Memória escrita por pixieloki


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Decidi escrever algo que beneficiasse esse casal fofo que merecia toda a felicidade do mundo.
Boa leitura.



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Quando estiveres velha e grisalha, e cabeceares
De sono à beira da lareira, pega este livro, 
e lentamente o lê, e sonha com a aparência suave
Que tinham outrora teus olhos, e suas sombras densas;

Muitos amaram teus momentos de alegre graça,
e tua beleza, com falso ou vero amor,
Mas um homem amou a alma peregrina em ti,
E as mágoas de teu rosto sempre a mudar.

 

William Butler Yeats

 

Haveria uma festa em Dorthonion cujo anfitrião seria Finrod, sua irmã Beril havia dito. Andreth e os demais pertencentes da Casa de Beör haviam sido convidados. Beril estava animada com a festa e Bregor permanecia calmo, embora Andreth conhecesse o irmão bem o suficiente para saber que ele estava ansioso. Negar o convite do Rei Élfico seria algo extremamente embaraçoso, portanto aprontaram as melhores roupas e os melhores cavalos para irem até lá.

Seria a primeira vez de Andreth nos salões de seu amigo e ela estava ansiosa. Ainda mais com a possibilidade de ver Aegnor por lá.

Sua irmã Beril usava um belo vestido verde com rosas bordadas, os cabelos castanhos estavam presos em uma delicada trança que ia até sua cintura. O seu noivo cavalgava ao seu lado, sentado orgulhosamente em seu cavalo. Era um homem decente e sincero, Andreth estava feliz por sua irmã tê-lo escolhido. Seu irmão, Bregor, cavalgava a frente do grupo e sua esposa e seus filhos seguiam juntos deles.

Algumas primas distantes de Andreth e companheiros de seus irmãos também seguiam a pequena caravana, animados pelo privilégio de poder estar na companhia de Finrod e sua gente.

Atrás de todos ia Andreth, usando um vestido azul escuro e seus cabelos soltos como o vento. Observava com certa tristeza os seus irmãos ao lado das pessoas para quem entregaram seus corações e sentia-se triste por não ter esse mesmo privilégio ao lado de seu amado príncipe elfo.

***

Após poucas horas de viagem, finalmente chegaram aos salões do grande Rei Élfico. Andreth desmontou de seu cavalo e o entregou a um dos criados que os aguardava. A inebriante música dos elfos ja era ouvida e a jovem tratou de apagar as imagens de Aegnor de sua mente e concentrou-se em arranjar alguma maneira de se divertir.

— Minha senhora, essa noite está muito linda, não concordas?

Andreth deixou de contemplar as estrelas e fixou seu olhar no homem que falara com ela. Era Cederic, um dos amigos e companheiros de caça de seu irmão. Beril havia lhe segredado que havia uns mexericos sobre Cederic ser apaixonado por Andreth.

Cederic era homem bem apessoado e com um charme marcante. Seu cabelo louro jamais chegaria a ser tão lindo e dourado como o de Aegnor, mas era o suficiente para fazer qualquer donzela dos edain suspirar. Seus olhos eram verdes e espertos, ao contrário dos de seu amado elfo, que eram cinzas e distantes, como era comum aos noldor.

E a diferença mais visível, no entanto, estava na personalidade. Cederic era leve e sorridente, sempre disposto a contar piadas e flertar. Já Aegnor era sério e polido e preferia o silêncio.

De qualquer forma e por mais que amasse Aegnor, a companhia de Cederic seria bem vinda hoje. Ela era livre e Cederic também. Ambos não estavam buscando casamento, pois Beril também havia lhe falado do costume de Cederic de semear filhos bastardos em qualquer donzela tola o suficiente para se deixar levar demais pelos flertes dele.

