Pretty When You Cry escrita por Mileh Diamond


Capítulo 1
1970


Notas iniciais do capítulo

Eu não tenho muita coisa pra dizer aqui não, essa fic é uma bagunça do início ao fim :'V
Boa leitura ♥



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Yakov havia ido para aquele banquete com a certeza de que seria uma droga.

Para ser sincero, a semana inteira estava uma droga. O pior era que deveria ser o máximo, com todos os planos que estavam fazendo. O Campeonato Europeu seria em Leningrado, ele era o favorito ao ouro, Lilia iria com ele para ser apresentada devidamente como esposa à sua família, tudo seria ótimo. Perfeito demais. Isso até Lilia atender a um telefonema dois dias antes de embarcarem e receber a notícia de que seu irmão morrera no Vietnã.

Não era o tipo de coisa que você ouve e supera em cinco minutos. Houve choro, houve copos quebrados, houve uma Lilia dormindo apenas sob o efeito de calmantes naquela noite. Yakov também sentiu muito a morte do cunhado que vira talvez três vezes na vida, porque os Baranovsky eram uma das famílias mais receptivas que ele já vira, mesmo com toda a disciplina militar que os regia. Ele não queria arrastá-la para aquela viagem desgastante num momento tão delicado, mas ao mesmo tempo não queria deixá-la sozinha. Ela concordou em ir mesmo assim, encobrindo toda a angústia do luto com uma expressão impassível e fria de soldado. Seu trabalho nos palcos era encenar, fingir sentimentos que ela não tinha. Tinha que se aplicar à vida real, também.

E assim estava correndo aquela semana horrível, com Lilia se fechando em seu próprio mundo de amargura e falsificando eventuais sorrisos para estranhos que não mereciam saber sobre os pormenores de sua vida. Até a medalha de ouro sofrida de Yakov perdera o brilho naquele cenário fúnebre que poucos tinham conhecimento.





Yakov era idiota. Era a única explicação plausível para ele deixar a própria esposa mentalmente perturbada ir ao banquete com ele. Ele deveria ter insistido em ficar com ela no hotel, avisado seu treinador do ocorrido e mandar a delegação à merda para as possíveis críticas. Mas, de novo, Yakov era idiota e não conseguiu dizer "não" para Lilia e suas tramas autodestrutivas. Ele ingenuamente achou que a festa ia melhorar o humor dela e diminuir um pouco da tristeza causada pela notícia recente.

Deu certo. Deu certo demais, até. Uma hora ela estava ao seu lado, com toda a classe, postura e requinte de uma solista do Bolshoi que, por acaso, também era esposa de um medalhista olímpico. Na outra, ela sumira com Anatoly Ganshin porque o último queria apresentá-la como coreógrafa a uma dupla de dança do gelo polonesa. Anatoly, após Yakov, era o segundo maior resquício de juízo entre os patinadores da CSKA, então ele nem se preocupou. Lilia ficaria bem.


A primeira coisa que ele pensou ao ver uma moça dançando alegremente com o patinador tcheco no meio de uma pequena multidão foi que ela deveria ser dançarina profissional. A segunda foi que ela usava um vestido muito parecido com o de Lilia. A terceira foi que ela parecia muito com Lilia quando usava cabelo solto.

Yakov demorou exatos quarenta e dois segundos para se dar conta de que a moça era a Lilia.

— Lilia? - a calma com que ele tinha perguntado aquilo a si mesmo já devia ser sinal de que a bebida o entorpecera o bastante. Mas provavelmente seu eu sóbrio não teria uma reação muito diferente, porque ele só conseguia ficar perplexo.

A comissão organizadora havia contratado músicos para tocar ao vivo e agora eles tocavam alguma polca tradicional que Yakov não conhecia. Mas Lilia sim, pelo visto. O jeito enérgico com que ela rodopiava, girava sobre os calcanhares sem desequilibrar e batia as palmas em perfeita sincronia com a música sem nem uma vez desmanchar o sorriso só eram provas pequenas do quanto ela era talentosa como bailarina. O fato de que ela era linda também era outro argumento desnecessário para explicar o quanto Yakov a amava.

