Meu querido sonâmbulo 2 escrita por Cellis


Capítulo 26
Minha querida decisão


Notas iniciais do capítulo

E olha só quem resolveu dar as caras poucos dias depois de postar o último capítulo! Eu mesma e com um capítulo bem grandinho e cheio de respostas para algumas das maiores perguntas de vocês rsss.
Enfim, espero que gostem, porque esse capítulo me deu um baita trabalho kkkkk.

Boa leitura!



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A Kim Namjoon havia sido negado o direito mais constitucionalmente humano de todos: o de defesa. Havia um enorme burburinho ao redor do seu caso, afinal, não era todo dia que a polícia coreana — ou o Promotor Lee, aquele que mais especificamente vinha sendo estampado como grande herói nos plantões mais urgentes dos noticiários — capturava um criminoso tão bem articulado e sangrento. A população de Seul estava horrorizada com a audácia dos dois assassinatos que o Kim havia cometido ao esfaquear dois jovens, ambos homens de bem e filhos de famílias tradicionais, no meio da rua, como se não planejasse enfrentar nenhum tipo de punição para aquilo algum dia. Algumas senhoras moradoras de bairros mais interiores no país especulavam, inclusive, se aquele criminoso tão perverso não seria também o responsável pelo ataque ao candidato mais popular e cotado para ser o próximo prefeito de Seul, Song Donghae — mas nada sobre isso se falava na mídia, se tratando apenas de uma fofoca de bairro contida e sem fundamentos. 

Assim que a prisão de Kim Namjoon foi anunciada nos jornais, toda uma leva de defensores públicos começou a se movimentar dentro dos principais fóruns de Seul, sendo em sua grande maioria jovens recém-chegados no mercado de trabalho e que procuravam maior visibilidade, como se pudessem escalar o caso de Namjoon até lugares mais altos. Tratava-se, basicamente, de um caso perdido, já que o Kim muito provavelmente seria condenado pelas provas que existiam contra o mesmo e, obviamente, pela própria pressão da população e da mídia, mas quem quer que conseguisse colocar as mãos no mesmo estaria com o nome feito na praça; porque era assim que a banda tocava, gostassem ou não os seus ouvintes. 

Todavia, havia uma espécie de ordem superior para que ninguém pudesse chegar até Namjoon, fosse advogado, defensor público, repórter ou um mero curioso — ninguém estava autorizado a falar com o suspeito. Depois de ter sido preso em Guryong, o Kim tinha sido levado para uma delegacia em Seul e lá passara a noite, isolado em uma cela para que nem mesmo os outros presos tivessem contato com ele. Aquela atitude, que não seguia os protocolos habituais da polícia, começou a levantar suspeita até mesmo entre os próprios oficiais da delegacia e os que haviam participado da operação de captura de Namjoon, mas a todos eles foi dada a mesma resposta: apenas pessoas autorizadas poderiam ter acesso a um criminoso de tamanha periculosidade.  

O problema era que ninguém parecia ter aquela autorização. Namjoon passara a noite isolado em sua cela, recebendo apenas uma refeição e um cobertor de um policial que mal havia olhado em seus olhos. Ainda atônito com tudo o que estava acontecendo, ele perguntou, mas ninguém o respondia. Gritou no meio da madrugada por ajuda, mas a única resposta que obteve foi a dos presos da cela ao lado para que ele ficasse quieto. 

Estava completamente sozinho. Mas como tinha ido parar ali? Afinal, a única pessoa que sabia sobre o seu esconderijo era Shinhye, a própria que o levara até lá, mas ela jamais teria entregado o seu paradeiro. Alguém havia os seguido? Se sim, outras pessoas poderiam saber que Shinhye tinha o ajudado e, àquela altura do campeonato, ela poderia estar correndo perigo. Ou pior: poderia ter sido presa também. Aquele pensamento o aterrorizava mais do que especular o que a sua própria família poderia estar vendo nos noticiários sobre si naquele momento. Deveria ter feito alguma coisa para protegê-la. Não deveria ter se acovardado no dia que pensou em ir até a delegacia mais próxima para esclarecer tudo, afinal, a terapeuta que tanto o ajudara jamais teria sido citada em nenhum momento se ele pudesse contar a sua versão da história — porém, agora, ninguém estava disposto a ouvi-lo.  