Mas a companhia dele por apenas uma noite não seria de todo ruim, Andreth ponderou. E ficar ao  lado dele tambem evitaria receber olhares de piedade de seus irmãos e até mesmo de Finrod e Aegnor, que a veriam como uma solteirona infeliz e amarga, caso a vissem sozinha enquanto todos se divertiam.

Por fim, Andreth lançou um sorriso em direção ao homem e perguntou:

— Gentil senhor, gostaria de ser meu companheiro durante esta noite?

Cederic pareceu encantado com a ideia e seu rosto se iluminou.

— Seria uma honra para mim, minha doce dama. - e beijou a mão delicada de Andreth.

Juntos, entraram no salão principal. Andreth sorria animada e maravilhada pela beleza do lugar. Tudo parecia estar decorado com mármore branco e objetos de ouro. Elfos e humanos dançavam ao som da bela e contagiosa música. Uma longa mesa em um dos cantos do enorme salão estava repleta de iguarias, frutas e vinho.

— Ah, Saelind! - uma voz melodiosa a chamou e Andreth virou-se e viu Finrod, o amado de seu povo e da Casa de Beör, se aproximando para saudá-la. O Rei Élfico estava lindo e etéreo como sempre, seus cabelos dourados eram tão iluminados que pareciam o próprio sol.

Andreth o abraçou calorosamente assim que ele chegou até ela.

— Meu amigo, estava com saudades de ti. - a jovem edain disse, ainda abraçada a ele.

— É um deleite vê-la, minha amiga. - Finrod respondeu com carinho assim que eles se separaram. - Venha comigo, por favor. Quero lhe apresentar os meus outros irmãos.

 Assentindo, Andreth seguiu ao lado do Rei Élfico e de braços dados com Cederic, que parecia encantado demais com tudo ao seu redor para prestar atenção na conversa dos dois. Finrod Felagund a guiou até uma mesa reclusa, onde alguns elfos se sentavam. Uma mulher alta e com os cabelos dourados mais belos do mundo se destacava dos demais, vestida totamente em branco.

  - Senhora, esta é a minha irmã Galadriel. - Finrod a apresentou para a mulher de cabelo dourado, que sorriu gentilmente. Em seu colo, estava uma pequena menina élfica de cabelo prateado.- Esta é sua filha Celebrian.

— Prazer em conhecê-las. - Andreth sorriu de volta para a mãe e a filha.

— Este ao lado de minha irmã é seu marido, Lorde Celeborn. - Finrod encaminhou-se até ao elfo de rosto austero e cabelo prateado, semelhante ao da filha Celebrian. Celeborn a cumprimentou polidamente e Andreth respondeu a cortesia apropriadamente.

— E estes, finalmente, são os meus irmãos que ainda não conheceste: Angrod e Orodreth. - Finrod declarou com um leve floreio de mãos em direção aos irmãos, que estavam de pé atrás de Galadriel e seu marido.

Aegnor, é claro, não estava ali. Sabia que ele estava perto, mas a evitando de propósito. E é claro que os irmãos e a irmã de Finrod haviam pedido para serem apresentados a Andreth, para poderem dar uma boa olhada na humana que roubara o coração de Aegnor.

 - É um prazer conhecê-los.  - Andreth disse novamente enquanto fazia uma pequena reverência e sorriu docemente para todos.

— Junte-se a nós, se desejar. - Galadriel a convidou.

— Agradeço pelo convite, senhora, mas estou com meu bom amigo Cederic ao meu lado e prometi lhe fazer companhia durante essa noite. - e nesse momento, o olhar de todos caiu sobre o louro, que sorriu galantemente e não se intimidou.

 Andreth sorriu ao ver a expressão de surpresa no olhar altivo de todos, mas principalmente no de Finrod. Andreth mal conteve seu sorriso triunfante.

Sim, eu posso estar apaixonada pelo irmão de vocês, mas me recuso a correr atrás dele. Ela pensou. Se ele não quer falar comigo, pois muito bem então, eu não deixarei de voar e me divertir como uma mariposa no verão para correr atrás da luz inalcansável dele!

