Religioso hipócrita escrita por Artemísia Jackson


Capítulo 2
II




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 Naruto encontrava-se esparramado na cama, encarando o teto enquanto pensava na vida. Não tinha vontade alguma de levantar para o café. A briga que tivera com Sasuke no dia anterior abalara-o mais do que ele gostaria de admitir. 


  Após o término da discussão naquele dia, Naruto correu para casa e ao chegar, se trancou no quarto e chorou; chorou porque não conseguia negar nenhuma das afirmações do amigo, nem para ele e nem para si próprio - por mais que tentasse desesperadamente. 


  O tal sentimento que surgia sempre que os dois estavam próximos era algo que existia há muito tempo, algo que o jovem Uzumaki tentava ignorar e negar com todas as suas forças. Apenas tentava, porque nada conseguia, e depois da confissão de Sasuke tudo ficaria ainda mais difícil. 


  Aliás, era frustrante sequer pensar que seu coração tolo batia mais rápido sempre que repassava na mente as palavras do amigo, sempre que lembrava da declaração. Naruto não sabia o que estava acontecendo consigo, mas o que quer fosse, o preocupava. Era como se a maldita declaração tivesse aberto uma porta no coração do Uzumaki, ao passo que as críticas de Sasuke tinham aberto uma porta em sua mente. E mesmo tentando desesperadamente, Naruto não conseguia fechá-las. E dessas tais portas escapavam sentimentos e questionamentos demais, tais que não podiam ser ignorados, apesar das tentativas do jovem religioso hipócrita. 


  Era como abrir os olhos e ver algo que sempre estivera ali; e uma vez visto não havia como desver. Com tais constatações, Naruto resmungou irritado e enfiou-se debaixo das cobertas, na esperança de assim calar sua mente confusa. De nada adiantou a tola tentativa, teve quase o efeito contrário; a atitude pareceu sufocá-lo ainda mais. 


— Mas que merda você fez comigo, hein Sasuke? – perguntou para si mesmo com indignação, ao mesmo tempo que empurrava para longe suas cobertas. A irritação servira para esquentar seu corpo. 


  "Abriu seus olhos, imbecil!" – exclamou uma voz cruel em sua mente (voz essa que muitos reconhecem por "eu interior racional"). Naruto assustou-se um pouco, visto que não era acostumado a ouvir sua razão falar, porém a dita cuja não se importou e continuou com seu discurso: "Ele fez você se questionar, mas parece que o bebê assustado prefere   continuar se iludindo sozinho com as palavras vazias de um padre hipócrita. Você e o velhote são iguais; dois hipócritas!"


— Não sou não! – rebateu em voz alta, como se realmente estivesse brigando com outra pessoa. 


  "Ah, não! Não é hipocrisia... Você só vai na igreja enquanto tem vontade de pegar seu melhor amigo; só faz cara feia para gays dizendo que vão para o inferno quando na verdade está morrendo de inveja. Mas não, claro que isso não é hipocrisia, imagina!" – debochou a razão (sua razão).


  Naruto fez uma careta estranha de medo. Acabava de descobrir que existia um ser dentro de si! Sim, porque aquilo não podia ser apenas a voz da razão, era crítica demais para ser uma parte sua. 


  "Eu não sou um ser a parte, sou apenas a sua parte que pensa, idiota! E estou cansada de ser silenciada a tanto tempo por causa da sua religião de merda. Acorda! Você não vai pro céu fingindo santidade; é como Sasuke diz, o máximo que você vai conseguir é ir mais rápido para o inferno."


— Chega! – Naruto gritou, tapando os ouvidos (provavelmente esquecido de que não podia silenciar uma voz dentro da sua mente de tal modo). Estava ficando louco, o castigo divino vinha a galope para si. Sim, Deus o estava castigando por sua impertinência, por sua descrença na palavra. 


Ou seria o Diabo a atormentá-lo por sua repentina renúncia aos dizeres da Igreja? Já ouvira o padre falar que um corpo sem fé era um prato cheio para Satã e seus servos malignos. 


  "Ora, esse padre não sabe nem o que comeu ontem!" – retomou a razão, aparentando estar um tanto estressada. 
"Experimente pesquisar sobre a Igreja e a Idade Média, que você viu na escola mas ignorou. Vá lá, veja os grandes feitos da 'Santidade Máxima' e tire suas próprias conclusões."