Suspirou, sentindo um misto de raiva e frustração tomar conta de si naquela delegacia relativamente barulhenta. Era a primeira vez em toda a sua vida que ficava sozinho daquele jeito, pois sempre tivera a sua família ao seu lado, amigos... E, quando todos pareciam não ser mais suficiente para segurar a sua avalanche de problemas, ele ainda podia contar com Shinhye. Ela estava lá por ele até no momento da sua prisão, por mais que o Kim ainda não conseguisse entender o que ela fazia lá.  

Mas onde ela estaria agora? 

Namjoon só se deu conta de que o seu próprio futuro estava ameaçado naquele momento quando, no meio da manhã, um par de oficiais que ele ainda não tinha visto vieram até a sua cela. Um deles lhe passou uma bandeja com um pão e um pouco de café, enquanto o outro ordenou que comesse logo para que pudessem iniciar a sua transferência. 

— Vocês vão me levar daqui? — ele perguntou enquanto comia, apreensivo. — Para aonde? 

— Para aonde você acha que criminosos vão? — um deles respondeu, sarcástico. — Para a penitenciária, oras. 

Cutucado pelo companheiro oficial depois de dizer aquilo, o policial mais alto e bronco, aquele quem respondera o Kim, logo percebeu o erro que havia cometido: estava expressamente proibido de se dirigir a Namjoon. Ele tinha para si que aquilo tudo se parecia mais com uma espécie de proteção, como se alguém estivesse tentando ao máximo se proteger do que Namjoon tinha a dizer caso alguém pudesse ouvi-lo, mas, de qualquer modo, estava ali apenas para cumprir ordens e permanecer de boca e ouvidos fechados, então assim o policial o faria. 

Já o Kim, por sua vez, se desesperou ainda mais ao ouvir aquilo.  

— O que?! — exclamou. — Vocês não podem fazer isso! Eu sou inocente, não matei aquelas pessoas! Eu nunca machuquei ninguém. 

Aquilo era a sua aflição falando mais alto, já que, na verdade, Namjoon não tinha certeza de que de fato não havia machucado aquelas pessoas — sob quaisquer que fossem as circunstâncias, ele ainda poderia ter feito tudo aquilo do que lhe acusavam. Mas algo no seu interior dizia que não. Ele era inocente e, naquele momento de desespero, apenas tinha certeza daquilo. Mesmo que todos lhe acusassem de ser um assassino perverso, ele sabia que não era. 

Assim como Shinhye, agora ele acreditava em si mesmo. 

Mesmo com o rosto ainda dolorido e um pouco inchado pelos socos que levara na noite anterior, Namjoon se colocou de pé ignorando o rascunho de café da manhã que lhe fora dado. Foi só então que os dois guardas notaram que o Kim era mais alto que qualquer um dos dois e, naquele momento, parecia até mesmo mais imponente. Contudo, eles ainda eram dois. 

Namjoon tentou resistir, mas de nada adiantou. Além de não estar acostumado a usar de força bruta, ele ainda tinha o problema do joelho que nunca se recuperara completamente do atropelamento, o que dificultava a sua locomoção vez ou outra. Por isso, o Kim acabou deixando a delegacia imobilizado e algemado, sendo arrastado até a traseira do camburão que já o esperava do lado de fora. 

Com a respiração acelerada por conta do atrito físico, Namjoon acabou sendo jogado em um banco de ferro frio por onde provavelmente já haviam passado dezenas de outros criminosos. O policial mais alto, agora também o mais irritado, se sentou de frente para ele, o encarando com sangue nos olhos, enquanto o outro se sentou ao lado do motorista, um terceiro oficial cujo qual Namjoon não conseguia ver o rosto, já que ele usava boné e óculos escuros. 

— Vamos logo. — o policial no banco do passageiro rosnou e, sem dizer nada, o motorista deu partida no veículo.  

Namjoon não podia deixar aquilo acontecer consigo mesmo, não queria mais continuar abaixando a cabeça para todas aquelas dificuldades que a vida vinha lhe impondo, mas estava de mãos atadas naquele momento — literalmente, já que as suas algemas tinham sido acorrentadas a uma barra de ferro soldada no chão da traseira do furgão, onde os policiais costumavam prender os criminosos mais perigosos. Por isso, por mais impossível que aquilo pudesse ser, tudo o que o Kim podia fazer naquele momento era começar a pensar nos mais diversos jeitos de escapar daquele inferno; começando o seu ato ao escapar daquele carro, obviamente.  