Nesse momento, Galadriel olhou para ela e sorriu com aprovação. E Andreth sabia que ela havia lido os seus pensamentos.

— Como desejar, minha amiga. - Finrod respondeu com a amabilidade de sempre. - Se mudar de ideia em algum momento, não hesite em se juntar a nós.

— O senhor é muito gentil, vossa majestade. - Andreth fez uma reverência. - Espero ter o  prazer de vossas companhias novamente antes do fim do festejo.

E dito isso, ela retirou-se da presença da família de Aegnor de braços dados com Cederic tendo o prazer de saber que seus irmãos falariam disso para Aegnor.

***

Andreth rodopiava no meio do salão e, de olhos fechados, ria serenamente. A música élfica penetrava em cada célula de seu corpo e reverberava em seu coração. Ela se movia com o ritmo da música e já estava bêbada com a magia do lugar. Cederic estava ousado. Toda vez que encostava nela durante a dança, as mãos do homem encontravam sua cintura e se enlaçavam nela.

Andreth não o impediu. Era bom, pelo menos por uma noite, não ser a mulher sábia de seu povo e sim apenas uma garota procurando diversão. Era bom ser livre, jovem e desejada.

A música acabou e todos trocaram de pares. Cederic estava dançando com sua irmã Bretil. Já Andreth se viu frente a frente com um elfo de cabelos negros trançados com fios de ouro, cujos trajes eram nas cores de um azul profundo e prata pura.

Sem perder tempo, ele fez uma reverência e tomou a sua mão. O elfo começou a liderar a dança.

— Lamento que meu primo não nos tenha apresentado antes, minha senhora. - Ele comentou casualmente com sua voz barítono e sorriu em seguida. - Mas também entendo o motivo dele  de querer manter a ti como um tesouro secreto só para ele e seus irmãos.

— Me desculpe, meu senhor, mas quem é teu primo?

O elfo colocou uma das mãos na cintura dela e a trouxe mais para perto dele.

— O anfitrião deste domínio, Finrod Felagund, como vocês o chamam por aqui. - ele esclareceu e seus olhos acinzentados encontraram os castanhos de Andreth.

A jovem enrubesceu.

— Me perdoe por não tê-lo reconhecido, meu senhor.

O elfo riu deliciosamente.

— Não se preocupe com isso, senhora. Meu nome é Fingon, filho de Fingolfin. Mas não precisa se apresentar. Finrod sempre fala de ti e tem muito apreço pela sua amizade e companhia.

Andreth enrubesceu ainda mais. Estava diante de um dos filhos do Supremo Rei dos Noldor e não o havia reconhecido, mas ele a conhecia... Por causa de Finrod.

Subitamente, Andreth tornou-se mais consiente de si e do vestido que usava. Ele era um vestido feito de acordo com o estilo élfico. Em uma elfa, o vestido teria o caimento perfeito, pois elas eram esguias e elegantes. Já em um corpo feminino humano, o tecido valorizava as curvas e mostrava um pouco demais dos seios.

E, já que era comum aos elfos serem mais altos que os homens, Andreth soube que Fingon deveria estar tendo um visão privilegiada de seu decote. Andreth não se incomodou. Ao invés disso, ficou imaginando se seria considerada atraente para os padrões élficos. Ficou imaginando o que Aegnor faria se estivesse ali no lugar de Fingon.

A musica terminou e Fingon beijou a mão dela em despedida. Em seguida, um elfo ruivo e extremamente alto estava na sua frente.

—  Me concede a honra de dançar contigo, senhora? - ele perguntou, os olhos cinza brilhando. Mais um noldo.

—  Claro que sim, meu senhor. - ela respondeu educadamente e ofereceu mão a ele.

Uma nova música comecou e o elfo ruivo a guiava pelo salão com maestria.

