Estranho escrita por Éclair Cerise


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Gente, eu sou muito fã da saga, desde pequena... e depois de refletir várias vezes sobre toda a ideia que Digimon Adventure Tri passa, criei essa história, no banco do ônibus voltando pra casa. Acho que quem é fã assim como eu, vai se identificar.
Espero que gostem :)



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Estranho. 

Era tudo o que Yagami Taichi sentia naquele momento. Uma estranheza por si mesmo. Afinal, não era de uma hora para outra que seus próprios sentimentos o traíam, ainda mais sentimentos que ele tinha total certeza de que nunca mudariam.

O dia estava ensolarado em Odaiba, e o líder dos Digiescolhidos, descansava em um parque, com um pedaço de papel nas mãos. Esta era a resposta que ele ansiava, mas temia a ponto de ter entrado em pânico quando leu aquela carta pela primeira vez.

"Prezado Sr. Yagami Taichi,

Temos o imenso prazer de contatá-lo para informar que o Sr. foi classificado para uma vaga no curso de Ciências Políticas..."

E por aí vai...

Ele suspirou, guardando a carta no bolso, pensando no quanto sua vida mudara nos últimos tempos. Agora com 18 anos, ele tinha prestado vestibular e se pegou pensando no quanto Jou fora corajoso de deixar tanto para trás para seguir seus sonhos.

Ou melhor dizendo, para crescer.

Ainda não havia pensado nessa possibilidade, a vida lhe parecia um presente, agora que Agumon vivia em seu mundo, na sua rotina. O dinossauro laranja foi quem fez Taichi manter os pés no chão desde então, uma vez que quase todo o grupo estava... crescendo. Escolhendo carreiras, estudando... alguns casando, se envolvendo em novos laços e esperando ter um futuro promissor. Mas Yagami Taichi pensava, até então, que seus maiores problemas sempre seriam mais uma batalha, ou planejando mais um verão no Mundo Digital.

Era realmente muito estranho.

Contudo, o mais estranho era perceber que seus sentimentos estavam mudando de uma forma inesperada. Pensava que sempre iria enrubescer com a presença de Takenouchi Sora, sua melhor amiga durante toda a vida. Suspirou e sorriu ao pensar que ela havia se tornado uma linda moça, com seus cabelos ruivos e olhos avermelhados brilhando alegremente. Um sentimento tão puro que fazia o jovem Digiescolhido não ter um pingo de sua maior virtude: coragem.

Sempre se pegava pensando na amiga, e em todas as oportunidades que teve para avançar sua relação, contar à ela. Mas até esse pequeno passo já mostrava ao jovem que eles não eram mais crianças, que era uma atitude definitiva e marcava um encerramento de todo aquele sentimento de amigos que conviviam e se aventuravam juntos. O problema era que seu melhor amigo, Ishida Yamato já havia conquistado o coração da ruiva, o que fez Taichi repensar em toda sua vida ao lado dela. A amava desde crianças e isso sempre foi reconfortante, pois ele sabia que remetia ao tempo em que tudo era bem mais leve e as escolhas não eram tão cruciais.

O sentimento que nutria por Sora era um acalento para sua angústia de se tornar adulto, e todas as vezes que pensava na amiga, revivia seu passado e mantinha um sorriso alegre e descontraído, por ter vivido uma vida tão cheia de histórias para contar. 

Porém, algo mudou com o tempo...

No início, Taichi sentia ciúmes da nova relação de Sora e Yamato. Ficou um tempo evitando se encontrar com eles e na verdade, só conseguiu superar depois que os novos eventos aconteceram, no Ensino Médio. Sabia que queria vê-la feliz, e sentiu que até o temperamento explosivo e agressivo de Yamato havia se acalmado. Por diversas vezes, se sentiu só, incapaz de achar que seus sentimentos infantis e puros pela moça fossem embora de seu coração, impossibilitando-o de seguir em frente. Sua ligação mais forte com os tempos de infância.

Até que a conheceu.

Mochizuki Meiko.

Mais uma vez, sorriu ao pensar na menina tímida que conhecera no segundo colegial – e que acabara entrando também em seu coração.

No início, Taichi não entendia como alguém podia ser tão tímido. Nem Izumi Koushiro, que era o mais introvertido dos Digiescolhidos, agia dessa forma. Ela quase não conseguia pronunciar frases completas, ou deixar de se desculpar todas as vezes que dava sua opinião. Sinceramente, achou que a menina nunca o interessaria.