  Perplexo, Naruto encarou a escrivaninha que estava do outro lado do seu quarto, a qual comportava um computador no centro de sua mesa, dividindo espaço com alguns livros e cadernos escolares. O aparelho desgraçado pareceu chamar-lhe, e o jovem grunhiu irritado quando se viu levantando da cama e caminhando em sua direção. 


— É só pra desencargo de consciência, e para calar esse capeta que tá me enchendo. – murmurou para si mesmo enquanto sentava-se de frente ao computador para ligá-lo. – Só você para me fazer estudar logo cedo, Sasuke. – comentou para si próprio enquanto meneava a cabeça em negação. Aquele ia ser um longo dia...
                    ***

Voltando juntos da escola, Naruto e Sasuke andavam tranquilamente pela calçada. O Uzumaki estava calado e pensativo, o que era bem raro da parte do loiro. Mais estranho ainda era que tal comportamento se estendia desde a discussão que tiveram no parque, há mais ou menos um mês. As tentativas de Naruto de fingir que estava tudo bem eram falhas, pois fingimento não era uma qualidade própria de seu caráter. 

  O Uzumaki mostrava-se taciturno e reflexivo nas últimas semanas, e apesar de incomodado, o Uchiha preferia não dizer nada sobre o assunto; sabia que havia pegado pesado com o amigo no dia da discussão, e imaginava que ele precisava mesmo daquele tempo para refletir. Sasuke tinha esperança que aquele comportamento fosse indício de uma metamorfose que acontecia, então não seria ele a interromper o processo. 


  Chegaram na bifurcação da rua que separava seus caminhos e despediram-se brevemente antes de seguirem cada qual seu rumo para casa. 


  Agora sozinho andando mais ou menos no meio da rua, Naruto se sentia triste. Era assim sempre que separava-se de Sasuke, pois a presença dele era a única coisa que parecia fazer sentido para si no momento – com exceção da família, obviamente. 


  Sim, única no momento, pois a religião estava perdendo espaço em sua vida graças as descobertas sobre as mentiras e hipocrisias que rondavam aquele mundo. Naruto se perdera em pesquisas e os resultados o assombraram. Primeiro havia visto as atrocidades cometidas na Idade Média pela igreja, assim como havia pesquisado sobre a Inquisição, quase enfartando de desgosto. Sim, era assunto de séculos atrás, mas o que o incomodava é que ninguém falava sobre aquilo na Igreja, ninguém repudiava tais atitudes e reconhecia os erros cometidos. 


  Depois de se enojar com o passado pérfido do Catolicismo, Naruto descobriu que podia piorar. Os atuais escândalos de padres envolvidos em estupros ou em desvios de dízimos eram quase tão chocantes quanto os crimes cometidos na Idade Média. E claro que ele tinha consciência de que generalizar era errado, mas como confiar em instituições religiosas que deixavam tais atos passarem batido sem sequer criticar? Não deveriam ser elas as principais denunciadoras de tais atitudes? 


  E tudo isso sem mencionar a palhaçada do Vaticano e seu poder de influência quase mundial, e o tal do Papa. Quando considerava bem a situação, percebia que era muito luxo para quem dizia pregar a simplicidade e sabedoria de Deus e do seu Filho. Era hipocrisia falar de simplicidade em tão luxuoso local com tão venerado homem no altar pregando. Pessoas morriam todos os dias de fome, enquanto um lugar como a Igreja esbanjava ouro e pedras preciosas. 


  Dar o melhor para Deus não era aquilo, não na opinião de Naruto. O melhor era o coração, caráter, ações para o próximo, a quantidade de amor que pudesse demonstrar em atitudes com o semelhante, pois ele era Deus. Que melhor modo de servir ao Senhor do que espalhando amor e boas ações? Dinheiro não era tudo, não salvava vidas do inferno porque nem todas elas tinha condições de tê-lo. Era ridículo as denominações religiosas venerarem tanto o dízimo e tão pouco enfatizaram o amor em ações (porque em palavras era fácil). 


  "Ah, mas veja, Salomão era rico e um grande homem abençoado e amado por Deus" - diziam eles. Mas antes de sua perdição, ele espalhara paz com sua sabedoria, unira reinos e fizera o sangue inocente parar de derramar-se com tanta frequência e por tão triviais motivos. Salomão havia feito algo, mas e a Igreja, o que fazia? Não espalhava fraternidade, mas sim ódio e divisão. Ódio e afastamento contra os impuros que seguiam o mal caminho. Mas afinal, não seriam eles que precisavam ser salvos? Por que condenar ao invés de salvar? Eram tantas contradições e tão poucas explicações que o Uzumaki não podia mais aturar. 