— Meu nome é Maedhros, sou um dos primos de Fingon. - ele comentou em tom displicente. Seu rosto tinha algumas cicatrizes e ainda assim ele conseguia a proeza de ser estonteamente belo. E só tinha uma mão. O braço cuja mão faltava estava perto da cintura de Andreth enquanto a mão que lhe restava segurava a de Andreth.

 O coração da jovem deu um pulo. Sabia quem ele era, Finrod havia o mencionado. Era o primogênito de Feanor, o criador das Silmarils.

— É um prazer conhecê-lo, senhor. Meu nome é Andreth, mas seu primo Finrod me chama de Saelind. Pertenço à Casa de Beör e somos vassalos de seu primo Finrod.

— É uma honra conhecê-la também, Andreth Saelind da Casa de Beör. - Maedhros deu um sorriso pequeno e sincero para ela. - Como já deve ter percebido, todos os meus parentes estao curiosos para conhecer a donzela que conquistou o coração de Aegnor... inclusive eu.

 Andreth não pode evitar rir.

 - Sim, percebi. Elfos não conseguem ser exatamente sutis, eu diria.

 A música terminava e, por conseguinte, a dança também.

— É realmente uma pena que vivemos em um tempo tão obscuro e cheio de guerras. Não fosse isso, teria certeza que tu e Aegnor seriam o casal mais feliz de Arda. - Maedhros lançou-lhe um olhar triste a ela e afastou-se rapidamente assim que a música cessou.

 Andreth entristeceu-se com as palavras do príncipe noldo e, por alguns segundos, ficou plantada no meio do salão sozinha enquanto elfos e homens se moviam a sua volta, distraídos e felizes demais para prestar qualquer atenção nela.

Nesse momento, sua  irmã Bretil chegou até ela e a agarrou pelos ombros, rindo sem parar.

— O que foi? - Andreth indagou meio preocupada.

 Beril ficou rindo por um bom tempo até conseguir parar.

— Estás muito séria, irmã, vamos beber! - e empurrou Andreth pelo salão até a comprida mesa. Chegando lá, pegou duas taças de ouro e as entregou para ela. Em seguida, surrupiou uma garrafa de vinho da mesa e encheu as duas taças que Andreth segurava.

— Tens certeza que é seguro beber tanto? - Andreth perguntou ao ver o estado descomposto da irmã.

—  Não pense. - sua irmã lhe ordenou. - Beba! Viemos aqui para nos divertir, lembra-se?

Andreth virou a taça de uma vez só, imitando Beril. Em cinco goladas, beberam todo o conteúdo da taça e imediatamente Beril voltou a enchê-las.

— Irmã! - Andreth riu, indecisa se ficava surpresa com Beril ou a repreendia.- Nós vamos ficar bêbadas!

— Ora, a intenção é justamente essa! - Beril ralhou e as duas acabaram gargalhando.

 

***

Alguns minutos depois, Beril voltou a dançar com o seu prometido, tão bêbada que se apoiava nele o tempo todo e ria sem parar.  Andreth voltou cambaleando para a pista de dança e tirou os sapatos do pé. Descalça, comecou a dançar sozinha em um ritmo frenético, esquecendo totalmente o decoro.

 Finrod conversava distraidamente com Fingolfin quando ele comentou intrigado:

 - Esta não é a jovem edain que me falaste, cuja sabedoria era tão alta quanto o topo de uma montanha?

 Finrod então se virou e viu, para o seu espanto, Andreth executar uma série de passos totamente desajeitada e tropeçar nos proprios pés... diante do Rei Supremo dos Noldor. Imediatamente, Finrod foi até a amiga e a ajudou a se levantar. Queria repreendê-la, mas ela continuava rindo sem parar e seu rosto delicado estava vermelho.

— Andreth, Andreth... não deveria ter se entregado ao vinho dessa maneira! - ele a exortou com paciência, mas tudo o que ela fez foi gargalhar mais.