Como sempre, estava redondamente enganado.

Quando a viu em batalha, algo despertou dentro de seu peito. Sentiu a necessidade de protegê-la, de dizer que iria ficar tudo bem, mesmo que ela não precisasse dele. Sentia muito por tê-la longe, já que depois que Meicoomon se foi, Meiko voltou para Tottori, para ficar um pouco longe de toda a confusão – e para não se sentir tão só vendo que sua parceira havia partido.

Taichi sacou o celular do bolso e o encarou. Era comum que ele e Meiko se comunicassem por e-mail, mas sentia uma certa necessidade de escutar a voz melodiosa da moça de cabelos negros. Ao mesmo tempo, sabia que não tinha nada a ver com o Mundo Digital. Queria abraçá-la, olhá-la nos olhos... aqueles olhos determinados e doces, que subitamente fazia seu coração pular uma batida.

"Acho que não faz mal tentar", pensou ele. Olhou para o aparelho novamente, e depois para a carta. Munido de coragem, discou os números que seus dedos memorizaram com o tempo e esperou que ela atendesse.

— O-olá, Taichi! – ela atendeu depois do terceiro toque, e sua voz baixa e tímida fez Taichi corar.

— Liguei para saber como você está... – decidiu começar suavemente, pois sabia que quando nervosa, Meiko se enrolava toda.

— Ah... você sabe... um dia de cada vez. Mas no geral, estou muito bem. E você, como está?

— Hm... – ele se deteve ao telefone, procurando uma resposta para aquela pergunta. Como estava? Ansioso? Confuso?

Totalmente confuso.

— Taichi? – perguntou Meiko, de forma preocupada.

— Estou bem... um pouco confuso, na verdade...

— Confuso...?

— É que eu recebi uma resposta que eu estava esperando... da faculdade – franziu o cenho na última palavra. Ainda estava sendo difícil processar a informação.

— Bem... e é algo que eu possa te ajudar? Não era o curso que você queria...? – a moça sorria diante a situação. Taichi não era de todo um cara durão que sabia o que fazer, e isso o deixava extremamente doce.

— Na verdade, acho que não é uma questão de ajuda. Eu só estou confuso porque eu não imaginei que crescer seria assim, complicado... Antes eu só me preocupava com os problemas do Digimundo, com a escola, que é bem mais fácil. Você vive a sua vida inteira tendo os mesmos amigos, os mesmos sentimentos... e de uma hora para outra, as rédeas vêm para as suas mãos. Eu olho pros lados e vejo que todos estão se esforçando e fazendo um bom trabalho. Acabo me sentindo um estranho no meio deles... – Taichi confessou aquilo tudo com o coração angustiado. Havia sim conversado sobre aquele sentimento com Koushiro e Hikari algumas poucas vezes, e superficialmente. E nunca conseguia achar um sentido para deixar tudo para trás e seguir em frente.

— Entendo... 

— Entende mesmo?

— Claro que sim, Taichi... como você acha que me senti depois de perder a Mei? – Meiko respondeu com a voz tristonha.

— Ah! Me desculpe, Meiko! – Taichi se sentiu um idiota. Não conseguia nem puxar um assunto que não deixasse a garota de quem gostava triste. Riu internamente, avaliando se deveria mesmo ter começado aquela conversa.

 — Está tudo bem, Taichi... eu disse que entendo porque depois que perdi a Mei, me isolei de todos vocês. De certa forma, me perguntei por quê a vida tinha me escolhido pra sofrer tanto por alguém que esteve comigo desde sempre, alguém que eu criei um vínculo... – ela continuava falando baixo, pacificamente – Dói demais.

— Olha, me desculpa por isso, podemos conversar sobre outra coisa, se você qui...

— Não se desculpe, eu quero falar. Você já me ajudou tanto... – ela disse, abrindo outro sorriso e deixando Taichi corado mais uma vez – O que eu quero dizer é que vocês têm uns aos outros. Cresceram e viveram aventuras durante toda uma vida. Eu e Mei sempre estivemos sozinhas. Tínhamos somente uma à outra. E depois que ela partiu, eu fiquei me perguntando, me culpei...

— Mas a culpa não foi sua! 

