(Re) Nascer escrita por EsterNW


Capítulo 7
O bailar da brisa


Notas iniciais do capítulo

Música do capítulo: Valsa do Vento de Victor & Léo. Tambem é a segunda música que vai aparecer no capítulo.
Boa leitura ;)



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Lysandre estacionou a caminhonete em frente à porteira da fazenda das Guimarães, entrando a pé pelo caminho às escuras. As luzes ao longe o guiavam para a casinha ao centro da propriedade. Apenas os grilos faziam coro para seu caminhar naquela noite silenciosa.

Ao passar pela varanda, parou, batendo na porta. Enquanto arrumava as mangas da camisa social — mesmo que não precisasse fazer isso mais uma vez —, a porta foi aberta e o fazendeiro envolto de surpresa em um abraço quentinho de dona Gleice.

— Que bom te ver de novo, menino — ela disse enquanto apertava-o. Lysandre retribuiu.

— Prometo que farei uma visita logo, dona Gleice — comprometeu-se com uma promessa e a senhora desfez o abraço.

— Você disse a mesma coisa quando eu te vi meses atrás, menino. — Ela deixou que o rapaz entrasse, fechando a porta. — Mais fácil eu te visitar na sua fazenda com a Clarice. Fica aqui que eu vou chamar ela — a mulher orientou e convidou Lysandre para sentar-se no sofá. — Fica à vontade. — E sumiu pelo corredor.

Lysandre deixou-se aproveitar o aconchego de dentro da casa da família. Além de ser quentinho — diferente do frio do lado de fora —, um cheiro de comida sendo preparada adocicava o ar. Se observasse o silêncio, seria capaz de ouvir uma panela borbulhando não muito distante. Provavelmente Marina preparava o jantar.

Olhou para frente, vendo a TV desligada sobre a estante, delicadamente decorada com bibelôs e alguns porta-retratos. Se a pintura do lado de fora estava descascando, o lado de dentro mostrava outro cenário, com o papel de parede de arabescos.

— Ela já vem — dona Gleice anunciou, retornando para a sala. A senhora retirou um bordado e a agulha de crochê de cima da cadeira, sentando-se nela. — Ainda não acredito como você cresceu, menino! — comentou, analisando Lysandre de cima a baixo. — Quando você foi embora da fazenda pra morar com o seu irmão, tinha a altura da Clarice. Sua mãe costumava dizer que você tava espichando demais — relembrou rindo e Lysandre sorriu, abaixando um pouco a cabeça, deixando com que alguns fios de cabelo caíssem sobre os olhos.

Logo teria que cortar de novo, não podendo se dar o luxo do penteado dos tempos que morava na cidade.

— Acho que a gente não deve chegar muito tarde, vó. — A voz de Clarice foi se aproximando pelo corredor. — No máximo umas onze horas a gente já voltou.

A veterinária parou no arco de entrada da sala de estar e os olhos de Lysandre logo tornaram-se para ela. Clarice deixou de lado as habituais calças jeans, optando por uma saia preta rodada, com a barra delicadamente adornada por uma renda florida. Devido à temperatura, colocou uma meia calça da mesma cor. No lugar da regata nadador e da jaqueta, trajava uma blusa de cor creme, com detalhes de laços nas mangas ¾. Optou por deixar os cabelos soltos pela primeira vez desde que Lysandre a vira novamente semanas atrás. A maquiagem era fraca, dando destaque a um batom rosa. 

— Vamos? — incentivou com animação para o fazendeiro, que se levantou um pouco atrapalhado, saído de seu transe momentâneo.

— Vê se leva uma blusa, vai esfriar — a avó advertiu por último, mas a neta preferiu não seguir.

A dupla despediu-se da senhora e logo estavam andando lado a lado pelo caminho na penumbra, deixando para trás a casa aconchegante e iluminada, com dona Gleice acenando na porta.

— Está estonteante essa noite — Lysandre elogiou, iniciando um diálogo.

Clarice sentiu-se grata pelo escuro, pois teve certeza que sentiu as bochechas esquentarem.

— Obrigada — agradeceu e fez questão de emendar uma frase em seguida. — E você não ficou muito atrás também — brincou, fazendo Lysandre sorrir um pouco sem jeito. 

Ele também sentiu-se grato pelo escuro. Dada a ocasião fora dos padrões, permitiu-se usar parte das vestes que tanto amava quando morava na cidade. A calça e camisa social, sobreposta por um colete da mesma cor negra da calça, facilmente poderiam ser confundidas por um visual formal demais. O casaco fazia falta, mas optou por algo mais leve para aquela noite. Poderia descansar das calças jeans e camisetas puídas ou xadrez por uma noite.

— O céu tá tão nublado hoje, não tem nenhuma estrela — Clarice comentou, olhando para cima. Nem a lua iluminava o chão daquela vez.

Lysandre abriu a porteira e deixou que a moça passasse, fechando-a em seguida.

— Talvez chova essa noite — afirmou, tendo ouvido a previsão do tempo junto de Chico no radinho de pilha durante a hora do café.

