“Minha vida, meu amor, minha motivação, eles vieram da dor!

(Believer - Imagine Dragons)

Eu era apenas um guardião que não conhecia a si mesmo. Um livro de páginas vazias. Assim que minha mente era - marcada pela falta de memórias. Um turbilhão de informações jogadas de uma vez só em um corpo. Ainda assim, eu sentia. Tinha emoções. E medo. Um guardião com medo? Eu era uma piada. Mas, ainda assim. Mesmo sabendo que nunca fora bom o bastante para pertencer a lugar nenhum, eu me importava. Me importava com as poucas pessoas que conhecia. Esse não era o meu trabalho, eu sabia. E, mesmo sabendo que não sabiam da minha existência, o que doía até a minha alma, eu me importava. E, mesmo sendo um mentiroso, eu falava a verdade às vezes. 

Eu decidi que iria quebrar as regras uma vez para fazer o certo e não simplesmente porque era um garoto perdido e rancoroso. Havia alguém que precisava saber da verdade. Alguém que, sem dúvidas, eu amava. 

Eu entrei no quarto daquele hospital cautelosamente. Os aparelhos apitavam, ligados à paciente. Ela estava sozinha. Evie não estava ali, eu tinha tomado cuidado para ir no momento em que ela estivesse na escola. Melina estava deitada no leito hospitalar, com os olhos fechados. Estava mal. Ela precisava saber. Ela tinha o direito. 

Me aproximei da cama lentamente. Ela abriu os olhos. Por um momento, tive esperanças de que ela daria um sorriso maternal para mim, mas apenas franziu o cenho. Eu sabia que isso aconteceria. Melina não me conhecia assim. Não com a aparência de um humano, apenas um gato preto de nome contraditório. 

— Quem é você? - Perguntou cautelosa e fraca. Minha coragem quase se esvairou. 

—Eu sou Nerfi. - Respondi baixinho. 

—Olá, Nerfi. - Deu um sorriso fraco. Ela era gentil. Mesmo com pessoas que não conhecia. Mesmo à beira da morte. - Você entrou aqui por engano? - Minha voz parecia ter desaparecido. Eu não conseguia responder. Uma coisa esquisita na minha garganta me trazia uma sensação ruim. - Nerfi? 

—Não. - Consegui responder. Meus olhos ardiam como nunca antes. Eu queria chorar. 

— Está tudo bem?

Então, contei tudo a ela. Sobre Loki. Sobre mim. Sobre a minha função. Contei que era Fish e o que fazia. Contei que Loki sabia sobre a Evie. Melina não deu uma palavra sequer. Não parecia surpresa. Nem decepcionada. Ela parecia aliviada. Quando me sentei em uma poltrona ao seu lado, ela não protestou. Apenas me olhava. 

— Eu sinto muito. - Falei baixinho, tentando conter uma lágrima. Melina envolveu minhas duas mãos com as dela, amigável. 

— Está tudo bem, querido. - Me tranquilizou. Apenas balancei a cabeça positivamente. - A verdade é sempre a melhor opção. - Seus olhos encheram-se de lágrimas. Meu peito apertou. - Nerfi, você sabe que eu vou morrer, não é? - Engoli o bolo em minha garganta e assenti. - Pode me prometer uma coisa? - Sussurrou. 

—Sim. 

—Por favor, me prometa que não vai deixar sua irmã sozinha. - Pediu, limpando uma lágrima que escorria em seu rosto. - Me prometa que vai ajudá-la a encontrar o pai de vocês e que vão tentar formar uma família feliz. Todos juntos. - Assenti, controlando o choro. - Ninguém merece passar a vida sozinho, como sombra de algum familiar. 

—Prometo. - Respondi sem nem pensar. Ela deu um sorriso fraco. 

—Obrigada, Nerfi. - Ela apertou minha mão, maternal. 

Poucas horas, naquele mesmo dia, Melina morreu, deixando uma certa dor em mim. Meses depois, descumpri tudo o que eu havia prometido a ela. Melina ficou sabendo a verdade sobre mim. Mas, eu mesmo não sabia a verdade sobre a minha própria vida. Quem eu era, afinal?