  Ego, divisão, poder, ter e ser; eram essas as novas pregações. Nada de amor, mas sim brigas entre aqueles que pensavam diferente, nada de respeito, mas sim condenação daqueles que "seguiam o Diabo". Aliás, não havia sido por isso que Jesus viera? Para denunciar e refutar religiosos e suas sinagogas hipócritas? Não teria Jesus dedicado sua vida a criticar as atitudes religiosas daquele sistema corrupto e sido morto por eles? Sido também desprezado por não ser rico e esbanjador? 


  Sim, Naruto também se perdera em leituras da bíblia e pesquisas que revelavam sobre a vida do Messias e suas atitudes enquanto homem humano na Terra. Ficara confuso diversas vezes por algumas controvérsias encontradas e as tais alterações de sinônimos denunciadas em diversos sites, mas apesar de tudo, tinha uma certeza absoluta sobre o assunto: Jesus havia pregado a sua vida toda contra falsos profetas e contra sistemas religiosos. 


  "Os mestres da lei e os fariseus se assentam na cadeira de Moisés. Obedeçam-lhes e façam o que eles lhes dizem. Mas não façam o que eles fazem, pois não praticam o que pregam..." - essa era uma frase de Jesus, escrita em uma passagem da bíblia que Naruto não lembrava onde estava, mas isso tampouco importava. O que importava era que o Mestre dos Mestres havia apontado sem pudor algum as hipocrisias do  sistema religioso, e quem seria o Uzumaki para negar, defender e passar o pano para aquela sujeira? 


  Haviam sempre aqueles que diziam muito tempo havia se passado e que as coisas haviam mudado, e de fato Naruto concordava. Mas de acordo com o que via e estudava há um mês, a mudança tinha sido para pior. Qual era a lógica de esperar uma mudança melhor em um mundo tão corrompido? Ainda mais quando a religião entremeava-se tanto com a política, a maior sujeira que existia. Não fazia sentido, era utópico demais. Só porque não matavam mais, não significava que haviam virados santos. E sim, o ódio que espalhavam era real – não todas, mas a maioria das igrejas satanizava homossexualidade e abortos por exemplo, gerando assim uma corrente de ódio entre quem abominava as ideias e quem era a favor. 


  Brigas; a religião havia se tornado sinônimo de brigas, inclusive entre seu próprio mundo. A guerra entre evangélicos e católicos era um exemplo disso – bem ridículo por sinal, visto que o evangelismo nascera do catolicismo. 


  Em meio a tantas pesquisas, reflexões e questionamentos, Naruto estava perdido e sem um rumo para seguir. Ainda acreditava em Deus, sentia ele em seu coração, mas não sabia realmente como se aproximar Dele. A religião não era mais uma opção, começava acreditar que quase todas – senão todas – estavam corrompidas pelas maldades do ser humano. Sinceramente, o Uzumaki sentia-se no deserto, sem saber para aonde ir ou o que seguir. Aquele mês de libertação da religião também fora um mês de dor, dúvidas e confusão. 


  E em todo aquele período, todas as certezas que possuía se dissiparam, exceto uma: os sentimentos verdadeiros que nutria em relação a Sasuke. Um mês parecia pouco tempo para se tirar uma conclusão tão importante como essa, mas para o Uzumaki fora o suficiente, pois ele apenas se permitiu constatar e assumir o óbvio. Era como o Uchiha havia dito: aquilo entre eles deixara de ser amizade há muito tempo, e ambos apenas se fingiam de sonsos e ignoravam isso. 


  Estava quase chegando em casa quando parou de se perder em reflexões e deu meia volta. Estava cansado de refletir, precisava agir. Começou a retornar pelo caminho pelo qual havia vindo, com um único objetivo em mente, o qual era ir atrás do seu amor. 


 "Cansei disso. Amar não é pecado, não quando o mundo tá cheio de ódio! Aliás, se tivesse mais amor nele, teriam menos pecados de ódio extremo como assassinatos. Mas se amar um cara for mesmo um pecado, estou condenado... mas melhor ser condenado por conhecer o amor do que ser condenado por renunciá-lo para viver em meio as mentiras da religião." – declarou para si mesmo mentalmente enquanto se direcionava para o novo destino. 