Mas como faria isso? Estava duplamente algemado e, mesmo se conseguisse se soltar daquelas correntes, ainda teria que enfrentar três policiais altamente treinados? Pois bem, aquilo nitidamente não era possível, mas o Kim tinha que tentar alguma coisa. 

Tinha que começar a lutar por si próprio, caso contrário, continuaria apanhando tanto dos outros — e ali estavam os machucados no seu rosto para lembrá-lo daquilo — quanto da vida. 

Uma hora se passou e, em silêncio, Namjoon vinha fazendo todos os tipos de planos mentais possíveis na parte de trás do furgão policial. Não fazia ideia de onde estava, porém, pela vista restrita que tinha da janela do banco do passageiro, pareciam estar em uma espécie de rodovia interestadual. Aquilo já era de se esperar, já que a grande maioria das penitenciárias coreanas tinha sido construída em locais extremamente afastados das províncias e cidades; uma decisão bastante estratégica, o suficiente para que Namjoon não conseguisse sequer se localizar naquele momento.  

De repente, o furgão policial parou no que aparentava para o Kim ser um posto de gasolina, o que o pegou de surpresa. Os dois guardas que tinham ido buscá-lo dentro da delegacia também pareciam confusos, mas não chegaram a ter tempo de questionar o motorista. 

— Uma pausa não vai fazer mal a ninguém, não é mesmo? — o policial que dirigia o veículo se pronunciou. Por algum motivo, agora ele parecia ser alguém familiar para Namjoon, o que o levou a pensar se já não tinha o visto na delegacia antes. — Vocês podem ir primeiro beber um café ou o que seja, eu vou depois.  

— Você tem certeza? — o policial que estava atrás com Namjoon perguntou. Ele parecia bastante seduzido a aceitar a ideia do outro, perguntando aquilo apenas por desencargo de consciência. 

— Nós não podemos sair os três e deixá-lo aqui sozinho, não é mesmo? — o motorista questionou, rindo. Ou ao menos ele parecia estar, já que o seu rosto não estava exatamente visível para os outros naquele momento. — Vocês podem me pagar uma bebida mais tarde para me compensar, tudo bem.  

Os outros dois policias acompanharam o motorista em uma gargalhada satisfeita e, de bom humor, deixaram o furgão enquanto esticavam a coluna que já sentia o tempo de viagem na estrada. Pelo espelho retrovisor, o motorista viu um deles ir em direção ao banheiro, que ficava nos fundos do posto de gasolina, e o outro se dirigir até a loja de conveniência. Assim, de repente, ele e o prisioneiro ficaram sozinhos no veículo. 

Silêncio.  

Namjoon podia sentir que o motorista o encarava pelo espelho interno do veículo, porém, a sua posição não permitia que ele confirmasse aquilo visualmente. Seria aquela a sua chance? Agora, ao menos, seria uma luta de um contra um, mas... Namjoon ainda não fazia a menor ideia de como se livrar daquelas algemas. De qualquer jeito, precisava pensar em algo rapidamente, já que logo mais os outros dois policiais estariam de volta. 

Estava tão concentrado que, quando o celular do motorista do furgão tocou, interrompendo o silêncio tenso que se formara dentro do veículo, o Kim se assustou. De espreita, ele viu o policial sacar o mesmo do bolso e bufar, desligando a ligação logo em seguida. Ele não parecia querer falar com quem quer que estivesse lhe ligando, mas a pessoa do outro lado da linha não aparentava pensar a mesma coisa. Não demorou muito para que o aparelho voltasse a tocar e, irritado, o motorista atendeu logo no segundo toque. 

— O que você quer? — rosnou num sussurro ríspido para a pessoa do outro lado da linha.  

Namjoon o percebia cada vez mais familiar, ainda que sequer conseguisse ver a figura direito de onde tinha sido algemado.  

De repente, o homem pareceu abaixar um pouco a sua guarda. 

— Eu já estou com o pacote. Será entregue muito em breve e em segurança. — uma breve pausa, como se ele estivesse ouvindo a pessoa do outro lado da linha. — Eu prometo. — apressou-se em dizer. — Não precisa se preocupar. 

