Blank Space escrita por Eve Arneiro


Capítulo 1
Don't let me be misunderstood




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Um ano de licença médica, e enfim eu estava voltando para o trabalho.
       Quer dizer, o trabalho que todos disseram que eu tinha. Porque eu não lembro. Aliás, não lembro de nada de antes do aneurisma que quase me matou. Cinco anos completamente apagados da minha memória, um milagre que ainda estivesse viva.
       Quando acordei, achei que estava no hospital devido a uma queda de pressão, por ter esquecido de comer. Comecei a falar que tinha perdido a apresentação da turma da universidade, quando minha irmã, Karen, disse:
           - Nina, você se formou há seis anos.
         Foi um baque para mim. Um baque para todo mundo. Os médicos disseram que pode ou não ser permanente. E qual não foi a minha surpresa quando cheguei em casa, e uma criança veio até mim, pedindo colo.
          - É seu, Karen?
          - Não, Nina. É o Vinícius, seu filho. Seu.
        Foi um verdadeiro pesadelo para mim. Esqueci de tudo, até do meu filho.
         E agora eu estava voltando para a cidade onde o meu eu de antes trabalhava. Aparentemente, eu trabalho em um banco.
          Eu não sei o que meu eu de antes tinha na cabeça para ir trabalhar em banco. Detesto agências bancárias. Odeio o dresscode dessas empresas. Mas segundo Karen, eu não conseguia emprego em nenhuma escola depois da formatura, e não teve outro jeito a não ser prestar concurso pra onde tinha vaga.
       - Não se preocupe – disse meu pai enquanto dividia um sanduíche para Vinícius – Deu certo da primeira vez.
         - Nunca estive na situação de começar do zero no mesmo lugar, com as mesmas pessoas.
         - Aos poucos, tu se acostuma.
      Meu pai, Neilton, tinha viajado algumas semanas antes para alugar outra casa para mim. A que eu morava antes ele teve que entregar. Parece que todos na pequena cidade de Bom Jesus das Colinas sabem do meu problema, então meu pai conseguiu um aluguel dentro do meu orçamento, e mobiliado, ainda por cima. Só o básico, fogão, geladeira, armário e cama, mas já era alguma coisa.
         Minha mãe havia morrido há dez anos. Isso eu lembrava, assim como a saudade que eu sentia, a falta que ela fazia em minha vida. Ela me ajudaria tanto com Vinícius, que com dois anos já estava naquela fase de enlouquecer qualquer mãe.
          Mãe. Quem diria. E mãe solteira.
       E pelo visto meu eu anterior não fez questão de dizer quem era o pai.
         Minha vida se tornara um mistério, e isso me incomodava muito. Não gostava da sensação que a perda de memória causada pelo aneurisma me deixou. Era como se alguém não tivesse gostado da história escrita até ali, então pegou a borracha e apagou tudo. E agora reescreveria tudo de outra maneira.
         E dali a três dias, eu estaria na agência novamente. Mas a nova eu, aquela que teria que reaprender a conhecer os colegas, o chefe, os clientes, a lidar com o sistema de informática da empresa, enfim, tudo.
  Obviamente, eu imaginava como seria a minha reapresentação. “Bom dia, gente, agradeço a todos por...”, não, assim não.
     “Bom dia, é muito bom estar de volta.” Me Deus, que mentira. Na minha cabeça, eu sequer estou voltando...
          “Bom dia...”, aaaah, credo, não consigo articular nada.
       Olhei para a janela do ônibus, aquela paisagem linda , cheia de árvores, e pus meus fones de ouvido. Liguei o celular, ativei o aplicativo de música, e escolhi a primeira playlist. No refrão da primeira música, o cantor pedia a Deus para não deixar ser mal interpretado.
       Fechei os olhos, pedindo a mesma coisa. Pois de uma coisa eu tinha certeza: eu não tinha certeza de nada.
          E francamente...


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