendo. Afinal, não era nada demais… nada além de cartas entre amigos, certo? Redigir uma carta não poderia ser tão difícil, poderia?

“Cara Adele”, comecei a escrever, porém ao reparar que “cara” soaria muito indiferente, tentei consertar meu erro.

 

“ ̶C̶a̶r̶a̶ Adele, querida,

Como prometido (e atendendo ao ditado de que promessas são dívidas), estou escrevendo o mais breve possível. Acabamos de chegar em Londres, e o  ̶c̶h̶e̶i̶r̶o̶ ̶d̶e̶ ̶p̶e̶i̶x̶e̶ clima pouco agradável continua o mesmo. Apesar de termos apenas um pedaço e meio de água a nos separar, o verão aqui é deprimente como de praxe. Sei que não devo reclamar de barriga cheia, no entanto… após Paris, Londres é só muros e fábricas. Se há algum verde lá fora sem ser nos territórios reais, ainda assim considero-os muito inferiores.

O que estou tentando dizer, acima das rasuras quase imperdoáveis acima (queira perdoar-me, não encontrei outros papéis além deste por não ter o costume de trocar cartas) e da letra minúscula, é que… 

Sinto falta de estar aí, por inúmeros motivos que não convém detalhar agora. 

Passar-lhe-ei o endereço de meu dormitório em Cambridge pois, apesar de retornar para casa com frequência, sei que as chances de terem bisbilhoteiros em nossas cartas é bem menor. Junto a ela, deixo a recomendação que me escreva apenas de volta apenas no início do ano letivo. Que já está próximo de se iniciar, então, por favor, queira também desconsiderar… todo o resto.

Desculpe. Prometo melhorar.

Dê me notícias. De preferência, sem a fúria homicida de costume.

De Bloomsbury, com carinho, Alexander Remy Banks”

 

A tentativa me pareceu aceitável; daí, então, apesar dos erros grotescos e de não saber me comunicar nem por meio  de cartas, onde tenho tempo para pensar no que irei escrever, envelopei-a junto ao papel anexo do endereço de Cambridge.

Estava na hora de ter um pouco mais de controle sobre minha vida.

┗━━━━━━༻❁༺━━━━━━┛

Cambridge certamente pareceria menor e menos assustadora, não fosse o fato de que precisaria descobrir os corredores ao lado de Thomas. Ainda que ele já abandonara a postura de macho alfa em Paris e falava o mínimo comigo, era normal que não fosse nem um pouco estimulante voltar das férias e, ao invés de cumprimentar os amigos, ser obrigado a bancar a babá do calouro. Por isso, a cada vez que ele parava para dar oi para alguém, eu tentava não parecer um gatinho assustado.

Mas eu e vosmecê sabemos que eu era um baita de um gato apavorado, não? Duvido que não tenha ficado óbvio o suor frio escorrendo pelo rosto ou pelas mãos que fui obrigado a apertar. Isso somado ao fato de que era apresentado como “meu irmão, que cursa Psicologia” não tenha melhorado minha reputação aos olhos de quem pensava que o que pretendia estudar sequer era uma ciência. Tanto que não haviam apenas 15 alunos em meu curso à toa.

Quem disse que eu estava ali por uma reputação, não é…?

Pelo resto do dia, tentei decorar onde ficava cada sala necessária em meio ao campus gigantesco. Thomas me “permitiu” ficar um tanto mais livre – e com isso quero dizer “me largou por aí para eu me virar sozinho” –, portanto deixei meus pertences em nosso dormitório e me deixei guiar pelo o que eu conhecia de visitas anteriores: a biblioteca.

Antes que me considere como um rato que fica migrando de polo vazio para polo quieto com mais frequência do que o necessário, venho lhe informar que este sempre foi um problema meu, segundo minha mãe. Bem, quando se é alguém de uma família como a minha, querendo ou não tentar passar despercebido é um jeito de chamar a atenção para si de qualquer maneira. Não intencionalmente, é claro. Então, mesmo depois de ser um “homem feito”, era difícil abandonar os velhos hábitos.