Dito isso, o homem não tardou a desligar o celular, encerrando a chamada sem se despedir de quem quer que havia lhe ligado. Pigarreou e, em seguida, fitou Namjoon pelo espelho interior do veículo exatamente como o Kim imaginava que ele estivesse fazendo já há algum tempo.  

— As coisas vão ficar um pouco apressadas a partir de agora. — comentou por alto, pegando Namjoon de surpresa. — Segure firme aí atrás, Kim Namjoon. Afinal de contas, eu não quero a minha irmã me olhando de cara feia de novo por ter machucado você. 

Por que aquele homem soava tão... 

De repente, num único estalo, Namjoon finalmente reconheceu a pessoa que vinha dirigindo silenciosamente aquele furgão por todo aquele tempo. 

— Kim Taehyung?! — questionou completamente surpreendido por aquela constatação. 

E aquela foi a única coisa que Namjoon conseguiu pronunciar antes que Taehyung arrancasse em velocidade máxima com o veículo, deixando para trás os dois policiais que o acompanhavam e que, felizmente, só notariam a sua ausência bem mais tarde. 

 

*** 

 

— Para aonde nós estamos indo? — Namjoon questionou pela décima vez enquanto Taehyung conduzia o veículo policial encostado ao limite máximo de velocidade permitido naquela rodovia. — E os outros policiais que ficaram para trás? Isso não é considerado uma fuga?  

— Você prefere ir parar no presídio? — o Kim mais novo rebateu, esgotado de tantas perguntas.  

Tenso atrás do volante, Taehyung finalmente avistou a rota de fuga que tinha em mente: um pequeno, quase imperceptível, desvio de terra naquela estrada interminável, o qual levava até uma imensa área de mata fechada.  

Ao menos estava mais próximo do seu destino

O Kim passou direto pelo desvio, percorrendo mais um quilômetro após o mesmo até alcançar uma pequena feirinha que já existia naquele local há algumas boas décadas. Ali costumavam parar muitos viajantes e turistas, pessoas que buscavam um pouco de ar fresco ou uma pausa de uma longa viagem de estrada, fosse para fazer um lanche ou comprar algumas recordações. O local estava movimento e, por isso, ninguém no meio daquela agitação notou um furgão policial estacionando um pouco mais distante das barracas, no acostamento. Taehyung parou o carro ali e, rapidamente, se livrou do uniforme de guarda — que um dia fora realmente o seu, antes da sua promoção — revelando uma roupa comum por debaixo do mesmo. Agora vestindo camisa e calça pretas, ele saltou do veículo e, com movimentos rápidos e discretos, foi até a traseira do mesmo; de onde resgatou um Namjoon completamente confuso.  

— O que está acontecendo? — o Kim mais velho perguntou enquanto Taehyung se livrava das suas algemas com uma chave mestra.  

De todas as ideias que havia tido naquele caminho, não era exatamente assim que ele estava planejando fugir. 

— Eu explico depois. — Taehyung respondeu e, em um passe de mágica, Namjoon agora era um homem livre de amarras físicas. — Agora nós não temos tempo para nada além de correr, então eu seria extremamente grato se você pudesse me ajudar com isso. 

Por um momento, Namjoon hesitou. Se colocasse os pés para fora daquele furgão, estaria se tornando oficialmente um fugitivo da polícia. Talvez nunca pudesse retomar a sua vida normal, contudo... Já não podia mais fazê-lo de qualquer jeito. Se não fugisse naquele momento, que tipo de rumo a sua vida acabaria tomando? 

Ele deveria, ao menos, tentar lutar por si próprio. 

E foi com esse pensamento em mente que Kim Namjoon saltou da traseira daquele furgão em direção à sua liberdade, por mais restrita que a mesma pudesse ser daquele momento em diante. Começou a seguir Taehyung e, para a sua surpresa, os dois estavam fazendo o caminho de volta de onde tinham acabado de vir, só que agora pelo acostamento da rodovia. O Kim mais novo andava na frente num ritmo constante, evitando ao máximo correr para não chamar atenção dos carros que passavam contra si na estrada. Assim, não demorou muito para que os dois percorressem de volta aquele quilômetro que os separava do desvio que Taehyung tinha em mente. 