 Finrod pensou em entregá-la ao cuidado de Bregor, mas o viu a distância e percebeu que ele estava bêbado tambem. De fato, todos os humanos presentes na festa já se encontravam em vários estados de embriaguez. Sentindo-se exasperado, Finrod resolveu pegar Andreth e levá-la pra repousar em um local com privacidade, mas, quando se deu conta, a humana havia escapulido e novamente estava diante de Fingolfin, chamando-o para dançar.

Finrod foi depressa até ela para levá-la embora, mas surpreendeu-se quando viu o Supremo Rei dos Noldor levantar-se e pegar na mão dela.

— Sua Graça, eu não acho que Andreth esteja em condições para dançar... - Finrod começou, mas o rei lhe interrompeu.

—  Acalme-se, Finrod. - Fingolfin respondeu com um sorriso divertido.- A dama me convidou e não seria educado da minha parte negar. Ademais, fique tranquilo, pois eu cuidarei dela.

Assentindo, Finrod observou Fingolfin a guiando para o meio do salão e todos observaram quando o rei, elegante e majestoso, conduzia a jovem bêbada e descalça com maestria e leveza.

Finrod foi até onde sua familia estava e sentou-se com eles. Aegnor havia resolvido aparecer e estava perto de Orodreth, mas seus olhos estavas fixos em Andreth dancando com Fingolfin.

— Ela é realmente adorável. - Orodreth comentou enquanto observava a humana e o Rei Élfico dançando.

— Sim, ela é. - Aegnor parecia miserável.

— Vá falar com ela. - Lorde Celeborn o incentivou.- Um cumprimento dificilmente irá machucar os dois.

 Aegnor negou com a cabeça.

 - Eu não penso que seja uma boa ideia.

 Galadriel olhou de Aegnor para o marido, mas não disse nada.

A dança terminou e Fingolfin se despediu de Andreth de uma maneira cavalheiresca. Ele ia conduzi-la para longe dos demais casais que esperavam a proxima música, mas o humano louro que já havia sido visto com Andreth aproximou-se e a puxou pelo braço e seguiu puxando ela para fora do salão.

Aegnor alarmou-se e se desencostou do pilar em que estava escorado. Galadriel sorriu.

— Bem, acho que agora tu não tens escolha.

  ***

Andreth cansou de tentar acompanhar os passos de Cederic e se jogou sobre a relva verde, rindo. Tudo, exatamente tudo, que cercava o lugar onde os elfos viviam, se revestia de uma beleza sem igual: o ar era o mais puro, as árvores mais verdes, as flores mais perfumadas e a relva era tão macia e confortável quanto qualquer travesseiro de penas de ganso.

Cederic deitou-se ao  seu lado e se apoiou em um dos braços para encará-la.

— Beije-me. - ele pediu, os olhos verdes cheios de luxúria e embriaguez.

 Andreth considerou por um momento: por mais que amasse Aegnor, eles não tinham qualquer relacionamento e, muito menos, qualquer dever de fidelidade um para com o outro. E Cederic, embora parecesse um desleixado perto da beleza imortal do príncipe noldo, era um dos homens mais belos que conhecia.

E, se Andreth fechasse os olhos, poderia fingir que era Aegnor.

Mas assim que olhou para Cederic, com seus olhos verdes cintilando de malícia, desistiu da ideia.

— Melhor não. - ela respondeu tentando se desvencilhar dele, mas Cederic a segurava com força pelo braço.

—  Vamos, tu irás gostar... - o louro insistiu, aproximando sua boca fedendo a vinho e cerveja perto da dele.

—  Cederic, pare! - Andreth pediu, os olhos lacrimejando. - Estás me machucando!

—  Ah, não comece com  os seus disparates agora... - ele rolou seu corpo e ficou sobre ela, prendendo as duas mãos esguias e pálidas na relva. - Eu a vi dançando com os elfos, se oferecendo a eles já que não conseguiste se deitar com um dos príncipes dourados da Casa de Finrod. Porque oferecer a sua virgindade a eles e me desprezar, sendo que somos da mesma raça?!

