A Herdeira escrita por Nany Nogueira


Capítulo 19
O Chalé da Bruxa




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Nos dias que se seguiram, Doralice, Felipe, Heitor e Jesuíno viajavam por toda Seráfia em busca do paradeiro da pequena Vitória.

Anita permaneceu no Palácio, cada dia mais triste, abatida e magra, pois não sentia fome, só uma angústia crescente e o medo de nunca mais ver a sua filha.

Maria Cesária, Rei Augusto, Rainha Helena e Açucena faziam companhia à Rainha Anita e a viam definhar, sem saber o que fazer.

Rei Augusto tentava compartilhar a experiência dele de ter uma filha desaparecida por 20 anos e contava como nunca havia perdido a esperança de encontra-la, mas Anita chorava copiosamente ao ouvir, pensando que não gostaria de passar 2 décadas longe da sua filha, sem vê-la crescer.

Açucena era carinhosa com a nora e falava que tinha certeza de que os viajantes retornariam com Vitória nos braços, que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar e que sua neta não ficaria desaparecida tanto tempo quanto ela.

Maria Cesária fazia as comidas e os doces preferidos de Anita, a fim de animá-la, mas ela não tinha vontade de tocar na comida.

Rainha Helena colocava a cabeça da neta no seu colo, acariciava os seus cabelos e cantarolava para ela, como fazia quando a moça ainda era uma pequena menina.

Mas, nada parecia ajudar.

Depois de meses, Doralice, Felipe, Heitor e Jesuíno voltaram de braços vazios e ainda mais tristes. Anita desmaiou ao constatar que não conseguiram encontrar Vitória, sendo amparada e carregada pelo marido até à suíte do casal.

Uma criada apareceu trazendo vinagre para a Rainha cheirar, fazendo-a despertar.

Anita olhou para o marido e caiu em prantos. Rei Heitor a abraçou e pediu que a criada se retirasse, dizendo à esposa:

— Me perdoe, meu amor! Eu não consegui proteger vocês e não consegui encontrar a nossa filha. Eu me sinto um péssimo pai, um péssimo marido, me sinto muito culpado – chorando também.

Anita limpou as lágrimas do marido com as mãos, falando:

— Você não teve culpa de nada, foi tão vítima quanto nós.

— Então você me perdoa?

— De quê? Não há nada o que perdoar. Apenas me prometa que nunca vai desistir de procurar a nossa filha.

— Eu nunca vou desistir, meu amor... nunca – beijando-a delicadamente nos lábios.

Naquela noite, Anita teve um sonho. Via-se caminhando no mesmo bosque em que teve Vitória tirada de seus braços, via aquela bruxa, que dizia:

— Somente Vossa Alteza pode vir resgatar a menina. Eu a tirei dos seus braços e vou devolvê-la apenas a Vossa Majestade, desde que me faça uma promessa. Venha, estou te esperando com a menina.

Anita acordou sobressaltada e despertou Heitor que dormia ao seu lado:

— O que houve, meu amor? Um pesadelo?

— Mais ou menos. Preciso ir amanhã para o Castelo de campo.

— Estamos em época de chuvas, a estrada fica ruim, alaga, enche de lama, pode atolar os veículos. Por que quer ir?

— Foi lá que perdi a nossa filha e meu coração sente que é lá que vou encontra-la.

— Foi o primeiro lugar que a procuramos quando saímos em busca dela, meu amor. Reviramos cada milímetro daquela área e nada. Lá não estava. Ninguém sabia de nada, ninguém nunca nem viu essa bruxa que você descreveu.

— Vocês não a encontraram, mas eu vou.

— Você está fraca, está emagrecendo, mal come, passa os dias nessa cama, chorando, sem pegar sol. Não terá forças para uma viagem difícil, temo pela sua saúde. Já perdemos a nossa filha, se algo acontecer com você, não vou suportar.

— Se teme que algo me aconteça, me ajude a ir para o Castelo de Campo procurar a nossa filha. Como você mesmo disse, estou definhando nessa cama. Eu vou morrer se continuar aqui.

— Está bem, vou falar com os criados amanhã cedo para que preparem tudo, vamos ao Castelo de campo.