E porque ele a amava e a conhecia como ninguém, ele sabia que aquela euforia não podia ser real.

Ele não estava preocupado com as manchetes sensacionalistas dizendo "Esposa de Yakov Feltsman, campeão soviético da patinação artística, dá vexame em evento internacional", até porque ele tinha gente o suficiente do lado dele para garantir que todos naquela festa esqueceriam forçadamente de bailarinas bêbadas dançando valsa. Mas ele com certeza estava preocupado com Lilia e as razões que a levaram a perder a compostura, de forma que ele não demorou para se infiltrar na rodinha e resgatar sua esposa do patinador que estava se divertindo muito para o seu gosto.


Excuse me, she is married. - ele disse com talvez um pouco mais de mau humor que o necessário, torcendo para que sua pronúncia em inglês tivesse saído decentemente enquanto puxava Lilia para longe do tumulto. - Lilia, vamos embora...

Lilia ainda se virou para trás para acenar para o desconhecido.

Mr. Nepela, thank you! You are very good dancer!! - ela disse animadamente para o patinador tcheco que ficou lá, observando a tudo com cara de paspalho. - Yasha, eu dancei com o Ondrej Nepela. Tipo, ele é muito fofo.  Você viu como ele é fofo?

— Eu não acho meninos "fofos", Lilia. E ele é muito novo pra você. - tinha que ter paciência agora, pois Lilia com certeza não estava em condições de receber uma bronca. Se bem que a cara dele não estava a mais amigável de todas. - Onde está Anatoly, afinal? Ele deveria estar com você.

— Ele tava dançando comigo, mas aí ele cansou e o Ondrej me convidou e eu não ia recusar porque eu queria muito dançar. Estavam tocando Yarullin! - a euforia com que ela falava era quase contagiante se Yakov não soubesse que não era natural. - Você devia ter dançado comigo, Yasha. Vai, me convida pra dançar, faz tempo que a gente não faz isso!

— Eu acho que você passou da conta no champanhe, Lilushka. - ele acabou sorrindo um pouco para a cena. Ultimamente era tão difícil vê-la alegre daquele jeito. - Eu vou chamar um táxi e a gente vai voltar pro hotel, tudo bem? Você precisa descansar, tem ensaio na segunda...

— Que ensaio o quê, eu não posso nem passar na rua do Bolshoi! - ela disse mais alto do que devia, fazendo algumas cabeças se virarem para eles em confusão. Yakov precisava sair da vista daqueles olhos... - Se eu aparecer lá, eles me fuzilam. E eu não tiro a razão deles, sabe? Mas até que eu vou sentir saudade porque...

— Espera, espera, vamos com calma. - ele disse franzindo o cenho e erguendo as mãos. A bebida havia acabado com o pouco de raciocínio lógico que ele tinha. - Como assim você não pode aparecer no Bolshoi? O que aconteceu?


— Eu não te falei? Eu fui demitida! - ela deu uma risada estridente que não combinava em nada com a gravidade da notícia. - Agora eu sou uma moça bela, recatada e do lar. Eu vou cuidar da família como toda mulher russa comum e aprender a fazer um kasha decente...

Yakov piscou confuso.

 

— Demitida? - cada palavra naquela conversa fazia menos sentido que a primeira. - Como...?

 

— Eu mandei o diretor corrigir o port de bras da égua da mãe dele.  - ela disse  repentinamente séria. - E chamei Ostroumova de "baranga", Tarasova de "piranha", Samsonov de "estrupício"... Eu xinguei todo mundo que me irritava naquela merda, então é, eu xinguei muita gente, Yasha. Foi tão bom, tão libertador, tão revigorante...

 

Cada palavrão parecia entrar como uma faca no peito de Yakov, porque era um sinal de que Lilia não estava bem e ele não percebera mais cedo. Ela nunca perderia a paciência tão facilmente assim.