  - Me solte! - Andreth gritou assustada. Ninguém a ouviria ali fora, ninguém jamais saberia.

Subitamente, Cederic foi erguido e arrancado à força de cima dela e Andreth, para o seu espanto e alívio, viu Aegnor erguendo Cederic pelo pescoço, os pés do homem se debatendo inutilmente no ar.

— Eu irei matá-lo! - Aegnor prometeu, olhando fixamente para o homem que ia ficando roxo.

 Andreth levantou-se rapidamente.

 - Meu senhor, pare! - Andreth implorou e tocou delicamente no braço de Aegnor. - Não macule a festa de seu irmão com um evento tão funesto.

 O príncipe a olhou pela primeira vez e Andreth sentiu borboletas no estômago.

 - Sabes o que ele iria fazer contigo, Andreth? - o elfo perguntou com uma rispidez que Andreth sabia que não era dirigida a ela.

—  Eu sei. - Andreth tocou-o mais uma vez. - Salvaste a minha vida e a minha dignidade, meu amado. Agora, deixe-o ir. Eu lidarei com ele mais tarde e direi ao meu irmão sobre a atitude desprezível dele.

 Aegnor soltou o pescoço de Cederic a contra-gosto, fazendo o humano cair no chão como um saco de batatas.

 - Se eu vê-lo perto de Andreth de novo, - Aegnor anunciou gravemente com a voz cheia de ira contida. - nem mesmo os Valar me impedirão de tirar sua vida!

Trôpego e ainda lutando para respirar normalmente, Cederic levantou-se rapidamente e foi ate aos estábulos, onde montou em seu cavalo e partiu.

Aegnor imediatamente envolveu delicamente a mão de Andreth nas suas e as beijou com devoção.

  - Estás bem, minha menina? Aquele patife a machucou de alguma maneira?

  - Estou bem, graças ao seu socorro, meu nobre príncipe. - a jovem recostou a cabeça no ombro de Aegnor e ele a abraçou.

  - Queres que eu a escorte de volta a festa para a companhia de teu irmão? -  o semblante do elfo ainda estava irado pelos acontecimentos, mas estava começando a se acalmar.

  -  Não, meu príncipe. - Andreth o abraçou de volta. - Vamos ficar aqui e aproveitar as últimas horas do festejo juntos.

 Aegnor suspirou e deitou-se na relva, trazendo Andreth consigo. Ela aninhou-se em seu peito e o elfo usou uma de suas mãos para acariciar os longos cabelos castanhos dela.

  - Ai, minha amada! - lamentou-se o príncipe.- Sabia que dirias essas coisas, por isso a evitava. Pode estar satisfeita agora, mas decerto chorarás na hora de nossa inevitável partida.

  -  Aquieta-te, meu bom e gentil senhor. - Andreth pediu sem se mover. - Vim aqui hoje somente com o propósito de me divertir, por isso não iremos falar de assuntos tristes. Estou bêbada e logo o sono ira se apossar de mim, portanto vamos aproveitar agora.

 Aegnor aquiesceu e ficou em silêncio. Ouvia nitidamente a respiração de Andreth e isso o acalmou por completo. Andreth estava quase dormindo quando sentiu algo duro vindo do corpo de Aegnor lhe roçando a barriga.

A jovem abriu os olhos castanhos e fitou Aegnor, cuja face corava pelo constrangimento

  - Perdoe-me, minha senhora. - ele quase implorava.

 Andreth sorriu e, em um gesto ousado, passeou com uma de suas mãos pelo toráx de Aegnor e foi descendo, descendo... ate pousar a mão lá embaixo. Ouviu o príncipe ofegar e deu uma risadinha.

  - Tu és tão lindo quando fica envergonhado... -  ela comentou enquanto mantinha a mão lá.