— Espero que de madrugada, então. Senão vai estragar nossa quermesse — reclamou e cada um entrou em seu lado da caminhonete.

Lysandre girou a chave na ignição, fazendo com que o motor roncasse e o veículo funcionasse.

— Eu senti tanta falta disso! Na cidade até faziam algumas festas juninas, mas nunca era igual à daqui, sabe? — Clarice iniciou um diálogo, não deixando o silêncio reinar daquela vez. Os períodos de silêncio estavam sendo cada vez menores entre os dois.

Lysandre sorriu quando viu que a conversa fluía com facilidade, passando o trajeto inteiro dialogando com a amiga, passando por tópicos sobre festas juninas da cidade e sua antiga escola de ensino médio, finalizando sobre a faculdade que Clarice cursou. Quando ela comentava sobre as festas que não gostava de ir, uma música tornou-se audível, aumentando cada vez mais conforme Lysandre se aproximava da praça matriz. Sem encontrar uma vaga ao redor dela, foi obrigado a estacionar na rua de trás.

— Tá sentindo esse cheiro? — Clarice comentou quando os dois viraram a esquina, finalmente visualizando a praça. — Pastel frito na hora!

— Posso comprar algumas fichas… — Lysandre logo se ofereceu, bem ciente de como funcionavam as coisas na festa.

Para fazer qualquer coisa em uma das barracas, primeiro precisava-se comprar fichas.

— Eu vou junto. Não vou te deixar enfrentar essa fila sozinho — a veterinária pontuou assim que enxergaram o tanto de pessoas próximas à igreja, local onde vendiam-se as fichas.

Durante a espera, o fazendeiro aproveitou para observar o cenário festivo que não pousava os olhos havia anos: as barraquinhas de comidas enfileiradas como um corredor em frente à igreja; algumas pessoas sentadas nos bancos da praça logo atrás, debaixo das árvores marcadas pelo outono, namorados parcialmente ocultos pelas sombras das árvores ou outros aproveitando as comidas típicas da festa; crianças correndo e se divertindo pra lá e pra cá ou nas barracas de brincadeiras; e a estrutura do palco montada ao centro da praça, onde uma dupla sertaneja se apresentava com banda, tocando covers, e o espaço livre logo abaixo, com alguns aproveitando para dançar. Em alguns anos aquele espaço era utilizado para a quadrilha, mas suspeitava que aquele ano não seria um desses. 

Após alguns minutos de fila, que Clarice enfrentou com certa impaciência, porém aproveitando para conversar com a professora da única escola da cidade, que encontraram na fila atrás deles, finalmente conseguiram as fichas. Por via das dúvidas, levaram várias.

Querendo deixar as barracas de brincadeiras para outra hora — afinal, as crianças lotavam aquele lugar —, Lysandre e Clarice optaram por irem logo para as comidas. A moça escolheu uma das maiores maçã-do-amor de dona Quitéria, enquanto Lysandre se contentou com um simples pastel de queijo.

— Hum, como eu senti falta disso — Clarice suspirou quando mordeu sua maçã. 

A dupla se encaminhou para um banco que fora desocupado recentemente, debaixo de uma árvore. 

 

"A magia está no ar

Vejo fogo na arena

O cavalo a selar

Isso é coisa de cinema"

 

— Lembra de quando dançamos isso na quermesse de 2006? — Lysandre retirou do fundo do baú de memórias e mordeu seu pastel, esticando um pouco o queijo. Na época, Lysandre e Clarice tinham oito e dez anos, respectivamente.

— Lembro! — Clarice exclamou com animação. — Foi a primeira e única vez que eu vi você dançar. — Os dois trocaram risadas carregadas de recordações. 

— Não sou muito bom dançarino.

— A verdade é que você tava mais com vergonha do que qualquer coisa — a veterinária retorquiu, mordendo mais um pedaço de sua maçã-do-amor.

 

"Alô galera de caubói

Alô galera de pião

Quem gosta de rodeio 

Bate forte com a mão"

 

A dupla sertaneja continuava cantando de cima do palco e poucas pessoas — uma ou outra talvez um pouco alta com o álcool — arriscava alguns passos de dança. 

 — Sou obrigado a concordar — Lysandre respondeu, quase terminando de comer seu pastel. — Já você, dançou em quase todos os anos que fomos.

— Lembra aquela vez quando eu me vesti de caipira pra dançar quadrilha? — Clarice puxou da memória e Lysandre sorriu com a mera imagem a vir em sua mente. — Minha vó quem fez o vestido e minha mãe as pintinhas no meu rosto com o lápis de olho.

Lysandre não conseguiu segurar o riso e Clarice fez-se de ofendida.

— Não ria porque essa não foi a pior parte. — Ela mordeu mais um pedaço da maçã, que já estava pela metade.

— E o que aconteceu depois? — Lysandre questionou, não conseguindo se recordar de mais nada da festa daquele ano além da dança.

— Fiquei com o Wagner atrás do palco. — Lysandre ergueu as sobrancelhas com a confissão da amiga. — É, eu sei — ela disse, sabendo exatamente o que se passava na mente do fazendeiro. — Eu me arrependi disso depois. Ele babou tudo, até o meu queixo. — Ela soltou uma gargalhada e Lysandre permitiu-se rir junto dela, envolto na risada gostosa da moça.