Eles saíram do salão principal para algum corredor vazio. Ele já estivera naquele hotel algumas vezes, sabia as saídas se precisasse. Mas antes ele queria entender o que estava acontecendo.

 

— Mas... Por quê? - ele perguntou completamente perdido naquela história. - Por que você não me falou nada?

 

— Por quê?! Eles queriam que eu parecesse mais "leve", mais "jovial" , mais "feliz" um dia depois do meu irmão morrer. E ainda sugeriram que era mentira essa história e que eu estava dando uma desculpa para viajar pra Leningrado com você! - ela estava praticamente gritando agora. Um grito acompanhado de lágrimas desesperadas que só tornavam a cena mais desoladora. Yakov já tinha visto o suficiente daquelas lágrimas quando Lilia recebera a ligação anunciando a morte de Yegor. - Bailarinos não têm o direito de serem humanos. Eles só podem sofrer se o personagem pedir e até isso tem que ser feito com beleza. Me diz, Yakov, eu pareço bonita sofrendo? A minha dor é bela o suficiente para ser respeitada agora?!


Yakov não sabia como responder àquilo.  Ele sempre dizia que Lilia era bonita de qualquer jeito e nunca viu mentira naquilo. Lilia era maravilhosa em todos os ângulos que ele foi autorizado a ver. Ela era perfeita em suas qualidades e em seus defeitos. Lilia sempre seria linda aos seus olhos.

Mas aquela frase vazia implicava que o contraste úmido de olhos verdes num rosto excessivamente rosado pelo choro era belo. Que o cabelo solto e revolto sobre os ombros trêmulos era belo. Implicava dizer que a mulher desesperada a sua frente era bela.


Se ele assistisse àquilo como um frio crítico de arte, poderia dizer que a cena de Lilia Baranovskaya aos prantos num corredor de hotel era o epítome da beleza. Mas Yakov nunca teria o direito de ver o sofrimento de Lilia e apreciar um fio de cabelo que fosse daquela imagem.


Ele não respondeu e Lilia continuou chorando, os soluços aumentando enquanto ela escondia o rosto nas mãos para diminuir a vergonha. Só agora ela se dava conta de que estava fazendo um escândalo em público.

— Eu fui tão burra...


Aquilo finalmente fez Yakov tomar alguma iniciativa.

— Não, você não foi. - ele disse diminuindo a distância entre os dois para envolvê-la num abraço. Ela cheirava a perfume e champanhe. - Shh, tá tudo bem. Vai ficar tudo bem.


Ela pareceu chorar ainda mais com aquelas palavras, como se não concordasse com elas nem um pouco. Não está tudo bem. Não iria ficar tudo bem.

Eles acabaram no chão do corredor, as costas apoiadas na parede, Lilia chorando sobre o ombro de Yakov sem sinal de desistência e arruinando seu terno. Ele nunca gostou muito daquela roupa, para ser sincero.


— Esse ano tá uma droga, Yasha. - ela disse com a voz já um pouco rouca, os olhos fixos em algum ponto no chão. - Me tiraram dois solos, me tiraram meu par, o povo fala mal de mim, meu irmão morreu e agora eu perco o meu emprego. Mas que porra, hein?! - ela gritou a última parte para o alto, os olhos verdes semicerrados de frustração e ódio, como se ela desafiasse alguma entidade superior responsável pelo seu destino. Não tendo uma resposta, ela fechou os olhos cansada, encostando a cabeça na parede. - Eu sinto tanta falta do Daniyal, Yasha. Soloviev é um babaca metido e fresco que não chega nem aos pés dele... Se Danik me convidasse, eu teria ido pra Astana com ele, sabe? A gente teria começado nosso próprio balé, muito melhor do que o daqueles filhos da puta.