  -  Estás bêbada, Andreth. Irás arrepender-te disso! Não quero me aproveitar de ti e sua inocência.

 Andreth apoiou-se em um dos braços e inclinou seu rosto sobre o dele.

  - Já sou uma mulher florescida, meu Aegnor. Ajudei em partos das mulheres do meu povo e vi mais homens nus do que queria. - ela o beijou na boca e afastou-se um pouquinho. - Não me trates como uma criança, pois já vi as maldades e as belezas do mundo.

 O elfo suspirou novamente e fitou Andreth com paixão.

  - És minha salvação e minha perdição, doce mulher. Tens meu coração na palma de tua mão e ainda desejas o meu corpo e minha alma?

  -  Eu o desejo na mesma intensidade que tu me desejas, meu principe. - ela retrucou e acaricou mais uma vez a protuberância nos calções bordados à ouro dele. - Se me amas, dê-me alguma memória de ti para lembrar nas noites de inverno que enfrentarei, sozinha e amarga, até fenecer.

 Aegnor ponderou por algum tempo em silêncio.

  - Estou tentado a ceder diante de sua demanda, ó minha amada impetuosa, embora eu também saiba que irei ter que viver com o tormento de não poder sentir teus lábios nos meus durante toda a eternidade, ate Eru unir nossos povos novamente.

  -  Acalma-te, ó noldo! - Andreth o exortou.  - Estou farta de tristezas, reflexões e sabedoria, vamos nos amar durante esse pequeno infinito que foi ofertado para nós agora.

 Aegnor assentiu e beijou Andreth com fervor e, lentamente, ambos deitaram na relva. O príncipe noldo olhou  para a bela mulher abaixo de si e em seguida para as estrelas de Varda no céu escuro. Os Senhores do Oeste seriam as perfeitas, silenciosas e incontestáveis testemunhas da união do incomum casal.

Naquela noite, Aegnor reverenciou e beijou os seios de sua amada. E foi ficando ousado, descendo cada vez mais... ate fazer Andreth arquejar e gritar seu nome. Ela também devolveu a cortesia, fazendo Aegnor murmurar palavras em um élfico apressado que a jovem não conseguiu entender.

Quando, por fim, tornaram-se um só, estavam tão apaixonados e inebriados pelo toque do outro  que nem mesmo fazer amor sob as estrelas os incomodava. Depois, vestiram-se novamente e ainda ficaram um tempo deitados na relva e recostados um no outro. Andreth já cabeceando de sono e Aegnor triste e soturno pela separação que estava prestes a ocorrer.

  - Minha senhora, a hora é chegada. - Aegnor anunciou seriamente. - Não nos veremos novamente até que  Arda seja refeita e Eru, com misericórdia, nos permita a plena felicidade. Amo-te Andreth, nunca se esqueças disso. Mesmo quando partires desse mundo. Amo-te e meus pensamentos sempre estarão voltados para ti.

 Andreth quase derramou algumas lágrimas, mas conseguiu se conter a tempo. Sorriu para o elfo e o beijou.

  - Amo-te, meu príncipe. Minha vida humana pode ser finita, mas meu amor por ti  é eterno. Agradeço por ter me concedido essa doce memória, pois ela me esquentará até ao fim dos meus dias. Amo-te e sempre te amarei. Eu diria mais coisas, se não estivesse caindo de sono. Gostaria que esta noite nunca terminasse...

 E dito isso, ela se recostou no colo de Aegnor e dormiu rapidamente. Com o coração partido, Aegnor levantou-se e levou a adaneth em seus braços por um caminho discreto ate chegar em um aposento particular dentro dos salões de Finrod. A deitou na cama com gentileza e, fazendo uma preçe aos Valar, beijou-lhe a fronte e se despediu dela em silêncio. Saiu dos aposentos e fechou a porta, mas deixou um aviso para as criadas que Andreth repousava ali.