Embrenharam-se pela mata. A trilha era apertada e quase sempre desconhecida pelos milhares de coreanos que transitavam pela aquela rodovia todos os dias, mas ainda havia espaço suficiente para que dois homens adultos pudessem percorre-la até que desaparecessem de qualquer radar capaz de rastreá-los. Namjoon estava exausto por causa da noite que acabara de passar em claro e do ambiente um tanto hostil da delegacia, além de dolorido e com sede, mas nada daquilo importava naquele momento. Jamais imaginaria que a mesma pessoa que havia o socado na noite passada, seria aquela a ajudá-lo em sua fuga aparentemente impossível naquele momento, mas aquilo também pouco lhe importava. O Kim apenas continuava seguindo o ritmo e a persistência de Taehyung, colocando para fora toda a força que havia suprimido dentro de si durante todos aqueles anos. 

Estava finalmente liberto.  

Caminharam até que o próprio Namjoon perdesse a noção do tempo, até que finalmente alcançaram uma larga clareira na mata. Ambos estavam sujos, um pouco arranhados pelos galhos das árvores que haviam encontrado pelo caminho e ofegantes, então Taehyung foi o primeiro a parar e, com um gesto feito no ar com a mão, indicou que agora o mais velho poderia fazer o mesmo. Respiraram por um momento, até que Taehyung finalmente fitou Namjoon.  

— Por um momento, eu achei que você não fosse vir. — o Kim mais novo comentou, recuperando o fôlego.  

— Mas eu não ia. — Namjoon rebateu e, por mais que Taehyung estivesse o ajudando até ali, não sentiu a necessidade de se explicar. — Você tem certeza de que é seguro ficar parado aqui? 

— É seguro, você não precisa se preocupar com isso. — Taehyung respondeu, firme. — Se aqueles dois policias já tiverem notado a nossa ausência, o que eu acho difícil, terão que nos procurar rodovia afora, já que eu desliguei o rastreador do carro antes de nós deixarmos a delegacia. Eles são do tipo que não darão o braço a torcer e assumirão que perderam um criminoso, então começarão as buscas por si próprios. Precisarão de um carro primeiramente e, assim, acabarão parando na feira, pois foi lá que eu abandonei o furgão. Pode ter certeza de que os dois ficarão um bom tempo por lá antes de se darem conta do quão idiotas são. 

Ao término da fala explicativa de Taehyung, um breve silêncio se instaurou entre os dois. 

— Você realmente pensou em tudo. — o mais velho admitiu. — Mas... por quê? Por que você está me ajudando e fazendo tudo isso por mim? 

— Eu não estou fazendo nada por você, Kim Namjoon. Que isso fique bem claro, inclusive. — o Kim retrucou. — Eu estou fazendo essa loucura toda pela minha irmã. 

Ao ouvir aquilo, Namjoon deu um pulo onde estava. 

— Como ela está? — ele perguntou, ansioso. — Eu não consigo parar de pensar que, por minha causa, ela quase... 

— Quase morreu. — Taehyung o interrompeu, completando a frase do outro do jeito que ele menos esperava, o que o fez arregalar os olhos. — Sim, Namjoon, a Shinhye quase morreu ontem à noite. Foi quando essa bagunça toda começou. 

— O que aconteceu?  

Taehyung não pode evitar que um riso nasalado o deixasse de forma um tanto descrente e irônica. Tinha se esquecido do quão no escuro Namjoon estava no meio de todo aquele caos. 

Por mais que ele fosse o personagem principal daquela peça, era também a pessoa que menos sabia dos acontecimentos. 

— O nome Song Donghae o faz lembrar de alguma coisa? — o mais novo questionou, ainda que já fizesse uma ideia de qual resposta receberia para aquela pergunta. 

Namjoon pensou um pouco e forçou a mente, mas nada parecia vir à tona. 

— Não. — respondeu. — Quem é esse? 

— Esse é o juiz que julgou e inocentou Jung Hoseok e Kim Seokjin pelo seu atropelamento. Atualmente, ele também é candidato a prefeito de Seul. — Taehyung explicou com certo desdém na voz, dada a ironia daquela situação. Um juiz descaradamente corrupto acabaria se tornando o próximo prefeito da capital do país. — Ontem à noite, durante um dos seus comícios, Min Yoongi tentou atacá-lo na frente de todos com uma seringa contendo cianeto, mas acabou acertando a minha irmã ao invés do juiz. 