Se aquela fosse outra situação, com Lilia sóbria e com um homem que não fosse Daniyal Altin; Yakov teria entrado em combustão espontânea por ciúmes. Mas era um caso especial, com Lilia mais sensível que o usual, sentindo falta de tudo que costumava lhe trazer conforto e de repente foi roubado. Daniyal era assim, ele era um de seus melhores amigos. Não tanto quanto Yakov, mas ainda muito próximos. Era normal ela sentir saudade.

Mas mesmo a ideia fantasiosa de Lilia ir embora com seu parceiro e começar um balé com intenções puramente platônicas o assustava. E foi por isso que ele fez o seguinte comentário:

 

— Acho que ele não fez isso porque você tem uma família aqui, Lilia. - ele disse tentando soar calmo e despreocupado, mas havia uma velada urgência na sua voz. - Sabe, você é casada. Com aliança e tudo.

Lilia quase riu com aquilo.

— Que casada o quê, eu nunca... - ela olhou para a própria mão e arregalou os olhos, como se apenas agora notasse a aliança no dedo. - Eita porra, eu casei?! Com quem?!


Foi a hora de Yakov empalidecer e encará-la com olhos arregalados de medo, choque, desespero e todos os outros sentimentos angustiantes que existiam. Como assim "com quem"?! Lilia era aquele tipo de bêbada que tinha uma amnésia repentina?

 

— Comigo, Lilia, você casou comigo! - ele disse não se importando mais em ser gentil ou falar baixo, porque no momento ele estava tão nervoso quanto uma noiva que foi deixada no altar.

 

Lilia piscou algumas vezes, olhando da aliança para ele e depois para a aliança de novo.

 

— Não pode ser...


Yakov inspirou profundamente com aquilo. Sua vontade era de gritar até sua garganta doer e socar uma parede. Dane-se equilíbrio e postura de campeão olímpico, a esposa bêbada dele estava dizendo que não acreditava que eles se casaram, como ele devia reagir?!

(Talvez ele mantivesse a calma com mais facilidade se não estivesse parcialmente bêbado, também.)

— Pode sim, Lilia. - ele disse com o último resquício de calma que ainda tinha em si antes de começar a chorar como uma criança. - Eu tenho um rinque inteiro como testemunha. Eu tenho fotos. Eu tive a bênção dos seus pais e eu nem sou católico, Lilia.

Ele se sentia como um réu fazendo a própria defesa num tribunal cuja juíza era bobinha, mas impiedosa. Ele tinha que se proteger de uma pena de morte. Porque o que ele faria se, de repente, Lilia decidisse que não estava de acordo com aquele casamento e pedisse o divórcio? Yakov ficaria louco. Ele choraria até morrer ou fugiria para o Tibete para criar cabras.

Lilia olhou mais uma vez para a aliança, o cenho franzido de quem estava fazendo uma conta muito complexa sem calculadora. Ele já a vira fazendo o dever de matemática. Ela era horrível em matemática.

 

— ...Então não foi um sonho? - ela perguntou levantando o olhar com um ar de esperançosa incredulidade.

Aquilo desarmou Yakov de todas as maneiras possíveis.

— Sonho? - ele repetiu confuso.


— Tipo, eu lembro de Daniyal me dando carona na moto dele até o cartório. Você estava lá com um juiz de paz que parecia o John Kennedy. Aí a gente casou e depois eu fui encenar La Sylphide e de noite... - ela suspirou cansada, descrente em tudo que suas memórias lhe contavam. - A gente foi pro rinque e eu estava de fantasia ainda. Foi tudo tão louco, não tinha como ser real. Eu achei que era sonho, Yasha. Só sonhos assim são tão felizes.

Yakov piscou algumas vezes atônito. Ele não sabia dizer se aquilo era piada, até porque Lilia era péssima com piadas. Ele não sabia dizer se era verdade, porque era a coisa mais absurda que ele já ouvira hoje. Mas ele também sabia que, mesmo a conhecendo há oito anos, havia coisas que ele nunca desvendaria sobre sua melhor amiga.

E ele amava esse desafio eterno que era Lilia Baranovskaya.