Quando o seu próprio riso foi cessando, o rapaz voltou seus olhos diretamente para a amiga, parcialmente oculta pela sombra da árvore que estava sobre eles. Clarice curvou os lábios pintados de rosa em um sorriso, não tão uniforme como antes, com o rosa um pouco manchado pelo vermelho do melado que cobria a maçã do amor.

— Tem alguma coisa no meu rosto? — a veterinária perguntou quando percebeu que Lysandre estava tempo demais a encarando.

— Pensei que houvesse, mas me enganei — usou como desculpa e virou o rosto na direção em que estava o palco mais ao longe, amassando o guardanapo em sua mão. Percebendo o que fazia, ofereceu para Clarice usá-lo.

— Obrigada — ela agradeceu e limpou a boca e os dedos com o papel, tendo terminado de comer a maçã-do-amor.

 

"Destrua seus castelos

Dance a valsa do vento, se deixe levar

Que a lua aponta

O segredo de na escuridão brilhar"

 

A música animada que tocava anteriormente já havia terminado há poucos instantes, sendo sucedida por outra mais lenta, com um violão bem marcado e um acordeão ditando a melodia ao fundo vez ou outra. Alguns casais dançavam logo abaixo do palco.

Envolvendo o palito da maçã-do-amor no guardanapo, Clarice sorriu, surpreendendo a Lysandre, que a observava de canto de olho.

— Você ainda tem vergonha de dançar? — ela questionou do nada, fazendo com que o outro arqueasse as sobrancelhas curioso. Clarice riu. — Eu acho que essa é uma música boa pra se dançar, não tem muitos passos, só o dois pra lá e dois pra cá.

Lysandre pareceu hesitar por alguns instantes e a veterinária permaneceu encarando-o com a proposta brincando no olhar.

— Concederia-me a honra? — Ele ficou de pé e ofereceu a mão para a amiga, claramente em uma brincadeira com a formalidade.

Clarice riu e colocou sua mão sobre a palma que o amigo lhe estendia.

— Com prazer, cavalheiro — ela respondeu divertida e permitiram-se rir.

Deixando o papel e palito em uma lixeira qualquer, juntaram-se aos casais bailando no meio da praça matriz.

Mantendo as mãos unidas, Clarice colocou a outra sobre o ombro de Lysandre, enquanto ele deixou a sua nas costas da amiga.

— Não está com frio? — ele questionou, sentindo os dedos frios da moça envolvidos nos seus.

 

"Aprendi que a vida passa

Feito fogo em mato seco

É inútil fugir do que tem que ser

Na coragem da incerteza

É um rio que viaja

Ao encontro do oceano sem saber"

 

Clarice negou com a cabeça, mesmo que um vento passasse por eles e balançasse os galhos das árvores próximas.

— Por que você acha que eu te chamei pra dançar? — ela retorquiu, como se a dança fosse servir para esquentá-la.

Não respondendo nada de volta, eles valsaram em silêncio, com os olhos voltados para o do outro. 

 

"Destrua seus castelos

Dance a valsa do vento, se deixe levar

Que a lua aponta

O segredo de na escuridão brilhar"

 

Lysandre deixou que seus olhos descessem pelo rosto de Clarice, chegando aos lábios pintados e curvados em um sorriso. Ele voltou-os para cima, percebendo que ela fazia a mesma coisa com os olhos. A brisa soprava, balançando os cabelos dos dois junto dos galhos das árvores, fazendo os fios bailarem em uma única direção, ocultando parte dos olhos.

Lysandre permitiu-se arriscar um passo, fazendo com que os dois girassem ao redor do próprio eixo.

— Você não dança mal — Clarice comentou, voltando a silenciar-se em seguida.

 

"Na coragem da incerteza

É um rio que viaja

Ao encontro do oceano sem saber"

 

Os versos poéticos da canção ocupavam sua audição, ignorando as risadas e vozes ao redor, parecendo algo distante. Até mesmo o trovão que retumbava ao longe havia alguns minutos era algo longe demais. Ali parecia haver apenas ele e Clarice, valsando na penumbra da lua nova e com uma música de fundo.

Belo, singelo… Uma sombra de um verso riscou seus pensamentos, como as estrelas deveriam riscar aquele céu nublado sobre suas cabeças. Uma canção começava a se formar em frente aos olhos de Lysandre, naquela moça que bailava junto dele.


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Notas finais do capítulo

A primeira música que aparece é Clima de Rodeio de Rio Negro & Solimões: https://youtu.be/ukd3ZyjnyZ0
E a música que os dois dançam é a Valsa do Vento: https://youtu.be/yEv69Ex2i_0
Como eu disse em resposta a alguns comentários: fofura ♥
Será que finalmente esses dois tão se aproximando mesmo?
Pra quem quiser ler um UA cheio de comédia, chega mais ♥ https://fanfiction.com.br/historia/786641/Click_et_Brille/
Até mais, povo o/



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