Anita abraçou o marido, agradecida. Ele beijou o topo da cabeça dela, preocupado.

Na manhã seguinte, Anita, Heitor e Doralice, que não admitiu que a filha fosse sem ela no estado em que se encontrava, partiram para o Castelo de Campo.

Como previsto por Heitor, chovia muito, a visibilidade da estrada era ruim e tiveram que fazer paradas em hospedarias de beira de estrada para esperar a chuva dar uma trégua.

O carro atolou próximo ao Castelo e tiveram que contar com ajuda de camponeses da região para desatolar.

Assim, a viagem demorou bem mais que o previsto, aumentando a ansiedade de Anita, mas a mãe e o marido repararam que ela se alimentava melhor e estava mais corada, como recobrando as forças para encontrar a sua filha.

No Castelo, foram recebidos na entrada por todos os criados a postos, que fizeram reverências e se ocuparam de pegar as bagagens e instalar os monarcas.

Anita mal entrou e já quis ir para o bosque, mas Heitor a conteve:

— Está chovendo muito, meu amor. Você viu como o carro atolou. É perigoso você andar no meio desse lamaçal.

— Eu vim aqui para isso.

— Eu entendo, mas peço apenas que espere um pouco. Talvez o tempo melhore amanhã e seja mais fácil andar por aí. Eu prometo que vou com você.

— Está bem, mas vou esperar apenas até amanhã.

Heitor achou melhor não discutir, apenas acariciou o rosto dela e sorriu.

Naquela madrugada, Anita sonhou novamente com a bruxa dizendo:

— Vossa Majestade está perto. A sua menina a espera, está saudosa da mãe, Venha logo, mas venha sozinha. Verá o meu chalé do bosque e eu a estarei esperando com a menina. Venha agora!

Anita acordou, viu que Heitor dormia profundamente ao seu lado. Levantou-se sem ascender a luz e sem fazer barulho, com cuidado.

Pegou um casaco grosso e comprido, forrado com pele e saiu devagar do quarto. Desceu as escadas, todos dormiam no palácio. O silêncio era total.

Quando chegou à porta, percebeu que os guardas faziam ronda na parte externa. Decidiu sair pela ala dos empregados. Ali também havia segurança, mas apenas dois guardas que conversavam entre si desatentos. Anita passou devagar, sem ser percebida.

Na cozinha, havia pego um lampião e o ascendeu quando se afastou mais do Castelo. Adentrou ao bosque imerso na escuridão. Ouvia os pios de corujas, os sons de morcegos em bando, o rastejar de serpentes, os uivos de lobos, os sons de grilos e cigarras... sentiu medo, mas a vontade de encontrar a filha era maior que tudo.

Continuou caminhando e como no seu sonho, avistou o chalé iluminado distante. Pensou como não havia reparado nele antes. Caminhou até ele com todas as suas forças, assustando-se com vôos de morcegos muito próximos, dentre outros sons de animais que se aproximavam, orou para Santa Eudóxia, pedindo proteção e coragem. Assim, foi seguindo em frente, cada vez mais perto do chalé, lembrou-se que era filha da corajosa Doralice e tinha que ter um pouco da coragem dela dentro de si também.

Quando estava chegando, teve o seu caminho interrompido por um animal enorme, iluminou com o lampião e viu que se tratava de um lobo, o susto foi maior quando constatou que ele não estava só, havia outros com ele, que a cercavam e se aproximavam, ela era a presa deles.

Reforçou as orações, implorou a Deus, pediu com todas as forças para que não a matassem antes que ele tivesse a chance de ver a filha novamente.

Fechou os olhos e os abriu quando ouviu uma voz que já conhecia.

A bruxa que levou sua filha e que lhe aparecia em sonhos espantava os lobos, que de uma forma inexplicável a obedeciam de cabeça baixa, afastando-se.

— Está tudo bem agora, Vossa Majestade! Foi corajosa em atender ao meu chamado.

Anita a encarou, sem entender:

— A senhora me chamou mesmo? Não foram apenas sonhos?