— Alguns sonhos se tornam reais quando nos esforçamos o bastante. - ele disse tomando a liberdade de segurar a mão dela, a que tinha a aliança. - Você foi um sonho meu, Lilia. E ele virou realidade.

 

Lilia sentiu as bochechas corarem com aquilo. Ela já não podia culpar unicamente o choro.

— Às vezes eu acho que não te mereço, Yakov. - ela disse num murmúrio, quase para si mesma.

— Eu te faço feliz? - ele perguntou sem hesitar, preparado para qualquer resposta boa ou ruim.

— Sim. - ela respondeu imediatamente, seus olhos carregando uma convicção destoante de toda a demonstração de fraqueza que ela deu minutos atrás. - Mais do que eu possa colocar em palavras, mais do que qualquer um possa explicar. Eu não sei como eu poderia ser feliz longe de você, Yasha.


— Então está tudo certo. - ele disse aproximando seus rostos até que estivessem na sua distância favorita: a que ele pudesse ver apenas o verde-mar de dois olhos o encarando com aquela eterna curiosidade e devoção. - Porque, acima de tudo, você merece ser feliz, Lilushka. E eu agradeço todos os dias por ter a honra de colocar um sorriso no seu rosto.

Ela sorriu com aquilo, por mais piegas que soasse. Yakov considerou uma missão cumprida: devolver o brilho para aqueles olhos.



Foi Lilia que iniciou o beijo, acabando com o já mínimo espaço entre os dois. Ela sempre foi a mais impaciente dos dois, não que Yakov se importasse. Ele já estava contando os minutos para ter aqueles lábios junto aos seus, naquela mistura excêntrica de batom, lágrimas e álcool que só Lilia conseguia tornar viciante.

Terminado o beijo, com os dois ainda um pouco ofegantes, Yakov não perdeu tempo em abraçá-la mais uma vez e Lilia correspondeu com mais ânimo do que antes. Era ele quem precisava daquele abraço. Era uma garantia de que ela estava bem, de que estava ali com ele. O pior havia passado.


— Eu nunca mais quero te ver assim, Lilia. - ele disse contra o cabelo dela, olhos fechados para maximizar o efeito das outras sensações. - Desculpa ter feito você vir comigo pra Leningrado, desculpa ter feito você vir nessa festa, desculpa...

— Pare de se culpar por tudo quando é o mundo que está errado. - ela disse se afastando e segurando seu rosto com um sorriso triste. - Já falei que você é muito fofo preocupado? Parece um ursinho. Desses de pelúcia...


— Você está passando tempo demais com a minha mãe. - ele disse e os dois riram, o único som naquele corredor vazio que presenciara momentos tão angustiantes há poucos minutos. Era incrível como eles conseguiram ficar sozinhos por tanto tempo. Com um último e rápido beijo na garota, Yakov disse - Vem, vamos embora. Foi uma noite cheia pra todo mundo...


Ela assentiu e ele a ajudou a se levantar, ainda estava um pouco tonta. Só então Yakov percebeu que ela estava descalça.

— Cadê os seus sapatos? - ele perguntou.

Ela olhou para os próprios pés, parcialmente escondidos pela barra do vestido amassado.

— Não faço ideia. - ela fez uma careta. - Eu tirei e deixei com o Anatoly...?

— Ele vai guardar, não se preocupe. Irina faz isso com ele desde sempre. - ele assegurou e continuou com um sorriso. - Eu posso te carregar enquanto esperamos o táxi.

Ela sorriu para a ideia.

— Adoraria. - ela disse e eles continuaram seu caminho pelo corredor até a saída, tendo a sorte de não encontrar ninguém importante ou com uma câmera no caminho. - ...Yasha, eu posso te recompensar por tudo que te fiz passar essa noite.


— Hm? - Yakov virou-se para ela distraído, não entendendo de primeira o que ela quis dizer.