— O que?!  

— Ela está bem, como você mesmo viu ontem. Yoongi a espetou, mas não chegou a injetar realmente o veneno. — o Kim se apressou em explicar, antes que Namjoon entrasse em colapso de vez diante de todas aquelas informações. Riu, amargo. — Eu deveria agradecê-lo por poupar a vida da minha irmã? 

— Como ele pôde fazer isso? — o mais velho murmurou para si próprio, em choque. — Eu deveria ter percebido quem ele era de verdade. 

— Exatamente, Kim Namjoon. O seu amigo é um psicopata e você está levando a culpa pelas ações dele, só que parece não se dar conta disso. — Taehyung afirmou. — Você foi preso, mas onde ele estava? Você apanhou, mas ele o ajudou em algum momento? Ele só está o arrastando cada vez mais para lama e já passou da hora de você acordar para ver isso. 

Em silêncio, Namjoon apenas refletiu sobre o que Taehyung acabara de dizer. Como podia ter sido tão cego durante todos aqueles anos? O Kim mais novo estava certo: já estava mais do que na hora dele acordar para enxergar o verdadeiro Min Yoongi. Havia provas contra o Min e Shinhye as tinha, independente da validade jurídica das mesmas, e todas aquelas ações sórdidas tinham realmente sido cometidas por ele — assassinatos. Por qualquer que fossem os motivos pelos quais Yoongi estivesse cometendo aquelas atrocidades, absolutamente nada justificava o que ele estava fazendo. 

E Namjoon precisava enfrentá-lo. 

— Obrigado. — o Kim mais velho disse, por fim. — Por mais que você esteja fazendo isso pela Shinhye, eu não teria saído dessa se não fosse por você. 

Em silêncio, Taehyung avistou uma pedra que parecia estar ali na mata há um bom tempo, imponente e imóvel. Caminhou até a mesma e se sentou ali.  

— Sabe de uma coisa? O acordo que a minha irmã fez com o Promotor Lee e o Juiz Song não envolvia a sua fuga. — o mais novo contou, calmo. — Você passaria uns dias na delegacia, o suficiente para irritar Yoongi e fazê-lo aparecer novamente. As apostas eram que, ao ver o rosto de Lee Jihoon estampado em todos os jornais e noticiários como sendo a pessoa que o colocou atrás das grades, o Min viria atrás dele. É um plano arriscado, obviamente, mas válido. — pausou e, por fim, encarou Namjoon. — Mas nós dois já sabíamos que nem o juiz e muito menos o promotor cumpririam a sua parte do acordo. 

— Eles que me mandaram para o presídio? — Namjoon perguntou, acompanhando relativamente bem aquela linha de raciocínio. — Mas por quê? 

— Garantia. — Taehyung respondeu, simples. — Se as coisas dessem errado, eles ao menos poderiam culpar você por tudo e deixá-lo apodrecendo na cadeia, ou pelo menos até que todos esquecessem essa história. Não era o ideal, mas ainda funcionaria bem para eles. 

— Então vocês armaram tudo para me resgatar. — o Kim mais velho concluiu em voz alta. 

— A noona sabia que isso ia acontecer, então ela armou tudo pelas costas daqueles dois. — o outro afirmou. — Mesmo internada no hospital, ela ainda pensou em tudo.  

— Ela é esse tipo de pessoa... — Namjoon comentou em voz baixa, internamente chateado por ter dado todo aquele trabalho para Shinhye. 

De novo. 

— Você sabe que tipo mais de pessoa ela é? — o Kim mais novo comentou, sem esperar nenhuma resposta de Namjoon. — Ela é do tipo que sempre tem alguma coisa a dizer. Ela sempre se impõe, expõe o que pensa... Porém, quando você foi preso ontem, ela emudeceu. — Taehyung pausou a sua fala por um momento, lembrando-se do olhar da irmã na noite anterior. — A última vez que eu a vi daquele jeito, engasgada com as próprias palavras, foi há exatos doze anos atrás. E foi por minha causa. 