— Não foi e Vossa Alteza sabe disso, tanto que veio até mim, arriscou-se de todas as maneiras para chegar aqui.

— Uma mãe desesperada é capaz de tudo.

— Eu sei e peço perdão por ter lhe causado tanta dor, mas era necessário.

— Como poderia ser necessário? – gritou Anita, nervosa.

— Venha até o meu chalé, sua filha dorme como um anjo. Precisa tomar um chá para se acalmar.

— Não quero nada que venha da senhora.

— Mas, quer a sua filha que está lá. Então, venha.

Anita acompanhou a bruxa.

No chalé, ela perguntou ansiosa, tão logo entrou:

— Cadê a minha Vitória?

A bruxa apontou para um pequeno berço de palha, sobre uma mesa de madeira mal acabada. Anita correu e viu Vitória dormindo serenamente. Tomou-a nos braços, caindo em prantos, tomada pela emoção:

— Minha filhinha, pensei que nunca mais a veria, pensei que morreria de tanta dor!

A bebê acordou assustada e começou a chorar. Anita a embalou dizendo:

— Sou eu, a sua mamãe, será que não se lembra mais de mim?

— O laço de mãe e filha é indestrutível, ela nunca a esqueceria na sua alma. Apenas se assustou por ter sido acordada.

Aos poucos a menina foi serenando nos braços da mãe e Anita também.

Ela falou à mulher:

— Eu vou voltar para casa.

— É perigoso percorrer todo o bosque com a menina nos braços, viu que os lobos poderiam tê-la matada.

— A senhora deve tê-los mandado, eles a obedeciam.

— Eu entendo a linguagem das plantas e dos animais e sei que todos me têm por bruxa por isso.

— E a senhora não o é?

— Em certa medida, sou e não me envergonho disso.

— Mas, deveria se envergonhar de ter roubado uma criança.

— Eu não a roubei, eu a salvei.

— Se a salvou, deveria tê-la me devolvido tão logo passou o perigo dos revoltosos.

— Eu devolvi, tanto que a chamei até aqui.

— Minha família esteve aqui a procurando e a senhora se escondeu.

— Eles não me encontraram porque a menina não poderia ser entregue a eles, apenas a você.

— E por que?

— Porque você deu a vida a uma de nós e isso faz dela a sua responsabilidade.

— Como a uma de vocês? Ele é minha filha, minha e de meu marido, o Rei! Um dia ela também será Rainha!

— Ela nasceu com poderes especiais, com uma sensibilidade maior que os demais, desde muito pequena, a senhora será capaz de perceber o quanto a sua filha é especial. Nós, as ditas bruxas, já sabíamos que nasceria a princesa da paz, que seria aquela com o sangue de Seráfia do Sul e de Seráfia do Norte, que unificaria os reinos e acabaria com todos os tipos de segregação dentro dele, até mesmo das ditas bruxas, seríamos reconhecidas como as cidadãs que somos, seríamos compreendidas com nossos dons ao serviço do bem.

— Minha filha não é nada disso! Não temos bruxas na nossa família!

A bruxa abriu um sorriso sem dentes e falou:

— O tempo dirá. Agora, quero apenas que me faça uma promessa.

— A senhora é minha súdita, me deve respeito e obediência, eu não lhe devo nada, nem promessas.

— Mas, os Reis devem o melhor para os seus súditos, não é verdade?

— Quando os seus súditos o merecem.

— Eu mantive sua filha viva e a salvo e não o mereço?

— Está bem. O que a senhora quer?

— Que volte aqui assim que a menina completar 7 anos e a entregue a mim para que eu possa instruí-la.

— Isso nunca! – disse Anita, apertando ainda mais a filha em seus braços – Nunca mais vou entregar-lhe a minha filha.

— Terá 7 anos para pensar a respeito – falou a bruxa dando outro sorriso banguela.

— Se não o quê?

— Se não... Vossa Majestade saberá.

— Isso é uma ameaça?

— Não, é um aviso. Eu não sou má como pensa.

— Eu vou embora daqui.

Anita abriu a porta com a filha nos braços e viu que caía forte chuva. Foi obrigada a permanecer no chalé da bruxa durante toda a madrugada.


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