— Não foi, mas eu estava triste. Me senti só. Mas depois eu entendi... Meicoomon foi parte da minha vida, ela me ensinou o que é amar, acima de todos os defeitos que alguém possa ter. E daí eu soube que ela teve o papel dela em minha vida. O mais importante papel, que nem meus pais têm hoje em dia. Ela me ensinou a formar meu caráter, a ser quem eu quero ser... a tomar decisões... e acho que você não se deu conta ainda de que o Agumon e os outros também têm esse papel, porque ele ainda está ao seu lado... – o tempo todo, Meiko foi serena em suas palavras, e Taichi sabia que parte disso era pra não fazê-lo se sentir culpado.

— E no mais... acho que você só está com medo... –Taichi engoliu em seco as palavras dela e Meiko deu um risinho antes de continuar – Medo não é sinônimo de covardia, Yagami Taichi. Ele só nos faz agir com cautela pra ver se vai dar certo. 

Taichi ficou pensativo e não respondeu. Meiko tinha dito tudo o que ele queria ouvir. Mas ainda tinha uma coisa pesando seu peito...

— Meiko, eu... – começou a suar frio, tinha medo do rumo que a conversa poderia tomar, mas arrumou seus pensamentos e continuou – Ainda tem uma coisa que me segura firmemente ao passado... um sentimento.

— Um sentimento?

— Sim... eu tinha sentimentos em relação a uma determinada pessoa e depois, outra pessoa tomou esse lugar e fez tudo virar de cabeça para baixo. Era a minha ligação mais forte com todas as minhas experiências no Digimundo e comigo mesmo...

— Bom... eu... eu não sei o que você está passando. Mas como eu ia dizer, as coisas mudam, não é? Eu perdi a maior ligação que eu tinha com o Digimundo, isso não quer dizer que ela não seja mais importante. 

Mais uma vez, as palavras de Meiko entraram em seu coração, tirando um pouco daquele peso todo. Será que se ele tentasse...?

— O que eu quero dizer, Taichi, é que você pode ter seus sentimentos ressignificados dentro de você. Porque se você os têm por outra pessoa agora, não significa que você não tenha deixado essa primeira pessoa sem a importância dela. Às vezes, só precisamos crescer e amadurecer pra seguir em frente, deixando cada coisa em seu lugar.

— Meiko... – ele ia prosseguir, mas parou. Precisava pensar sobre o que tinha acabado de escutar. Porém, não conseguiu impedir que um grande sorriso se espalhasse por seu rosto – Muito obrigado. 

— Ahn...!? Por... por nada, Taichi! – Meiko estava corada e seu coração batia irritantemente rápido demais, mas ela não se importou. Estava feliz por ajudá-lo.

— Preciso desligar, mas logo nos falamos novamente, tudo bem?

— Claro! Até mais!

— Até mais... – ele desligou o telefone e se esticou no banco do parque – Meiko...

Taichi então olhou para o papel esquecido ao seu lado e sorriu. Ele já não pesava mais como antes e enquanto se levantava, surgiu o pensamento de que talvez crescer não fosse tão ruim assim...

*****

Depois de um pequeno jantar em comemoração pela admissão e depois de muito choro de sua mãe, Yagami Taichi estava deitado em sua cama, ao lado de Agumon, que dormia profundamente. O digimon já era tão pequeno comparado a ele, que de certa forma, ele sentia mais e mais ternura quando olhava para o velho amigo.

Agradeceu mentalmente à Agumon por todos os momentos que tiveram juntos. Se não fosse seu amigo, Taichi não teria sido tão feliz. Olhou a foto antiga, que fora tirada pouco antes de voltar do Digimundo pela primeira vez. Estavam todos tão diferentes... e percebeu que todos ali estavam fazendo o melhor que podiam, graças à infância e adolescência que tiveram. Lembrou das palavras de Meiko naquela tarde e sorriu... e sentiu mais coragem do que nunca de crescer.

Pois sabia que talvez um dia, Agumon poderia não ser seu único companheiro de vida.

"É, crescer é estranho", pensou enquanto seus sonhos o levavam à Tottori, aquecendo seu coração.

 


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Notas finais do capítulo

Esperam que tenham gostado. Fiz uma parte enquanto estava voltando pra casa e outra quando cheguei, mas gostei da essência e do rumo que esse one-shot teve :)



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