Por fim, voltou-se para o Grande Salão onde ocorria o festejo. Alguns casais ainda dançavam, mas o local estava calmo agora. A maioria dos humanos fatigados e bêbados ja haviam se retirado em seus aposentos  de convidados para dormirem. Lorde Celeborn dançava alegremente com a pequena Celebrian. Maedhros e Fingon riam de qualquer coisa perto da mesa das bebidas. Finrod cantava uma canção qualquer enquanto Maglor o acompanhava com uma harpa. Fingolfin conversava baixinho com seus filhos em outro canto. Galadriel e seus irmãos permaneciam no mesmo lugar de antes. Foi até eles e sentou-se e todos os olharam com curiosidade.

  - Irmão meu, achaste a adaneth? - perguntou Angrod sem conter a curiosidade.

  - O homem que a acompanhava não voltou para cá. - Orodreth o olhava com suspeitas.

  -  O que importa é que ela está bem. - Aegnor respondeu com firmeza. - Não desejo mais falar disso.

Galadriel sorriu para ele.

  - Leve-me para dançar, irmão. - ela  requisitou, ainda sorrindo enigmaticamente.

Surpreso, Aegnor levantou-se e estendeu uma das mãos para a irmã. Galadriel tomou sua mão e o juntos foram até a pista de dança.  Sabia que a irmã desejava lhe falar em particular.

Lentamente comecaram a dançar. Sua irmã poderosa e etérea dançava com uma fria elegância e por um bom tempo, não disse nada. Um casal bêbado de humanos dançavam alegremente, a gravidez dela era tão evidente que parecia que ela iria parir a qualquer momento. O príncipe noldo ficou ao mesmo tempo admirado e apreensivo diante daquilo. Conceber uma criança em tempos de guerra era algo tão irresponsável... mas eles pareciam tão felizes que Aegnor sentiu uma pontada de inveja por não poder viver aquilo com sua amada Andreth.

Aegnor já estava com a mente longe quando Galadriel comentou:

  - É incrível as coisas que os edain fazem por amor em tempos de guerra... uma pena que nossa gente não tenha os mesmos costumes.

 Aegnor soltou uma risadinha amarga.

  - Não imaginava que tu fosses do tipo romântica, minha irmã. - Aegnor a provocou apenas para levar um pisão intencional dela. Isso o fez sorrir e trouxe e volta as memórias da infância em um mundo perfeito e justo. - No entanto, o romantismo é a morte da razão. Não podemos ser românticos nesse mundo.

  -  E no entanto tu concedeste o desejo de Andreth antes de sua última despedida. - ela retrucou calmamente.

 Aegnor suspirou por um momento. Às vezes se esquecia dos dons especiais que sua irmã tinha... e sua capacidade feminina de detectar tudo e todos.

  - Diga, minha irmã, pensas que agi mal?

 -  Não penso uma coisa e nem outra. - Galadriel respondeu. - Tudo o que ela desejava era uma boa memória de ti e isso ela agora tem. - uma pausa e depois ela continuou: - Espero que ela viva bem os anos que lhe restam.

  - Eu também, minha irmã, eu também.

 Os dois irmãos se olharam ternamente quando a música terminou. E, num raro gesto de afeto público, sua irmã poderosa e sábia sorriu e o abraçou. Aegnor sentiu lágrimas quentes escorrendo em seu rosto. Em seguida, retirou-se apressadamente do salão e foi até seus aposentos.

Fitando a noite fria e estrelada de sua sacada, meditava mais uma vez sobre o destino dos homens e dos elfos, assim como a sombra de Morgoth, que pairava funesta sobre todos. Andreth não queria mais pensar naquelas coisas e queria se divertir. Queria aproveitar a vida antes que o cansaço e a velhice lhe arrancassem a vontade de viver.

Aegnor compreendia e respeitava isso. Mas ele mesmo era diferente e não conseguia deixar de pensar em tais assuntos. Elda, ele é.


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