Como? Veja só, em minha primeira tentativa de ser sociável em Cambridge, eu escolhi o tipo de pessoa que não me deixaria desconfortável para ter uma conversa: funcionários da biblioteca. Não era perfeito? 

Seria, se ela não estivesse vazia até demais. Nenhuma alma viva. É claro, com excessão do atendente.

Com cuidado, sorri diante do balcão e pigarreei com a educação que eu tinha por algum motivo. O atendente, que surpreendentemente me lembrava de Matthieu, ergueu a cabeça das anotações que fazia, permeado de uma expressão paciente. Agora era minha hora.

― B-boa tarde, senhor. Eu… vim… hum, fazer um… cartão? 

Olhe só, e eu nem gaguejei tanto!

― Antes do início do semestre? Ora essa, o senhor deve ser dos que vem por aqui por prazer ― seu comentário fez com que eu relaxasse os ombros, mais tranquilo. Era bem melhor conversar quando alguém quando o terreno era seguro de julgamentos prévios. ― Claro, só precisarei de suas informações curriculares para colocar no fichamento. 

― Obrigado ― procurei dentro da bolsa, apesar de já saber as informações de cabeça. Era uma garantia de que eu não iria cometer nenhuma gafe. ― Aqui… 

O funcionário me olhou com curiosidade, transferindo as informações da ficha para o cartão. Sua caligrafia era algo a se admirar – seria algum profissional da arte? Por que profissionais da arte estariam trabalhando na biblioteca? Poderia ser apenas um estágio, não é? 

― Com a cabeça no mundo da lua, garoto? ― o homem riu baixo, deixando o cartão de lado para que a tinta secasse. ― Ansioso para o início do semestre?

― Sim… e sim ― retribuí o riso, ainda que me lembro de tê-lo feito de maneira bem menos descontraída. 

― Ansioso do jeito bom ou ruim? 

― Eu… ambos…?

― Dá para ver, se veio se aninhar com essa velharia toda ― uma vez mais, o homem ergueu uma sobrancelha. ― Não tem nenhum veterano que lhe introduza às coisas? Veteranos em Cambridge são como abutres, esperando o primeiro calouro desprevenido para que façam as coisas para eles. 

Pensei em Thomas, que supostamente deveria ser esse veterano. Me largando no meio do caminho. Temendo ser humilhação demais para um calouro, apenas neguei com a cabeça e esperei que ele me devolvesse minha ficha e o cartão. 

― Não? Então imagino que precise de um que presta, não é?

Olhei ao redor, procurando qualquer pessoa que fosse. Jamais me passou pela cabeça que ele estaria falando de si mesmo, porquanto que não observei qualquer nuance de personalidade que indicasse qualquer tipo de altruísmo ou autoestima exacerbada. Pelo visto, errei feio em meu palpite quando o homem começou a gargalhar com gosto.

― Estou falando de mim, calouro! Fico aqui nos horários que não tenho aulas matinais. Não precisa se intimidar, está conhecendo um dos que não estão interessados em carniça ― em seguida, ele estende uma mão para mim, com um sorriso simpático. ― Me chamo Hugo, mas todos por aqui preferem Hugh ao invés. E o senhor é Alexander? 

― Alex ― corrigi de maneira bem-humorada, aproveitando da ocasião. 

― Perfeito. Então, estamos de acordo? 

Imaginei que não tinha muita opção a não ser concordar com os termos. Hugh me resguardava da humilhação de ser um calouro solitário e, em troca, encontraria uma companhia… quieta? Ou apenas tinha se afeiçoado a mim?

Agora que os anos passavam e, enquanto a roda da vida girava, percebia cada dia mais que não era tão ruim “amável” ser uma característica predominante… chegava até a ser útil!


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Notas finais do capítulo

Com esse capítulo, concluímos a primeira "fase" da história ♥
Temos um início de dois pombinhos e o início de uma bela amizade hihihi que cês acham que dá disso tudo?
Até o próximo!



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