Até aquele dia, Taehyung e Shinhye tinham uma relação normal de irmãos. Brigavam por coisas bobas do dia a dia, claro, mas sempre faziam as pazes e voltavam a se aproximar naturalmente. Porém, naquele dia específico, a relação entre os irmãos se abalou de um modo que não foi mais possível reconstruí-la de volta ao seu normal.  

— Naquele dia, o nosso pai chegou em casa bêbado e irritado. Ele era esse tipo de pessoa. — Taehyung começou a contar, parecendo perdido nas próprias memórias. Era a primeira vez que Namjoon o via daquele jeito — Ele esperava muito de mim, sabe? E eu não era o melhor dos alunos... Ele sempre se irritava quando via o meu boletim, mas naquele dia foi muito pior. Eu só me lembro dele vindo na minha direção, mas, de repente, alguém me defendeu. Eu não sofri nem um único arranhão naquele dia, mas isso às custas da minha irmã. Ela me defendeu e acabou apanhando no meu lugar. 

— Eu... — o Kim mais velho iniciou, sem saber ao certo o que dizer. — Eu sinto muito. 

— Isso porque você não ouviu o restante da história. — o policial rebateu e riu, cansado. — Sabe o que eu fiz? Eu gritei com ela. A minha irmã estava caída no chão e eu me lembro nitidamente de um filete de sangue escorrendo pelo canto da sua boca, mas eu ainda tive a coragem de me irritar e gritar com ela. “Eu não preciso que você me defenda.”

Taehyung tinha pouco mais de dez anos naquela época e, sem sequer compreender aquela situação direito, se chateou ao achar que a irmã acreditava que ele não fosse capaz de suportar um soco do pai. A atitude da mais velha fez com que aquela criança, imatura e mal criada, interpretasse como uma ofensa um ato instintivo de proteção. Mais tarde, obviamente, Taehyung finalmente percebeu o que Shinhye realmente tinha feito por ele, mas já era tarde demais.  

— Nós nunca tivemos uma família, de fato. O nosso maior ponto em comum, talvez um dos poucos, é que nós queremos cuidar e proteger um ao outro, nos amamos como irmãos, mas simplesmente não sabemos como colocar isso em prática. — Taehyung prosseguiu. — Não havia ninguém para nos ensinar como nós deveríamos nos expressar e tudo mais e, por isso, nós nunca o fizemos. A nossa relação se desgastou até chegar num ponto que só não se rompeu por completo por puro instinto. A verdade, Kim Namjoon, é que eu não sei como cuidar e proteger a minha própria irmã, muito menos sei como dizer isso a ela. 

Estavam quebrados. Como irmãos, ambos tinham falhado um com o outro e jamais seriam capazes de consertar aquilo. 

— Vocês são irmãos. — Namjoon tentou consolá-lo. — Irão se entender em algum momento. Se não for com palavras, será através das suas ações. 

— Você sabe como fazer isso, não é mesmo? — o Kim mais novo indagou e, finalmente, voltou a fitar Namjoon. — Claro que sim, você deve ter crescido em uma boa família, amado e bem cuidado. Eu não gosto de você e não escondo isso, Kim Namjoon, mas seria hipócrita da minha parte se eu não reconhecesse que você sabe como cuidar bem da minha irmã, por pior que seja a sua situação nesse momento. 

— Eu... 

— Não repita os meus erros. — Taehyung o interrompeu, sério. — Você sabe o que fazer para proteger a minha irmã dessa bagunça que ela insiste em se meter, então não hesite em fazê-lo.  

Em silêncio, Namjoon encarou o mais novo. Até algumas horas atrás, sentia raiva do mesmo por tê-lo socado ontem, antes da sua prisão, mas naquele momento sentia-se grato. Do seu jeito brusco e frio, Taehyung ao menos tinha lhe mostrado a verdade. 

— Eu preciso pegar Min Yoongi. — Namjoon concluiu para si mesmo de modo decidido. 


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Notas finais do capítulo

E não é que o tal pacote era o Namjoon kkkkk? Espero que tenham gostado dessa "virada" do Namjoon, de saberem um pouquinho mais dos planos da Shinhye e entendido um pouco melhor da relação dos irmãos Kim (eu queria taaaaanto contar essa parte conturbada da história dos dois, sério).
Não sei se consigo voltar aqui no nível The Flash de novo, mas juro que vou tentar não demorar kkkk.

Até breve ♥



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