  Sim, Sasuke era a única certeza que tinha em meio aquela correnteza de dúvidas que pareciam querer lhe levar a insanidade e afogá-lo nela; o Uchiha era seu porto seguro, e não podia mais perder tempo negando aquilo para si. Era real, e igreja nenhuma poderia apagar aquela chama ardente, chama que era mais do que simples fornicação, chama que ia além de gêneros e queimava na alma. Sim, Naruto a sentia queimar dentro de si!


  O jovem se pôs a caminhar o mais rápido que os pés podiam sem correr, sentindo a urgência preencher cada poro de seu corpo. Esperara demais, e não estava disposto a perder nem mais um minuto sequer. Precisava se assumir, não para o mundo, mas para Sasuke, apenas ele lhe interessava naquele momento. 


  Quando finalmente chegou na porta do Uchiha, não pensou duas vezes antes de apertar a campainha repetidamente, de modo afoito. Pôde ouvir o grito de "Já vai" que Sasuke soltou, e sentiu o coração acelerar só com aquilo. 


  Assim que a cabeleira negra irrompeu e os olhos negros se encontraram com os seus, Naruto estendeu seus braços e enlaçou o pescoço do amigo, abraçando-o com força. Não se importou com o peso da mochila nas suas costas, nem com a possibilidade dos pais de Sasuke estarem em casa, muito menos com os vizinhos fofoqueiros. Não importava, nada daquilo importava! 


— Eu te amo, bastardo maldito! – revelou num sussurro soluçado. Ah, como era bom finalmente assumir os sentimentos pelo amigo e para ele! Sentia-se leve, como se um peso tivesse acabado de sair de seus ombros. – Desculpa por negar isso por tanto tempo... Por me fazer de cego... Fui um idiota! 


  Sasuke – que até o momento estava paralisado com a surpresa – riu baixinho, causando arrepios no loiro. 


— Concordo, principalmente com a última parte. – fez uma pausa e procurou os olhos azuis do outro – Mas é isso, você acha que vai simplesmente chegar se desculpando e se declarando para sermos felizes para sempre? 


— Hmmm... Sim? – arriscou Naruto, um tanto envergonhado. Não havia levado em conta a possibilidade de levar um fora. 


  O Uchiha se demorou nas orbes celestes do amigo e conteve o sorriso. Era engraçado vê-lo entre o alívio e a aflição, e só não o torturaria mais porque não também aguentava tanta enrolação. 


— Pois é, você acertou dessa vez, perdedor. – declarou por fim, observando os olhos azuis brilharem em resposta. Sem poder se conter mais, Sasuke envolveu a cintura do amigo com um dos braços, puxando-o possessivamente para si. A outra mão deslizou por suas costas de baixo para cima até encontrar a nuca, agarrando alguns fios da região com vontade e trazendo o rosto bronzeado para perto. 


  E quando enfim as bocas se encontraram, o mundo pareceu não mais existir. Os transeuntes na rua, os vizinhos, a família... Nada daquilo importava, muito menos os sons mundanos ao redor. Naquele momento o que existia era o próprio mundo que haviam criado, mundo de fogo ardente que queimava cada parte dos corpos de ambos, que a cada toque pareciam entrar em uma combustão maior que a anterior. 


  Sasuke apertava Naruto com força contra seu corpo ao mesmo tempo que invadia sua boca de modo bruto. As línguas brigavam com bravura, cada qual com o objetivo de possuir a outra finalmente. Não havia gentileza ali, só muita urgência e fome. 


  Se separavam apenas por uns instantes a fim de recuperarem o fôlego e então retomarem a batalha, sem ao menos se dar ao trabalho de entrar em casa e fechar a porta. Naruto se sentia enfim vivo e pleno, como nunca estivera. Sasuke era a tempestade de relâmpagos que completava seu furacão. O melhor naquilo tudo era saber com certeza que era recíproco. 


  E em meio a toda aquela queimação (que poderia ser facilmente confundida com fogo no rabo – principalmente pelos transeuntes na rua) o jovem Uzumaki finalmente entendeu porque nunca fora uma opção renunciar a Sasuke Uchiha; porque não há como renunciar ao amor. 


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