Ele já teve uma ideia prévia do que se tratava pelo olhar. Ah, aquele olhar... Lilia carregava um parecido quando encenava Kitri de Dom Quixote, tinha um muito semelhante quando tentou fazer ciúmes em Yakov com outros caras antes deles namorarem, quase sempre o tinha quando aparecia no rinque com a minissaia vermelha que para Feltsman era tanto dádiva quanto maldição.


Era um olhar que não deveria ser associado à flor símbolo de pureza e inocência que Lilia tinha como nome.


— Você merece uma compensação digna do ouro que ganhou. - ela disse com uma voz aveludada enquanto falsamente ajeitava a gravata do marido. Provavelmente queria tirá-la. - Eu posso fazer uma apresentação só pra você, com um figurino bem econômico, bem contemporâneo... E sem intervalos, porque você sabe que a minha estamina é uma coisa de louco.



Se havia um intermediário entre pálido porque viu a morte e vermelho porque a morte está te paquerando, provavelmente descreveria a cor de Yakov naquele momento.

 

— Ah! - ele disse como num susto quando finalmente entendeu as intenções da mais nova. - Não, nada disso, Lilia. Você não está em condições de tomar esse tipo decisão. A gente vai chegar no hotel e vai dormir.

Dane-se se eles eram casados, Yakov tinha princípios. E eles incluíam ambas as partes estarem perfeitamente conscientes de suas faculdades mentais e motoras para aquele tipo de ocasião. Lilia provavelmente esvaziara uma garrafa inteira naquela noite e acabara de sair de uma crise de choro. Ele não iria se aproveitar da situação.

Mas Lilia não estava de acordo, pelo visto, pois fez o bico mais infantil em seu catálogo. Ela queria que Yakov se aproveitasse sim da situação. Dessa, da próxima, da que viesse depois dessa, até serem tantas situações que ela sequer se lembraria como se soletra "Lilia".

 

— Mas eu não tô com sono, Yasha... - o bico deu lugar a um sorriso de lado cheio de segundas intenções, as mãos desistindo daquela gravata sem-graça para passear pelo pescoço de seu marido, que já estava tão vermelho quanto o rosto. Ela tinha imensa curiosidade de saber até onde ia aquela cor. - Lembra das palestras da Komsomol? A gente pode discutir planejamento familiar de forma prática. Quem sabe a gente consegue gêmeos de primeira...

Yakov engoliu em seco, cada palavra e toque colocando seu autocontrole à prova de um jeito muito, muito cruel. A forma mais rápida que ele tinha de retomar as rédeas da razão era lembrar de seu bom e velho sogro Vasiliy Baranovsky polindo uma escopeta na sala de estar. Ele nunca vira a cena, mas já sonhou com ela e não duvidava nem um pouco da veracidade.


— A gente podia discutir isso em casa, Lilushka... - ele tentou mais uma vez, fazendo o seu melhor para tirar as mãos dela de cima de si sem parecer um cretino.


Yashenka...


Aí já era golpe baixo.


— Muito bem, você vai dormir no quarto da Irina hoje. - ele anunciou mantendo o máximo de distância que conseguia dela sem soltar sua mão. Não podia correr o risco de perdê-la na multidão. Sem nem olhar pra ela, ele começou a andar. - Vou falar que eu tô com conjuntivite ou qualquer outra coisa e que você não pode se infectar.


Lilia bufou.

— Você é ridículo, Feltsman. Eu vou pedir o divórcio!


— Sei. - ele disse sem nem piscar. - Vai fazer isso antes ou depois dos gêmeos?


— Tanto faz, eu só quero fazer os gêmeos.


Lilia...


Ele amava aquela mulher.


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Notas finais do capítulo

- Até agora eu tô em dúvida se o +13 da classificação indicativa cabe aqui, Lilia tá dificultando meu trabalho, senhor o/////o

— Farid Yarullin é um compositor tártaro responsável pelo balé "Shurale". Eu realmente gosto das músicas dele então coloquei a Lilia dançando uma valsa desse balé apenas para satisfazer o meu ego :B


— Lilia não foi demitida nesse evento, mas chegou perto :P Apesar de não ser insubstituível, Lilia já tinha uma popularidade considerável no Bolshoi e, com um pouco de diplomacia de seu antigo professor Vadim Gerasimov, ela pôde voltar ao trabalho após um pedido público de desculpas ao diretor. Mas ninguém a obrigou a pedir desculpas aos bailarinos, então ela ainda ficou recebendo olhares tortos por um bom tempo. *suspira* Ai, Lilia, juro que um dia eu te escrevo com um emocional estável, mas não será hoje, perdão.


— Ondrej Nepela foi um patinador artístico que representou a Tchecoslováquia até 1973. Em 1970, ele tinha 19 anos (Considerando que Lilia estava com 21 não faz tanta diferença assim :P ). Ele foi campeão mundial três anos seguidos e campeão europeu quatro anos seguidos, de 1970 a 1973, mas eu roubei um ouro dele aqui porque Yakov merecia mais.



— Não era de conhecimento geral na época, mas a URSS apoiou o Vietnã do Norte/Vietcongs durante a Guerra do Vietnã (1955-1975) enviando conselheiros militares e alguns pilotos, num apoio de caráter mais logístico. Isso não significa que não houve baixas entre os soldados russos, por isso eu fiz o irmão da Lilia, piloto Yegor Baranovsky, morrer durante uma operação. Na fanfic "Despedida" é mencionado que ele foi para lá em 1967, mas houve períodos em que ele voltou a Rússia para resolver outros assuntos. Ele viveu o suficiente para saber por cartas que a irmã se casara, mas já fazia quase um ano que eles não se viam em pessoa. Não houve corpo para velar.


— Daniyal Altin seria o tio-avô do Otabek e desde os tempos de escola ele e a Lilia eram um par no balé. Ele faz algumas aparições em "Philia" e podia ser considerado um dos melhores amigos da Lilia, depois do Yakov. Houve um pouco de política que influenciou sua saída do Bolshoi, explicando porque Lilia disse que "tomaram" o par dela, mas em essência ele saiu por conta própria. Ele continuou dando aulas e se apresentando no balé da Abay Opera House em Almaty e foi um dos visionários que influenciou a formação do Balé de Astana, uma companhia que tem ganhado cada vez mais admiradores desde sua fundação em 2012. O contato com Lilia ficou restrito a uma ou duas cartas por ano, fora as eventuais viagens a Rússia, mas eles nunca deixaram de se falar.

— Mais OOC que isso aqui só eu fazendo dieta, eu sei. MAS TODO MUNDO É OOC QUANDO BEBE, NÉ? :B


— Sinto que se eu trocasse Yakov por Victor e Lilia por Yuuri não ia fazer diferença nenhuma na coerência do enredo :V


— Lírios são flores que representam pureza, castidade e inocência. HA.


— Sim, o Yakov ainda teve que carregar a Lilia até o táxi.


— Eu não sei quando eu vou parar de escrever esses dois. A culpa não é minha se eles são lindos.



E é isso, gente, não vou escrever fanfic até o ano que vem -q
Se você caiu aqui de paraquedas, tenha um Feliz Ano Novo, que 2020 seja um ótimo ano para você alcançar seus objetivos e tornar seus sonhos realidade. E lembre-se, as coisas podem não estar bem agora, mas elas vão ficar bem. Tenha fé ♥
Para Nat King, aquele açúcar de sempre que eu acho que o fandom já tá cansado, mas ken liga, eu não >:V Obrigada por me acompanhar esse ano, desde a disposição para comentar em fanfics sem nexo, passando pelo esforço de dedicar histórias lindas à minha pessoa e culminando em ouvir meus devaneios que iam muito além de conversa de anime nas MPs. Que 2020 nos reserve coisas muito melhores e que essa amizade continue sempre a crescer \(۶•̀?—•́)۶////

Um bom 2020 para todos e JUÍZO NA BEBIDA ?’3?“9

XOXO



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